Efeito da icterícia obstrutiva na fertilidade, morfologia ovariana e
desenvolvimento fetal em ratas
COMUNICAÇÃO BREVE BRIEF COMMUNICATION
Efeito da icterícia obstrutiva na fertilidade, morfologia ovariana e
desenvolvimento fetal em ratas
Effect of jaundice on fertility, ovarian morphology and fetal development in
rats
Vivian ResendeI; Andy PetroianuI; Marlene Soares Dias AlvesII; Luiz Ronaldo
AlbertiI
IDepartamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG
IIDepartamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Belo
Horizonte, MG
Correspondência
INTRODUÇÃO
A colestase específica da gestação ocorre principalmente no terceiro trimestre
e desaparece com o término da gravidez. Supõe-se que ocorram mudanças nos
sistemas enzimáticos dos hepatócitos, envolvendo o metabolismo das bilirrubinas
e sua excreção(1). Nos casos em que essa afecção ocorre, observa-se mais recém-
nascidos com sofrimento fetal intra-uterino, além de alto índice de
prematuridade(1).
A hiperbilirrubinemia mostrou toxicidade embrionária ao constatar-se diminuição
dos locais de implantações de embriões na parede uterina e sua reabsorção
quando se implantavam(2). Experimentalmente, o método mais utilizado para obter
icterícia obstrutiva é a ligadura do ducto biliar(2).
Considerando as complicações gestacionais, que são mais freqüentes em pacientes
com hiperbilirrubinemia e as poucas análises relacionadas a essa condição,
realizou-se o presente estudo, cujo objetivo foi verificar se há alterações no
processo de fertilização e desenvolvimento fetal de ratas com
hiperbilirrubinemia.
MÉTODO
Este estudo foi realizado de acordo com as recomendações das Normas
Internacionais de Proteção aos Animais e do Código Brasileiro de Experimentação
Animal (1988) e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Experimental da
Universidade Federal de Minas Gerais.
Foram utilizadas 53 ratas da raça Lewis, sexualmente maduras, com 4 a 5 meses
de idade e peso inicial variando entre 191 g e 220 g. Elas foram mantidas em
temperatura e iluminação ambientes, recebendo diariamente água e alimento
completo para ratos. Os animais foram aleatoriamente distribuídos em dois
grupos:
grupo 1 (n = 28): animais submetidos a ligadura do ducto biliopancreático;
grupo 2 (n = 25): grupo controle - animais submetidos apenas a laparotomia
seguida de laparorrafia ("sham operation" - operação simulada).
A regularidade dos ciclos estrais nos animais destinados ao experimento foi
avaliada por meio de esfregaços vaginais diários durante 7 dias. Coletou-se o
lavado vaginal e fez-se o esfregaço, que foi fixado com álcool-éter 1:1 e
corado pelo método de Shorr (1941).
Sob anestesia geral com cloridrato de quetamina (90 mg/kg) e cloridrato de
xilazina (10 mg/kg), ambos por via intraperitonial, os animais do grupo 1 foram
submetidos a laparotomia mediana, ligadura dupla do ducto biliopancreático e
sua secção. Os animais do grupo 2 foram submetidos ao mesmo procedimento
anestésico, de laparotomia e laparorrafia para simular o efeito do trauma
operatório.
No 10º dia pós-operatório, coletou-se sangue para dosagem quantitativa dos
níveis de bilirrubinas circulantes.
A partir do 23º dia pós-operatório, as ratas foram acasaladas com um macho
sabidamente fértil. Nos dias seguintes ao acasalamento, os esfregaços vaginais
continuaram a ser feitos diariamente, para verificar a presença da cópula,
mediante a observação de espermatozóides. Os animais não copulados permaneceram
acasalados durante 15 dias nos quais os esfregaços vaginais continuaram a ser
realizados diariamente.
A morte dos animais foi processada após anestesia com cloridrato de quetamina e
cloridrato de xilazina no 12º e 20º dias após cópula e no 15º dia após o
acasalamento, nos animais em que não se constatou a cópula. As ratas não
acasaladas foram mortas 35 dias após a ligadura do ducto biliopancreático, no
período de diestro.
