A produção científica sobre administração em enfermagem no Brasil no período de
1947 a 1972
HISTÓRIA DA ENFERMAGEM
A produção científica sobre administração em enfermagem no Brasil no período de
1947 a 1972
The nursing administration scientific publications in Brasil since 1947 until
1972
La produción científica sobre la administración en enfermería en Brasil en el
periodo de 1947 a 1972
Elaine Guimarães MartinsI; Maria Cristina SannaII
IGraduanda Curso de Graduação em Enfermagem - FACENF - UNISA (Universidade de
Santo Amaro Membro do Centro de Pesquisas sobre História da Enfermagem da UNISA
elaine.gm@superig.com.br
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular da FACENF-UNISA. Líder
do Centro de Estudos e Pesquisas sobre História da Enfermagem da UNISA
1. INTRODUÇÃO
A administração é um processo integrado, visando à obtenção de resultados
específicos, o qual abrange coletivamente o grupo envolvido com o processo de
administrar e controlar uma organização.
Também se definiu a administração como sendo todas as funções executadas de
maneira racional, por uma pessoa ou grupo de pessoas a fim de alcançar
determinados objetivos que foram formulados por eles próprios ou por outros(1).
Numa mesma época se definia a administração em enfermagem como seleção,
provisão e utilização de recursos para o alcance de uma finalidade, cujas
realizações são desejáveis ou compulsórias, encaminhando-se a um processo
individual e não como um simples manejo de objetos(2).
Partindo deste pressuposto, as enfermeiras iniciaram uma jornada na busca
contínua de informações e conhecimentos sobre essa nova ciência de administrar
os benefícios que trariam à Enfermagem, visando à obtenção de uma boa
administração, trazendo assim ganhos e benefícios para o grupo envolvido na
assistência ao paciente.
É importante salientar que essas enfermeiras enfrentaram muitas barreiras para
a busca dessa nova ciência de administrar, sendo introduzida relativamente há
pouco tempo no seu preparo formal. Muitas não tinham total conhecimento de como
fazê-lo, ao tempo em que tinham a convicção de que não estavam sendo eficientes
no trabalho. Prova disse é o discurso de Menezes(3).
Sendo assim, a Administração Aplicada à Enfermagem foi adicionada ao currículo
das escolas assim que esta se tornou plenamente consciente de suas reais
atribuições, com uma visão de preparar as futuras enfermeiras para a função de
líder das atividades e seu desenvolvimento administrativo(4).
Este trabalho vai sendo aperfeiçoado quanto mais estiver sendo executado, sendo
que as metas administrativas estabelecidas visam, não somente a consecução dos
objetivos formulados no período do século XX, mas também a obtenção máxima do
desenvolvimento profissional destas enfermeiras ao longo do tempo.
Seu estudo vem a partir de informações obtidas de problemas e dificuldades já
vivenciados, que são associados com conceitos derivados de campos da ciência da
Administração que são devidamente adaptados, ou seja, uma ciência que evolui a
cada nova descoberta e experiência, como qualquer ciência aplicada.
A produção científica sobre Administração em Enfermagem vem se desenvolvendo de
modo eficiente e visa preparar melhor as enfermeiras para as funções de
liderança das atividades administrativas, inter-relacionando o desempenho de
seu trabalho juntamente com a cultura organizacional, e outros conhecimentos
científicos, procurando, assim, ter uma melhor dinâmica ao administrar, e que
também seja eficiente para uma boa obtenção de resultados.
A Enfermagem, em sua trajetória histórica, enfrentou grandes desafios. Muitas
vezes as condições de trabalho eram desfavoráveis, pois as enfermeiras não
tinham total aptidão para o desenvolvimento de administrar e gerenciar, pois
eram recém-formadas e entravam no mercado de trabalho sem nenhuma experiência
de como fazê-lo e de como lidar com as dificuldades a serem enfrentadas, mas já
eram designadas para funções de mando cada vez mais complexas.
