Avaliação e construção de um projeto político pedagógico para a graduação em
enfermagem
DIRETRIZES CURRICULARES - IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO - RELATOS DE EXPERIÊNCIA
DAS DCN
Avaliação e construção de um projeto político pedagógico para a graduação em
enfermagem
Evaluation and design of a political-pedagogical project for nursing
undergradute programs
Evaluación y construcción de un proyecto politico pedagógico para la graduación
en enfermería
Beatriz Rosana Gonçalves de OliveiraI; Jacó Fernando SchneiderII; Maria Lucia
Frizon RizzottoIII; Rosa Maria RodriguesIV
IEnfermeira, Mestre em Enfermagem Fundamental, Docente do Colegiado do Curso de
Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
IIEnfermeiro, Doutor em Enfermagem, Docente do Colegiado do Curso de Enfermagem
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, E-mail: jaco@unioeste.br
IIIEnfermeira, Doutora em Saúde Coletiva, Docente do Colegiado do Curso de
Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
IVEnfermeira, Mestre em Enfermagem Fundamental, Doutoranda em Educação. Docente
do Colegiado do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
1 Introdução
O Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE -
foi autorizado no ano de 1978, iniciando sua primeira turma no ano de 1979,
desde então foram realizadas diversas mudanças na sua estruturação curricular.
O projeto de pesquisa Resgate histórico das alterações curriculares do Curso de
Enfermagem da UNIOESTE - Campus de Cascavel, 1979 - 1999, desenvolvido por uma
docente do Curso, identificou vários alterações na grade curricular, que em sua
maioria buscavam promover ajustes na formatação da estrutura curricular A
partir de 1990, ocorreram mudanças mais efetivas, com destaque para a
implantação do regime seriado e elaboração do primeiro Projeto Político
Pedagógico (PPP) do Curso de Enfermagem, que vigorou de 1995 a 2002(1).
No início de 1999 os professores e alunos do referido curso passaram a discutir
o PPP vigente, diagnosticando a necessidade de mudanças na sua concepção,
estrutura e organização. Para isso, buscou-se discutir conceitualmente todos os
elementos que compõem um PPP, além dele próprio. Nesse sentido, explicitou-se a
compreensão de projeto pedagógico como um instrumento orientador que busca
definir de forma indissociada as diretrizes de um curso de graduação tanto em
seu aspecto político como pedagógico.
Tais aspectos já se encontravam presentes no projeto do Curso de Enfermagem em
vigência, na medida em que se propunha formar enfermeiros generalistas, com
visão crítica em relação ao trabalho que iriam executar a partir do seu
compromisso com a transformação social.
O PPP em vigor no Curso de Enfermagem da UNIOESTE seguia a normatização do
Parecer 314/94 - CFE, cujos pressupostos apontavam para a superação das
dicotomias teoria/prática, básico/profissionalizante no âmbito do ensino de
enfermagem, bem como sinalizava para a necessidade da inversão do modelo de
assistência à saúde, preconizando um currículo mínimo para os cursos de
graduação em enfermagem, com base nos seguintes parâmetros: processo de
trabalho incluindo atividades terapêuticas/propedêuticas específicas,
administrativas e educativas, em serviços de saúde e na comunidade;
consideração das especificidades do campo de trabalho na enfermagem; formação
orientada pelo perfil epidemiológico da população; acompanhamento e produção de
novos conhecimentos na enfermagem oriundos das mudanças científicas e
tecnológicas na área da saúde e estudo teórico emanado dos problemas práticos
vivenciados. Preconizava ainda que o enfermeiro deveria atuar como integrante
da equipe de saúde, e sua formação deveria contemplar conhecimentos técnico-
científicos desenvolvidos num processo pedagógico voltado para o conjunto das
relações sociais e produtivas na relação ensino-aprendizagem(2).
A proposição das Diretrizes Curriculares Nacionais - DCN sinalizava para a
necessidade de uma base filosófica, política, conceitual e metodológica,
explicitando um conjunto de habilidades e competências de uma determinada área
de conhecimento. Os parâmetros propostos pelas diretrizes curriculares
recomendam: flexibilidade para a observação de transformações na ciência e na
sociedade; formação integral que possibilite a compreensão das relações de
trabalho e de alternativas sócio-políticas de transformações sociais;
graduação, como etapa inicial formal, que contribua na construção da base para
o permanente e necessário processo de educação continuada; incorporação no eixo
fundamental do currículo de atividades complementares; articulação entre teoria
e prática; predomínio da formação sobre a informação; interdisciplinaridade;
incorporação da pesquisa como atividade regular, sistemática e continuada;
promoção de atividades educativas de natureza científica e de extensão; a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; conhecimento do mundo
presente, em particular dos contextos nacionais e regionais, e a promoção da
extensão aberta à participação da população(3).
