Enfermeiras-religiosas na luta por espaço no campo da enfermagem
HISTÓRIA DA ENFERMAGEM
Enfermeiras-religiosas na luta por espaço no campo da enfermagem
Religious nurses in the figth for space in nursing area
Enfermeras religiosas en la lucha por espacio en la area de enfermería
Tatiana de Oliveira GomesI; Antônio José de Almeida FilhoII; Suely de Souza
BaptistaIII
IEnfermeira graduada pela Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Enfermeira residente em Enfermagem
Neonatal do Instituto Fernandes Figueira. Membro do Núcleo de Pesquisa de
Historia da Enfermagem Brasileira (Nuphebras)
IIDoutor em Enfermagem.Professor assistente do Departamento de Enfermagem
Fundamental (DEF) da EEAN/UFRJ. Membro do Nuphebras
IIIDoutora em História da Enfermagem. Professora Visitante do DEF, da EEAN/
UFRJ. Membro do Nuphebras. Pesquisadora 1B do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
1. INTRODUÇÃO
O objeto deste estudo é o movimento das enfermeiras religiosas em prol da
criação e consolidação de uma associação profissional própria, qual seja, a
União de Religiosas Enfermeiras do Brasil (UREB), nos anos 40. Assim, o
contexto sócio-político e econômico no qual se insere a presente pesquisa é o
da década de 40, do século XX.
Do período colonial até a Proclamação da República, a Igreja católica
constituía-se numa instituição incorporada ao Estado e dentre outras coisas,
mantinha o monopólio do cuidado aos doentes e da administração dos hospitais,
principalmente nas Santas Casas de Misericórdia, as quais enunciavam um
discurso de cunho religioso-caritativo. Porém, a classe médica insatisfeita com
esta situação, procurou apoio no movimento positivista, no que foi bem
sucedida. Tanto que, a Igreja perdeu espaço no campo da saúde em virtude do
médico assumir, sobretudo, cargos de direção e a prerrogativa de ser o
responsável pela admissão e alta dos pacientes(1,2).
Desde então, a Igreja passou por reformas internas visando reverter a
decadência institucional das décadas anteriores; para isso recrutou e importou
novos membros, criou novas dioceses, bem como aumentou o controle episcopal
relacionado às atividades clericais. Este panorama também ficou evidenciado,
através de uma Carta Pastoral publicada em 1916, por D. Sebastião Leme,
apresentando um diagnóstico da situação da Igreja à época, bem como as
estratégias necessárias para alterar aquela realidade. Este movimento foi
denominado de Igreja da neocristandade(1).
O referido modelo atingiu seu apogeu no período de 1930 a 1945, na presidência
de Getúlio Vargas, época em que a Igreja católica firmou uma forte aliança com
o Estado, embasada, sobretudo, em troca mútua(1). Um dos desdobramentos dessa
situação foi o aumento no número de escolas de enfermagem de cunho religioso
(2). Dentre elas está a Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo (EEHSP),
criada em 1938, por iniciativa de Madre Domeneucª. Cabe destacar que em 1944,
ex-alunas desta Escola se reuniram para planejar a fundação da UREB(3,4). Após
quatro anos da existência desta Associação, foi então criada a União Católica
de Enfermeiras do Brasil (UCEB), a fim de obter maior aproximação com as
enfermeiras católicas leigas(3).
Vale lembrar que a criação da UREB deu-se no bojo do movimento católico e
também que esta instituição influenciou o campo da educação em enfermagem no
Brasil, tanto no âmbito do ensino superior quanto do ensino médio.
Desta forma, tal estudo tem como objetivos: descrever as circunstâncias de
criação da UREB; analisar as estratégias das religiosas-enfermeiras em busca de
espaço no campo da enfermagem e, comentar a importância da UREB para os campos
da educação e da prática da enfermagem.
