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BrBRCVHe0034-71672003000200014

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variedadeBr
ano2003
fonteScielo

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Vigilância epidemiológica no sistema local de saúde PESQUISA

Vigilância epidemiológica no sistema local de saúde

Epidemiological vigilance in the local health system

Vigilancia epidemiológica en el sistema local de salud

Juliana Alves LeiteI; Marluce Maria Araújo AssisII; Erenilde Marques de CerqueiraIII IEnfermeira. Membro do Núcleo de Pesquisa Integrada em Saúde Coletiva (NUPISC) da Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Saúde da UEFS. Coordenadora do NUPISC IIIEnfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Técnica da Vigilância Epidemiológica de Feira de Santana. Professora da UEFS

1 Introdução O Sistema Único de Saúde (SUS), no intuito de uma nova organização do sistema de saúde, vem adotando, a partir da década de 90, a municipalização da saúde como estratégia de descentralização da gestão e organização das ações e serviços, sendo a Vigilância Epidemiológica parte desta organização.

Portanto, o nosso tema de investigação é a organização da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana (SMS-FS) no processo de descentralização da saúde, tomando como base para análise o período de 1997-2001, tendo em vista a inserção do município na forma de gestão da atenção básica nos moldes da Norma Operacional Básica do SUS de 1996 (NOB-96) (1) .

O conceito de Vigilância Epidemiológica (2) coaduna com o objeto central da Epidemiologia, significando um sistema de coleta, análise e disseminação de informações relevantes para a prevenção e o controle de um sistema de saúde; ou seja, a vigilância tem o propósito de gerar prontamente informações que possam ser processadas e analisadas, uma vez que, as suas práticas envolvem um conjunto de orientações de caráter clínico-individual, epidemiológico-coletivo e administrativo. O individual atende a demanda espontânea, fundamentada na racionalidade clínica e o coletivo abrange saberes e técnicas que compõe a VE, tais como: indicadores de prevalência, de incidência e distribuição dos riscos sociais e de grupo, assim como indicadores de qualidade de vida e de desigualdade social. O administrativo engloba um conjunto de procedimentos que envolvem coordenação e supervisão de recursos humanos, distribuição das atividades entre a equipe da VE e desta com a equipe de saúde.

Considerando de fundamental importância para o funcionamento do sistema de saúde do município, surge uma questão a ser investigada: como se organiza a Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana- BA no processo de descentralização da saúde? Nesse sentido apresenta-se o seguinte objetivo: analisar a organização da Vigilância Epidemiológica (VE) da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Feira de Santana-BA, de 1997 a 2001, considerando: estrutura organizacional, recursos disponíveis (humanos e materiais), planejamento, execução das ações e articulação intra, interinstitucional e intersetorial, tendo em vista a inserção do município na Gestão Plena da Atenção Básica.

2 Fundamentação teórica 2.1 Aspectos teórico-conceituais da Epidemiologia O entendimento sobre Vigilância Epidemiológica perpassa a compreensão da epidemiologia, visto que tal Vigilância fundamenta-se no saber epidemiológico para realizar suas atividades. Além disso, a finalidade da epidemiologia é de concorrer para reduzir os problemas de saúde na população.Apesar do termo epidemiologia ser recente, sua origem remonta à era hipocrática, quando o famoso médico grego que viveu cerca de 2.500 anos, estudou as doenças epidêmicas e suas variações geográficas, entendendo-as como produto da desarmonia entre indivíduo e o ambiente que o cerca(2).

Ressalta-se que foi no século XIX, o estabelecimento de suas bases, enquanto disciplina. Nesse período, como consequência da Revolução Industrial, as cidades cresciam e as condições de vida se degradavam.Grande parte das pessoas viviam em ambientes insalubres, de modo similar às condições encontradas hoje nas periferias das cidades. O paradigma dominante explicava que as epidemias de doenças contagiosas surgiram através de emanações resultantes do acúmulo de dejetos, favorecendo a anulação da contribuição epidemiológica de Hipócrates (3) No final do século XIX, com a descoberta do micróbio e a definição de que agentes etiológicos específicos eram a causa de doenças específicas, todo conhecimento acumulado sobre os fatores relacionados com a ocorrência das doenças e a sua determinação social sofre um grande retrocesso.Consolida-se, neste período, o conceito de unicausalidade (para cada doença um agente específico). As explicações multicausais não encontram eco e a determinação social é totalmente rejeitada (3).