Os fetos das ratas com 20 dias de gravidez e que foram submetidas a ligadura do
ducto biliopancreático foram macroscopicamente comparados entre si e com
aqueles das ratas não operadas, analisando-se seu aspecto morfológico e medida
cefalocaudal. A vitalidade dos fetos foi avaliada pela presença de movimentos
ativos no momento em que foram removidos do útero, com a rata ainda viva, sob
anestesia.
Os ovários foram preparados para estudo histológico pela coloração de
hematoxilina-eosina, e tricrômico de Masson. O número e tamanho dos corpos
lúteos foram determinados após examinar cada corpo lúteo em toda sua extensão.
As comparações entre os corpos lúteos, peso dos ovários e peso dos animais
foram realizadas utilizando o teste da análise de variância com um fator. Para
avaliação da influência da hiperbilirrubinemia na prenhez utilizou-se o teste
do qui ao quadrado. Utilizou-se a análise de correlação de Sperman (r) para
comparar a proporção de animais com prenhez em relação às concentrações de
bilirrubinas. Os dados foram considerados significantes para P<0,05.
RESULTADOS
Todos os animais submetidos a ligadura do ducto biliopancreático apresentaram
elevação das bilirrubinas (bilirrubina total de 7,81 ± 2,68 mg/dL), sendo de
6,61 ± 2,49 nos animais não prenhes e de 8,68 ± 0,47 nas ratas prenhes
(P>0,05). Também não houve diferença com significância estatística entre a
bilirrubina direta e indireta nos animais ictéricos (P>0,05). Ao exame
macroscópico do abdome, não foi verificada alteração inflamatória que sugerisse
colangite ou pancreatite.
A proporção de animais prenhes foi de 39,3 % (11 ratas) no grupo submetido a
ligadura do ducto biliopancreático e de 92,0 % no grupo controle (23 ratas) (P
= 0,0002), mostrando que existe diferença entre os animais com e sem icterícia
(OR = 17,8) (3,04 <OR <135,55).
Das 17 ratas com ligadura do ducto biliopancreático que não desenvolveram
prenhez, 9 foram copuladas e em 8 não se constatou a cópula. Entre as nove
ratas copuladas, duas permaneceram em diestro durante 6 dias após a cópula. As
outras sete ratas copuladas apresentaram ciclos estrais atípicos. As 11 ratas
que tiveram prenhez permaneceram em diestro após a cópula. Ainda com relação ao
grupo 1, entre as oito ratas em que não se constatou a cópula, cinco
apresentaram também ciclos estrais atípicos após o acasalamento, com períodos
prolongados que variaram entre 4 e 6 dias em proestro ou estro. Nas outras 23
ratas em que se evidenciou a cópula e que tiveram prenhez, houve a permanência
em diestro nos 7 dias subseqüentes à cópula.
Em cinco ratas do grupo 1 com 20 dias de prenhez em que se realizou a ligadura
do ducto biliopancreático, observaram-se 47 fetos, sendo que, apesar de terem a
mesma idade gestacional, eles tiveram diferentes estádios de desenvolvimento,
com medida cefalocaudal variando entre 1 e 2 cm. Por outro lado, as ratas do
grupo 2 também com 20 dias de prenhez, sem ligadura do ducto biliopancreático,
observaram-se 40 fetos com igual tempo de gestação, sendo que os mesmos
apresentaram comprimentos com pequena variação de tamanho (2,1 a 2,2 cm) e a
morfologia externa indicava o mesmo estádio de desenvolvimento. Observou-se,
ainda, que no grupo 1 alguns fetos estavam tão deformados e pequenos, que não
foi possível medi-los. Todos os fetos do grupo 2 apresentaram movimentos ativos
no momento em que foram retirados do útero, ao contrário dos fetos do grupo 1
que estavam inativos, sugerindo que estivessem mortos.
Nas ratas grávidas, as células lúteas não diferiram entre os grupos com e sem
icterícia, porém seis ratas, que não desenvolveram gravidez do grupo 1,
apresentaram somente corpos lúteos em fase de regressão e em outras oito ratas
do mesmo grupo somente corpo albicansforam observados.