Este estudo, de cunho histórico-social, tem como recorte temporal o período
compreendido entre 1942 e 1948. O marco inicial corresponde ao ano de formatura
da primeira turma da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo (EEHSP) e o
terminal ao ano de criação da UCEB. Fontes primárias: documentos escritos como
atas das diretoras da Escola Anna Nery, estatuto da UREB, ofícios expedidos e o
depoimento oral da Madre Marie Domeneuc, localizados no Acervo do Centro de
Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN); e ofícios localizados no
Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz. Fontes
secundárias: artigos, livros, teses e dissertações que abordam o contexto
sócio-político do Brasil com destaque para a trajetória da Igreja Católica e da
enfermagem, no período estudado. A literatura consultada encontra-se na
Biblioteca Setorial de Pós-graduação da EEAN, no Banco de Textos e no acervo
"Quem é Quem na História da Enfermagem Brasileira", ambos do Núcleo de Pesquisa
de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras). Vale ressaltar que a análise
crítica dos documentos foi realizada face ao contexto no qual os mesmos foram
produzidos.
2. A IGREJA CATÓLICA E A ENFERMAGEM BRASILEIRA
Em meados do século XIX a Igreja encontrava-se em uma situação de fragilidade,
caracterizada, sobretudo, pelo reduzido número de padres e freiras exercendo as
atividades eclesiásticas, os seminários deficientes em quantidade e qualidade,
além da presença do imperador D. Pedro II, que apesar de titular da Igreja, era
um católico pouco fervoroso que mantinha fracos vínculos com o Vaticano(1).
A ruptura da Igreja com o Estado foi oficializada na Constituição de 1891 e
desde então, ela esteve voltada para reformas internas, as quais a ajudariam a
melhorar sua posição no espaço social, bem como a libertaria da relação de
dominação do Estado(1,5).
Com relação às congregações católicas existentes em serviços hospitalares, ao
final do século XIX, houve um movimento organizado pela classe médica,
objetivando instituir o médico em cargos de direção e, como conseqüência, as
irmãs de caridade não mais puderam assumir tais funções, e a Igreja, então
perdeu espaço tanto na prestação de cuidados de enfermagem como na
administração dos hospitais a ela não vinculados(6).
De outra forma, a criação de escolas de enfermeiras laicas, abalou ainda mais a
situação das enfermeiras-religiosas(6). Neste sentido, podemos constatar que
até a década de 20, existiam cinco escolas de enfermagem, todas localizadas na
região sudeste, sendo uma de cunho evangélico (20%), duas filantrópicas (40%) e
duas de caráter federal (40%). Ressalta-se o fato de no ano de 1923 ser criada
a Escola de Enfermeiras do DNSP (atual Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ), a
qual em 1931 passou a ser denominada "escola-padrão", através do Decreto nº
20.109 de 15 de julho de 1931, o qual reconheceu-a como escola oficial padrão
para efeito da criação e equiparação de outras escolas de enfermagem. Com isso,
somente poderiam exercer a profissão as pessoas que tivessem capital
institucionalizado, fornecido pelo diploma de enfermeira adquirido na EAN ou em
outra escola a ela equiparada(7,8).
O ano de 1916, data do surgimento do modelo da neocristandade, marcou um novo
período para a Igreja, com a publicação da carta pastoral, pelo eminente líder
da Igreja católica brasileira à época, D. Sebastião Leme, na condição de
arcebispo de Recife e Olinda. Esta carta atentava, entre outros pontos, para a
fragilidade da Igreja institucional, sua limitada influência política e para o
Estado precário da educação religiosa(1). Além disso, argumentava que a Igreja
deveria se organizar, se unificar e pressionar o Governo brasileiro(5).
Para atingir tais objetivos as estratégias seriam "cristianizar as principais
instituições sociais, desenvolver um quadro de intelectuais católicos e alinhar
as práticas religiosas populares aos procedimentos ortodoxos"(1). Porém,
somente na década de 20 é que o modelo da neocristandade ganhou força e a
Igreja passou a ser vista pelos políticos como "um meio de aumentar sua
legitimidade aos olhos do povo"(5).