Hoje, o preparo do enfermeiro para a administração é diferente dos primórdios
da formação desse profissional no país, mas as transformações que ocorreram
nesse período não são perceptíveis para quem não as acompanhou. Assim, parece
oportuno resgatar a história das produções científicas sobre Administração em
Enfermagem, destacando os grandes marcos históricos que, sem dúvida,
impulsionaram sua estrutura, ambiente e tecnologia, aperfeiçoando o seu
trabalho e levando a um melhor desenvolvimento profissional.
2. OBJETIVO
Descrever a trajetória histórica da produção científica sobre Administração em
Enfermagem brasileira, destacando os grandes marcos deste caminhar para
compreender como foram produzidos e incorporados esses procedimentos até que a
disciplina se constituísse como parte integrante do conteúdo do curso, com
identidade própria.
3. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, de caráter histórico-social quantitativo e
bibliográfico, que tem por finalidade, resgatar aspectos inerentes às produções
científicas sobre Administração em Enfermagem de 1947, quando começou a grande
trajetória das publicações na ciência de administrar em enfermagem a 1972,
quando houve a promulgação do currículo mínimo que somou a Enfermagem à
Obstetrícia.
A população estudada foram as publicações científicas que estão
disponibilizadas na base de dados PERIENF, que surgiu juntamente com a Escola
de Enfermagem da Universidade de São Paulo em 1942. Hoje, a PERIENF é um dos
recursos oferecidos pelo Serviço de Biblioteca e Documentação da EEUSP, que tem
como objetivo divulgar, aos pesquisadores e profissionais, a produção
brasileira de Enfermagem. É atualizada periodicamente e tem cerca de oito mil
referências bibliográficas, grande parte delas acompanhada de resumos.
A escolha dessa fonte de dados se deu devido ao fato das bases eletrônicas,
como o LILACS (Literatura Latino Americana de Ciências da Saúde), por exemplo,
ter-se iniciado apenas nos anos 80 do século XX, o mesmo aplicando-se à BDENF
(Bibliografia Brasileira de Enfermagem), o que não se coadunava com o recorte
temporal definido para o presente trabalho. Também as bases eletrônicas
internacionais, por sua vez, não dariam conta do objeto de estudo no contexto
em que foi desenhado a Enfermagem Brasileira. Assim, tomou-se como referência
exclusiva a base citada.
A coleta de dados, então, foi realizada através de banco de dados
disponibilizado eletronicamente, na base de dados PERIENF, utilizando-se as
palavras-chave: "Administração" e "Enfermagem", quando foram relacionados os
anos de 1942 a 1972, de interesse para o estudo. Foram encontrados, apenas a
partir de 1947, 46 artigos e duas teses, todos em português, e foram
selecionados destes, após a leitura dos resumos e/ou dos textos na íntegra, 19
artigos, estes de grande interesse para o assunto a ser estudado. Os outros 29
artigos foram excluídos pois não eram relacionados diretamente com o objeto do
presente estudo e, também, por serem editoriais e relatórios de prestações de
contas da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e congêneres.
As duas teses citadas não foram selecionadas pois não estavam disponíveis, na
integra, para se obter e fazer cópia deste material. Uma delas, consultada
posteriormente, em cópia não autenticada de biblioteca particular, abordava o
tema de forma genérica, mais voltada para os aspectos de expansão do papel
profissional e as inadequações curriculares do ponto de vista de sua vinculação
ao modelo americano, e não propriamente se referia à disciplina de
Administração. Quando o fez, ainda usou uma fonte mais antiga, integrada aos
artigos incluídos no presente estudo, optando-se por preferir a fonte primária.
Os 19 artigos selecionados foram copiados e submetidos a procedimento de
leitura, resumo da obra e fichamento, para melhor análise. Os artigos
analisados foram agrupados por similaridade e pertinência a partir dos quais se
criou as categorias: "Estratégia de funcionamento da estrutura organizacional";
"Análise e considerações sobre o preparo de recursos humanos na Enfermagem"; e
"Ensino e pesquisa sobre Administração Aplicada a Enfermagem",destacando-se os
grandes marcos históricos da evolução das produções científicas sobre
Administração em Enfermagem no período estudado.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As categorias apresentadas indicam o que as enfermeiras vêm declarando as suas
dificuldades e preocupações, e também falando-nos das suas vitórias e
conquistas na Administração Aplicada à Enfermagem.