Nesse contexto, desenvolve-se a teoria ecológica de doenças infecciosas, no início do século XX, que questiona o conceito de unicausalidade, fundamentando a idéia de que a interação do agente com o hospedeiro ocorre em um ambiente composto de vários elementos (físicos, biológicos e sociais)(3).

Nas primeiras décadas do século XX, a epidemiologia tenta abranger seu objeto para além das doenças infecto-contagiosas, desenvolvendo nos anos 30 e 40 o enfoque de risco, e no período de 40 a 60, consolida-se os métodos e os principais desenhos de estudos, com o desenvolvimento de técnicas de computação de dados, esta disciplina alcança autonomia na produção de conhecimentos sobre problemas de saúde no âmbito coletivo (4).

Dos anos 70 aos dias atuais, os avanços da Epidemiologia têm se concentrado no desenvolvimento de técnicas analíticas, com a generalização do uso de métodos multivariados e, nessa perspectiva, renasce nos países da América Latina o interesse pela determinação social das doenças, movimento denominado de Epidemiologia Social, que pretende explicar com elementos científicos o porquê das condições de vida e de saúde da grande maioria das populações desses países (3).

Em síntese, o conceito de epidemiologia evoluiu com o passar dos tempos, buscando hoje, abranger: um conjunto de conceitos, métodos e formas de atuação prática que se aplicam ao conhecimento e transformação do processo saúde-doença em sua dimensão coletiva e social,(5) significa que a epidemiologia tem procurado situar seu nível de ação transformadora no social, na problemática de saúde que se em conseqüência dos processos de deterioração ocorridos no trabalho e consumo das classes sociais, processos estes vinculados à reprodução geral da estrutura capitalista e ás condições políticas e culturais que dela derivam.

O reconhecimento da VE, no Brasil, se em 1975, quando foi criado o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE), pela Lei 6.259 sendo regulamentada em agosto de 1976, pelo Decreto n.º 78.231. Desta forma, o Ministério da Saúde passa a ser responsável pela coordenação das ações de VE (6)..

Nos anos 80, especialmente com o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), em 1987, e a aprovação do texto constitucional em 1988, amplia-se a discussão a cerca do objeto da VE , articulado ao processo de descentralização desencadeado em nível nacional, via municipalização da saúde(4).

Nos anos 90, o processo de descentralização avança em todo território nacional e surgem propostas para reorientação do modelo de saúde, pautado na vigilância em saúde, tomando como eixo a reorganização das práticas sanitárias, que propõe uma nova modalidade de intervenção, articulando assistência individual com questões de saúde coletiva(7, 8).

2.2 A Vigilância Epidemiológica no processo de descentralização da saúde O processo de descentralização desencadeado a partir da década de 90 em Feira de Santana ' BA procura adotar as diretrizes jurídicas que poderiam viabilizar a construção do SUS, fundada na descentralização. Foram criados no ano de 1991 o Conselho Municipal e o Fundo Municipal de Saúde através das Leis 1415 e 1421/91, como também foi realizada a primeira Conferência Municipal de Saúde, resultando na elaboração do Plano Municipal de Saúde em 1992. Este plano objetivava, principalmente, a mudança no modelo de atenção à saúde ao criar um modelo assistencial organizado de acordo com as características epidemiológicas e demográficas do município, a integração da rede básica sob comando municipal e uma gestão democrática e participativa(9,10). No entanto, o Conselho Municipal e o Fundo Municipal de Saúde não se constituíram em ferramentas que pudessem potencializar mudanças no âmbito municipal(9).