Assim é que, surgiram movimentos associativos, visando o fortalecimento da
classe religiosa. No caso da enfermagem tal fato pode ser exemplificado pelo
resultado do encontro de enfermeiras católicas de diversos países, em Basiléia,
Suíça, no ano de 1928, o qual reforçou a necessidade de ser criada uma
associação mundial de enfermeiras católicas, qual seja: Comitê Internacional
Católico de Enfermeiras e Assistentes Médico-Sociais (CICIAMS). Tal Comitê,
organizado por presidentes das Associações já existentes em vários países,
tinha como um de seus objetivos: "estimular, em todos os países, a criação e o
desenvolvimento de associações profissionais católicas a fim de assegurar apoio
moral e espiritual às enfermeiras e assistentes médico-sociais católicas, bem
como seu aperfeiçoamento técnico"(3,9).
Anteriormente ao CICIAMS, cabe ressaltar, a existência a partir de 1926, da
atual Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn)b, a qual surgiu a partir da
iniciativa da associação de ex-alunas da EAN visando associarem a seus diplomas
uma credencial de membro da referida associação profissional(10).
Em 1933, o CICIAMS realizou seu 1º Congresso, em Lourdes, na França, e a partir
desta data iniciaram-se as atividades do Comitê. Até o ano de 1937, os
congressos foram realizados a cada dois anos, quando temporariamente foram
interrompidos, devido à 2ª Guerra Mundial, recomeçando em 1946. A partir de
então, passaram a ser realizados a cada quatro anos(3,9).
3. A ERA VARGAS E A (RE)INSERÇÃO DA IGREJA CATÓLICA NO CENÁRIO DE DECISÕES: O
APOIO À ENFERMAGEM CATÓLICA
Durante a Era Vargas (1930-1945), a proximidade Igreja-Estado, se tornou
efetiva e marcante, e a neocristandade atingiu seu apogeu. Contudo, o apoio da
Igreja ao presidente Getúlio Vargas ocorreu não só pelo recebimento de
privilégios, mas também por afinidade política, caracterizada pelo fato da
Igreja dar ênfase à ordem, ao nacionalismo, ao patriotismo e ao anticomunismo,
lemas do Governo Vargas(1).
Com o decreto 20.109/31 que reconheceu a EAN como "escola oficial padrão", o
qual afirmava que só seriam reconhecidos como enfermeiros os portadores de
diploma fornecido ou revalidado por esta Escola, a Igreja passou a procurar
amparo legal para as religiosas que trabalhavam nos hospitais, bem como se
organizou para encaminhar as religiosas objetivando a obtenção do diploma de
enfermeiras, em virtude das mesmas não possuírem tal título. Para isso, foi
fundamental a aproximação de Laís Neto dos Reys, diplomada da turma pioneira da
EAN em 1925, com a Igreja católica. Laís dirigiu e organizou a primeira escola
a formar religiosas no Brasil, qual seja a Escola de Enfermagem Carlos Chagas.
Tal fato tornou-se extremamente importante para defender o espaço da Igreja
católica no campo da enfermagem, além de possibilitar a criação de outras
escolas de enfermagem sob orientação católica(2,8,10).
Ainda em 1931, foi formalizado o "pacto" entre a Igreja e o Estado, através do
decreto nº 19.941, que dispunha acerca da obrigatoriedade da instrução
religiosa nos cursos: primário, secundário e normal. Por este decreto, os
alunos só poderiam ser dispensados de freqüentar as aulas de religião, se os
pais ou responsáveis fizessem tal solicitação(11).
