Planejamento local: a fala do gerente de Unidade Básica de Saúde
PESQUISA
Planejamento local: a fala do gerente de Unidade Básica de Saúde
Local planning: the speech of Basic Health Care Center manager
Planificación local: la habla de lo gerente de Unidad Básica de Salud
Márcia Regina Cubas*
Enfermeira. Especialista em Saúde Coletiva - concentração em Gestão. Mestre em
Saúde Pública - concentração em Planejamento e Gestão pela ENSP/FIOCRUZ.
Doutoranda em Enfermagem concentração em Saúde Coletiva na EEUSP. Professora da
PUCPR
1. INTRODUÇÃO
A partir de 1992 a Secretaria Municipal da Saúde - SMS de Curitiba foi
promotora de um grande passo rumo ao planejamento descentralizado, conduzido
pelo paradigma de que não bastava apenas uma reforma do organograma
institucional para que houvesse mudança da lógica centralizadora. No aspecto
administrativo-gerencial houve mudanças significativas no nível local,
substitui-se às chefias de Centros de Saúde e Clínicas Odontológicas por um
profissional mais abrangente na tecnologia da gerência de Unidades Básicas de
Saúde - UBS. A denominada Autoridade Sanitária Local ASL deveria ser, além de
um técnico competente dentro de sua profissão, um gerente capacitado para
responder a tarefas mais complexas e possuir disposição para praticar o
planejar em saúde.
Neste sentido, a administração do município de Curitiba desenvolve planos
municipais intersetoriais, solidificados pela metodologia do Planejamento
Estratégico Situacional - PES, propiciando contatos com a teoria e o método de
forma contínua de forma a suscitar uma gestão voltada para "projetos
multisetoriais integrados". Este propósito tem reflexos na condução do
planejamento das Secretarias e por conseqüência nas US's.
A apropriação do raciocínio estratégico potencializa a criatividade e o desejo
de transformar uma situação de saúde indesejada, portanto consideramos o
planejamento local como forte instrumento de uma gestão descentralizada não
devendo ser objeto de um "modismo" e sim um projeto institucional de
compromissos firmados(1). Isto posto, este estudo foi estimulado pela percepção
do compromisso que as ASL's possuem com o incremento do Sistema Único de Saúde
- SUS em Curitiba e com o fato de que, a gestão plena do município foi
direcionando afazeres cada vez mais complexos ao nível local, que hoje podem
ser comparados aos do Secretário de Saúde de um pequeno município.
Desta forma, o objetivo desta pesquisa é apresentar a representação social do
gerente de Unidade Básica de Saúde sobre o planejamento local. Configura-se
numa apresentação de resultados considerados representativos e totalmente
passíveis de novas reflexões ao possibilitar para os Gestores Locais o repensar
em seus estilos, desempenhos e experiências.
Cabe ressaltar que este artigo não tem como foco central analisar a aderência
do discurso coletivo construído, pois necessitaria de um método aprofundado
para análise de discurso, mas oferece, em coerência com o instrumento
metodológico usado, uma "descrição ou representação discursiva do imaginário
social, um recorte cujo compromisso maior é com sua própria clareza, coerência
semântica e didatismo"(2).
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os conceitos que ancoram a construção deste artigo estão direcionados ao
planejamento estratégico situacional de Carlos Matus e a teoria da
Representação social.
Em relação ao primeiro, verifica-se que o conceito de planejamento é bastante
discutido e diverso, porém, em sua re-contextualização na saúde, à luz de
Matus, passa a ter um novo entendimento e sua definição será: o cálculo que
precede e preside a ação, tratando-se da mediação entre o conhecimento e
àquela, sendo um processo social complexo, produto das relações de conflito e
articulação entre as diferentes forças sociais em uma realidade historicamente
dada(3).
Salientando o mesmo como instrumento de gestão, promotor de desenvolvimento
gerencial, exercendo forte influência sobre o compromisso das pessoas com os
objetivos institucionais sendo uma atitude permanente da organização e do
administrador(4).
Quanto à Representação Social, esta pode ser considerada como uma forma de
pensamento de um coletivo ou um estoque de discursos presentes numa formação
social em determinado momento histórico e que as pessoas apresentam quando
necessitam expressar seus pensamentos sobre determinado tema(2).