Em um período da história, nas produções científicas, as enfermeiras
reconheceram que tinham o dever de estarem inteiradas dos conhecimentos e das
movimentações políticas, das relações humanas e da competência técnica,
partindo assim dos fatores da administração que são: planejamento, organização
de recursos para a execução do plano, execução e avaliação da administração,
como Paul(2)disse.
Inicialmente os artigos em inglês, de interesse para a classe, eram traduzidos
para o português. As produções científicas de enfermagem brasileiras nos anos
40 do século XX eram muito escassas devido a poucos enfermeiros escreverem
artigos. Com o passar dos anos, os enfermeiros começaram a escrever artigos
científicos e, com isso, aumentaram a quantidade de publicações que
inicialmente eram feitas na revista Anais de Enfermagem, mais tarde denominada
Revista Brasileira de Enfermagem. Este periódico foi, portanto, aquele em que
se encontrou a maior parte das publicações analisadas e não poderia ser
diferente, já que as revistas Gaúcha de Enfermagem, da Escola de Enfermagem da
USP e Bahiana de Enfermagem, foram criadas em data posterior à anteriormente
citada e eram as únicas que existiam até 1972(5).
4.1 Estratégia de funcionamento da estrutura organizacional
As enfermeiras, tendo em vista a sua sensibilidade e percepção, deram-se conta
da importância da administração, e com isso, começaram(6) uma busca constante
dos princípios do ensino da Administração. A Enfermagem, portanto, fez um
momento de aproximação dos conceitos e princípios da Administração com o
propósito de investigar essas novas idéias para preparar soluções para as
dificuldades a serem enfrentadas na administração da assistência de enfermagem.
Um dos marcos históricos iniciais dessa busca do conhecimento sobre
administração se deu a partir da implantação de um sistema de anotações e
relatórios diários, os quais permitiam um controle dos planos de atividades já
pré-estabelecidos, além de trazer as informações e selecionar os motivos que
determinaram as ocorrências e a necessidade de registrá-las.
Tendo essa nova idéia e consciência da importância da administração, a
enfermeira deixou de olhar para si mesma apenas como mais uma funcionária da
instituição e percebeu que era capaz de pensar, ser criativa, e de ter
iniciativas, podendo ter vários níveis de responsabilidades e de dar uma ótima
contribuição para a tomada de decisão. Uma condição necessária foi a
centralização da informação a seu favor, pois, tendo as informações adequadas e
antecipadas, poderia antecipar-se e preparar as ações estratégicas a serem
aplicadas.
Para isso determinavam que se deveria fazer um planejamento adequado, tangível,
inteligente e seguro para a organização do serviço de enfermagem, e que também
pudesse ser de fácil compreensão, de padrões aceitáveis, para que se pudesse
prever também problemas e resolvê-los de antemão.
Há múltiplas facetas e ângulos que se apresentaram. Isto implicou muito
trabalho, esforço, estudo, pesquisa e, acima de tudo, uma vasta experiência, o
que muitas vezes não acontecia porque as enfermeiras eram pouco numerosas(5) e
recém-graduadas, espalhavam-se pelo território nacional nas funções parciais
dos seguintes locais em ordem de importância: Assistência Hospitalar, Saúde
Pública e Ensino de Enfermagem.
As enfermeiras faziam seus planejamentos para a organização do serviço de
enfermagem mas a produtividade era insuficiente e ineficaz porque, além de
inexperiente havia falta de preparo específico nessa área. Muitas vezes,
enfermeiras recém-formadas, que acabaram de receber seus diplomas, eram
convidadas a ocuparem cargos de grande importância para a Enfermagem e para o
Sistema de Saúde, como se nota no texto a seguir:
Nós, as enfermeiras chefes, temos consciência de que não estamos
sendo inteiramente eficientes em nosso trabalho [...]. Mal recebemos
o diploma de enfermeira, aparecem as propostas e nos lançamos aos
cargos de chefia, antes que eles sejam preenchidos por pessoas que,
embora bem intencionadas, nem o diploma de enfermagem possuem(5).