Para a Igreja, o Estado deveria seguir sua doutrina social, bem como proteger
seus interesses, entre eles a reformulação do sistema educacional. Desta forma,
em 1932 foi criada por D. Sebastião Leme, a Liga Eleitoral Católica (LEC)(1),
com o objetivo de orientar e organizar o eleitorado católico de como votar, de
modo a assegurar poder e prestígio à Igreja Católica(1,5).
Com a promulgação da Constituição de 1934, a Igreja teve uma grande vitória,
visto que as principais exigências da LEC foram incorporadas à mesma, inclusive
a educação religiosa durante o período escolar e subsídios para as escolas
católicas(1,5). Associado a tal fato, o decreto nº 22.257, de 26 de dezembro de
1932, assinado por Vargas, possibilitou às religiosas direitos iguais aos das
enfermeiras diplomadas, desde que comprovassem seis ou mais anos de prática em
enfermagem. Vale ressaltar que tal direito era restrito ao âmbito hospitalar
(6).
Em novembro de 1937, após um golpe de Estado, liderado por Vargas, inicia-se o
Estado Novo (1937 1945), período do governo sob o regime ditatorial, no qual o
presidente Getúlio Vargas aboliu a Constituição de 1934, mas sua relação com a
Igreja não foi desfeita(5,12).
Vale ressaltar que aos quatro dias do mês de outubro de 1938 e anexa à Escola
Paulista de Medicina, foi criada por Madre Domeneuc, a primeira escola de
enfermagem católica do país, a Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo
(EEHSP), a qual iniciou suas atividades em março de 1939, nos moldes da EAN.
Destaca-se o fato de que para que as enfermeiras-religiosas que integravam o
corpo docente da EEHSP pudessem exercer suas atividades era necessário que
tivessem seus diplomas revalidados. Após um ano de criação da escola ocorreu o
exame de revalidação do diploma de três religiosas: Maria de Fontenelle, Maria
Hermana e Madre Domeneuc(6).
Durante o Governo Vargas, principalmente durante o Estado Novo, houve um grande
investimento na área da educação, visto que este presidente percebia o ensino
como um instrumento necessário para a formação de mão de obra qualificada, bem
como um meio eficaz de difundir sua ideologia governamental(2). Tal estratégia
teve repercussões no campo da educação em enfermagem, tanto que entre 1930 e
1945 foram criadas treze novas escolas.
Na década de 30 foram criadas cinco escolas de enfermagem: 1 estadual (20%),
duas evangélicas (40%) e duas católicas (40%). Podemos afirmar também que
durante o Estado Novo, houve um grande crescimento no número de escolas de
enfermagem ligadas às congregações católicas. Constata-se ainda que neste
período foram criadas dez Escolas de Enfermagem, sendo seis católicas (60%),
três estaduais (30%) e 1 municipal (10%). A distribuição geográfica destas
escolas demonstra a predominância da região Sudeste sobre as demais: Sudeste -
6 (60%), Nordeste - 2 (20%), Centro Oeste - 1 (10%) e Norte - 1 (10%). É fato
também que até 1945 a região Sul não contava com escolas de enfermagem(2).
Cabe destacar que o ano de 1944, foi muito relevante no que tange a situação da
ABED (atual ABEn), que naquele momento apresentava o reduzido número de 60
associadas quites(10). Este fato "demonstra que tal associação já não vinha
despertando o interesse das enfermeiras"(3). Tal quantitativo representava 4,2%
do número total de 1405 enfermeiras diplomadas à época na cidade do Rio de
Janeiro(13).
Ressaltando a situação da atual ABEn, Madre Domeneuc reforçou em seu depoimento
ao ser questionada acerca do nível da entidade desde sua fundação e a mesma
respondeu: "A ABEn nunca tomou a força de uma associação realmente de caráter
nacional"(14).
Cabe inferir que divergências ideológicas ocorriam entre as lideranças da ABED
e as enfermeiras-religiosas, e foi neste contexto, também em 1944, que
diplomadas da primeira turma da EEHSP, sob a liderança de Madre Domeneuc
mobilizaram-se para a criação da União de Religiosas Enfermeiras do Brasil
(UREB), com a finalidade de reunir as enfermeiras-religiosas em um grupo
distinto(3,10).
