Fibras solúveis no tratamento da doença hepática gordurosa não-alcoólica:
estudo piloto
COMUNICAÇÃO BREVE BRIEF COMMUNICATION
Fibras solúveis no tratamento da doença hepática gordurosa não-alcoólica:
estudo piloto
Non alcoholic fatty liver disease: treatment with soluble fibres
Raquel RochaI; Helma P. CotrimII; Ana Cristina SiqueiraII; Shirley FlorianoII
IEscola de Nutrição, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA
Correspondência
INTRODUÇÃO
A doença hepática gordurosa não-alcoólica (DHGNA) é uma das mais freqüentes
doenças do fígado da atualidade. Está relacionada a diversos fatores de risco e
um amplo espectro clínico-histológico, que inclui a esteatose, a
esteatohepatite com e sem fibrose e cirrose.
A DHGNA é comumente observada em pacientes obesos, diabéticos e com
hiperlipidemia, entretanto estão também entre seus fatores de risco
medicamentos, cirurgias abdominais, toxinas ambientais e doenças genéticas(4).
O tratamento de DHGNA envolve principalmente o controle dos fatores de risco.
Assim, a recomendação de dietas equilibradas e atividade física regular são
consideradas essenciais, principalmente quando a doença se relaciona com
obesidade, dislipidemia e diabetes mellitus. Entretanto, como estas medidas nem
sempre são eficazes em longo prazo, a introdução de drogas como parte do
tratamento tem sido avaliada. Entre elas estão o ácido urso-desoxicólico, os
antioxidantes (alfa-tocoferol, vitaminas B e C) e as drogas insulino-
sensibilizantes(1). Embora haja resultados promissores, os ensaios terapêuticos
com medicamentos são ainda insuficientes para resposta conclusiva sobre sua
eficácia e, por isso, consideram-se de interesse estudos que propõem a
utilização de novas drogas.
Como a eficácia das fibras solúveis tem sido observada no controle de condições
metabólicas, notadamente da obesidade e dislipidemia, que são fatores de risco
relevantes para a DHGNA, este estudo teve como objetivo principal determinar a
eficácia da suplementação oral de fibras no tratamento dessa doença hepática.
MÉTODOS
Ensaio clínico piloto, desenvolvido no Ambulatório de Esteatohepatite Não-
Alcoólica (NASH) do Hospital Universitário Professor Edgard Santos,
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA.
Critérios de inclusão
Pacientes com diagnóstico de DHGNA, segundo os seguintes parâmetros: história
de ingestão ocasional ou negativa de etanol (<140 g de etanol/semana); exclusão
de outras doenças crônicas do fígado (vírus B e C da hepatite, hemocromatose e
autoimunes); métodos de imagem (ultra-sonografia ou tomografia computadorizada
ou ressonância magnética), mostrando esteatose hepática; elevação dos níveis
das aminotransferases (ALT/AST e GGT).
Critérios de exclusão
Idade inferior a 18 anos; mulheres grávidas; diabéticos em uso de insulina ou
hipoglicemiantes orais; pacientes em tratamento medicamentoso para doenças
crônicas sistêmicas ou infecciosas; pacientes que haviam realizado algum
tratamento medicamentoso para perda de peso e diabetes nos últimos 6 meses;
pacientes com história de intolerância a fibras; assinatura de consentimento
livre e esclarecido para participar do estudo. O projeto foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisas da Maternidade Climério de Oliveira e Programa de
Pós-Graduação em Medicina e Saúde, UFBA.
A fibra solúvel utilizada é derivada de cutículas do plantago ovata (Ispaghula
husk), flavorizado (laranja), sem adição de açúcar, na dose de 10 g diárias
(Plantabenâ - Altana Pharma), distribuídas em duas doses de 5 g, 30 minutos
antes das principais refeições, por 3 meses. A droga é bem tolerada e não está
associada com eventos adversos sérios, sendo descritas flatulência e sensação
de plenitude, que desaparecem com a suspensão da droga. As contra-indicações
são hipersensibilidade ao plantago ovata e diagnóstico de obstrução intestinal.
