Idealização e realidade no trabalho da enfermeira em unidades especializadas
PESQUISA
Idealização e realidade no trabalho da enfermeira em unidades especializadas
Idealization and reality at the nurse's work in specialized hospital sectors
Idealización y realidad en el trabajo de la enfermera en unidades
especializadas
Andréia da Silva GustavoI; Maria Alice Dias da Silva LimaII
IMestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Professora Assistente da Faculdade de Enfermagem, Fisioterapia e Nutrição da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
IIProfessora Adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo, E-mail:
malice@enf.ufrgs.br
1 Introdução
O trabalho da enfermeira em unidades especializadas, no modelo clínico de
atenção à saúde, é permeado por indagações e controvérsias. Há uma visão
dicotômica em relação ao cuidado e ao gerenciamento, que tem perpassado o
ensino e a prática de enfermagem. Muitas enfermeiras queixam-se que não
conseguem prestar cuidados aos pacientes como gostariam, ou seja, priorizando
em suas atividades a assistência aos pacientes. Essa é uma idealização,
contrária à realidade expressa no âmbito hospitalar, que requer dessas
profissionais a resolução de problemas referentes a pessoal, ao serviço e ainda
à articulação dos demais profissionais que estão envolvidos na assistência do
paciente. Todas essas atividades são em benefício do paciente, portanto, no
trabalho da enfermeira se interpenetram dimensões pertinentes ao cuidar e ao
administrar.
Historicamente são identificados dois campos de atividades no trabalho da
enfermagem(1): o dos cuidados e procedimentos assistenciais e o da
administração da assistência de enfermagem e do espaço assistencial. Alguns
autores(2) consideram o trabalho da enfermeira como multifacetado, atendendo a
diferentes finalidades, pois o seu interesse está voltado para todo o ambiente
de trabalho. Outros(3), também associam a multidimensionalidade ao trabalho da
enfermeira, acrescentando a necessidade de atenção para a complementaridade e
interpenetração das diferentes dimensões.
A partir da concepção de enfermeiras sobre seu trabalho em unidades de
internação de um hospital universitário foi evidenciado uma predominância das
atividades vinculadas ao gerenciamento da assistência. Porém, as enfermeiras
têm uma concepção que denota pouca aceitação dessa função, atribuindo ao
cuidado direto o ideal da profissão. Os resultados identificaram uma
contradição entre o que as enfermeiras pensam sobre o seu trabalho e o que
realmente fazem. Entretanto, a análise do material referente à descrição das
atividades desenvolvidas em uma jornada diária sugeriu que a relação entre o
cuidar e o gerenciar não é excludente e que o gerenciamento constitui-se em uma
das dimensões do cuidado de enfermagem. Surgiram, ainda, outros papéis que a
enfermeira desenvolve no seu cotidiano de trabalho, enfatizando-se seu papel de
articulação dos profissionais no trabalho coletivo em saúde(4).
Temos identificado que as atividades da enfermeira se modificam conforme a
diversidade dos inúmeros cenários que compõem o ambiente hospitalar. Esses
cenários são distintos entre si, dependendo do tipo de serviço que prestam, a
quem prestam, de que forma, quais as tecnologias empregadas, enfim, retratam
realidades singulares.
Esta investigação leva em consideração algumas interrogações que permeiam o
exercício profissional, visando a compreensão das dimensões do trabalho da
enfermeira no âmbito hospitalar, podendo contribuir para reposicionar seus
papéis tanto de cuidar como de gerenciar. Através das concepções de enfermeiras
podemos trazer à tona características inerentes ao processo de trabalho no
modelo clínico de atenção à saúde, propiciando a apreensão de singularidades
existentes no desempenho de suas atividades cotidianas, instigando-nos a buscar
possibilidades de fortalecer uma formação polivalente para o exercício
profissional no âmbito hospitalar.