4. A UREB E SUA ATUAÇÃO
Na década de 40, dois movimentos associativos se organizaram para assegurar os
interesses específicos das enfermeiras-religiosas, quais sejam: a União das
Religiosas Enfermeiras do Brasil (UREB) e a União Católica de Enfermeiras do
Brasil (UCEB). A UREB foi criada em 1944, por ex-alunas da Escola de
Enfermeiras do Hospital São Paulo, e por iniciativa de Madre Marie Domeneuc,
fundadora da escola e membro atuante da ABED, para funcionar como órgão técnico
indispensável ao apostolado católico(15).
Em 18 de maio deste mesmo ano, foi fundado o primeiro núcleo da UREB, no Rio de
janeiro, durante um encontro de religiosas enfermeiras de várias congregações
católicas, contando na ocasião com a orientação do cardeal arcebispo do Rio de
Janeiro, D. Jaime de Barros Câmara(3).
O estatuto da UREB previa a criação de um centro de estudos das questões
médico-sociais de interesse para o apostolado; de um organismo de assistência
médica para assistir as religiosas doentes e de uma Escola Superior, para
aperfeiçoar as enfermeiras titulares, encarregadas do ensino da enfermagem ou
da direção de serviços de saúde(15).
A administração da UREB era constituída pela Assembléia Geral, composta por
todas as sócias fundadoras e efetivas; pelo Conselho Diretor, composto por uma
presidente, uma vice-presidente e seis conselheiras eleitas pela Assembléia
Geral, com mandato de três anos. O mesmo estatuto definiu que haveria uma
Assembléia Ordinária da UREB, independente de convocação, na sede social, no
dia 18 de julho de cada ano, por se tratar de data comemorativa de São Camilo
de Lellis(15).
Com a finalidade de discutir e estabelecer estratégias para melhor inserção das
religiosas no campo da educação em enfermagem, além de ampliar a visibilidade
do movimento, a UREB organizou, em novembro de 1944, o Primeiro Congresso
Nacional de Enfermeiras Religiosas, em São Paulo, sob a presidência do cardeal
arcebispo dessa cidade, D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota(3).
Este evento, que contou com a participação de várias religiosas, dentre essas,
Madre Marie Domeneuc, recomendou em uma de suas resoluções, a criação de dois
tipos de escolas, destinadas ao ensino de enfermagem às religiosas: uma para o
ensino superior de enfermagem, conforme previa o estatuto da UREB, que deveria
funcionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, cuja finalidade
seria "o preparo de enfermeiras para a docência a fim de melhorar o nível e a
eficiência das escolas católicas", e outra, de ensino médioc(15).
A proposta de criação de um estabelecimento de ensino superior de enfermagem
não chegou a ser implementada(15).No entanto, no que se refere ao nível médio,
na década de 40, foram criados 11 cursos de auxiliar de enfermagem (5 no
Distrito Federal, 1 em Santos, 1 em São Paulo, 1 em Petrópolis, 1 em Belo
Horizonte, 1 em Porto Alegre e 1 em Juiz de Fora), sendo 4 vinculados a
instituições religiosas católicas, correspondendo a 36% do total(16).
O investimento das Congregações católicas nesse nível de formação também foi
bastante expressivo ao longo da década de 50, pois, dos 45 cursos de auxiliares
de enfermagem criados nesse período, 18 (40%) estavam vinculados a instituições
católicas. Certamente, este fenômeno manteve nexos com a legalização dessa
categoria, através da promulgação da Lei 775/ 49(16). Para melhor elucidação,
ressalta-se que estes números foram obtidos ao se considerar o vínculo do
referido curso com instituições católicas, ou procedida uma associação entre o
nome do curso e uma personagem católica ou a figuras santificadas pela Igreja
Católica.