A discussão em nível nacional das diretrizes curriculares coincidiu com o
início do debate em alguns cursos e instituições de ensino, como foi o caso do
Curso de Enfermagem desta universidade. Quando do desencadeamento da discussão
das propostas de diretrizes curriculares, o Curso de Enfermagem da Unioeste já
havia iniciado internamente um movimento de avaliação de seu PPP. Os elementos
centrais das Diretrizes Curriculares foram, em certa medida, considerados e
inseridos no novo PPP, embora o processo de discussão das especificidades do
curso nem sempre foram totalmente coincidentes com as concepções presentes nas
Diretrizes Curriculares Nacionais.
Assim, neste trabalho, apresentamos a trajetória que o curso desenvolveu para
pensar e avaliar a formação por ele oferecida, iniciando por um diagnóstico da
realidade de funcionamento do Curso de Enfermagem da UNIOESTE em relação a sua
proposta pedagógica, no intuito de identificar os aspectos positivos existentes
no Projeto Pedagógico em vigência e aqueles que apresentavam sinais de
necessidade de mudança. Para isso definimos como objetivos: analisar a atual
proposta pedagógica do Curso de Enfermagem da UNIOESTE; realizar um estudo de
PPP de Cursos de Enfermagem de outras universidades; identificar os aspectos
positivos da grade curricular em vigor e outros que necessitavam de
reformulações.
2 Aspectos metodológicos
Quando se pensou em avaliar o PPP, a idéia foi colocada em discussão no
Colegiado de Curso, que deu os primeiros encaminhamentos, realizando no ano de
2000 a primeira atividade nesse sentido, que foi o evento intitulado: Projeto
Político Pedagógico do Curso de Enfermagem: impasses e perspectivas, que tinha
como principal objetivo fundamentar com discussões teóricas o processo de
avaliação que se pretendia iniciar.
Além desse evento, realizou-se um seminário, no início de 2001, com a presença
da Presidenta da Comissão de Especialistas em Enfermagem do MEC - que
apresentou e discutiu as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Enfermagem no
Brasil.
Para a continuidade do processo, resolveu-se elaborar um projeto de pesquisa
intitulado Diagnóstico do Projeto Político Pedagógico do Curso de Enfermagem da
UNIOESTE. Neste projeto, participaram todos os docentes do curso em atividade
naquele período, perfazendo um total de 27 professores, que dispunham de um
período letivo semanal destinado à esta atividade.
Iniciaram-se as atividades do grupo com a leitura e discussão coletiva da
proposta das Diretrizes Curriculares para a Enfermagem, que contribuiu para as
reflexões do grupo acerca das mudanças que pretendia implementar. Decidiu-se,
ainda, pela leitura de alguns documentos considerados essenciais para a
reconstrução/construção do PPP, tais como: a Constituição Federal de 1988, a
Lei Orgânica da Saúde, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB
9394/96, Plano Nacional de Educação - Lei 10171 de 09 de janeiro de 2001, além
de outros documentos que tratavam da formação acadêmica.
Para o desenvolvimento do projeto propriamente dito, formaram-se dois grupos de
trabalho com atividades distintas, a saber: um grupo responsabilizou-se pela
revisão teórica dos conceitos que perpassam o Curso de Enfermagem e que
norteavam a sua prática, e o outro grupo teve como atribuição elaborar um
diagnóstico a partir da aplicação de diferentes instrumentos de coleta de dados
junto aos acadêmicos, docentes, egressos do curso e profissionais da rede que
serve de campo para as atividades práticas e estágio dos alunos do curso. Os
dados foram sistematizados e analisados a partir de uma abordagem quali-
quantitativa e apresentados posteriormente.
Paralelamente às atividades dos grupos menores, que ocorria semanalmente, o
grande grupo composto por todos os docentes reunia-se, mensalmente, a fim de
discutir e informar os resultados alcançados e dar os encaminhamentos
necessários à continuidade do trabalho.