Partindo de nossas indagações, o objetivo deste artigo é conhecer a concepção
de enfermeiras sobre as atividades que desenvolvem no processo de trabalho em
setores especializados, no modelo clínico de atenção à saúde.
2 Trajetória metodológica
É um estudo qualitativo, utilizando o referencial dialético, que permite
contemplar o material empírico com suas particularidades, sem perder de vista a
correlação com a perspectiva histórica e social.
A coleta de dados foi realizada no período de julho a outubro de 2000, através
de entrevistas semi-estruturadas com 24 enfermeiras de diversos serviços
especializados do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que prestam assistência
a pacientes: Centro Cirúrgico Ambulatorial (CCA); Unidade de Bloco Cirúrgico
(BC); Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA); Unidade de Transplante de
Medula Óssea (TMO); Unidade de Centro Obstétrico (CO); Unidade de Neonatalogia
(Neo); Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP); Centro de Terapia
Intensiva de Adultos (CTI - Área Cardíaca, Área 1 e Área 2); Emergência de
Adultos; Emergência Pediátrica. Para constituição da amostra sorteamos duas
enfermeiras entre aquelas que compõem o quadro funcional de cada unidade.
Obteve-se autorização da Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde da instituição.
Procuramos proteger os direitos dos indivíduos envolvidos, levando em
consideração as questões éticas para pesquisas com seres humanos e em saúde(5).
O consentimento do entrevistado foi obtido através de um Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. Para preservar o anonimato, as entrevistadas foram
identificadas por um código por ordem cronológica de realização da entrevista.
A análise dos dados(6) constituiu-se operacionalmente dos seguintes passos:
ordenação, classificação dos dados e análise final. A fase de ordenação constou
de transcrição das fitas e releitura das entrevistas, com a utilização de
códigos para cada entrevista. Após, procedemos à classificação, através de
leitura flutuante do conjunto das entrevistas, identificando estruturas de
relevância. A discussão dos resultados foi realizada em cinco núcleos: a
organização do trabalho da enfermeira; o espaço social do trabalho da
enfermeira; a articulação do trabalho coletivo; coordenação, supervisão e
controle do trabalho; idealização e realidade. São apresentados, neste artigo,
os resultados referentes a esse último núcleo.
3 Idealização e realidade
No cotidiano de muitas enfermeiras existe a idealização do seu trabalho como
sendo, estritamente, relacionado com a assistência direta ao paciente,
questionando outras dimensões existentes. Frente às concepções das enfermeiras,
apreendidas a partir da descrição das suas atividades no processo de trabalho
no modelo clínico, pudemos perceber que há uma diversidade no seu trabalho, até
mesmo, quando trabalham em uma mesma unidade.
Os mitos da profissão estão presentes no cotidiano de algumas enfermeiras. Três
delas concebem que ser enfermeira significa doação, ser mãe, irmã, tudo:
(...)ela [enfermeira] tem que acalmar o familiar do paciente, tem que
dar uma assistência direta para o paciente e ainda tem que ter tempo
disponível pra ouvir o grupo de trabalho quando tem algum problema.
Eu acho que tu tem que ser tudo, tem que ser mãe, irmã, tudo aqui
dentro.(E12 - SRPA)
Pesquisadora: Se te perguntassem: - O que é ser enfermeira? O que
dirias?
Enfermeira: É doação, não tem como não te doar.(E4 - Emergência
Adultos)
A presença desses mitos também foi evidenciada em outro estudo(4). Isso nos
reporta para as qualidades que eram consideradas importantes no início da
profissão e que, ainda, estão presentes na mentalidade de muitas profissionais.
A idealização das enfermeiras pode ser decorrente dos mitos da profissão,
relacionando o seu trabalho à vocação, inserindo-o, assim, num modelo
caritativo. Essa idealização choca-se com a concretude exigida pelo modelo
clínico, no qual seus elementos estruturais inviabilizam essa associação.
