O lúdico e o desenvolvimento infantil: um enfoque na música e no cuidado de
enfermagem
REFLEXÃO
O lúdico e o desenvolvimento infantil: um enfoque na música e no cuidado de
enfermagem
The ludicrous and child development: an approach in music and in nursing care
El ludico y el desarrollo del niño: un enfoque en la musica y en la atención de
enfermería
Ana Paula Xavier RavelliI; Maria da Graça Corso da MottaII
IEnfermeira. Professora Mestre colaboradora da Universidade Estadual de Ponta
Grossa- UEPG e Enfermeira PSF pelo Instituto de Saúde de Ponta Grossa - ISPG
IIEnfermeira. Professora Doutora da Escola de Enfermagem da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
1. INTRODUÇÃO
No mundo infantil, a imaginação é ilimitada, onde cachorros e gatos convivem
amigavelmente e o céu pode ser tanto rosa como verde, dependendo tão somente da
imaginação. É brincando que a criança explora e compreende o mundo ao seu
redor, pela curiosidade descobre coisas e situações novas, desse mundo real tão
assustador e encantador ao mesmo tempo. Interagindo ludicamente com o mundo
real, por meio de desenhos, pinturas, danças, cantos, rabiscos, bagunça,
brincadeiras, entre outros, a criança estabelece uma harmônica sintonia entre
os seus dois mundos, onde então acontece o aprendizado, o desenvolvimento e o
crescimento infantil.
Uma dessas formas lúdicas importantes no desenvolvimento infantil é a música,
sendo esta, parte do ser humano, pois nós somos música perante nossa
ritmicidade ao caminhar, ao respirar, nas batidas do coração. Nosso corpo gera
som e a criança gradativamente, descobre esses sons e os reproduzem
naturalmente. Para Lino(1) "a expressão sonora é acessível à criança antes da
palavra, sendo bastante comum que ela cante antes de falar".
É partindo dessa premissa de que, o mundo imaginário é importante para a
adequação, compreensão e inserção da criança no mundo que a cerca, que o
cuidado de enfermagem lúdico surge, assegurando um cuidado integral e
cuidadoso, onde jogos, brincadeiras, cantos e danças estão presentes, para
subsidiar o cuidado.
2. DESENVOLVIMENTO INFANTIL: UMA BREVE REFLEXÃO
Um novo ser é gerado por nove meses intra-útero, local protetor e mantenedor da
vida, onde este ser cresce e se desenvolve gradativamente, formando-se e
estruturando-se para a passagem para o mundo externo. É neste mundo que esse
novo ser se desenvolverá, onde amor, afeto, acolhimento familiar, situação
social, cultural e condições econômicas, exercerão influências ao longo de sua
vida. Segundo Santos(2), a criança é vista "como um ser que se iguala pela
natureza infantil e diferencia-se pelos fatores socioculturais". O processo de
desenvolvimento e crescimento é visível neste ser, no qual agora chamado de
lactentea, seu desenvolvimento motor, cognitivo e social são rápidos, destacado
por sua importância, a formação do vínculo afetivo entre a pessoa que cuida,
mãe/pai, com o lactente.
Este vínculo, segundo Wong(3), "estabelece uma confiança básica no mundo e nos
fundamentos para futuras relações interpessoais". Através do tato, do calor do
corpo de quem cuida, sendo o corpo de sua mãe o mais protetor e seguro para
este ser, como também pelos sons verbais emitidos, é que este lactente
estruturará sua confiança no outro, ou seja, nos seus cuidadores e no mundo que
o cerca. A criança brinca com o seu corpo prazerosamente e inicia sua relação
com o mundo, "brincando com seu corpo, nos primeiros meses de vida, a criança
inicia sua primeira relação com o mundo. Movimenta seus pés, mãos e dedos; pega
objetos manipulando-os, joga-os ao chão, ouve o barulho, repete o gesto [...]"
(4).
As descobertas e conquistas alcançadas pela criança provêm de seu corpo e de
sua corporeidade, interagindo-se com o mundo ao seu redor intensamente, sendo
estas o alicerce para seu desenvolvimento e suas inter-relações neste contexto
de mundo. Na fase inicial da infância, caracterizada pelo Infanteb e pelo Pré-
escolarc, segundo(3) evidencia o momento das descobertas intensas e um
acentuado desenvolvimento motor, de personalidade, de linguagem e relaciona-
mentos sociais. Encontramos nitidamente nessa fase, o brincar, como uma
necessidade básica e inerente para o desenvolvimento normal da criança. Para
Negrine(5), o ato de brincar é considerado fundamental no processo de
desenvolvimento humano.