Desta forma, podemos constatar que foi bem sucedida a estratégia definida pela
UREB, quanto à formação de pessoal de nível médio, incorporando a doutrina
católica. Assim, criaram-se as condições necessárias para preservar a luta pela
ocupação do espaço de atuação no campo da enfermagem.
Um exemplo emblemático do investimento das religiosas enfermeiras na formação
de pessoal de nível médio foi a participação de Madre Domeneuc, ainda em 1944,
no planejamento da Escola de Enfermeiras Auxiliares São José, a qual foi
fundada em março de 1945(3,17). Atendendo as exigências da Lei 775/49, esta
passou a ser denominada Escola de Auxiliares de Enfermagem São José, dirigida
por religiosas-enfermeiras da Congregação de São José. Mais tarde passou a
denominar-se Escola de Enfermagem São José, devido a criação do curso de
graduação(3).
Vale ressaltar que uma vez organizada e com o estatuto pronto, a UREB
objetivando seu fortalecimento, tratou de filiar-se ao Comitê Internacional
Católico de Enfermeiras e Assistentes Médico-Sociais (CICIAMS)(3,10).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do nazi-facismo, verificaram-se
mudanças significativas nas relações internacionais, caracterizadas pelo fim da
hegemonia européia. À época, teve início uma nova fase histórica, sob o signo
da bipolaridade, em que os Estados Unidos e a União Soviética demarcaram
vigorosamente o conflito ideológico, na dinâmica das relações internacionais
(18). A Guerra Fria colaborava para acentuar o radicalismo dos discursos e das
alternativas formuladas na arena política brasileira: por um lado, a conjuntura
política internacional estimulava o discurso nacionalista, por outro, a ameaça
de mobilização das massas sustentava o receio de que a conjuntura nacional
favorecesse a "comunização" do país e a instauração de uma 'república
sindicalista'(19).
No bojo dessa tensão política que predominava na Capital do Brasil, em junho de
1946, a sede da UREB foi transferida para São Paulo, afastando-se, portanto, do
cenário em que se intensificaram os embates políticos no plano nacional. Dessa
forma, a UREB foi acolhida pela Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo e,
sob a liderança de Madre Domeneuc, definiu importantes diretrizes políticas
para assegurar o poder e o prestígio às religiosas enfermeiras.
Em julho de 1946, a UREB promoveu o segundo Congresso Nacional de Enfermeiras
Religiosas. Nesse conclave, as participantes recomendaram que a UREB aderisse à
ABED e, desta forma, colaborasse com as enfermeiras seculares. A UREB foi
representada na ABED através do seu Conselho Técnico Administrativo(3).
A aproximação com a ABED teve o apoio de Madre Domeneuc, que manifestou
preocupação com a "separação em grupos que se prenunciava" na enfermagem. Além
do mais, Madre Domeneuc defendia que apenas um congresso de âmbito nacional
seria capaz de unir as enfermeiras. Nesse sentido, sugeriu que fosse criado tal
congresso, o que aconteceu um ano após, em 1947, com a sua participação efetiva
e de outros membros da UREBd, dentre as quais mereceu destaque a presença de
Irmã Matilde Nina, a primeira religiosa a obter o diploma de enfermeira no
Brasil e fundadora da Escola de Enfermeiras Luíza de Marillac(3,10).
Ao mesmo tempo, a UREB incentivou as congregações religiosas à criação de
escolas de enfermagem de ensino médio e superior e encaminhamento de suas
religiosas para as escolas de enfermagem(3). Vale recordar que a diretora da
EAN, Laís Netto dos Reys, em outros momentos, também estimulou a presença
dessas religiosas nas escolas de enfermagem, sobretudo naquelas sob sua
gerência: Escola de Enfermagem Carlos Chagas e Escola Anna Nery.