Houve enfermeiras que se conceberam como elemento fundamental na equipe de
saúde, cujo trabalho é diferenciado com conhecimento especializado. Dessa
forma, a enfermeira ora atua como cuidador direto, no qual assiste o paciente
desenvolvendo um cuidado científico, ora como cuidador indireto, no qual
supervisiona o trabalho dos técnicos, desempenha funções gerenciais com o
intuito de corresponder à lógica da instituição e à finalidade a que essa visa
atender.
A interface com outras profissões é reconhecida pela enfermeira como parte do
processo de trabalho, no qual ela atende ao papel educativo, administrativo e
assistencial, visando a manutenção da dinâmica do serviço e prestação da
assistência conforme as necessidades do paciente: Olha, eu acho que é um
profissional, (...) acaba se constituindo assim como um elo, (...) com relação
às outras equipes, então atender esse papel assim de educação, esse papel
administrativo, assistencial, tá tudo na mesma figura, tá tudo incluído (...)
(E23 - CTI Área 1)
Por outro lado, outras enfermeiras relacionam somente o cuidar e o assistir ao
paciente como formas de ser enfermeira:(...) ser enfermeira é poder cuidar das
outras pessoas, né? Aqui no caso poder cuidar das mães, cuidar dos nenês. É, é
o cuidado, é o cuidado com o outro. (E17 - CO)
A enfermeira do CTI se reconhece mais como coordenadora dos processos.
Confronta a sua idealização com a realidade, pois para ela o ideal é a
assistência integral do paciente. A vantagem que vê é que o setor fechado dá
uma tranqüilidade referente ao controle da assistência, visto que se está mais
perto do paciente, portanto facilitando a verificação da efetividade dos
cuidados prestados pelos técnicos de enfermagem. Justifica que o reconhecimento
social da enfermeira depende de sua dedicação no âmbito da assistência.
O número de enfermeiras em unidades de terapia intensiva em um hospital escola
foi evidenciado como não sendo suficiente para prestar assistência, então,
delegam-na para outros elementos da equipe de enfermagem. Dessa forma,
apreendem outro papel, o de coordenador da equipe de enfermagem, incluindo a
responsabilidade de capacitar a equipe para o cuidar. Relatam, também, que
devido à gravidade dos pacientes há a exigência da realização de cuidados
freqüentes e complexos pela enfermeira, considerados por elas como fator de
satisfação no trabalho(7).
Na concepção das enfermeiras do CTI sobre a ênfase de suas atividades
prevaleceu a função assistencial, mas houve algumas variações, como o caso da
enfermeira que desenvolve mais a coordenação do grupo de enfermagem e do
processo de trabalho, chegando a estipular que suas atividades se dividem num
percentual de 30% para a assistência e 70% para a coordenação. Outra refere que
desempenha a assistência e a supervisão e que a prevalência modifica-se
conforme o plantão, ou seja, o número de pacientes e as características do
paciente. Dessa forma, confirma-se que o trabalho da enfermeira modifica-se
conforme a especificidade do cenário:
No BC a enfermeira menciona que enfatiza o paciente, sugerindo que o seu ideal
é a assistência, mas não é o que realmente ela mais faz. Nesse sentido revela,
então, a supervisão, seguida da orientação do paciente.
Essas enfermeiras idealizam a assistência direta em menor grau do que
identificado com enfermeiras de unidade de internação(4). Isso pode ser
atribuído à necessidade de especialização das profissionais, onde suas
atividades se centralizam em determinados âmbitos. Pode-se depreender que as
enfermeiras das unidades especializadas exercem atividades assistenciais
diretas em maior proporção do que as enfermeiras das unidades de internação.
Uma enfermeira da SRPA idealiza para o seu trabalho um maior tempo para
conversar com o paciente, pois alega que se envolve muito com atividades
burocráticas. Mas, na realidade, essas atividades estão relacionadas com a
assistência, englobando a evolução do paciente no momento da baixa e da alta.
