Enfermagem e família: investindo no primeiro passo
RELATO DE EXPERIÊNCIA
ENSINO
Enfermagem e família - investindo no primeiro passo
Monika Wernet
Mestranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e Professora
Assistente 1 das disciplinas de Enfermagem Neonatal e Enfermagem Pediátrica da
Universidade do Grande ABC
A família como foco de atenção para a enfermagem ganha lentamente um maior
destaque no cenário brasileiro. Porém, as ações dispensadas a mesma parecem
ainda ser integrantes de uma prática valorizadora do modelo biomédico e do
indivíduo, não conseguindo acessar a família e a sua comunidade. As ações e
planejamentos nas diversas áreas da Enfermagem explicitam uma preocupação em
assistir a família mas, o resultado concreto não consegue tal fato.
Aparentemente há um despreparo do profissional para tanto, uma vez que assuntos
básicos para uma introdução à reflexão a cerca da família, suas vivências e
dinâmica são escassos nos conteúdos curriculares dos cursos de graduação.
Angelo (1997), em sua tese de livre docência discorre a respeito de alguns
desafios na área de enfermagem da família, destacando o pensar família. A
autora afirma que o ensino de enfermagem tem grande responsabilidade pela
maneira como os estudantes e, conseqüentemente, os enfermeiros, pensam família,
adicionando que é este pensar inicial que favorece uma posterior continuidade
da exploração de possíveis ações e intervenções nesta área.Angelo (1997)
apresenta dados quantitativos sobre o ensino acerca da família no Estado de São
Paulo: das 14 escolas pesquisadas, 8 ministram aulas formais sobre família, com
carga horária entre 6 e 15 horas, sendo que apenas uma possui carga horária ao
redor de 40 horas. Duas escolas apresentam em sua grade curricular disciplina
formal sobre família e, nas demais, o conteúdo está integrado em outras
disciplinas.
Assim, sem um despertar reflexivo inical para a família, a maior parte dos
enfermeiros integram seu mercado de trabalho com posturas não favorecedoras de
um cuidar tão almejado pela enfermagem: um cuidar holístico, que contemple o
indivíduo, sua família e comunidade. Porém, aos olhos destes enfermeiros suas
ações englobam a família, e eles sentem - se cuidando da mesma. Num estudo por
mim realizado (Wernet, 1998) visando conhecer como a família era integrada nas
unidades pediátricas de um hospital da rede conveniada de São Paulo, os
enfermeiros respondiam orgulhosamente que a família era considerada no seu
cuidado uma vez que era oferecido a ela a responsabilidade de dar comida à
criança, ela tinha que trocar fralda e até deixavam - na ficar um pouco além
das visitas. Encontramos o familiar tendo deveres a serem cumpridos de acordo
com o achar de cada enfermeiro. Portanto, é um cuidar que é desvelado por um
estar que visa exigir respostas e/ou ações pré - estabelecidas daquela unidade
familiar, acreditando o enfermeiro ser detentor de um saber único e maior que
gerará as melhores respostas para aquela família.
Apenas quando conseguirmos deixar de lado o achar que sabemos o que é melhor
para o outro é que exerceremos intervenções, ações que apoiem a vivência
familiar,fíobinson (1994) ao comentar sobre os tipos de intervenção existentes
com famílias destaca aquela que considero mais apropriada, a "não tradicional",
que os profissionais de saúde devem ser mais curiosos sobre as crenças, idéias
e experiências da família. A família possuí capacidade para resolver seus
problemas. Wright; Watson e Bell (1996) salientam que geralmente as famílias
solicitam ajuda quando seus esforços para solucionar problemas se esgotaram ou
estão num impasse quanto ao o que fazer. Adicionam que indivíduos e/ou famílias
possuem crenças a cerca de seus problemas que facilitam ou bloqueiam a
resolução dos mesmos. A abordagem terapêutica foca na identificação,
questionamento e/ou modificação das crenças constritoras, acessando as crenças
facilitadoras. Devemos conseguir interferir no processo de significação.
Uma forma de acessar as crenças presentes nas vivências das pessoas é através
de suas narrativas. As narrativas permitem ao indivíduo contar estórias de si
mesmo, relatar suas experiências sempre de acordo com o que elas representam
para ele. As pessoas agem em função do significado que as coisas tem para elas
e, esta significação é construída nas interações com os indivíduos, podendo ser
constantemente reestabelecida.
Cada indivíduo é um processo interacional e, portanto conceitual. Com isto,
estamos sempre ao trabalhar com famílias em contato com uma pluralidade de
realidades e possibilidades que são dependentes do observador. Em adição,
durante todas as interações pode acontecer um processo de resignifcação e
alterar a representação dos elementos presentes na vivência.
Estamos cada vez mais afirmando o quanto um trabalho com famílias nunca está
pronto e sempre é construído no aqui e agora, ou seja, na interação do
presente. Não quero afirmar que podemos então ir sem nenhuma estruturação para
o cuidado da família, pelo contrário, quero sim enfatizar o quanto precisamos
estar continuamente atentos e reflexivos no estar com a família, procurando
sempre ir e vir com ela em suas resignifcações, acessando suas crenças,
conceitos, idéias mobilizadoras de uma dinâmica única e singular. Há uma
multiplicidade de atores e fatores que influenciam as respostas. Comofíobinson
eWright (1995) afirmam, a resposta nunca é predizível mas, conhecimentos e
várias leituras a respeito favorecem uma previsão para tal.
