Nossa história rumo à saúde da família
RELATO DE EXPERIÊNCIA
ENSINO
Nossa história rumo à saúde da família
Cristina Brandt NunesI; Maria Angélica Marcheti BarbosaII
IEnfermeira Pediatra. Professora da Disciplina de Enfermagem Pediátrica do
Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS). Mestranda em Enfermagem pela UNIFESP-EPM/UFMS
IIEnfermeira Especialista em Metodologia do Ensino Superior. Professora da
Disciplina de Enfermagem Pediátrica do Departamento de Enfermagem da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Mestranda em Enfermagem pela
UNIFESP-EPM/UFMS
INTRODUÇÃO
A Saúde da Família propõe uma prática assistencial com novas bases estruturais,
as quais substituem o modelo tradicional de assistência, direcionado à cura de
doenças. Deste modo, torna-se uma estratégia que prioriza ações de promoção,
proteção e recuperação da saúde familiar de forma integral.
O princípio da integralidade, a que se propõe a Saúde da Família, exige a
superação da atenção primária por meio de programas postos às Unidades de
Saúde. (Mendes, 1996) SegundoPatrício (1994): "saúde da Família é a capacidade
de buscar e normalizar seu bem viver fundamentada na prática do cuidado, a
partir dos recursos de cada membro da família como unidade, com suas crenças,
valores e modos de cuidar, envolvendo a utilização de cuidados do sistema
profissional de saúde, incluindo o de enfermagem".
INÍCIO DA CAMINHADA
Nosso trabalho junto à Saúde da Família faz parte das atividades desenvolvidas
com os alunos da graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul na disciplina de Assistência de Enfermagem à Saúde da Mulher e da
Criança e, atualmente, Enfermagem Pediátrica e Estágio Supervisionado em
Enfermagem Pediátrica. Uma vez que em nosso curso a assistência à Saúde da
Família não vem sendo abordada no currículo de forma sistemática e, embora o
Programa de Saúde da Família (PSF) esteja sendo implantado gradativamente em
nosso Estado, procuramos, por meio de projetos de extensão universitária e dos
conteúdos da disciplina, integrar os alunos na comunidade de modo a propiciar
maior vivência junto às famílias atendidas.
O trabalho desenvolvido com os alunos, inicialmente, era realizado em
Comunidade, Centro de Saúde, Centro de Educação Infantil, Divisão Clínica de
Pacientes Especiais e, posteriormente incluído na Unidade de Internação
Pediátrica. Nossos objetivos vinham ao encontro aos aspectos inerentes à
criança e com o passar dos anos, percebemos que se as atividades desenvolvidas,
não fossem integradas com a família, ficariam direcionadas e centradas na
assistência à criança propriamente dita e nas situações técnicas específicas
relacionadas com a mesma.
Durante esta caminhada, os alunos, ao final da disciplina, demonstravam
capacidcide técnica para lidar com a criança, porém no momento em que o cuidado
envolvia uma abrangência maior, ou seja, o cuidado da criança no contexto
familiar, as dificuldades eram claras. Percebíamos, que ao aluno, faltava
instrumentalização teórica e metodológica para a atenção à criança e sua
família. Frente a essa realidade, sentimos a necessidade de modificar a
disciplina, a fim de propiciar uma abordagem centrada na criança e na família,
o que gradativamente vem sendo construído por meio de estudos, capacitações e
trocas de experiências com grupos que já atuam com práticas referente à
família.
Diante das nossas necessidades e a dos alunos, iniciamos projetos de extensão
envolvendo docentes, alunos, enfermeiros, família e comunidade, bem como a
inclusão de conteúdos sobre o PSF e Saúde da Família na disciplina de
Enfermagem Pediátrica.
ATUAÇÃO DA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM NUMA COMUNIDADE
Um grupo de professoras em conjunto com os alunos da disciplina de Assistência
de Enfermagem à Saúde da Mulher e da Criança se propos a realizar um projeto de
extensão numa comunidade localizada às margens da Bacia do Córrego Bandeira, no
período de julho de 1994 a dezembro de 1995.
Em parceria com as liderançãs do bairro, foi desenvolvida uma proposta de
recuperação nutricional de crianças a partir do nascimento até 6 anos.
A estratégia de entrada na comunidade foi por meio da realização de um
diagnóstico situacional, a fim de conhecer a realidade e a situação de saúde-
doença em que vivia a comunidade, ao mesmo tempo que nos deixamos conhecer por
ela, quem éramos e o que pretendíamos.
O levantamento domiciliar foi realizado em dois momentos, sendo um de
entrevista e outro de levantamento antropométrico de todas as crianças de 0 a 6
anos. Após coletados os dados, os mesmos foram analisados e interpretados,
subsidiando assim a nossa atuação.
Alguns dados levantados foram fundamentais para a relevância e contextualização
da nossa prática. Das 140 famílias residentes na comunidade, 75 famílias
possuíam 138 crianças entre 0 a 6 anos completos e destas, 38 encontravam-se
com baixo peso.