Para nós, essas atividades fazem parte do processo de trabalho da enfermeira,
mais especificamente, da parte assistencial. Portanto, mesmo verificando-se que
a enfermeira realiza muitas atividades assistenciais, ela não as valoriza como
tal. Parece que, em sua concepção, a assistência se configura por um contato
mais próximo na relação com o paciente.
Algumas enfermeiras questionaram que despendem muito tempo para a execução dos
registros, ocasionando a diminuição do tempo para estar junto ao paciente.
Muitas delas reconhecem a necessidade da realização dos registros do processo
de enfermagem como primordiais no reconhecimento da profissão e do trabalho da
enfermeira. A avaliação do paciente, o diagnóstico e a prescrição de enfermagem
são etapas preconizadas no processo de enfermagem e realizadas pelas
enfermeiras do estudo:
(...) aqui é mais voltado para o processo de enfermagem, então tu
escreve mais, agora, porque antigamente tu não te preocupava assim
muito com isso. Agora que tu fazes diagnóstico, avaliação, então tu
tem uma lista de problemas e em cima disso, a prescrição de
enfermagem. E tu confere se isso tá sendo seguido, o que melhorou, o
que pode ser modificado.(E19 - CTI Área Cardíaca)
O processo de enfermagem é um instrumento para a realização do cuidado e
constitui-se, ao mesmo tempo, numa forma de organizá-lo. Nessa direção, o
processo de enfermagem é uma atividade singular e concretiza a afirmação de um
saber específico vivido pela enfermagem8. Portanto, a enfermeira reúne esforços
para construir a legitimidade da profissão em torno de sua prática. Busca-se o
reconhecimento da enfermagem como um campo de conhecimento complementar à
prática médica, deixando de ser vista como auxiliar do médico, visão essa ainda
existente no modelo clínico de atenção à saúde, tanto por médicos como por
enfermeiras.
Ao imergirmos nas falas dos sujeitos, verificamos que as enfermeiras possuem
uma concepção acerca da predominância de determinadas atividades em seu
trabalho. Numa mesma unidade, o CCA, pudemos identificar essa afirmação, pois a
ênfase do trabalho da enfermeira na sala de admissão e SR é distinta da sala
cirúrgica. Na primeira, a enfermeira fica mais em contato com o paciente,
concentrando mais suas atividades na assistência direta; na segunda, volta-se
mais para a manutenção da infra-estrutura e do andamento da cirurgia.
No BC, cuja característica da unidade assemelha-se às salas cirúrgicas do CCA,
evidenciamos que a sua ênfase, também, é similar. Mas, a enfermeira expõe que
fica o tempo todo em função do paciente, seja com atividades assistenciais, ou
de supervisão e controle do andamento das salas e dos funcionários. Dessa
forma, fica difícil para essa profissional identificar uma ênfase no seu
trabalho, pois todas essas atividades estão interligadas e ocorrem de forma
repetitiva em um turno de trabalho.
Já a enfermeira da SRPA envolve-se na maior parte do seu turno de trabalho com
a assistência direta ao paciente, desempenhando um trabalho técnico através dos
procedimentos, avaliação e prevenção de complicações. Nessa unidade, o tipo de
atendimento é parecido com a sala de recuperação existente no CCA, porém a
intervenção cirúrgica que o paciente sofreu possui um grau de complexidade
maior do que o paciente da SR do CCA.
No TMO, sobressai a assistência direta ao paciente nas atividades da
enfermeira, das quais faz parte a profilaxia de infecções através da educação
para saúde do paciente e da família. O predomínio do cuidado direto deve-se,
também, pela própria proposta de organização do cuidado que está sendo
utilizada, que é o cuidado integral.