A essas enfermeiras recém-formadas, o ensino ministrado não lhes conferiu total
aptidão para os desafios da administração, e também não tiveram tempo de
sedimentar suas experiências.
Apesar de algumas falhas, ainda assim, as enfermeiras conseguiram desempenhar
adequadamente o seu papel na função de administrar tanto que, a partir da
década de 50 do século XX, passaram a enfrentar o administrador hospitalar,
demonstrando sua competência perante o mesmo, mantendo uma relação de simetria
entre o administrador e a enfermeira, para o forte crescimento das obrigações,
garantindo bom desenvolvimento da competência técnica e social, e estimulando a
confiança depositada nas enfermeiras.
Com o avanço da Administração em Enfermagem, com base em modelos americanos, se
criou o cargo de supervisora que, inicialmente, não era muito bem definido para
a Enfermagem Brasileira:
... Ao ser delegada essa função [supervisão], aquêle que a recebe e
executa é designado "supervisor", o que faz com que alguns a
considerem uma função à parte, perdendo de vista o sentido da
supervisão dentro do plano geral da Administração(7).
Depois de uma longa discussão, chegaram a um consenso de que a supervisão em
enfermagem é uma função dentro dos planos da administração(7). Definiu-se,
assim, que a supervisão é a alma da produtividade e da eficiência das
organizações; que visa a melhor prestação de serviço no cuidar, a promoção, o
estímulo e o patrocínio do progresso e do bem estar, além da capacidade de
agir, reagir e liderar para conseguir melhores resultados na instituição(7).
Para tanto é oportuno dizer que a supervisão tinha, naquela época, como
objetivos, o aperfeiçoamento do trabalho que está sendo executado,
estabelecendo relações de dominação entre supervisor e supervisionado para que
ambos conseguissem bons resultados, de modo que alcançassem adequadamente o
objetivo proposto pela Instituição.
Para que os objetivos da supervisão em enfermagem fossem alcançados com
exatidão, era preciso ter uma harmonia em questões a serem interpretadas como
responsabilidade nas decisões administrativas e ser também mediador entre a
administração e o trabalhador. Assim, obteve-se a eficácia entre dois pontos, o
do trabalhador e o administrador, aplicando-se uma avaliação que permitisse a
flexibilidade, mudança, alterações ou adequações do planejamento da supervisão.
Para obtê-lo a supervisora de enfermagem devia ter uma vasta experiência no
campo administrativo, o que lhe daria o conhecimento e, tendo o bom senso nas
tomadas de decisões, para resolver problemas da melhor forma possível e
adequada, alcançaria as metas planejadas. Teixeira(7) cita, entre as qualidades
pessoais de um líder para o exercício da função de supervisão, a empatia, o
autocontrole e o equilíbrio emocional, mas afirma: "Além dessas qualidades,
faz-se porém necessário um preparo técnico específico e experiência abundante
no campo em que vai exercer a supervisão".
Com a evolução da Administração aplicada à Enfermagem surgiu outra função, a de
auditoria, sendo que esta não exigia vasta experiência e conhecimento
especializado, mas sim um grande incentivo e liderança para criar condições
para a implantação de um sistema de avaliação contínua, para traduzir as ações
de enfermagem. Ribeiro(8)alertou que: "os objetivos deveriam ser estabelecidos
de forma clara e precisa e passíveis de mensuração, isto é, que permitam a
aplicação de um método de avaliação ou de pesquisa, para traduzir as ações de
enfermagem em dados estatísticos".
Dessa maneira, a auditoria provocou a descentralização dos serviços de
enfermagem, o que trouxe um grande beneficio, pois lhe competiu tanto planejar
quanto implementar, coordenar e controlar com mais eficácia o espaço de
trabalho que lhe competia. Com isso, obteve-se ótimos resultados do Serviço de
Enfermagem, atestados pelos relatórios contínuos de qualidade. Através dos
mesmos podia-se retirar dados estatísticos que avaliavam as ações de
enfermagem.