Seguimento
Os pacientes foram acompanhados mensalmente através de consultas clínicas e
realização de exames laboratoriais: aspartato aminotransferase (AST), alanina
aminotransferase (ALT), gama - glutamiltransferase (GGT); fosfatase alcalina
(FA), triglicerídeos (TG), colesterol total, glicemia de jejum e insulina em
jejum. A resistência à insulina foi avaliada pelo modelo matemático Homeostasis
Model Assessment Method (HOMA-IR). Peso e altura foram avaliados para
identificação do índice de massa corporal (IMC) e foi aferida a medida da
circunferência da cintura (CC). Para avaliação desses parâmetros (IMC e CC)
foram utilizados os valores de referência da OMS (1997). Os dados foram
analisados pelo pacote estatístico SPSS, com utilização Wilcoxon para comparar
as variáveis, considerando os níveis de significância estatística de 5% de
possibilidade de erro tipo alfa.
RESULTADOS
Vinte pacientes foram selecionados para o estudo, 13 preencheram os critérios
exigidos pelo protocolo e 12 concluíram o estudo. Um paciente foi excluído
porque apresentou diarréia como efeito colateral da droga. A idade média foi de
40,3 ± 8,7 anos e 92,2% eram do sexo masculino. Na avaliação antropométrica,
todos pacientes apresentavam excesso de peso (IMC >25 kg/m2) e 11 apresentavam
obesidade central. Observou-se redução nos valores médios do IMC e
circunferência da cintura dos 12 pacientes que concluíram o tratamento, mas sem
significância estatística (Tabela_1). A glicemia sérica e o valor de HOMA
também tiveram redução, entretanto sem significância estatística (Tabela_1). No
lipidograma, encontraram-se seis pacientes com hipercolesterolemia e sete com
hipertrigliceridemia; houve aumento nos níveis séricos de colesterol e
triglicérides, P >0,05 (Tabela_1). Isoladamente, observou-se redução nos níveis
de colesterol sérico em 33,3% (4/12) dos pacientes e de triglicérides em 50,0%
(6/12) dos casos. A normalização dos níveis séricos de ALT, AST e GGT foram
observadas em 75% (9/12) dos casos. A diferença entre os níveis séricos destas
enzimas hepáticas no inicio e término do tratamento foi estatisticamente
significante (Tabela_1).
DISCUSSÃO
A redução nos valores do IMC, circunferência da cintura e resistência à
insulina em 100% dos casos, redução nos níveis de colesterol sugerem controle
dos fatores metabólicos relacionados à DHGNA após o tratamento com as fibras
solúveis. A normalização nos níveis séricos das enzimas hepáticas, na maioria
dos pacientes (75%) é também resultado relevante, pois sugere controle da
atividade da doença DHGNA.
O mecanismo de ação das fibras solúveis não foi completamente elucidado.
Entretanto, tem sido atribuída às fibras, interferência no metabolismo dos
lipídeos, que impedem a re-esterificação de ácidos graxos no tecido hepático e
induzem a uma menor síntese e secreção de triacilglicerois(2). Alguns trabalhos
em ratos têm mostrado efeito protetor das fibras solúveis no desenvolvimento da
esteatose hepática sem qualquer efeito sobre a hipertrigliceridemia(2, 3, 5).
DAUBIOUL et al.(3) estudando o efeito da suplementação de fibra solúvel em
ratos obesos Zucker, observaram neutralização na formação de tecido adiposo e
esteatose hepática, sem alterar triglicérides e glicose séricos e sugeriram o
chamado efeito "hepatoprotetor" das fibras solúveis.
Na presente investigação duas metas desejadas no tratamento da DHGNA foram
alcançadas: controle dos fatores de risco e da resistência à insulina, e
normalização dos níveis das enzimas hepáticas (AST, ALT, GGT), sugerindo
redução à agressão hepatocelular.
Estes resultados estimulam a realização de estudos controlados com esta droga,
envolvendo também a avaliação histológica da DHGNA, doença hepática de elevada
freqüência e para a qual não estão ainda disponíveis esquemas terapêuticos
definidos.