Portanto, a pouca ênfase que ganham conteúdos relacionados a assistência à
familia na formação do enfermeiro, interferem para a aquisição de uma postura
mais valorizadora da família. Assim, o presente artigo busca agora trazer o
relato de uma experiência de ensino - aprendizagem que visou oferecer ao aluno
a oportunidade de pensar família de forma mais curiosa e exploradora.
O processo aqui apresentado foi desenvolvido durante o último ano da graduação,
como conteúdo teórico e prático integrante das disciplinas de Enfermagem
Neonatal e Pediátrica do Curso de graduação de Enfermagem de uma Universidade
da rede particular do Estado de São Paulo. Serão destacadas apenas as
estratégias relacionadas à sensibilização para a família.
Os objetivos da disciplina relacionados à sensibilização à família foram:
- desencadear um processo reflexivo a cerca do que é família e sua dinâmica
adaptatória nas diversa
s vivências;
- oferecer ao aluno a oportunidade de experiênciar o ouvir narrativas
relacionadas ao processo de hospitalização de um ente (neonato ou criança);
- estabelecer momentos de exploração das vivências de acessar dinâmicas
familiares, permitindo a livre expressão dos sentimentos e emoções emergidas,
buscando a construção de conhecimentos adicionais para o estar com a família de
acordo com o movimento de cada aluno.
No primeiro dia de aula na disciplina de Enfermagem em Neonatologia o aluno é
solicitado a realizar uma dramatização cuja temática é a vivência de ter uma
criança (neonato) em uma unidade hospitalar, solicitando que ele busque mostrar
à família em casa e no hospital. Com isto os alunos expressam como eles vêem
tais questões. Alguns elementos estão sempre presentes nestas dramatizações: a
figura do médico que ordena tarefas a serem cumpridas; a família, na maior
parte das vezes representada pela mãe devendo ficar ao lado da criança; os
demais familiares como pai, avós permanecem do lado de fora pois as rotinas não
permitem a entrada; a família sempre está chorando, nervosa, pedindo para que
salvem o seu filho; e, a enfermagem pede calma, orientando as rotinas.
Após a apresentação da peçã teatral instiga - se uma reflexão a cerca do que
foi exposto, buscando favorecer a formulação de perguntas reveladoras do por
quê das ações dos profissionais. Em adição, questiona - se a sensação dos
atores que foram representadores dos membros da família. Este primeiro momento
tem como finalidade que o aluno gere indagações a cerca do que ele vê
acontecer.
A segunda aula trabalha o conceito de família a partir da família de cada
aluno. Ou seja, o aluno tenta definir sua família, o que ela representa para
ele, como é quando acontece um problema familiar. Alguns apresentam sua família
introduzindo - se uma reflexão do conceito de família, seu papel, e quando
podemos dizer que ela se encontra saudável. Nosso objetivo é que ao término
desta aula o aluno consiga verificar que família é quem ela diz ser, e, que a
saúde da mesma relaciona - se as qualidades das interações presentes no sistema
familiar, visando sempre o que esta família quer atingir. Portanto, queremos
que o aluno seja capaz de perceber a unicidade do conceito de família e saúde
familiar, sempre dependentes do acessar a definição/significação para aquela
família.
Já no campo de estágio ele é estimulado a conversar com as família ou com o
representante da mesma naquela instituição orientado que seu objetivo é
conhecê-la. Com a supervisão do professor o aluno é convidado a ampliar suas
explorações sempre em função de como cada aluno caminha. Ou seja, não há mais
uma tarefa para todos mas, cada um ganha em função de seus alcances objetivos a
serem alcançados. Temos aqueles que conseguem ouvir e identificar crenças que
estão presentes na vivência; outros não conseguem permitir a expressão do
familiar bloqueando a narrativa dos mesmos; alguns passam a construir
genogramas explorando a constituição familiar; há os que fazem entrevistas com
outros membros da família,...
Ao término do estágio prático os alunos selecionam o que mais lhes chamou
atenção durante este período exploratório da unidade familiar, seja ele
positivo ou negativo, expondo aos demais colegas da classe. Com o compartilhar
das vivências o aluno é capaz de perceber que situações similares despertam
diferentes e diversas sensações e significações. Fazendo então um paralelo com
as vivências da unidade familiar propõe - se uma nova interação no semestre
seguinte.
O primeiro contato oferecido desperta sentimentos de descoberta e admiração por
parte do aluno, enquanto que o segundo momento é caracterizado por uma vontade
de saber mais o que é isto: entrar em contato com famílias nesta perspectiva.
Assim, o aluno começã a trazer suas ansiedades de aprendizado que conduzirão a
próxima etapa. Alguns querem entrevistar mais famílias, outros desejam explorar
a vivência de uma família com maior detalhamento, há os que querem aprofundar
conhecimentos teóricos, técnicas de coleta de dados, entrevistas, dentre
outras.
Ao final muitos são sensibilizados e continuam sensibilizando outros, há também
os que não foram tocados pela estratégia. Mas, ofereceu - se a oportunidade de
por uma vez de pensar família. Queremos finalizar destacando que a saúde da
família depende dela conseguir estruturar seus processos adaptatórios, seja nas
vivências de doença ou de qualquer outra desestruturaçâo. Assim, o enfermeiro
que visa cuidar, deve estar sempre interessado e instigado a acessar esta
experiência, visando conhecer o que é aquilo para aquela família. Nunca teremos
respostas prontas para nada, a resposta está naqueles que estão vivenciando os
fatos. Mas, com certeza podemos ser apoio a família em sua vivência e
concordamos comAngelo (1997) eGreen (1997) que o passo inicial é pensar
família.