A Figura_1 representa o diâmetro dos corpos lúteos nos animais dos grupos 1 e 2
em dois períodos da prenhez (12 e 21 dias). Observa-se que os animais com 20
dias de prenhez apresentaram maior diâmetro do corpo lúteo gravídico em ambos
os grupos quando comparados aos animais com 12 dias de prenhez (P <0,0001).
Entretanto, não foram verificadas diferenças entre os animais dos grupos 1 e 2,
mostrando não haver influência da hiperbilirrubinemia no desenvolvimento do
corpo lúteo gravídico.
![](/img/revistas/ag/v45n3/a16fig01.jpg)
Em relação ao peso dos ovários, observou-se resultado semelhante ao encontrado
no diâmetro do corpo lúteo gravídico, onde os animais com 20 dias de prenhez
apresentaram maior peso ovariano quando comparados às ratas prenhas com 12 dias
(P <0,0001).
Não foi observada correlação significativa entre o peso dos animais e as
medidas do diâmetro do corpo lúteo e as medidas do peso dos ovários (P >0,05).
Porém, existe correlação significativa entre o diâmetro do corpo lúteo e o peso
dos ovários (P = 0,0001 e r = 0,7038).
DISCUSSÃO
Determinou-se o acasalamento para após o 23º dia pós-operatório, por
considerar-se tempo suficiente para que os animais sofressem as conseqüências
da hiperbilirrubinemia e surgimento da fibrose biliar(3).
Os mecanismos que determinam as alterações reprodutivas em mulheres com doenças
hepáticas ainda são pouco elucidados. O presente estudo indica que, em presença
de icterícia, ocorre cornificação do epitélio vaginal das ratas. Essa alteração
poderia ser causada pela hiperbilirrubinemia, que estimula a elevação de
estrogênios livre no plasma, pelo deslocamento de seus locais de ligação na
albumina(4).
A constatação de que os diâmetros médios dos corpos lúteos e pesos dos ovários
não diferiam entre os animais prenhes operados e não operados sugeriu que a
hiperbilirrubinemia não interferiu no desenvolvimento das células lúteas
durante a prenhez. O crescimento do corpo lúteo durante a gestação pôde ser
comprovado ao se constatar aumento progressivo no peso dos ovários, tamanho das
células e corpos lúteos das ratas dos grupos com 12 e 20 dias de prenhez.
O estudo histológico dos ovários das ratas ictéricas desta pesquisa mostrou
ausência de corpos lúteos funcionais, sugerindo a existência de anovulação. A
permanência desses animais em uma única fase do ciclo estral (proestro ou
estro) reforça a hipótese de anovulação. As ratas que apresentavam apenas
corpos brancos em seus ovários tinham também grandes folículos com aspecto
cístico.
Ratas prenhes permanecem em diestro durante a gestação(4). Nesse período, o
principal hormônio secretado pelos corpos lúteos e placenta é a progesterona.
Os animais com ligadura do ducto biliopancreático que tiveram prenhez, também
permaneceram em diestro, indicando que a hiperbilirrubinemia não interferiu na
função secretora dos corpos lúteos gravídicos.
A falta de prenhez em alguns animais copulados pode ter sido decorrente de
interferência da hiperbilirrubinemia na fertilização. Outra possibilidade é a
ausência de desenvolvimento inicial do ovo ou anomalia em sua implantação(5).
Abortamentos imperceptíveis podem ter ocorrido em decorrência de múltiplas más
formações, como as detectadas no presente trabalho.
É provável que os fetos com desenvolvimento anormal, como os observados neste
estudo, cessaram seu crescimento em fases iniciais do desenvolvimento intra-
uterino, uma vez que próximo ao nascimento, todos os fetos tendem a apresentar
o mesmo estádio de desenvolvimento. É possível que a passagem das bilirrubinas
maternas pelas membranas placentárias contribua para os danos fetais
encontrados nesta pesquisa.
CONCLUSÕES
Concluindo, em presença de icterícia obstrutiva, a fertilização é viável, porém
a capacidade reprodutiva é reduzida e os ciclos estrais tornam-se irregulares.
Nessa situação, o epitélio vaginal permanece cornificado e os corpos lúteos
ovarianos regridem. Quando a prenhez acontece, os corpos lúteos gravídicos não
são alterados e aumentam de tamanho progressivamente, porém o desenvolvimento
fetal é alterado.