A UREB também criou, em 4 de abril de 1948, na Vila Betânia, em São Paulo, a
União Católica de Enfermeiras do Brasil (UCEB), sob a benção apostólica de sua
Eminência o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, arcebispo de São
Paulo, e na presença de sua Excelência D. Antônio Maria Alves Siqueira, Bispo
Auxiliar de São Paulo. Criada sob o lema "UBI CARITAS, IBI CHRISTUS, que
significa: "onde está a caridade, aí está Cristo", a UCEB pretendia funcionar
como elo de aproximação do entendimento entre as enfermeiras católicas leigas e
as religiosas. Assim, cabia à essa organização "desenvolver, proteger e
encorajar a vida espiritual, profissional, cultural e social das enfermeiras
católicas"(15).
O Boletim nº 4, instrumento de divulgação oficial da UCEB, explicita a dimensão
do investimento de seus membros para difundir os valores católicos na
enfermagem brasileira, ao registrar textualmente: "o pensamento e os esforços
individuais, nela [ na UCEB ] se unificam, tornando-se uma força poderosa de
ação católica na profissão da enfermagem"(15).
A UCEB teve sua primeira diretoria eleita durante o II Congresso Nacional de
Enfermagem, com Celina Viegas escolhida para a presidência; Cecília Pêcego
Coelho, como vice-presidente; Aurea Marques da Silva, 1ª secretária; Flora
Mesentier, 2ª secretária e Cecília Sete Torres, como tesoureira. Na
oportunidade, Laís Netto dos Reys também foi eleita, por aclamação, presidente
de honra da entidade(15).
A distinção dispensada à diretora da EAN demonstrava reconhecimento pelo
empenho de Laís Netto dos Reys, enquanto importante líder católica da
enfermagem brasileira, em função do desenvolvimento da enfermagem religiosa.
Investindo, de modo a preservar os interesses católicos no campo da enfermagem,
a UCEB, através das seções diocesanas, ofereceu aos seus membros várias
alternativas de atividades, objetivando a "recristianização da sociedade, no
setor de enfermagem". Para tanto, atribuiu aos membros dessa organização
católica algumas responsabilidades, tais como: manter a unidade das enfermeiras
católicas na sua profissão; preservar a prática dos ideais cristãos; habilidade
para responder algumas questões de princípios cristãos e, retidão na vida
pública. Unindo esses atributos, a enfermeira católica estaria apta a "exercer
uma influência profunda na difusão, na defesa e na aplicação dos princípios
católicos"(15).
O investimento da Igreja Católica, através da UREB e, mais tarde, com a
participação da UCEB, possibilitou ampliar o período de atuação de religiosas-
enfermeiras nas instituições hospitalares, pois estas associações mobilizavam-
se para oferecer melhor qualificação às religiosas que atuavam no cuidado de
enfermagem, ao mesmo tempo que incentivavam a criação de outras escolas de
enfermagem católicas e também de cursos de auxiliares para religiosas. Além
disso, o materialismo e o paganismo contemporâneos eram objeto de grande
preocupação por parte da Igreja Católica. Provavelmente esta preocupação
apoiava-se no crescimento de nações sob a égide comunista, após a segunda
guerra mundial, onde prevalecia a divisão geográfica mundial em dois grandes
grupos(20).
Adicionalmente, desde 1935, por ocasião do II Congresso Interna-cional de
Enfermagem, organizado pelo CICIAMS, realizado em Roma, o Cardeal Pizzardo
solicitou às congressistas que votassem algumas resoluções, as quais foram
aprovadas por unanimidade e grande entusiasmo. Neste sentido merece relevo a
que apresentava como exigência a concentração de esforços das enfermeiras
católicas e religiosas no sentido de "reconduzir as almas desgarradas à
concepção verdadeiramente cristã da vida, do dever, e do sofrimento"(9,20).