Os conceitos basilares do novo PPP e os resultados da pesquisa empírica foram
apresentados em seminário promovido para este fim, envolvendo toda a comunidade
acadêmica vinculada ao curso.
A partir desse diagnóstico, foram compostos cinco grupos de trabalho, divididos
em áreas de conhecimento, que deveriam discutir, analisar e propor mudanças na
área e nas disciplinas que a compunham, incluindo ementa, objetivos e conteúdo
programático. As cinco áreas definidas inicialmente foram: Biológica;
Assistência de Enfermagem, incluindo a Saúde Coletiva, que posteriormente
apresentou uma proposta em separado; área Social e de Ensino; Enfermagem
Fundamental e Administração em Enfermagem.
Ao final dos estudos de cada área, as propostas eram apresentadas e discutidas
no grande grupo, que sugeria e propunha mudanças de acordo com os pressupostos
teóricos já definidos para o Curso.
3 Resultados alcançados
A partir das discussões sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Enfermagem, o grupo deteve-se na elaboração dos pressupostos teóricos,
objetivos e perfil profissional. Nesse momento, tínhamos dúvida em relação a
como proceder, ou seja, se apenas seriam discutidos os conceitos implícitos no
atual PPP, ou se era necessário uma explicitação desses conceitos que
teoricamente já embasavam a nossa prática acadêmica. De início, o grupo
entendeu que não seria necessária a explicitação de cada conceito, decisão que
foi modificada, posteriormente, na medida em que se compreendeu que essa
explicitação contribuiria para uma maior homogeneidade de interpretação e a
própria possibilidade de retomada, desses conceitos, quando da avaliação da
implementação do novo PPP.
Os conceitos foram elaborados e posteriormente apresentados em reuniões
ampliadas. Nessas reuniões as formulações eram submetidas à apreciação do
grupo, que as discutiam e propunham mudanças até que se chegasse a uma
definição consensuada.
Os conceitos balisadores para a prática acadêmica no âmbito do Curso de
Enfermagem da UNIOESTE foram definidos a partir de alguns pressupostos que
passaram a compor o novo PPP, os quais transcrevemos a seguir tal como se
encontram na formulação final do PPP do Curso.
Compreendemos que um dos fins da universidade, fundamentalmente das
universidades públicas, é a formação de recursos humanos e a produção de
conhecimentos por meio da pesquisa científica, para atender as necessidades da
sociedade onde está inserida, ao mesmo tempo em que contribui para sua
transformação. Considerando que a atual Constituição Federal prevê um modelo
assistencial caracterizado pelo Sistema Único de Saúde, nos seus princípios e
diretrizes, acreditamos ser de responsabilidade do Curso de Enfermagem da
UNIOESTE, contribuir com a formação de profissionais segundo as perspectivas
deste sistema de saúde.
Considerando a Constituição Federal de 1988, art. 196 em que se definiu que
"a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação", cabe recuperar o conceito de saúde-
doença expresso na Legislação vigente e incorporá-lo como pressuposto na
construção do PPP do Curso.
Complementar a este princípio constitucional, a Lei Federal 8080/90 em seu art.
2º, Parágrafo 3º afirma que "a saúde tem como fatores determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o
acesso aos bens e serviços essenciais: os níveis de saúde da população
expressam a organização social e econômica do país".
A partir desses pressupostos, compreende-se que a saúde do indivíduo ou
população tem estreita vinculação com o mundo onde vive, sendo a síntese de
valores, recursos e condições de vida. A forma como se organiza a sociedade, o
contexto sócio-histórico e as políticas públicas vigentes, associados aos
fatores biológicos e culturais, compõem o quadro necessário para discutir o
processo saúde-doença.
Portanto, saúde-doença não podem ser discutidos como conceitos dicotômicos e/ou
estanques, mas como um processo inerente à vida, resultante de seus
determinantes e condicionantes. Os diferentes níveis de saúde existentes no
país revelam as diferenças sócio-culturais e econômicas existentes entre a
população brasileira. As condições de saúde-doença estão intimamente ligadas à
maneira como o homem produz seus meios de vida, por meio do trabalho, e
satisfaz suas necessidades, pelo consumo, ou seja, a saúde de uma população
depende da qualidade e do acesso ao consumo de certos bens e serviços.