Os conhecimentos carregados pelas representações sociais somente adquirem
sentido e significado se levado em conta o contexto e a situação em que se
manifestam(5) permitindo compreender porque alguns problemas sobressaem em uma
sociedade, esclarecer alguns aspectos de sua apropriação pela mesma e entender
como os debates e conflitos se desenrolam entre diferentes grupos de atores(6).
As representações sociais "se manifestam em condutas e chegam a ser
institucionalizadas, portanto, podem e devem ser analisadas a partir da
compreensão das estruturas e comportamentos sociais"(7) sendo consideradas
matéria-prima para análises do social.
Sendo que os Discursos do Sujeito Coletivo -DSC aqui discutidos representaram
uma estratégia para "tornar clara uma dada representação social" através de
suas opiniões sobre o planejar localmente.
3. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo qualitativo que utilizou o instrumento metodológico do
Discurso do Sujeito Coletivo - DSC para análise das informações, tendo como
fundamento a teoria da Representação Social e seus pressupostos metodológicos.
O método é baseado na aplicação de quatro figuras metodológicas:
- As Expressões Chave ECH: que são "transcrições literais de parte do discurso"
individuais, consistem em trechos contínuos ou descontínuos da fala que revelam
a essência do discurso ou teoria subjacente"(8).
- A Idéia Central - IC refere- se ao "nome ou expressão linguística que revela
e descreve da maneira mais sintética e precisa possível o sentido ou o sentido
e o tema das ECH de cada um dos discursos analisados e de cada conjunto
homogêneo de ECH" ou ainda "a afirmação que permite traduzir o essencial do
conteúdo"(8).
- A Ancoragem - AC define-se como "a expressão de uma dada teoria, ideologia,
crença religiosa que o autor professa e que está embutida no seu discurso como
se fosse uma afirmação qualquer"(8).
- O Discurso do Sujeito Coletivo - DSC que é um discurso-síntese homogêneo de
ECH's que tem a mesma IC ou AC é "o discurso individual, expandido,
socializado, mas jamais deturpado"(8).
O sujeitos da pesquisa foram oito ASL de US representantes dos oito Distritos
Sanitários - DS de Curitiba selecionadas intencionalmente pelo tempo de
ingresso na SMS, período na gerência de Unidade e pela experiência prévia com
metodologia de planejamento. Houve também um cuidado quanto à formação básica
destes sujeitos, sendo escolhidos quatro Enfermeiras, três Dentistas e um
Médico, que representava a proporcionalidade da distribuição destes
profissionais na gerência das 104 Unidades da Rede.
As questões éticas foram resguardadas através da inclusão do Termo de
Consentimento Esclarecido conforme resolução nº196/96 do Conselho Nacional de
Saúde e foi submetido a Comissão de Ética da Universidade Estadual de Ponta
Grossa - PR.
A organização dos depoimentos foi desempenhada por meio da análise de cada
entrevista, da extração das onze IC com suas respectivas ECH's. Em seguida
foram agregando-se as ECH's iguais ou equivalentes que estabeleceram vinte e
cinco DSC's.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apresentaremos os discursos construídos que foram discutidos a partir de sua
ancoragem à luz da literatura sobre o tema.
Em relação ao DSC que tem como idéia central a: "metodologia do planejamento é
difícil, mas adaptável", encontramos um discurso único sobre a dificuldade
sentida na apropriação do método que, com a vivência, pôde ser adaptado à
realidade:
DSC1-...As teorias do planejamento têm uma linguagem própria que não
é do nosso vocabulário....Hoje eu não tenho um modelo rígido, a minha
experiência dentro do planejamento local coloca que existe uma teoria
que não se adapta na prática, porque esta é muito dinâmica, então
procurei adaptar a teoria que aprendi a realidade....
Apresenta-se ancorado pela opinião de que o planejamento não admite
metodologias fechadas(9) e de que a prática demonstra que não pode haver
rigidez na aplicação de um método, pois cada local e experiência realizam
adequações do mesmo aos sujeitos e seus processos(1).