A criança nesta fase é essencialmente egocêntrica, gosta de brincar sozinha ou
com outras crianças, porém não de forma compartilhada. As brincadeiras de
correr, pular, arrastar, puxar, empurrar, encaixar, dançar e contar histórias,
entre muitas outras, são suas preferidas. A criança brinca e bagunça
transformando o mundo pela imaginação, no qual naturalmente aprende a criar um
mundo imaginário que vai de encontro com o seu mundo real.
Estas atividades também são evidenciadas na fase Pré-Escolar, onde brincando e
jogando que a criança se desenvolve, através de sua curiosidade em descobrir
tudo que a cerca, usando sua criatividade, sua imaginação e sua ludicidade.
Neste período surgem as brincadeiras simbólicas, ou seja, os faz de conta,
representando simbolicamente seu cotidiano vivido. As crianças, agora apreciam
brincar conjuntamente, projetando as histórias de seu contexto social para o
mundo da imaginação. "A imaginação é a poderosa ferramenta que, ao sustentar o
sentir, sustenta o raciocínio e, por ambos, cria o sonho"(6). É brincando e
bagunçando o mundo real, por meio de desenhos, danças, brincadeiras, cantos e
jogos, que as crianças apreendem e descobrem todas as possibilidades que o
mundo real proporciona a ela.
"Através das atividades lúdicas a criança vai construindo seu vocabulário
lingüístico e psicomotor"(5). Na fase intermediária da infância, normalmente
chamada de fase escolar, é onde a criança descentraliza o seu mundo particular
familiar, ou seja, ela se socializa com seus colegas de escola, dividindo suas
dúvidas, alegrias, descobertas, frustrações, entre outros.
3. A LUDICIDADE DA MÚSICA NO MUNDO INFANTIL
O processo de desenvolvimento e crescimento de um ser inicia-se ainda intra-
útero, no qual mãe e feto estabelecem uma harmônica e rítmica melodia de vida,
estando estas, interligadas entre si. Esse ser vive por nove meses em um
ambiente quente, escuro, confortável, protetor, com sons fortes e fracos já
conhecidos e que não exige grandes esforços para a manutenção da vida. Ainda
intra-útero "o feto [...] possui uma série de talentos e capacidades, que vão
se desenvolvendo gradativamente durante sua jornada intra-útero; são [...]
capazes de ouvir, sendo que o principal barulho ouvido por ele é o batimento do
coração materno, o que lhe dá tranqüilidade e segurança"(7).
As batidas do coração da mãe, os movimentos peristálticos do estômago e
intestinos, são os primeiros sons ouvidos pelo novo ser, que segundo Pereira
(8), inicia-se por volta da vigésima semana de vida intra-útero, no qual o
sistema auditivo gradativamente amadurece, levando a escutar a voz de sua mãe e
demais vozes externas, como também músicas ambientes, estando a mãe próxima da
fonte sonora.
É nesse cenário lúdico que musicalmente a criança também se desenvolve, isso
porque a ação sonora está mais próxima da criança antes que a palavra, no qual
habitualmente a criança canta antes mesmo de falar.Isso acontece normalmente
porque "o som nos invade a cada instante, ele está dentro e fora de nós, no
passarinho que canta pela manhã na nossa janela, [...] no ônibus, na boca das
pessoas, em casa, na rua, na lua"(1).
A sonoridade do mundo agraciado pelo folclore infantil, inicia-se após o
nascimento, com a aproximação com os Acalantosc, "Boi, boi, boi, boi da cara
preta, pega essa menina (o) que tem medo de careta". Essa canção já embalou
milhares de crianças e que ao ser cantada às gerações futuras, deixa
normalmente uma boa lembrança da infância vivida. São com essas canções
melodiosas que a criança estreita sua inicial caminhada ao mundo da música
folclórica brasileira, tão rica e instrutiva.
O encanto do folclore infantil continua com as Parlendasd, que se divide em
três partes, os Brincos, Mnemonias e as Parlendas propriamente ditas. O
primeiro seria mimos ou agrados iniciados pelos pais ou demais cuidadores, com
intuito de fazer a criança feliz. Dois bons exemplos de Brincos seriam as
brincadeiras do "Serra, serra, serrador, serra o papo do vovô", como também,
"Bate palminha bate, palminha de São Tomé, bate palminha bate pra quando papai
viver". Inúmeros são os Brincos utilizados por todo território nacional, sendo
que essas brincadeiras interativas, fortalecem ainda mais os laços afetivos e
de confiança entre criança e seus cuidadores.