Outro ponto que não se deve esquecer é que a auditoria em enfermagem não podia
permanecer como um processo ignorado, pois, através dela, poder-se-ia traçar
novos horizontes, aumentando assim a qualidade das ações de enfermagem, que não
se mediam nem em tempo ou gastos, mas somente numa busca constante pela ótima
qualidade do serviço de enfermagem como um todo.
4.2 Análise e considerações sobre o preparo de recursos humanos na Enfermagem
A Enfermagem começou como responsabilidade familiar, logo convertida em
responsabilidade tribal. Surgiu do passado como uma ocupação inicialmente sem
treinamento, logo, com certo adestramento e, finalmente, ensinada como uma arte
para o cuidado do paciente(9).
Com esse pensamento, a Enfermagem veio se expandindo para atender, cada vez
mais, às suas necessidades no serviço de saúde, de uma forma muito eficaz.
A Enfermagem é a "proteção" ao indivíduo vulnerável. É uma relação humana entre
o indivíduo que está doente ou necessita de um serviço de saúde e um grupo de
enfermagem(9).
Com o aumento da demanda de indivíduos precisando do grupo de enfermagem,
percebeu-se que o mesmo se deparava com um grande problema a ser enfrentado: "a
falta de funcionários, comprometendo a qualidade do cuidado prestado ao
paciente"(9).
Para sanar esta dificuldade, incentivou-se o recrutamento de candidatas através
das escolas de enfermagem para funções de enfermeiras e de auxiliares de
enfermagem, como também se selecionou atendentes de enfermagem pelo Serviço
Especial de Saúde Pública (SESP)(10).
O recrutamento era feito da seguinte forma: as enfermeiras e auxiliares de
enfermagem eram encaminhadas com cartas de recomendações das escolas de
enfermagem e, em se tratando das atendentes de enfermagem, este recrutamento
podia ser feito através de anúncios públicos(11). Alcântara(1)explicou:
"Tratando-se porém, de atendentes, êstes podem ser recrutados através de
anúncios de jornais ou comumente, são recrutados por pessoas que trabalham no
hospital, ao terem conhecimento de vagas existentes".
Nessas condições, as enfermeiras eram também capazes de recomendar um quadro
adequado de pessoal apto a compreender os requisitos da profissão, empenhando-
se na criação de padrões, segundo os quais, não só pudessem trabalhar
eficientemente, como formar bons profissionais(11).
Para fazer a seleção das candidatas era recomendável que a profissional
responsável fosse uma enfermeira conhecedora de técnicas de entrevista, uma vez
que esta era considerada uma boa técnica de seleção.
Logo após a seleção, eram feitos treinamentos intensivos diferentes entre
enfermeiras, auxiliares e atendentes, sendo estes todos supervisionados por uma
enfermeira. Com isto, cada um destes tomou o seu pleno conhecimento das funções
que lhes competiam.
Partindo desse pressuposto, estabeleceram regras básicas para a execução da
importante tarefa de administrar. "Não existe maior responsabilidade do que a
de selecionar enfermeiras adequadas para o complexo de regras que se desenvolve
tão rapidamente neste mundo da enfermagem"(11).
Florence Nightingale afirmou que as "profissões, como as nações, só podem
florescer se houver um senso individual de responsabilidade de classe". Assim,
formando enfermeiras na época estudada, as professoras obrigavam-se a estimular
essa "consciência de classe", não só dentro da profissão, mas por todo lugar
onde a saúde estava sendo protegida pela Enfermagem profissional(11), com maior
ênfase a partir dos anos 60.
Com este pensamento, não somente se supriu a necessidade de um grupo maior na
Enfermagem, mas também aumentou a eficiência do serviço de enfermagem. Para
isso, as enfermeiras encaminhavam os seus funcionários a uma constante
reciclagem e aprimoramento dos seus conhecimentos, para ter sempre um bom
funcionário, qualificados, para um melhor desenvolvimento das práticas de
enfermagem.
Esse processo operacional respondia às demandas presentes, de acordo com as
necessidades prioritárias de saúde, com a compreensão, estímulo e recursos
necessários para fazer com que a Enfermagem fosse um instrumento efetivo e de
qualidade, tendo em vista um corpo altamente qualificado e responsável nos
diversos setores, tanto operacional, quanto administrativo.