As condutas traçãdas, frente a esta realidade, foram desde orientação
higiênica, estímulo ao aleitamento materno exclusivo, orientação ao desmame,
orientação alimentar com o oferecimento da multimistura alternativa às famílias
com criança de baixo peso, atividades de estimulação do desenvolvimento,
estratégias de educação em saúde, contemplando o uso de fantoches e teatros até
encaminhamentos, quando necessários, ao Hospital e Centro de Saúde para o
Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança, onde a disciplina também
atuava.
VISITANDO A CRIANÇA E A FAMÍLIA APÓS A CONSULTA DE ENFERMAGEM
Desde 1992, a consulta de enfermagem faz parte das modalidades de ensino do
aluno de graduação em enfermagem no Programa de Assistência Integral à Saúde da
Criança (PAISC) em um Centro de Saúde de Campo Grande/MS. Esta prática tem nos
mostrado possibilidades de complementarmos medidas que possibilitem um modo
mais humanizado de cuidar da criança. A fim de complementar as atividades da
consulta de enfermagem inserida no PAISC, desenvolvemos, em 1997, um projeto de
extensão com um grupo de alunos, pois sentíamos a necessidade de sua inserção
na comunidade. Iniciamos, portanto, as visitas domiciliares de acordo com a
necessidade encontrada e por meio de encaminhamentos realizados pela equipe
composta por enfermeiro docente, enfermeira, auxiliar de enfermagem, médica
pediátrica e alunos, a fim de adequar as orientações ao contexto familiar.
Por meio deste projeto, foram atendidas, durante a Consulta de Enfermagem, 123
crianças de zero a cinco anos. Após a triagem dos encaminhamentos realizados
pela equipe profissional, priorizamos a visita domiciliar, sendo visitadas,
pelos alunos, 41 famílias. Em outro momento, com o propósito de trocar
experiência, bem como proporcionar a discussão e o estudo dos casos atendidos,
os alunos reuniam-se conosco, a cada visita domiciliar realizada, combinando,
assim, novas maneiras de atuação frente às situações encontradas.
PROPOSTA DE CUIDADO INTEGRADO À CRIANÇA E SUA FAMÍLIA EM UMA INSTITUIÇÃO
Paralelamente ao projeto anterior, iniciamos um trabalho em um Centro de
Educação Infantil (Órgão Estadual) que atende crianças de 4 meses a 6 anos, num
total de 107 crianças.
Percebendo que a interação do aluno e docentes com a criança, sua família e com
a equipe de funcionários desta Instituição, necessitava de ações contínuas para
obtenção de resultados que propiciassem mudanças significativas na realidade da
criança atendida, propusemo-nos a desenvolver atividades que envolvessem a
direção, educadores e equipe de funcionários (recreadores, cozinheira e
serviços gerais), alunos, enfermeira docente, a criança e a família.
As atividades foram realizadas pelos alunos com a nossa assessoria. A
princípio, os alunos fizeram o reconhecimento do local como a área física, os
recursos humanos e materiais existentes, o número de crianças por faixa etária,
as atividades didático-pedagógicas que eram desenvolvidas com as crianças pelos
educadores, quais os principais cuidados que realizavam com as mesmas e a
situação de saúde-doença apresentadas por elas.
Após este primeiro momento, nos reunimos com os alunos para delimitarmos a
prioridade do trabalho a ser desenvolvida. Realizamos encontros com os pais das
crianças, direção e funcionários e utilizamos atividades educativas, com o
objetivo de integração e troca de vivências.
O histórico de enfermagem foi utilizado para conhecermos as crianças e sua
realidade e as informações que nos eram necessárias foram coletadas em
domicílio, uma vez que um grande número de pais trabalhavam fora e importava-
nos conhecer a dinâmica familiar, pois percebíamos que o modo que a criança se
encontrava estava ligado a situações familiares como o desemprego, precárias
condições de moradia e carência afetiva. Após este momento, elaboramos um plano
de assistência de enfermagem de acordo com a realidade de cada criança e
família.
COMPARTILHANDO VIVÊNCIAS
Em 1998, com a mudança curricular, iniciamos a disciplina de Enfermagem
Pediátrica e Estágio Supervisionado em Enfermagem Pediátrica para os alunos da
A- série, incluindo outros projetos de extensão, objetivando uma interação
maior com a criança e sua família.
Nossas atividades de estágio acontecem em 3 momentos nos quais eles atendem,
num primeiro momento, a criança sadia, em um segundo momento a criança
deficiente e, num terceiro momento, a criança hospitalizada.
O projeto de extensão encontra-se em vigor há dois anos e conta com a nossa
coordenação e com a assessoria de uma psicóloga. Este projeto veio atender à
necessidade sentida pelos alunos do primeiro grupo da nova disciplina que,
embora não tenham participado do mesmo, nos possibilitaram refletir e procurar
novas formas de trabalhar as suas preocupações e, desta maneira, facilitar a
inserção dos demais alunos na enfermaria pediátrica.