Somente no ano de 1995, Feira de Santana se habilita para a gestão incipiente.

Contudo, as mudanças acontecem em 1997, quando o município passa a ser Gestor da Atenção Básica com a Norma Operacional Básica do SUS (NOB/96) e começa a receber recursos fundo a fundo do Ministério da Saúde(10) .

Segundo a Lei n.º 8.080/90 (11) a VE é um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.

A implantação da Norma Operacional Básica do SUS (NOB/96), significa um grande avanço no processo de descentralização, pois além de incluir as orientações operacionais propriamente ditas, explicita e conseqüência prática, em sua totalidade, aos princípios e as diretrizes do sistema, consubstanciados na Constituição Federal e nas Leis 8.080 e 8.142 (12), favorecendo a constituição de mecanismos indutores da conformação do novo modelo de atenção à saúde, na medida em que disciplina o processo de organização da gestão.

O novo modelo de atenção deve incentivar a associação dos enfoques clínico e epidemiológico, centrado na qualidade de vida das pessoas e do meio ambiente, bem como na relação da equipe de saúde com a comunidade.

A construção de um novo sistema de saúde para os preceitos do SUS necessita de mudanças: na concepção de saúde-doença, passando da abordagem negativa para a positiva; no paradigma sanitário, superando o modelo flexneriano, que exclui os indivíduos dos aspectos sociais, para a articulação dos modelos da produção social e em defesa da vida, em que o estado de saúde está em permanente transformação; mudança da prática sanitária, buscando uma atenção à saúde que valorize a integração entre saberes e práticas individuais e coletivas.

A vigilância da saúde(8) é uma nova forma de resposta social organizada aos problemas de saúde que tenta recompor o fracionamento do espaço coletivo de expressão da doença na sociedade, articular as estratégias de intervenção individual e coletiva e atuar sobre todos os nós críticos de um problema de saúde, com base em um saber interdisciplinar e em um fazer intersetorial.

Devemos, então, transformar o fazer cotidiano da vigilância epidemiológica, articulando os saberes da clínica e da epidemiologia, na tentativa de reconstruir o modo com que pensamos e trabalhamos em saúde. Para isso é necessário também reformular a clínica tomando não apenas a doença, mas o sujeito enfermo (o biológico, o subjetivo e o social do processo saúde e doença), ampliar as práticas de promoção à saúde, articular-se em equipe interdisciplinares e ampliar os espaços de intervenção, além do consultório e da sala de procedimentos, ou seja, cuidar das pessoas, pensando-as inseridas em redes sociais: o território, a família, as instituições.

Esta perspectiva apontada é discutida na propostas teóricas e de intervenção presentes na produção de estudiosos sobre modelos de atenção à saúde(10,13,18), que propõem desenhos estratégicos definidos por sujeitos sociais concretos nas instituições, articulado com o desenvolvimento de um modelo de planejamento e gestão que combina ações tecnológicas mais consolidadas e avançadas no campo da saúde pública, reconhecendo a autonomia e legitimidade da clínica, enquanto um espaço historicamente construído e determinado. Isso implica propor mudanças nos serviços públicos de saúde, a partir de uma relação humanizada e acolhedora entre trabalhadores e usuários - ACOLHIMENTO; de uma reflexão contínua de responsabilidade e compromissos - VÍNCULO que poderia resultar na eliminação do sofrimento e das causas reais dos problemas dos usuários - RESOLUTIVIDADE.

3 Trajetória metodológica Trata-se de um estudo qualitativo que busca situar a organização da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana.

O campo de estudo utilizado foi a cidade de Feira de Santana-BA e como recorte espacial, a Divisão de Controle Epidemiológico. Antes de iniciar o trabalho de campo encaminhou-se o projeto ao Comitê de Ética da Universidade Estadual de Feira de Santana e, após aprovação, foi realizada a coleta de dados em 3 etapas metodológicas. A primeira etapa constituiu-se na identificação e análise dos documentos, que retratavam a organização da VE da SMS de Feira de Santana.