O DSC oferecido na idéia central a intersetorialidade é um fator determinante
para o processo de planejamento também se apresentou único. Percebe-se que o
movimento proporcionado pela Prefeitura Municipal de Curitiba no sentido de
compor Planos Distritais para a cidade, no local onde eles são necessários,
através do Modelo Curitiba de Colaboração, reforça a necessidade da ação
conjunta de várias secretarias:
DSC2- Eu acredito que o pensar junto, quando se está atendendo uma
mesma população e o construir com outras secretarias em busca da
intersetorialidade ia facilitar muito o planejamento local....temos
uma maior parceria, crescemos juntos... tinha que acontecer, porque
para melhorar a cidade sei que as ações serão voltadas para a saúde,
condições sócio-econômicas, habitação, alimentação e está tudo
grudado, vamos ter que integrar os setores.
Ao escrever sobre a modelação de uma organização governamental segundo a lógica
intersetorial, com a missão de proporcionar a melhoria de condições de vida da
população de sua área de abrangência, Inojosa(10) afirmou que haverá
necessidade de um planejamento referido a base geográfica e populacional
própria, articulado e com caráter distributivo. Outro fator que podemos
perceber embutido nesta homilia é a preocupação das ASL's com o conceito de
"promoção em saúde", admitindo que este "tende a apontar na direção de novas
estratégias que colocam a saúde na sua verdadeira dimensão intersetorial, tendo
como eixo a qualidade de vida"(11).
Outro DSC que também se apresentou único foi o da avaliação é a continuidade do
processo de planejamento e tão importante quanto este:
DSC3- Eu me preocupo muito mais do que planejar as ações é em avalia-
las, porque a continuidade do planejamento se perdia no dia a dia, a
avaliação não era tão participativa como a elaboração, ficava
centrado na pessoa da chefia ou em outro funcionário.
Esta faceta é ancorada na reafirmação de que a avaliação é eixo central no
planejamento de ações, cuja implementação é uma atribuição do gestor local,
sendo necessário o envolvimento da Secretaria para assegurar sua prática
preparando-se e disponibilizando para acompanhar o gerente local(12).
No DSC cuja idéia central girava em torno da afirmação de que o conhecimento do
território é pré-requisito para um planejamento local, percebe-se que o modelo
da Vigilância à Saúde e seus pressupostos, trazidos pelo consultor da
Organização Pan-americana da Saúde - Eugênio Vilaça Mendes ao município de
Curitiba no início da década de 90 obteve frutos saudáveis. O consulente
analisa que o planejamento inclui utilidade se permitir circunscrever um
problema no âmbito em que há capacidade para enfrentá-lo e que para isso o
conhecimento do território-processo é pré-requisito básico(13):
DSC4- O conhecimento da área e da comunidade, principalmente no
sentido de que eu tenho informantes chaves facilita realizar o
planejamento. As equipes foram se apropriando do território, foram
aprofundando os problemas de cada área de abrangência e dizem Há! Vou
conhecer minha área! E assim realizam-se os mapas inteligentes...".
A última composição de DSC único tem como IC a autonomia do nível local é
relativa do gestor local. Neste discurso podemos verificar a necessidade de um
maior empenho em questões simples e o avanço à descentralização que ainda deve
ser incorporado pela instituição:
DSC5- "A Unidade local tem uma autonomia relativa em todos os
aspectos porque ela não se encontra isolada, está dentro de um
sistema articulado. Eu acho que no planejamento local esta autonomia
também é relativa, porque existem coisas que se repetem na cidade
como um todo....o que preciso é autonomia no aspecto de permitir
execução de pequenas ações....temos que avançar muito na questão da
descentralização...".
O relato do trabalho da Secretaria Municipal da Saúde de Campinas(14) pôde
ajudar a entender este discurso, quando o autor afirma que é necessário
considerar as diferenças da viabilidade política entre a equipe dirigente, de
nível central e as equipes locais, pois as últimas têm menos "grau de
liberdade", menos poder de decisão que a primeira.