Nessa linha de pensamento, em atenção às determinações do apostolado católico,
tanto a UREB quanto a UCEB, tiveram papel destacado, no intuito de defender
através da enfermagem, o "cristianismo autêntico, respeitador de todos os
princípios da moral cristã", considerando a pessoa humana, tanto na sua vida
física e psíquica, quanto na sua vida familiar e social(20).
Até meados de 1954, a UREB seguiu com suas atividades vinculadas aos seus
objetivos. Porém, anos mais tarde fundiu-se ao Departamento de Saúde, da
Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB). Em 1956, a UCEB se dissolveu em
virtude de seus associados concluírem que não havia no País à época uma
associação contra a religião católica, mas sim de caráter neutro. Como seria
muito difícil para as religiosas continuarem investindo, de forma eficiente,
tanto na UREB como na ABEn, suas afiliadas optaram pela participação efetiva
junto à ABEn(3).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a Proclamação da República, a Igreja Católica perdeu espaço em todos os
campos nos quais, até então, mantinha quase que uma hegemonia, com destaque
para os da educação e da saúde.
Alguns anos após, em 1916, a carta pastoral propôs mudanças internas na Igreja
e neste sentido, surgiu o modelo da neocristandade, o qual ganhou força a
partir do final da década de 20. Neste meio tempo, foi inaugurada, em 1923, a
Escola de Enfermeiras do DNSP, a qual ameaçava a atuação das religiosas nos
espaços hospitalares.
Neste contexto, ressalta-se que o Governo Vargas sustentou uma importante
aliança com a Igreja Católica. Neste sentido, observamos um aumento no número
de Escolas de Enfermagem Católicas, o que mudou a configuração do campo da
educação em enfermagem à época. Vale ressaltar a participação efetiva de Laís
Netto dos Reys, ex-aluna da turma pioneira da EAN, católica fervorosa, que
muito contribuiu para a criação destas escolas, conseqüentemente elevando o
quantitativo de enfermeiras religiosas diplomadas.
Dentre as escolas de enfermagem católicas criadas podemos citar a EEHSP, cujas
ex-alunas religiosas, e por iniciativa de Madre Domeneuc, criaram a UREB, em
1944, com a finalidade de reunir as religiosas-enfermeiras. Quatro anos mais
tarde, a UREB, com o propósito de se aproximar das enfermeiras católicas
laicas, fundou a UCEB.
Cabe destacar que à época, as divergências ideológicas existentes entre as
líderes da atual ABEn e as enfermeiras-religiosas levou estas a criarem uma
Associação própria para poderem divulgar a ideologia católica.
Desta forma, podemos identificar que a UREB apesar de ter incentivado a criação
de escolas dos dois níveis referidos no Primeiro Congresso Nacional de
Enfermeiras Religiosas, só obteve sucesso no nível médio de formação.
Por outro lado, sua contribuição foi decisiva no sentido de incentivar as
congregações a encaminharem suas religiosas para as escolas de nível superior
visando a formação de enfermeiras. Esta providência se tornou de extrema valia,
visto que as religiosas trabalhavam na maioria dos hospitais do País e, no
entanto, a primeira religiosa-enfermeira havia se diplomado somente no ano de
1936, ou seja, mais de dez anos após a formatura do primeiro grupo de
enfermeiras formadas pela EAN o que demonstrava o reduzido quantitativo de
enfermeiras-religiosas à época.
É fato que a UREB muito contribuiu para que as enfermeiras-religiosas
assegurassem sua participação nos fóruns de discussão e de decisão de
diferentes questões envolvendo a enfermagem brasileira. Podemos concluir ainda
que a UREB, mediante sua significativa contribuição, no que tange ao incremento
do número de escolas de enfermagem, tanto de nível médio como superior, tinha o
compromisso de inculcar o habitusreligioso nas futuras enfermeiras e auxiliares
de enfermagem, instituindo um novo modelo de enfermeira/enfermagem católica.