Foram analisados todos os documentos disponíveis sobre o tema no período em estudo, a saber: Plano Municipal de Saúde do município, 1997-2000(19); Regimento da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana(20); Leis que asseguram a participação do município no processo de municipalização (Lei 1415 e 1421)(21,22); Portaria 1.399 de 15 de dezembro de 1999 para certificação dos municípios à gestão das ações de epidemiologia e controle de doenças(23) Na segunda etapa foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, com roteiro temático, levando em consideração os seguintes pontos: infra-estrutura, recursos disponíveis, planejamento, execução das ações, articulações intra, interinstitucional e intersetorial como partes da organização da VE municipal.

A amostra se constituiu no universo total de sujeitos que trabalhavam na VE, no período de 1997 a 2001, totalizando 05 entrevistados, abrangendo a coordenação e os técnicos do setor, todos graduados em Enfermagem. que assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido em relação à entrevista e à observação, após a explicação, por parte do entrevistador, da finalidade e da relevância da pesquisa em cumprimento, à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(24).

Na terceira etapa, realizou-se a observação sistemática e direta do campo prático por uma das autoras do trabalho, no período de abril a junho de 2001, totalizando 60 horas de trabalho. A participação da pesquisadora limitou-se a observar todos os fatos ocorridos com os sujeitos atuantes na VE, sem estabelecer interlocução com os observados, registrando-os no diário de campo, tomando como base um roteiro orientador que abordava os seguintes pontos: organização da VE (estrutura, recursos humanos, materiais e físicos); ações da VE (sistema de coleta, análise e disseminação das informações; planejamento e execução; articulação (intra e interinstitucional), com a finalidade de formular as sínteses e conclusões que demarcaram a articulação do empírico com o teórico e este com o empírico.

O tratamento do material empírico foi sistematizado seguindo o método de análise proposto por Minayo(25): a) ordenação dos dados, privilegiando a transcrição das entrevistas gravadas, leitura do material documental selecionado para o estudo e anotações relativas à observação.

b) classificação dos dados para tentar detectar os temas convergentes e divergentes do material empírico, através das etapas: : leitura exaustiva e flutuante dos depoimentos, identificando a presença de estruturas de relevância, : leitura transversal, buscando-se convergências, divergências e o que era diferente. Na síntese final da classificação dos dados elegeram-se os seguintes temas: a forma como se organiza a VE, o planejamento e execução das ações e a articulação e a etapa: releitura dos documentos, identificando conteúdos com a finalidade de complementar as informações colhidas através das entrevistas.

c) análise final dos dados foi estabelecida entre as três técnicas de coleta de dados: os documentos, as entrevistas e a observação, fazendo uma articulação das convergências e divergências entre os entrevistados e os registros da observação, complementando com a análise documental.

4 Análise e discussão dos resultados No Brasil, a década de 90 avança na descentralização das ações, tomando o saber epidemiológico na orientação dos investimentos na promoção da saúde e prevenção das doenças. Contudo, o município de Feira de Santana-BA não acompanhou este processo e em especial a Vigilância Epidemiológica, que foi criada em 1993 no âmbito municipal e começou a assumir as ações sob sua responsabilidade, em 1995, período em que o município encontrava-se na forma de gestão incipiente (10).

Em julho de 1997, o município é credenciado na Gestão Plena da Atenção Básica (1), o que significa o repasse automático dos recursos financeiros, do Fundo Nacional de Saúde para o Fundo Municipal de Saúde, e o estabelecimento de responsabilidades ao gestor municipal sobre as ações e serviços de atenção básica, incluindo também as ações de Vigilância Sanitária e Vigilância Epidemiológica. De imediato a VE municipal teve que assumir o recolhimento das notificações compulsórias em todos os serviços de saúde e realizar todas as investigações epidemiológicas. No entanto, é importante ressaltar que a descentralização não foi se conformando gradativamente, ou seja, não houve por parte dos sujeitos envolvidos no processo uma preparação para o repasse das responsabilidades de vigilância epidemiológica para o município. Ela se deu de forma abrupta, de um dia para o outro as atividades que eram realizadas pela Diretoria Regional de Saúde passam a ser de responsabilidade total da SMS.