Outro elemento, edificado em quatro discursos, que ao nosso entendimento são
complementares é o da participação da equipe na construção do planejamento é um
facilitador. O primeiro discurso (DSC6) revela a necessidade de aproximações
constantes ao grupo de trabalho com duplo objetivo: fazer a equipe conhecer o
problema e levantar novas propostas de ação; o segundo (DSC7) tem como
preocupação à cumplicidade que é garantida quando o planejamento é
participativo; o terceiro (DSC8) refere à necessidade da participação, mesmo
quando as condições institucionais não sejam favoráveis e o último (DSC9)
apresenta alusão a um planejamento realizado com envolvimento, concluindo que é
uma "forma de fazer um combinado com todo o mundo".
Numa de suas ponderações sobre o Agir Comunicativo e o Planejamento, Rivera(15)
menciona que a arte da gerência pode ser confundida com a comunicação,
"conduzir é comunicar, negociar, motivar e criar ambientes próprios a um agir
cooperativo, baseado em compromissos de ação legítimos". Pressuposto refletido
nos DSC's acerca da participação da equipe que pode ser corroborado com a
análise de que a adesão ao projeto/plano não pode ser construída apenas na
participação dos profissionais na discussão do plano, mas deve expressar-se no
envolvimento com a realização de operações/ações e com busca de resultados(16).
O próximo discurso que ao nosso ver estabeleceu complemen-taridade é a
capacitação é um estímulo para desenvolver planejamento local. O primeiro
discurso coloca toda a importância dada aos processos oficiais formadores como
as oficinas de trabalho:
DSC10- Foi a capacitação pelo distrito que facilitou meu
planejamento....quando fiz o GERUS tive um pouco de embasamento e
acho que quem fez a especialização e participou de todas as oficinas
realmente tem uma bagagem....
O processo de distritalização da Secretaria da Saúde de Curitiba através da
adoção "de uma pedagogia problematizadora e decodificada de conteúdos
tecnicamente complexos" possibilitou a construção de espaços de poder no nível
localª(17) somado à referência ao projeto GERUS - Gerência de Unidade Básicas
de Saúde, que movimentou a SMS durante dois anos, entre a constituição do corpo
condutor, o preparo dos monitores e a formação das ASL's.
O segundo discurso (DSC11) apresenta uma pequena face complementar, mas que não
poderia deixar de ser abordada: a presença do processo de capacitação
pedagógica que fornece o contato com a pedagogia da problematização que
possibilita consequências no nível individual como a superação de conflitos e
no nível social a cooperação na busca de soluções a problemas comuns(18),
implicações estas, diretamente ligadas ao processo de planejamento. E por fim o
terceiro aponta a falta da capacitação entendida como processo contínuo:
DSC12- "O que falta é capacitação para desenvolver um planejamento
com a equipe".
Dentro desta lógica, a experiência de São Paulo situa atenção especial para
insuficiência de conteúdos da saúde coletiva nos cursos de graduação das
diversas profissões, este fato limita os profissionais e esta restrição poderia
ser superada por processos de capacitação em serviço e educação continuada(19).
O próximo DSC apresentado faz a citação: o perfil particular das ASL's é
determinante para um planejamento local. Nesta fala apresenta-se a primeira
alocução antagônica: o DSC13 refere que a capacitação poderia ajudar, mas o que
interfere mesmo é a postura pessoal frente ao papel de gestor. Os dois outros
discursos, apesar de diferentes, apresentam certa complementaridade quando
mencionam o envolvimento pessoal na condução da Unidade de Saúde e a
naturalidade para direção da equipe:
DSC14- O perfil da ASL facilita, a equipe tem a cara da pessoa que
está na frente..
DSC15- O planejamento para mim é uma coisa natural....obviamente você
vai passando essa experiência para tua equipe.
O estilo administrativo dos gerentes da área foi historicamente determinado
pela dinâmica do mercado e o padrão hegemônico, onde o que se priorizava não
era a experiência, capacidade técnica ou organicidade com a saúde, mas sim o
seu "grau de confiança" ou subordinação ao modelo do mercado(20). Cabe
ressaltar que novos paradigmas estão oferecidos dentro do contexto saúde e
planejamento como a horizontalização de estruturas e descentralização de
funções que oferecem incentivos à criatividade(21), portanto o perfil do
gerente deve proporcionar coerência com tais princípios.