Pudemos perceber que a assistência não é só idealização, ela ocorre
concretamente em certas situações, tornado-se imprescindível no trabalho da
enfermeira. As atividades assistenciais no cotidiano da enfermeira englobam os
procedimentos técnicos de acordo com a especialização preconizada em cada
unidade estudada, a avaliação do paciente, a orientação para saúde do paciente
e familiar e a realização do processo de enfermagem. No CO há o predomínio,
também, do atendimento direto aos pacientes. A enfermeira desenvolve as
técnicas e o processo de enfermagem. Da mesma forma na UTIP a ênfase do
trabalho é na assistência direta ao paciente e, ainda, a enfermeira desenvolve
grupos com pais de pacientes agudos.
Já na Emergência de adultos emergiu uma contradição entre as enfermeiras
entrevistadas, quanto à prevalência de certa atividade. Uma delas, refere o
papel articulador que exerce entre o paciente, médico, funcionário,
instituição, comunidade, como preponderante em suas atividades. Ainda menciona
a função de avaliadora dos trabalhos e facilitadora das medidas de recuperação
da vida como presentes, de forma diferenciada, no seu cotidiano. A atenção
despendida, tanto para possíveis alterações do paciente, quanto para a
manutenção das rotinas representa, também, uma preocupação da enfermeira. Ao
passo que a outra enfermeira, situa a prevalência da função assistencial,
caracterizada pela permanência ao lado do paciente com uma certa liberdade de
ação e isso depende da experiência, sendo importante para o tipo de liberdade a
que nos referimos. A administração de alguns medicamentos pela enfermeira em
casos específicos, de acordo com sinais e sintomas do paciente pode acontecer
conforme combinações com a equipe médica:
Na emergência especificamente o enfermeiro ele é muito assistencial.
(...). A gente tem uma certa autonomia entre aspas assim, chega um
paciente no box de parada se é uma hipotensão já punciona, já coloca
um soro. Se é uma hipoglicemia já vou fazendo a glicose a gente já
tem isso dentro da equipe que a maioria são as enfermeiras muito
antigas, então isso com as mais antigas a gente já tem essa
autonomia.(E4 - Emergência Adultos)
Essa liberdade de ação é baseada num tipo de protocolo, no qual a avaliação da
enfermeira é que determinará o uso dessa prerrogativa ou não. A confiabilidade
da equipe médica está diretamente relacionada ao tempo de trabalho da
enfermeira no local, a sua experiência na prestação da assistência a
determinados pacientes com casos clínicos específicos. Sendo assim, a
especialização do trabalho da enfermeira é fator preponderante na dinâmica
desse serviço.
Ao indagarmos sobre qual a expectativa dos demais profissionais de saúde quanto
ao seu trabalho, as enfermeiras apontaram que o papel articulador que
desempenha no cotidiano é uma delas. Outro fator esperado por eles é o
conhecimento científico e especializado, de acordo com a área de atuação.
Inclui-se aqui o planejamento do cuidado adequado ao paciente, bem como o
desempenho técnico necessário e os conhecimentos da tecnologia empregada no
processo de trabalho.
A competência técnica e o conhecimento científico, também, foram mencionados
como exigência no trabalho de enfermeiras de uma unidade de terapia intensiva
(7). As enfermeiras revelaram satisfação por trabalharem numa área que exige
atualização de conhecimentos.
Também se espera da enfermeira a implementação do tratamento prescrito pelo
médico, pois o modelo clínico se organiza em torno do ato médico. Logo, o
médico é quem decide o diagnóstico do paciente e baseado nisso, prescreve a
conduta terapêutica. A administração de medicações, a realização de curativos,
a avaliação do paciente são atribuições da enfermeira e viabilizam a efetivação
da prescrição médica.
Claro que nem sempre os profissionais da saúde, principalmente o médico, vêem
no trabalho da enfermeira a interdependência com o seu e tampouco a
complementaridade existente entre as práticas de saúde no hospital. Dessa
forma, o trabalho da enfermeira é tido como auxiliar do trabalho médico. Uma
das enfermeiras expõe que percebe que muitos profissionais ainda querem que a
enfermeira desempenhe esse papel.