Inclusive as atividades que eram anteriormente de responsabilidade da VE.

Por outro lado, a estrutura se apresenta bastante deficitária; é forte a ingerência política; o planejamento das ações é assistemático e descontínuo; a articulação se em função da resolução de problemas pontuais e um dos grandes limites encontrados diz respeito ao descompasso entre quem executa a ação e quem processa os dados. Os temas apresentados a seguir são esclarecedores destas afirmações.

4.1 A forma como se organiza a Vigilância Epidemiológica O Regimento da SMS (Art. ) confere a SMS a competência em "executar as atividades de Vigilância Epidemiológica e Sanitária com vistas à detecção de quaisquer mudanças dos fatores condicionantes da saúde individual e coletiva, a fim de prevenir e controlar a ocorrência e a avaliação de enfermidades, surtos e epidemias", e à Divisão de Vigilância Epidemiológica a atribuição de "dirigir, coordenar, supervisionar e avaliar os programas, projetos e atividades de Vigilância Epidemiológica" (Art. ) (20).

Apesar disso, o Plano Municipal de Saúde, 1997 ' 2000, refere que as ações de VE são desenvolvidas pelo município de forma incipiente, sendo executadas, geralmente pela DIRES, colocando esta última como a executora das atividades (19).

A DIRES teria o papel de articulador técnico junto à Secretaria de Saúde do Município, na implantação de atividades de caráter político-estratégico, que as experiências acumuladas seriam gradativamente incorporadas pela SMS e compatibilizadas entre as duas esferas de poder(9).

No entanto, evidenciam-se descompassos entre os níveis de competência (estadual e municipal). Cada esfera de poder responsabiliza-se por algumas ações, tendo como um dos fatores limitantes o fato de que a coordenação do trabalho desenvolvido é caracterizada como flutuante por meio de mudanças freqüentes de chefia, sem o estabelecimento de critérios de competência técnica para a ocupação do cargo, conforme afirmam os entrevistados: A cada gestão de prefeitos, vários secretários de saúde são nomeados, acarretando em mudanças de chefia na VE, os quais não trazem propostas documentadas.(Ent.3) E ainda Os administradores e chefes da Vigilância não tinham conhecimento técnico, era mais uma ocupação de cargo de confiança.(Ent.4) A VE até a atual gestão municipal (ano 2001) sempre funcionou em prédios alugados, e eram freqüentes as mudanças de espaço físico como uma ação verticalizada e sem planejamento, gerando insegurança entre os membros da equipe e perda do vínculo e da credibilidade perante a população. A infra- estrutura apresentava deficiências que foram apontadas nos depoimentos. O espaço físico era insuficiente para a quantidade de técnicos que atuavam naquele período. Havia Haviam ... várias pessoas trabalhando na mesma sala, sem privacidade para atender os casos que chegavam a Vigilância Epidemiológica...

(Ent. 5) Atualmente a VE ocupa uma ala do prédio onde funciona a SMS e pôde-se observar uma discreta melhora na estrutura física, pois aumentaram o número de salas.

Possui uma recepção, uma sala de vacina, uma sala para os assistentes trabalharem com os dados do SINAN, sala para os técnicos, sala da chefia, sala de reunião, um consultório para atender reservadamente os usuários, um almoxarifado onde guardam impressos, material educativo e uma sala para coleta de exames.

Uma das principais queixas trazidas nas falas dos entrevistados era que a VE não conseguia reunir, ao mesmo tempo, principalmente uma linha telefônica, fax e um veículo, elementos essenciais para um setor que precisa a todo o momento entrar em contato com unidades de saúde que notificam os agravos, bem como a articulação com a comunidade. Mesmo assim, existe uma Portaria 1399 do Ministério da Saúde(23) , regulamentando que um município como Feira de Santana, com mais de 100.000 habitantes deve possuir uma linha telefônica, fax, um veículo exclusivo para atender à gestão das ações de epidemiologia e controle das doenças.