As Mnemonias por sua vez, são parlendas que visam ensinar alguma coisa à
criança. Para elucidar, quem já não cantou ou ouviu cantar: "Um, dois, feijão
com arroz; Três, quatro, feijão no prato; Cinco, seis, feijão inglês; Sete,
oito, feijão com biscoito; Nove, dez, feijão com pastéis". Por fim, as
Parlendas propriamente ditas seriam então, as brincadeiras propostas pela
própria criança, sendo ela quem organiza e delimita as regras aos pais e
cuidadores. As brincadeiras de esconde, esconde; as histórias criadas e
imaginadas pela criança, onde os animais são amigos uns dos outros e tudo é
permitido, são parlendas de grande importância no desenvolvimento infantil.
Para finalizar a imensa variedade de brincadeiras, jogos e canções que o
folclore infantil disponibiliza, não poderia deixar de fora as Cantigas de
Rodae, que desenvolve o lado social da criança, no qual para brincar de roda,
precisa de outras crianças ou de outras pessoas para que a brincadeira
aconteça. Maffioletti(9) elucida a importância desta atividade lúdica no
desenvolvimento infantil, dizendo que "os movimentos realizados durante as
rodas cantadas refletem uma necessidade interior de exercitar as coordenações
de pensamento, numa explicitação clara da implicação do corpo na aprendizagem".
Com todo esse cenário sonoro, a criança se percebe inserida em um mundo também
bastante barulhento, com buzinas, sirenes, sons agudos e graves, altos e
baixos, alegres e tristes. As músicas folclóricas trazem histórias de
personagens imaginários que seduzem as crianças, pois nestas, tudo pode
acontecer, tudo pode ser transformado e tudo pode ser reinventado.
Portanto, toda essa reflexão sonora da ludicidade do mundo infantil, buscou
resgatar a trajetória da música no mundo da criança, sendo que esta está e
estará sempre presente, esperando somente uma oportunidade de aflorar seus
sons, ritmos, harmonias e melodias tão encantadores e importantes no
desenvolvimento infantil.
4. O LÚDICO NO CUIDADO DE ENFERMAGEM
O cuidado é uma prática exercida naturalmente pelo ser vivo, observado
nitidamente em muitas espécies animais e, em especial no ser humano. Preocupar-
se com alguém, ser amoroso, respeitoso, cauteloso, carinhoso, são alguns
adjetivos que designam o cuidar. Dentro de um contexto social, as atividades
por nós exercidas diariamente, são feitas com zelo e cuidado. Existe uma
relação harmônica entre quem cuida e quem é cuidado, que diz que o cuidado
humano consiste em "[...] uma forma de ser, de viver, de se expressar. É um
compromisso com o estar no mundo e em contribuir com o bem-estar geral, na
preservação da natureza, da dignidade humana e da nossa espiritualidade; é
contribuir para a construção da história, do conhecimento, da vida"(10).
Especificamente na Enfermagem, o cuidar do outro é a essência dessa dicotomia
entre ciência e arte, que são os nossos pilares profissionais. Cuidar é estar
aberto ao outro, utilizar-se do conhecimento técnico científico e expressivo,
relacionar-se com o outro com respeito, com sensibilidade, expressando-se num
toque, num olhar, num cantarolar de uma canção, contando uma história, ou quem
sabe, brincando.
O brincar para a criança é algo fundamental para seu crescimento e
desenvolvimento, pois desta forma lúdica, busca compreender o mundo real do
adulto, interagindo com ele intensamente, de variadas formas simbólicas. O
cuidado lúdico surge então, para suprimir a lacuna no cuidado prestado às
crianças. É brincando que a criança tenta assimilar todos os medos, angústias,
dores por ela vivida. "A compreensão da necessidade de brincar como necessidade
básica é essencial ao pessoal que cuida da criança, [...] no meio hospitalar"
(11).
Para realizar o cuidado lúdico, é necessário primeiramente, estabelecer um elo
de comunicação verbal e lúdica com esta criança(12). É interagindo-se por meio
de brincadeiras, desenhos, pinturas e canções, que se estrutura a comunicação
necessária entre o mundo real e o mundo imaginário infantil. Portanto, sendo o
cuidado a essência da Enfermagem, cabe a nós cuidadores, estar abertos para uma
interação com o outro, com intuito de resgatar o cuidado integral, inserindo ao
saberes científicos o respeito, carinho, criatividade, lúdico e o ético.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Brincar, dançar, desenhar, rabiscar, bagunçar, cantar, são algumas das formas
lúdicas que a criança utiliza para seu crescimento e desenvolvimento. Todas têm
sua importância nesse processo, destaca-se neste artigo a música e toda sua
sonoridade envolvente e instrutiva. A musicalidade está inserida em nosso meio
basta sensibilidade para percebê-la.
A criança se constrói como ser ao interagir com o outro e o mundo, o brincar
apresenta uma função de destaque no seu crescimento e desenvolvimento. Ao
interagir ludicamente com o mundo, vai descobrindo o mundo e a si mesma, vai
organizando o seu interior a partir das vivências no seu meio exterior.