Em nossa compreensão, o homem é um ser histórico-social que sente, pensa,
elabora concepções e planos que concretiza, avalia e aperfeiçoa, transforma a
natureza, em que desenvolve sua sociabilidade, sua espécie e sua dimensão
coletiva; cria a linguagem, símbolos e instrumentos com os quais reproduz
relações sociais, transforma e repassa cultura. Assim, configura a dimensão
individual na sociedade, contribuindo para a construção da dimensão coletiva
viabilizando-a na medida em que produz bens materiais, desenvolve relações de
produção e evidencia o fator econômico como determinante de seu modo de
organização. São os homens que, interagindo entre si, recompõem a sociedade e
os processos sociais por meio das relações sociais vigentes.
O trabalho é a atividade humana intencional, pelo qual o homem, por meio de
instrumentos, transforma a natureza para satisfazer as suas condições de
existência e nesse processo transforma a si mesmo. O trabalho se constitui na
base de toda a vida social. É uma interação da pessoa que trabalha com um mundo
social de tal modo que os elementos desse último são conscientemente
modificados e com um propósito. É o modo como o homem produz e reproduz sua
existência, sendo historicamente determinado por meio da produção de bens e
serviços. A inserção da categoria trabalho faz-se necessária, dado nosso
entendimento de que o enfermeiro é um trabalhador e essa compreensão é
importante no processo de formação.
O processo de trabalho, por sua vez configura-se na atuação do homem sobre um
determinado objeto, tendo em mente uma finalidade pré-determinada e utilizando-
se para isso de instrumentos tais que permitam modificar esse objeto conforme
suas necessidades.
O Processo de Trabalho em Saúde no sistema capitalista organiza-se em dois
modelos principais: o modelo epidemiológico, caracterizado pela apreensão do
objeto de trabalho em sua dimensão coletiva, expresso por meio das práticas
sanitárias de prevenção e controle de doenças de intervenções sobre os grupos
populacionais com base no conceito de risco. E o modelo clínico, cuja concepção
do objeto é o corpo biológico, expressa na atenção voltada ao indivíduo e ao
atendimento de suas necessidades. Portanto, práticas de saúde coletiva e
práticas de assistência médica individual são duas formas de organização
tecnológica do trabalho.
No setor saúde ainda é predominante o modelo individual/clínico, cuja
organização está baseada na divisão social e técnica do trabalho tendo como
objeto o indivíduo doente e sua recuperação para o mercado de trabalho(4).
A formação no Curso de Enfermagem da UNIOESTE busca superar a dicotomia
existente entre a clínica e a epidemiologia, a partir da incorporação das duas
dimensões, por entendermos que ambas são fundamentais para o enfrentamento das
diferentes formas de adoecimento da população.
No que diz respeito ao processo de trabalho em enfermagem entende-se que a
enfermagem é uma profissão com um estatuto socialmente reconhecido e
formalmente legalizado, e como tal deve constituir-se dos critérios de
universalidade, racionalidade, autoridade e competência no seu campo do saber.
A função peculiar da enfermagem é prestar assistência ao indivíduo sadio ou
doente, família ou comunidade, no desempenho de atividades para promover,
manter ou recuperar a saúde(5).
A enfermagem é uma ação ou atividade que utiliza de um saber advindo de outras
ciências e de uma síntese produzida por ela própria para apreender o objeto da
saúde naquilo que diz respeito a sua atividade específica, o cuidado de
enfermagem, visando atender às necessidades biológicas, psicológicas e sociais,
ou seja, a promoção da saúde, a prevenção de doenças, a recuperação do ser
humano e a saúde da população(5).
Para tanto, é necessário considerar o enfermeiro como o agente do processo de
trabalho em saúde, com formação generalista e atuação crítica e reflexiva, com
competência técnica, científica e política, baseada em princípios éticos.
Entende-se por ética a atitude reflexiva diante das situações que a prática
profissional lhe apresenta, auxiliando na tomada de decisão frente às mesmas, e
não apenas a normatização de deveres e direitos ou regras de comportamento
profissional. Sendo este profissiona, capaz de conhecer e intervir sobre os
problemas/situações da saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico
nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões e os
seus determinantes do processo saúde/doença.