Atualmente, a VE possui aparelho de fax, linha telefônica, dois computadores e dois veículos não exclusivos, mas à disposição para realizar o trabalho de campo.

A pouca valorização do trabalho da VE justifica-se pela prática da atenção médica, que reduz a serviços médicos os serviços de saúde oferecidos à população que são ofertados de modo individual sem compreender o coletivo. Esta prática sanitária dissocia a clínica da epidemiologia e, desta forma, desarticula as práticas operacionalizadas no dia-a-dia dos serviços de saúde.

A VE da SMS de Feira de Santana possui como recursos humanos, pessoal de nível superior: 4 enfermeiras com especialização em Saúde Pública na sua maioria, que atuam como técnicos, um médico infectologista, um bioquímico e um assistente social; e pessoal de nível médio: 4 auxiliares de enfermagem e 4 assistentes administrativos.

Segundo a Portaria 1399 do Ministério da Saúde(23), os municípios com população entre 100.000 a 500.000 habitantes, como Feira de Santana, devem possuir 4 profissionais de nível superior e 08 de nível médio, dessa forma, a VE da SMS de Feira de Santana satisfaz em número de recursos humanos, porém os depoimentos ainda indicam a necessidade de capacitação para atuar com o modelo de atenção à saúde, pautado na construção de uma nova prática que responda aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde.

4.2 O planejamento e execução das ações Em relação ao planejamento e à execução das ações, a VE prioriza as ações de urgência.

Os depoimentos abaixo são representativos desta afirmativa: As ações eram muito pontuais, não tinha um planejamento sistematizado. Resolvia o que era de urgência, apagava-se incêndio mesmo. (Ent.2) Entra gestor, sai gestor e ninguém traça um plano de ação. Os gestores trabalham com o Plano Municipal engavetado, assim como os profissionais da Secretaria.(Ent.3) A análise de dados é prejudicada pelo grande número de notificações que precisam ser investigadas. Geralmente, são notificações encaminhadas pelas Unidades Básicas de Saúde, as quais também poderiam realizar a investigação epidemiológica, no entanto não fazem. Isso dificulta a descentralização das ações. O volume de investigações epidemiológicas é tão grande que a gente não conta fazer mais nada, a não ser investigar doenças.(Ent.3) Uma outra problemática é a não realização da análise das informações coletadas nas unidades de saúde, que terminam repassando-a para o nível estadual sem prévia análise no âmbito local, onde seria traçado um perfil epidemiológico por área de abrangência. Isto dificulta medidas de controle para dar respostas rápidas e eficazes às demandas e necessidades da população com a finalidade de promover saúde e prevenir doenças, objetos centrais da Vigilância Epidemiológica, visando uma melhor qualidade de vida.

A situação apresentada coaduna com os achados do estudo realizado em Ribeirão Preto(26), no que se refere ao desconhecimento e despreparo das equipes das Unidades Básicas, para análise das informações coletadas no nível local, principalmente se considerarmos que a principal ferramenta de trabalho da VE é a informação. É baseada na informação que as ações são desencadeadas. Por este motivo é que a VE é caracterizada pelo tripé Informação ' decisão ' ação.

Na ausência de análise e incorporação dessas informações nos processos decisórios, outros parâmetros são utilizados na orientação das políticas, os quais, nem sempre se voltam para o atendimento das necessidades da população, mas atendem apenas à lógica mercantilista aplicada à área de saúde.

O planejamento em saúde deve contribuir no diagnóstico de necessidades de saúde estabelecido em bases epidemiológicas e ser utilizado como um instrumento determinante para a destinação dos recursos técnicos e financeiros.