Os DSC's construídos a partir da idéia sobre: a agenda da ASL é lotada de
problemas emergenciais, que não sobra tempo para o planejamento local possuem
características que devem ser apontadas. Os três discursos, apesar de
compreendidos como antagônicos na sua constituição, contém a presença constante
da expressão "demanda externa". O primeiro discurso apresenta uma queixa
sentida pelas ASL's de que o planejamento é necessário, foi "deixado de lado" e
tem-se enorme dificuldade para operacionalizá-lo devido ao "gerenciamento de
incêndios" - é o discurso da prioridade:
DSC16- Eu tenho desistido do planejamento....somos atropelados por
uma série de coisas pra fazer, uso meu tempo apagando incêndios,
gerenciando problemas e isso complica a vida da gente...hoje a
programação é o que bate na porta e para dar conta da assistência
tenho que deixar algo pra depois, então o que eu deixo? O
planejamento....
O segundo refere existência limitada da prática do planejamento pela sobrecarga
sentida devido às solicitações da Secretaria - é o discurso da dupla função:
planejar localmente e seguir condutas e solicitações do nível central:
DSC17- O excesso de demanda que vem da secretaria é limitante... Não
que o meu planejamento esteja fora daquilo que é solicitado, mas os
tempos são diferentes....Será que vale a pena centrar meus esforços
em fazer o que vem da secretaria e deixar de lado o planejamento
local?...
E o terceiro apresenta uma faceta relacionada com o planejamento de eventos e a
percepção de que o planejar em conjunto facilitaria o processo local:
DSC18- O Planejamento de eventos da secretaria é diferente do meu,
que é diferente do distrito e assim vamos a partes....poder planejar
em conjunto ia facilitar muito, eu poderia remanejar o meu trabalho.
Matus(22) ao referir-se ao "triângulo de ferro" formado pelo sistema de
cobrança e prestação de contas, sistema de gerência por operações e sistema de
configuração da agenda do dirigente, apresenta este vértice com importância
vital para o direcionamento do foco de atenção sobre temas importantes apoiados
pelo plano. Portanto a afirmação de que sem a agenda e o plano os temas
importantes serão dominados por casos de urgência e principalmente a
apropriação do pressuposto: "o predomínio do planejamento, ou da improvisação,
decide-se na agenda do dirigente,....a agenda administra os dois recursos mais
escassos: tempo e foco de atenção" é supostamente admitida no DSC das ASL's.
Pode-se ainda apresentar a complementação às agendas lotadas de problemas
emergenciais que "não podem ser deixados para depois", de modo que não sobra
tempo para planejar(23).
Os DSC's da"participação da comunidade é elemento central no planejamento
local" são adversos em sua configuração, fazendo-nos pressupor que diferentes
níveis de participação comunitária estão acontecendo na cidade. O primeiro
refere-se a um sonho de mobilização da comunidade rumo ao processo de
planejamento:
DSC19- Dizer que a comunidade está trazendo o que precisa no local,
isso aqui na minha unidade ainda não ocorre, ainda não chegamos lá.
Nós temos uma parcela de participação legitimados no conselho local
legitimados pelas conferências, mas eu sei que elas saem porque
puxamos para sair: Pelo amor de Deus, vem participar gente!!..
O segundo (DSC20) apresenta um convívio comunicativo com o CLS para priorização
e participação no plano, apontando a importância das lideranças comunitárias e
o terceiro (DSC21) vê a importância da comunidade no planejar, mas apresenta um
discurso baseado na presença de dois grupos distintos: o que não participa e o
que participa com bandeiras político-partidárias. O que é comum a todos estes
discursos é a importância inferida ao ator social - população na composição do
planejamento local.