É importante dizer que, ao passar por esse processo de reciclagem e
aprimoramento, promoveu-se uma avaliação que permitia dinamizar o trabalho e os
contínuos progressos destes participantes, pois, a partir destas avaliações,
poder-se-ia fazer mudanças na organização do trabalho, tendo um conhecimento
suficiente e adequado para tanto, o que fazia com que este funcionário viesse a
mudar a imagem que tinha de si próprio. Nas palavras de Viegas(6):
"Não importa a perfeição com que as enfermarias sejam organizadas e
aparelhadas, não importa a exatidão com que sejam planejados os
cuidados de enfermagem a se dispensar aos enfermos, se a enfermeira-
chefe falha na direção do pessoal sob suas ordens. Se não consegue
interessá-lo, não poderá contar com a sua cooperação e toda economia
do trabalho sofrerá".
Assim, a preocupação com o quantitativo e a qualidade dos recursos humanos
passa a ser prioridade para a administração no ambiente hospitalar.
4.3 O Ensino de Administração em Enfermagem
Acompanhando a evolução e as tendências da educação moderna e, principalmente,
a aplicação desta à Enfermagem brasileira, os objetivos propostos para o
programa de Administração Aplicada à Enfermagem evidenciavam a preocupação em
preparar futuros líderes para a profissão(4).
É oportuno dizer que para a reforma curricular acontecer, houve muitas falhas
das enfermeiras recém-formadas pois, mal deixavam os bancos escolares, assumiam
cargos de grande responsabilidade, ou iriam para supervisão em saúde pública e,
na maior parte das vezes, iriam para escolas ensinar estudantes, sem o preparo
adequado. Com isso questiona-se: será que estas enfermeiras estavam preparadas
adequadamente? Eis a questão a ser respondida.
Essas enfermeiras seguiam modelos internacionais e esse preparo era básico e
indispensável para a formação, mas também esses mesmos modelos eram adaptações
para a realidade do Brasil, nem sempre com muito sucesso. Schott(12) indagou:
"Nos países onde o "industrialismo" e o "socialismo" estão bem
estabelecidos e onde os governos não têm espírito profissional, a
tarefa é grande, pois como poderão ser oferecidos a uma enfermeira em
potencial, os previlégios de membros de uma organização profissional,
quando existe pouco ou nenhum apoio, ao nível profissional por parte
dos administradores?"
Devido às dificuldades que muitas enfermeiras vinham enfrentando, começou a se
questionar sobre os modelos internacionais que elas seguiam. Então, começou a
se rever as diretrizes curriculares e a despir o currículo do que havia de
supérfluo, com a finalidade de reservar uma carga horária para as teorias e a
prática da Administração Aplicada à Enfermagem. Esta medida teve como objetivo
preparar pessoas que, além de adquirirem o preparo para o cuidar, fossem também
capazes de administrar serviços, de ensinar e de fazer supervisão de pessoal.
Com essa sensibilidade e perspectiva, as enfermeiras, ou grande parte destas,
que estavam exercendo funções de administração, supervisão e ensino, puderam
enfrentar, com mais destreza, as dificuldades administrativas.
Essa medida de ensino de Enfermagem veio proporcionar, ao estudante, os
conhecimentos dos princípios da Administração e fazer a relação destes com a
Enfermagem, tendo-se a plena consciência das reais atribuições e
responsabilidades da Enfermagem com a organização.
Também foi elaborado um programa de estágio de Administração Aplicada à
Enfermagem, cujo objetivo era oferecer ao estudante, oportunidades de conhecer
a organização e o funcionamento do hospital, e também para desenvolver o senso
de responsabilidade quanto ao planejamento, orientação, execução e avaliação de
um plano de supervisão.
Embora o ensino de Administração para a Graduação em Enfermagem já fosse
mencionado, sem muita ênfase, no Decreto No. 27426/49 de 14 de novembro de
1949, que aprovava o Regulamento Básico para os Cursos de Enfermagem e de
Auxiliar de Enfermagem no Brasil, baseado no "Programa Educativo da Escola de
Enfermagem", proposto pelo International Council of Nursing(13), a Escola de
Enfermagem Anna Nery já oferecia essa formação, mesmo que nunca tivesse criado
uma disciplina específica para tanto.