Assim, no primeiro ano do projeto nos preocupamos em trabalhar as vivências dos
alunos na enfermaria pediátrica, pois percebemos a imensa dificuldade que eles
encontravam neste ambiente, demonstrada por medo, tensão, ansiedade no cuidado
da criança, e também pela presença do familiar. Já para o segundo ano do
projeto, após uma avaliação na qual envolvemos os alunos que participaram do
projeto inicial e a psicóloga, sentimos a necessidade de expandirmos para as
demais áreas da disciplina e, desse modo, permitirmos ao aluno um momento de
troca de vivência no instante em que sentisse necessidade e durante a atenção à
criança e família em nossa disciplina.
O trabalho foi realizado por meio de grupo operativo, o qual tinha como
objetivo servir de suporte para que o aluno pudesse desenvolver suas atividades
na disciplina, de modo a sentir-se estimulado a compartilhar as diversidades do
cuidado à criança e sua família.
Partindo do princípio que a assistência integral à saúde da criança engloba
também a família, e considerando que os alunos do último ano do Curso de
Graduação em Enfermagem estão no final da adolescência, vivendo portanto, toda
a "dor" advinda das perdas necessárias à mudança de identidade, pensamos em
oferecer-lhes este "espaço transicional" em que pudessem vivenciar suas
expectativas e angústias frente aos cuidados com a criança e sua família. Cada
grupo tem duração de uma hora e meia e são realizados durante o período em que
o aluno está em atividade prática, podendo variar de acordo com a necessidade
do grupo. A princípio são planejados 3 encontros, um no início das atividades
da disciplina, um quando iniciam as atividades de estágio e outra no final do
estágio.
Percebemos que esta atividade proporcionou aos alunos maior envolvimento e
segurança no cuidado com a criança, bem como mudanças significativas no
relacionamento com sua família. Além disto, a proposta, por meio do grupo
operativo, oportunizou ao aluno vivências que permitiram perceber que, na
assistência à criança e sua família, o saber transcende o conhecimento técnico-
científico, sendo pois, de suma importância, a competência humanística.
O CUIDADO DOMICILIAR À CRIANÇA DEFICIENTE
Sabemos que o nascimento de uma chançã deficiente representa o surgimento de
uma situação nova e diferente para a família. Esta situação, de certa forma,
impõe à família, esforços sob muitos aspectos: emocional, físico, social,
econômico e espiritual, e as dificuldades encontradas e a maneira como são
enfrentadas, têm grande influência sobre a dinâmica familiar. Assim, faz-se
necessário que o enfermeiro reconheçã as possíveis reações dos membros da
família a fim de colaborar para o ajustamento familiar e facilitar o
desenvolvimento das capacidades e potencialidades da criança.
O desenvolvimento de ações, junto às crianças deficientes, tem sido
possibilitado por meio de um projeto de extensão desenvolvido na Divisão
Clínica de Pacientes Especiais em vigor ha três anos, e contamos com a
participação dos alunos no atendimento das crianças. Realizamos a consulta de
enfermagem e a visita domiciliar, a qual nos permite desenvolver os cuidados e
estimulaçoes necessárias ao crescimento e desenvolvimento das crianças junto
com a família, bem como utilizar os recursos disponíveis do ambiente familiar
para as orientações. Percebemos, também, que o ambiente domiciliar nos propicia
excelente oportunidade de diálogo e apoio tão importantes para estas famílias.
Ainda não conseguimos realizar o grupo de pais tão almejado, mas estamos a
caminho.
CONSIDERAÇÕES
Nossa trajetória na disciplina tem sido marcada por inúmeros desafios na área
da enfermagem pediátrica e em nossa realidade; considerar a assistência à Saúde
da Família como prática, tem-se constituído um objetivo ainda maior para as
atividades docentes.
Acreditamos que é na formação do aluno, futuro enfermeiro, que devemos,
enquanto docentes, proporcionar condições a fim de que ele possa desenvolver as
suas potencialidades, de modo a permitir cuidar da família de maneira o mais
abrangente possível.
Em nossa vivência, percebemos que encorajar os alunos a refletir sobre as
experiências vividas e inseri-los no contexto familiar, possibilitou-lhes um
maior envolvimento com a dinâmica familiar, um entendimento melhor da relação
saúde-doença na realidade de cada família e a visão de um cuidado mais
humanizado.
No entanto, ao discutirmos sobre os aspectos referentes à Saúde da Família,
concordamos comSantos (1996), ao expor que: "o enfermeiro ao realizar práticas
com famílias necessita adotar um referencial teórico para desenvolver a
assistência, analisar criticamente tal referencial, não perder a perspectiva do
contexto histórico-social-cultural-afetivo-econômico, no qual a família está
inserida, valorizar tal contexto e desempenhar suas ações através do processo
de interação com a família".