A preocupação com a humanização da assistência de enfermagem não se restringe à
atenção individual do profissional, mas integra uma cultura de melhoria da
qualidade do atendimento aos usuários, expressa pelo aperfeiçoamento da gestão
dos serviços de saúde, melhoria da infra-estrutura das instituições e
fortalecimento do compromisso da equipe de profissionais. O conceito de
humanização deve ser pautado pelo respeito, pela solidariedade e pelo
desenvolvimento da autonomia e da cidadania dos profissionais e usuários
envolvidos. Assim, humanizar em saúde é resgatar o respeito à vida humana,
levando-se em conta as circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíquicas
presentes em todo relacionamento humano. É resgatar a importância dos aspectos
emocionais, indissociáveis dos aspectos físicos na intervenção em saúde(6).
A enfermagem brasileira, nas décadas de 80 e 90 do século XX, passou por um
processo de profundos questionamentos de sua prática. Um dos desdobramentos foi
a compreensão da enfermagem enquanto prática social - trabalho, que acontece em
uma sociedade concreta, sendo exercida por um grupo profissional, na sua
maioria constituído por mulheres, que por meio desse trabalho se reproduzem.
Outra questão importante a ser recuperada, neste momento, foi a tomada de
consciência da categoria da necessidade de se repensar os encaminhamentos dados
à formação do profissional enfermeiro até então. Assim, no ano de 1994, após,
pelo menos seis anos de discussões, a categoria conseguiu aprovar um documento
que fixava os mínimos conteúdos para a formação do profissional enfermeiro em
âmbito nacional - o Parecer 314/94 e a Portaria 1721/94, versando sobre os
Currículos Mínimos para os cursos de graduação em enfermagem. Este Parecer, em
sua justificativa, alertava para os problemas que incorriam na formação do
enfermeiro como, por exemplo, a formação pautada no modelo biomédico, voltada
quase que exclusivamente para o espaço hospitalar, as falsas especializações e
a dissociação entre teoria e prática.
Para superar esta situação propôs-se que a formação do enfermeiro fosse
implementada visando à constituição de um profissional generalista. O Curso de
Enfermagem da UNIOESTE/Cascavel, nesse momento elaborou, pela primeira vez, o
seu PPP, tendo como suporte essa legislação.
Nesse sentido, a proposta buscou superar a centralização do ensino no espaço
hospitalar/curativo, bem como a dicotomia entre teoria e prática. Hoje,
sentimos que o esforço feito foi muito importante e que conseguimos alcançar
esses objetivos. Por termos construído um projeto político pedagógico
entendemos que se abriu a possibilidade para a reflexão e a avaliação fazer
parte do nosso cotidiano.
Pensamos que as transformações ocorridas na sociedade brasileira, nas últimas
décadas, particularmente no que se refere ao campo da saúde, implicam em
mudanças nas diferentes instituições envolvidas com a formação e com a
assistência à saúde. Tais mudanças nos levam a reavaliar permanentemente o
processo de formação.
Nesse sentido, o Curso de Enfermagem da UNIOESTE, agente integrante da
sociedade em transformação, no que se refere ao campo da saúde, pretende
constantemente refletir e reavaliar o seu PPP por meio de discussões
permanentes, buscando readequar-se às exigências da sociedade e das mudanças da
população referente ao processo saúde-doença.
Na formação do Enfermeiro, acreditamos que o processo educativo formal é um ato
intencional e orientado por objetivos a serem alcançados, portanto não é um ato
neutro. Assim, o processo de ensino-aprendizagem, que se desenvolve na
instituição escolar, consiste na assimilação ativa de conhecimentos e
experiências acumulados historicamente pela humanidade frente às exigências do
contexto social, político e econômico(7). Desse modo, o ensino-aprendizagem
exige uma direção por parte do professor, visando a assimilação ativa e crítica
dos conteúdos por parte dos alunos.
O processo de formação do enfermeiro deverá estar adequado às transformações da
profissão, aos avanços relacionados com a área da saúde, ao ensino, com as
demandas do mercado de trabalho e, principalmente, com as necessidades de saúde
da população, considerando o perfil demográfico e epidemiológico nacional e
regional.
Assim, conforme o PPP, o conhecimento transmitido em nível teórico, deve emanar
dos problemas práticos sociais vivenciados pelos alunos e que são parte dos
problemas de saúde da população. Portanto, a reflexão teórica, tem como ponto
de partida a realidade, deve retornar a esta realidade, com a intenção de
transformá-la, tendo como perspectiva a busca da unidade da relação teoria e
prática.