Como indica Sanna(14), houve uma revisão do currículo daquela escola em 1943,
no entanto, o conteúdo continuou diluído na disciplina de Ética de Enfermagem.
Na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Alcântara(15) adotou a mesma
estratégia, só que distribuindo o conteúdo entre Saúde Pública e Psicologia
Educacional e Didática.
Já na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, que iniciou suas
atividades em 1942, a introdução desses conceitos foi mais incisiva. De fato,
em 1952, Pinheiro(13) já defendia essa posição e as pioneiras na introdução do
conteúdo de Administração em Enfermagem com identidade própria no currículo,
Ribeiro, Martinez e Carvalho(8), explicaram o porquê:
"O ensino dos princípios de Administração e sua aplicação na
Enfermagem foram introduzidos no currículo de nossa escola assim que
se tomou consciência das reais atribuições da enfermeira em nosso
meio [...] essa disciplina visa preparar a enfermeira para as funções
de liderança, não a afasta, contudo, do cuidado à cabeceira do
paciente, sua função precípua, pelo contrário, dá a ela meios para
proporcionar estes cuidados com mais eficiência".
Para isso tinha o acompanhamento da enfermeira-chefe e, gradualmente, a aluna
ia se tornando responsável pela administração da enfermaria, unidade de
trabalho.
Seguindo esse programa proposto de Administração Aplicada à Enfermagem
evidenciou-se que havia uma preocupação em preparar futuros lideres da
profissão, dando-se oportunidades para se habituar às rotinas de uma
instituição e meios para assumir a responsabilidade de liderança da equipe de
enfermagem.
As alterações curriculares determinadas pela legislação de Ensino e/ou pela
disputa entre as escolas citadas pela hegemonia do modelo formador, se
prolongaram por muito tempo. Porém, com a promulgação da Resolução n. 4/72 do
Conselho Federal de Educação, que definiu o Currículo Mínimo dos Cursos de
Enfermagem e Obstetrícia, a disciplina, com a denominação "Administração
Aplicada à Enfermagem" finalmente foi reconhecida como detentora de identidade
própria.
5. CONCLUSÃO
Este estudo veio ao encontro do presente com o passado, pois a Enfermagem está
"envolvida em uma relação de tríplice aliança: a relação da Enfermagem com a
organização, os assuntos pertinentes à profissão e o ensino de enfermagem(9)".
Assim, a Enfermagem procurou aproximar-se da ciência da Administração, pois
percebeu(12) a importância dos princípios daquela ciência aplicando-os à
Enfermagem. Nota-se a existência dessas enfermeiras pioneiras que tiveram a
sensibilidade e a percepção de adequar a Administração à Enfermagem.
Com o passar do tempo, essas mesmas enfermeiras voltaram a se preocupar com
questões da própria profissão, recrutando assim novos profissionais e, também,
encaminhando estes mesmos para aprimoramento e reciclagem constante dos seus
conhecimentos, com a criação dos cursos de Especialização.
Também é oportuno dizer que, com as dificuldades que as enfermeiras
enfrentaram, por um período de suas vivências, começou-se a questionar sobre os
currículos das escolas de enfermagem. Depois de muito se discutir, resolveu-se
reformula-lo, baseando-se em modelos internacionais, mas se desprendendo dos
temas não muito relevantes para a Enfermagem Brasileira, incluindo-se o
conteúdo de Administração, e dando maior importância aos princípios e teorias
de Administração que pudessem ser aplicados à Enfermagem.
Observou-se que dado início da profissionalização da Enfermagem no Brasil, na
sua concepção, vem-se travando uma batalha constante pelos seus ideais e
propósitos. Isto se dá através da importância de refletir sempre e cultivar a
construção do conhecimento, quer na área da saúde, ou em qualquer outra área,
como neste relato que ora se finda, no qual se pode apreciar a evolução da
Administração em Enfermagem no Brasil.