Viana(24), ao discutir a descentralização das políticas sociais afirma que as
experiências mais bem sucedidas, neste sentido, foram as que tiveram amparo na
mobilização popular, não apenas no controle social, mas na criação de
"cooperação social" através de uma cidadania ativa e responsável. Esta
afirmativa pode ancorar o DSC22 que aponta a necessidade da apropriação do
conceito de cidadania. Por outro lado, salienta-se o imperativo resgate do
compromisso do profissional com o usuário, que demanda diálogo constante
resultando em estabelecimento de responsabilidades reais(25); fato este que
pode ser apreciado quando lemos o segundo discurso ancorado no compartilhamento
de responsabilidades e construção conjunta do planejamento. Por fim, devemos
citar a comparação entre o planejamento estratégico e o participativo: as
implicações de haver um sem o outro é que um planejamento estratégico sem a
participação popular tornaria um governo fechado, e, desta maneira, se correria
o risco de não atingir os objetivos da sociedade.... e a participação sem o
lado estratégico, fica prejudicada, pois ela poderia ser considerada como uma
"massa amorfa" de pessoas movidas muito mais pela emoção do que pela razão(26).
Os DSC's que faziam referência ao planejamento local é fruto de uma cultura
institucional apresentaram divergências, apesar de proporcionar um discurso
hegemônico de que o processo de planejamento é fruto de uma tradição da
instituição e, portanto, consolidado na atuação da ASL, há presença de outros
DSC's, com menor intensidade, mas com várias implicações neste tema:
DSC22- O início do planejamento local na SMS aconteceu porque era uma
linha estratégica, se queria o espírito de organização...temos
acúmulo profissional e o planejamento está incorporado na
cultura...faz parte do meu discurso pensar planejando...eu teria
dificuldade de trabalhar e gerenciar sem planejar, sem estabelecer
prioridades e não consigo entender como um gerente local consegue
atuar sem base num planejamento. Planejamento que é uma grande
responsabilidade nossa.
O segundo (DSC23) presencia um planejamento descendente a partir do plano
municipal que é visto como direcionador de demandas - é o discurso da resposta
às demandas do nível central focalizado e amparado anteriormente pela
configuração da agenda da ASL. O terceiro (DSC24) discute a presença do apoio
distrital para consolidação do plano local - é o discurso do espaço para
criatividade; e o quarto (DSC25) apresenta o ponto de vista do valor dado ao
processo de planejamento - é a fala da obrigação do planejar.
O discurso hegemônico é ancorado por pressupostos da prática do PES em Curitiba
que estabeleceu raízes naqueles que são parte do corpo gerencial da SMS. O
modelo de planejamento ascendente deve ter claro, entre outros pontos, a
organização de um processo de trabalho que se paute na gestão coletiva,
estimulando a criatividade das equipes para responder aos problemas
apresentados pela comunidade(27) e essa afirmativa pode levantar a questão
apresentada pelo segundo e terceiro discurso, alertando para a construção do
planejamento com a presença contínua e efetiva do ator social - gestor do
sistema local. Por fim o quarto discurso nos remete ao estabelecido que
"planejar é uma atitude permanente da organização e do administrador", portanto
não é uma mera ferramenta de trabalho, mas um "processo político de busca de
pontos comuns das distintas visões de futuro e de acordos" estabelecidos(4),
tendo necessidade de incorporação deste pressuposto à vivência da ASL.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cabe destacar que apesar das ancoragens apresentadas nesta discussão terem sido
buscadas na literatura lida e pesquisada durante o decorrer do estudo, a
metodologia utilizada permite outras considerações ancoradas no que chamamos de
"senso comum" embutido no pensamento coletivo, portanto não temos a pretensão
de esgotarmos neste artigo a discussão sobre o tema proposto e, a cada
releitura do material produzido, poderemos encontrar novas facetas e novas
visões ao objeto estimulando novas pesquisas. Importante ponderar que na
construção dos DSC's pôde-se resgatar o conceito de representação social quando
se concretizou sua unicidade, complementaridade ou antagonismo(28).
Podemos concluir que o planejamento local da SMS de Curitiba contém caminhos
diversos, o desenvolvimento de metodologias e de enfoque de planejamento, bem
como as posturas e condutas deverão enraizar solidariedade e compromissos "num
permanente aprender a aprender"(29) e isto é pressuposto do grupo gerencial da
Secretaria, refletido nos discursos apresentados. O nível local lutou por maior
autonomia, aprimorou-se e assumiu novos encargos - sendo um deles o essencial
processo de planejar em saúde de forma ascendente, participativa, comunicativa
e estratégica - e isso não é uma tarefa simples.