4.3 A articulação intra e interinstitucional A Vigilância Epidemiológica tem dificuldades de articulação. Existem programas dentro da SMS que estão sob sua responsabilidade como as ações programáticas de imunização, anti-rábica, dengue, esquistossomose, entre outros. Não existe articulação com outros programas da SMS, como PACS, DSTs. O trabalho é feito cada um no seu cantinho. (Ent.1) O Regimento da SMS regulamenta ser de competência da VE os programas e projetos relacionados a ela, entretanto, observa-se através das falas dos entrevistados que alguns programas trabalham desarticulados, sem planejamento conjunto.

A articulação interinstitucional é fragilizada, a Vigilância Epidemiológica trabalha conjuntamente com algumas instituições notificantes, como Hospitais, Clínicas, Unidades Básicas de Saúde, Laboratórios, Bancos de Sangue.

O estabelecimento de novas relações entre instituições de saúde como Fundação Nacional de Saúde (regional de Feira de Santana), a DIRES e a SMS devem ser consideradas como um desafio no processo de descentralização. Uma composição integrada entre técnicos destas instituições que trabalham especificamente com VE, pode ser apontado como um caminho para superar superposições de ação e atacar prioritariamente os problemas mais pontuais(9).

Uma adequada articulação intersetorial possibilitaria à VE um maior reconhecimento perante os outros setores da sociedade.

Um dos elementos fundamentais da vigilância da saúde é a intersetorialidade(8), pois busca uma unidade do fazer, e está associada à vinculação, reciprocidade e complementaridade na ação humana, pois a ação completa não ocorre num setor singular, mas exige a solidariedade de distintos setores.

5 Considerações finais A análise dos dados revelou que a organização da VE não vem obedecendo aos critérios estabelecidos pela Gestão Plena da Atenção Básica, conforme os preceitos da NOB-96 (1) , que propõe a municipalização da saúde como um caminho para viabilizar a mudança do modelo de saúde, que deve priorizar na agenda governamental as ações promocionais e preventivas para garantir a defesa da vida, individual e coletiva. Esta situação é bem caracterizada na VE de Feira de Santana, pelas freqüentes mudanças de chefia, sem estabelecimento de critérios de competência técnica para ocupação do cargo de coordenação das ações, pautada no saber epidemiológico.

As indicações político-partidárias para a ocupação de cargos hierarquicamente elevados, freqüentes no setor da saúde, são um dos condicionantes para o descompromisso com a saúde pública. Gestores sem propostas e sem compromisso com saúde pública, em especial com a VE, interrompem o processo de crescimento e avanço do setor.

A estrutura da VE é centralizada na SMS, priorizando as ações programáticas de forma verticalizada e desarticulada da rede de serviços e da atenção primária à saúde. Muitos programas da Secretaria não se articulam, trabalham sem integração e o processo de planejamento em saúde não se faz conjuntamente. A VE não obedece à orientação do SUS no processo de descentralização, necessitando definir prioridades e traçar caminhos com outros setores da sociedade como forma de fortalecer as ações e o sistema.

Nota-se na VE alguns avanços na infra-estrutura como espaço para o desenvolvimento das atividades, apesar de haver ainda carência de equipamentos para a realização do trabalho. A deficiência no processo de descentralização das atividades impede a realização, em tempo hábil, de atividades importantes.

Os recursos humanos necessitam de capacitação para atuar no modelo de atenção à saúde pautado no saber epidemiológico. Os técnicos, apesar da deficiente articulação com SMS, carência de recursos, procuram resolver na medida do possível as ações do setor, porém carecem de poder político para uma integral resolutividade.

A transformação do modelo de atenção à saúde será possível a partir do momento em que os profissionais de saúde, gestores e usuários dos serviços compreendam o processo saúde-doença sob a lógica da saúde e não, da doença, pois as intencionalidades perpassam pelo compromisso ético e pela vontade política de transformar a prática cotidiana nos serviços locais de saúde.

Existe ainda um longo trabalho que requer uma boa articulação dentro da SMS para garantia de conquistas e avançar no processo de descentralização.

O desafio está em construir socialmente um novo sistema de saúde, referido por uma concepção positiva da saúde como qualidade de vida e por uma nova prática de saúde, individual e coletiva.


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