Da mesma forma que para os profissionais, para a instituição o desenvolvimento
do conhecimento científico se faz necessário, bem como a parte assistencial, a
coordenação da equipe e a organização dos trabalhos através do apoio, da
viabilização da operacionalização e a manutenção da ordem nas unidades.
Pela forma como foi mencionada pelas enfermeiras sobre a expectativa da
instituição em relação ao seu trabalho pudemos perceber que o esperado segue a
lógica capitalista, que requer uma profissional com conhecimentos
especializados, atualizados e que, além, da competência técnica, possua,
também, habilidades gerenciais.
Então, as múltiplas dimensões do trabalho da enfermeira podem configurar-se em
diferentes e, até mesmo, novas possibilidades de atuação. Esses novos caminhos
(9) necessitam ser visualizados como formas de intervir na assistência, como
algo mais global e com maior facilidade de intervenção.
Evidenciamos que a diversidade de atividades que constituem o trabalho da
enfermeira possui uma única finalidade, a assistência ao paciente, preconizada
pelo modelo clínico de atenção à saúde. O predomínio de uma função ou outra, em
seu cotidiano, é determinado pela especificidade do cenário no qual está
inserida. A idealização, muitas vezes, de determinado papel no trabalho da
enfermeira afasta-a da realidade expressa nas organizações de saúde,
prejudicando uma visão mais panorâmica, impossibilitando-a de explorar novos
caminhos que são importantes e necessários para a ampliação de seu espaço
social.
4 Considerações finais
Dentre as dimensões identificadas no trabalho das enfermeiras, salientamos a
assistencial e a gerencial, sendo que a ênfase de uma ou outra ficou
condicionada a singularidade do cenário no qual se insere, ou até mesmo, a
presença das duas dimensões, não sendo possível discernir qual delas é
predominante. Dessa forma, os dados analisados permitiram-nos validar o
pressuposto deste estudo: cuidar e gerenciar são dimensões do trabalho da
enfermeira, que se modificam conforme a especificidade das atividades
requeridas em diferentes unidades especializadas no âmbito hospitalar.
O papel articulador da enfermeira foi reconhecido pelas entrevistadas,
mencionando, também, que os profissionais esperam dela a articulação em
diversas situações, seja para comunicar alterações observadas com os pacientes
ou outra informação, tomada de algumas decisões, agilizar a organização da
infra-estrutura, articulação de diversos setores, enfim, todo o tipo de
resolutividade que solicitam à enfermeira.
A liberdade de ação da enfermeira configura-se em diferentes graus, conforme o
local em que trabalha, sendo obtida através de seu conhecimento especializado e
experiência, despertando confiança aos demais profissionais.
Diante da realidade expressa no cotidiano do trabalho da enfermeira, sugerimos
que repensemos a formação profissional, na qual, muitas vezes, incutimos
idealizações na futura enfermeira que não é a mesma necessidade requerida em
determinados serviços. Tentarmos propiciar aos acadêmicos experiências
diversificadas, no decorrer da formação acadêmica, de modo que consigam
presenciar as múltiplas dimensões do trabalho da enfermeira como sendo
complementares, torna-se imprescindível.
Faz-se necessário debater, com os professores das diferentes áreas que
constituem o currículo de enfermagem nas escolas, sobre a importância de
mantermos um discurso condizente com a prática, porém essa tarefa é árdua,
visto o pensamento restrito de alguns profissionais do ensino quanto as
múltiplas dimensões cabíveis ao trabalho da enfermeira.
Também faz-se necessário repensar a nossa prática profissional, procurando a
sedimentação dos papéis de cuidar e gerenciar como não dissociáveis no trabalho
da enfermeira. E com isso, buscar satisfação no seu trabalho, galgando outros
espaços e explorando os campos de atuação que estão em expansão, neste início
de século.