A formação acadêmica no âmbito do Curso de Enfermagem da UNIOESTE deverá se
fundamentar no seu PPP, nas discussões nacionais da enfermagem acerca da
formação do profissional enfermeiro indicadas nas diretrizes curriculares, as
quais deverão nortear a forma de implementação do ensino, da pesquisa e da
extensão deste curso. Para isso, adotamos como princípios que:
a) O processo de trabalho em enfermagem inclui atividades de natureza
propedêutica e terapêutica específicas, administrativas e educativas, tanto nos
serviços de saúde, como na comunidade;
b) O campo de trabalho da enfermagem apresenta especificidades e vários níveis
de complexidade, o que demanda a participação de profissionais com graus
diferenciados de formação, sendo o enfermeiro considerado o coordenador da
equipe de enfermagem;
c) O trabalho em saúde é por princípio, coletivo e interdependente sendo que o
enfermeiro desenvolve atividades próprias, que podem ser de natureza
dependente, independente e interdependente. Para tanto, é necessário que sua
formação o capacite a apreender esta complexidade do trabalho em saúde;
d) A formação do enfermeiro, na graduação e na pós-graduação deve estar
orientada e continuamente ser reorientada pelo quadro sanitário presente em
nível nacional e regional explicitado pelo perfil epidemiológico da população;
e) A inserção do acadêmico na realidade de saúde deverá ocorrer por meio do
conhecimento teórico, do desenvolvimento de Atividades Práticas Supervisionadas
e de Estágio Curricular Supervisionado nos diferentes campos de atuação do
profissional enfermeiro;
f) As descobertas e avanços científicos e tecnológicos na área de saúde
requerem um acompanhamento e a produção de novos conhecimentos também no campo
da enfermagem. Sendo assim, é fundamental a constante busca de aperfeiçoamento
e incorporação dos novos conhecimentos específicos da área bem como aqueles
produzidos em áreas afins. Neste sentido, a contínua qualificação docente
torna-se fundamental para a formação do enfermeiro;
g) A formação na graduação deve contemplar os principais campos de atuação da
enfermagem, a saúde coletiva, a assistência hospitalar e o ensino de forma
semelhante e sem predominância de um em detrimento de outro.
A partir disso definiu-se como objetivos do Curso de Enfermagem da UNIOESTE:
a) Formar enfermeiros generalistas que compreendam o homem como um ser em
constante interação com o meio ambiente tendo em vista sua complexidade
biológico-psicológico-social-espiritual, implementando medidas que atendam às
necessidades de saúde do ser humano, considerando o perfil epidemiológico da
população;
b) Formar enfermeiros motivados a interferir nos problemas de saúde da
população, considerando os fatores: sócio, econômico, político e cultural que
influenciam o processo saúde/doença;
c) Promover e desenvolver projetos de extensão e pesquisa com a participação de
alunos visando contribuir para a ampliação do atendimento público à população
em todas as esferas de atenção;
d) Formar profissionais capacitados a atuar no processo de trabalho em
enfermagem e em saúde, em todos em âmbitos de atuação profissional;
e) Instrumentalizar os enfermeiros para as ações pedagógicas em cursos de
educação básica, educação profissional em enfermagem e educação continuada para
os membros da equipe de enfermagem e nas ações educativas junto à população.
f) Instrumentalizar os alunos para desenvolver atividades de iniciação
científica;
O novo PPP, construído coletivamente, ficou assim constituído:
1º ano
Anatomia Humana - Anual (136 h/a)
Embriologia e Histologia - Sem. (68 h/a)
Imunologia - Sem. (51 h/a)
Biologia Celular- Sem. (68 h/a)
Fundamentos de Filosofia Aplicados à Enfermagem - Sem. (51 h/a)
Psicologia Aplicada à Enfermagem - Sem. (68 h/a)
Metodologia Científica - Sem. (51 h/a)
Política Educacional Brasileira - Sem (51 h/a)
Saúde, Trabalho e Ambiente - Anual (102 h/a)
Sociologia - Sem. (51 h/a)
Exercício da Enfermagem - Sem. (68 h/a)
Enfermagem Fundamental I - Anual (136 h/a)
Políticas de Saúde e Prática Assistencial em Saúde Coletiva - Anual
(102 h/a)
Didática Geral - Sem. (68 h/a)
2º ano
Fisiologia Humana e Biofísica- Anual (170 h/a)
Bioquímica - Sem. (68 h/a)
Farmacologia - Sem. (68 h/a)
Patologia Geral - Sem. (68 h/a)
Microbiologia - Sem. (85 h/a)
Parasitologia - Sem. (68 h/a)
Genética Humana - Sem. (51 h/a)
Psicologia da Educação - Sem. (51 h/a)
Saúde Mental e Processo Grupal - Sem. (68 h/a)
Enfermagem Fundamental II - Anual (238h/a)
Sistematização da Assistência de Enfermagem - Sem. (68 h/a)
Epidemiologia e Vigilância em Saúde - Anual (102 h/a)
Bioestatística sem (68 h/a)
3º ano
Enf. em clínica Médico Cirúrgica - Anual (204 h/a)
Enfermagem Perioperatória -Anual (136 h/a)
Enfermagem em Psiquiatria e em Saúde Mental - Anual (136 h/a)
Enfermagem em Puericultura, Criança e Adolescente Sadios e Criança e
Adolescente Hospitalizados - Anual (221 h/a)
Administração de Enfermagem - Anual (102 h/a)
Enfermagem em Saúde Coletiva - Anual (119 h/a)
Didática Aplicada à Enfermagem - Sem (68 h/a)
Prática de Ensino I - Anual (136 h/a)
Nutrição e Dietética Aplicada à Enfermagem - Sem. (51 h/a)
4º ano
Prática de Ensino II - Anual (264 h/a)
Enfermagem em Ginecologia e Obstetrícia - Anual (221 h/a)
A Enfermagem e o Paciente Crítico - Anual (119 h/a)
Administração de Enfermagem em Instituições de Saúde - Anual (204 h/
a)
Metodologia da Pesquisa em Saúde - Sem. (51 h/a)
5º ano
Estágio Curricular Supervisionado - Anual (880 h/a)
Trabalho de Conclusão de Curso - Anual (34 h/a)
4 Considerações finais
Ao final do processo é possível afirmar que no antigo PPP do curso, existiam
muitos aspectos positivos que foram mantidos, como a proposta de formação
generalista, os conceitos que norteavam a formação, a formação do bacharel e do
licenciado em enfermagem na mesma grade curricular, a inserção do aluno na
prática profissional desde o primeiro ano de ingresso no curso, entre outros.
Os aspectos que necessitavam de reformulação diziam respeito a orientações das
diretrizes curriculares e demandas reveladas pelo diagnóstico realizado, que
incluíam alterações de carga horária de disciplinas, desmembramento de
disciplinas, inclusão de novas disciplinas, ampliação de carga horária para
atividades complementares ao currículo, inserção do estágio curricular nos dois
últimos semestres do curso, ampliação da carga horária e da duração do curso
para cinco anos, entre outros.
O Projeto de avaliação do PPP foi uma atividade proposta e construída por todos
os docentes. Isso ganha maior importância na medida em que compromete as
pessoas com o processo e com o produto do trabalho, para tanto, foi destinada
carga horária semanal a todos os docentes do curso. No entanto, há que se
ressaltar que nem todos os envolvidos buscaram comprometer-se com o processo na
mesma intensidade, apesar do consenso de que a transformação na formação passa
necessariamente pela transformação do projeto político pedagógico do curso,
sendo construído a partir das condições objetivas e subjetivas dos atores
envolvidos.
Agradecimentos:Além dos autores do texto, participaram desse processo os
seguintes docentes: Claudia S. Viera; Débora C. I. Alves; Elizabeth Braz;
Elizabeth M. Lazzarotto; Gessi M. Cardoso; Guerti S. Berto; Lili M. Hofstatter;
Lorena M. G. Gemelli; Luciana M. Fernandes; Luiz F. Reis; Márcia R. S. B.
Mendes; Maristela S. Maraschin; Marister Picolli; Marlei F. C. Fiewski; Nelsi
S. Tonini; Neusa Collet; Patrícia R. Mateus; Ronaldo Luiz Barbosa; Sebastião
Caldeira; Solange de F. R. Conterno; Solânia Durman; Terezinha A. Dias; Vanda
M. P. Scopel.