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BrBRCVHe0034-71672005000600004

BrBRCVHe0034-71672005000600004

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2005
Issue0006
Article number00004

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Percepção de cuidadores familiares sobre um programa de alta hospitalar PESQUISA

Percepção de cuidadores familiares sobre um programa de alta hospitalar

Family caregivers' perception about a program of hospital discharge

Percepciones de los cuidadores familiares sobre el programa de preparo de alta hospitalar

Alesssandra Mendonça CesarI; Beatriz Regina Lara dos SantosII IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora da Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves IIEnfermeira. Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

1. INTRODUÇÃO Atualmente, devido à redução de custos, à grande demanda pelos leitos hospitalares, bem como aos riscos que a hospitalização prolongada podem causar, os idosos, algumas vezes, recebem alta assim que os problemas mais agudos são resolvidos. Comumente, esses retornam para as famílias e para a comunidade ainda com uma gama de problemas que demandam assistência de alta complexidade.

Desta forma, um programa de alta hospitalar pode contribuir para que a família e o idoso sejam capazes de dar continuidade aos cuidados iniciados no âmbito hospitalar, criando possibilidades de manutenção ou melhoria no estado de saúde do idoso, bem como sua independência para atividades cotidianas quando suas condições permitirem(1).

No entanto, o seguimento de cuidados no ambiente domiciliar depende, em grande parte, das orientações recebidas na alta hospitalar. Essas orientações compreendem ações programadas de acordo com as necessidades de cada paciente.

Assim, um programa de alta visa auxiliar a recuperação do idoso, minimizar inseguranças e proporcionar melhor qualidade de vida familiar e social, bem como prevenir complicações e/ou comorbidades e evitar reinternações(2).

Em um hospital universitário da cidade de Porto Alegre, desde 1996, vem sendo desenvolvido um Programa de preparo de alta hospitalar para pacientes portadores de seqüelas neurológicas, oriundas de diversas patologias, entre as quais destaca-se o Acidente Vascular Cerebral (AVC). Esse programa visa à orientação do paciente e de seu cuidador familiar para continuidade dos cuidados no contexto domiciliar. Contempla duas atividades: a orientação à beira do leito do paciente, com a presença do seu cuidador familiar; e a atividade grupal constituída de dois encontros para cuidadores familiares desse paciente. Constitui-se em um Programa inovador em nosso meio regional, visto que geralmente os pacientes, principalmente os idosos, não recebem orientações de preparo de alta hospitalar para o âmbito domiciliar.

Um programa de preparo de alta hospitalar constitui-se em uma estratégia de Educação em Saúde. Assim, este requer um programa, objetivos e métodos próprios engendrado por uma abordagem educativa específica tendo como propósito a aquisição de comportamentos positivos em relação à saúde, adoção de atitudes preventivas e a tomada de decisões conscientes e coerentes para a promoção da saúde(3).

Sob tal perspectiva é preciso considerar que as estratégias de preparo de alta hospitalar devem ser iniciativas subsidiadas e aperfeiçoadas, com a finalidade de fornecer indicativos para a Educação em Saúde a cuidadores familiares e a pacientes idosos com Acidente Vascular Cerebral (AVC). Com base em tais aspectos, propõe-se esta investigação com o objetivo de analisar a percepção do cuidador familiar de idosos com AVC sobre o Programa de preparo de alta hospitalar de um hospital universitário.

2. CAMINHO METODOLÓGICO É um estudo exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa(4). Os participantes deste estudo foram 12 cuidadores familiares de 9 idosos com Acidente Vascular Cerebral com seqüelas neurológicas das unidades clínicas de um hospital universitário, no período de fevereiro a maio de 2004. Esses foram escolhidos intencionalmente, através dos seguintes critérios para inclusão: - ser cuidador familiar de idoso com Acidente Vascular Cerebral com seqüelas neurológicas internado em unidade clínica dessa instituição; - ter participado da orientação à beira do leito e em pelo menos um encontro grupal do programa de preparo de alta; - ter assinado o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os critérios de exclusão foram: o cuidador familiar não concordar em participar do estudo ou não ter condições físicas e/ou mentais para responder aos questionamentos.

A entrada no campo para a coleta dos dados aconteceu posterior-mente à aprovação do estudo pelo Comitê de Pesquisa e Ética da Instituição Hospitalar.

Aos cuidadores familiares que concordaram em participar do estudo, foram fornecidas duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as quais foram assinadas pelo participante, bem como pela orientadora e pela pesquisadora do estudo, que realizou a coleta de dados.

A coleta de dados ocorreu por meio de uma entrevista semi-estruturada que não favorece a descrição dos fenômenos, mas sua explicação e compreensão, dentro tanto de sua situação específica quanto de suas dimensões maiores, permitindo a presença atuante do pesquisador(5). Os dados foram coletados até a saturação dos mesmos; ou seja, a partir do momento em que a pesquisadora teve informações suficientes e que repetidamente coincidiam, foi encerrada a busca de participantes(4). Para análise dos dados foi utilizada a Técnica de Análise de Conteúdo(6).

Os princípios éticos foram respeitados, procurando proteger os direitos dos indivíduos envolvidos, levando em consideração os aspectos éticos apontados pelas Diretrizes Reguladoras de Pesquisa em Seres Humanos, de acordo com a resolução 196 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde(7).

3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS A partir da análise dos dados, estabeleceram-se quatro categorias: opinião sobre o programa, adequação das orientações às demandas de cuidados, pontos de melhoria e repercussão do ser cuidador.

3.1 Opinião sobre o Programa Nesta categoria os temas emergentes foram: a satisfação com o programa, a aquisição de competência para o cuidado, a organização do programa e as repercussões sociais do programa.

3.1.1 Satisfação com o Programa Neste tema, os participantes destacam não ter participado de nenhuma estratégia similar com o Programa, conforme o sujeito S.6 " nunca tinha participado de nada, de nenhum programa parecido com esse, eu gostei".

Também referem a ausência de orientações prévias, " a mãe está assim (com AVC) alguns anos, mas é a primeira vez que a gente recebe orientações sobre os cuidados"(S.11).

Em estudo realizado por Perlini(8), os cuidadores familiares afirmam ter aprendido cuidados sobre seu idoso portador de AVC durante a internação hospitalar. No entanto, quando questionados sobre a forma de aprendizagem, enfocam a observação e o auxílio na realização de procedimentos junto às enfermeiras ou auxiliares de enfermagem.

Essa situação demonstra um caráter informal de aprendizagem refletido pela ausência de um processo educativo em saúde que os prepare para os cuidados no âmbito domiciliar, bem como que seja programado, com objetivos e métodos de aprendizagem(3). Conforme relato dos participantes S.6 e S.11 e Perlini(8), evidencia-se a necessidade da criação de estratégias similares a do Programa em estudo, com o intuito de preparar o familiar cuidador para a continuidade dos cuidados necessários à saúde de seu familiar no contexto domiciliar.

3.1.2 Aquisição de competências para o cuidado Neste tema os participantes destacam que após a alta hospitalar, as orientações fornecidas pelo Programa auxiliarão no cuidado domiciliar.

Essas orientações vão ajudar no que ela precisar quando for para casa (S.11).

Também destacam as habilidades adquiridas e a transformação, a partir do conhecimento apreendido, para realizar o cuidado.

" Para mim esclareceu muitas coisas, eu não sabia nada. Até o jeito de levantar ele agora eu sei. Agora eu não levanto pelo braço lesado"(S.5).

Em estudo com cuidadores familiares de pacientes com AVC(8), constatou-se que tais cuidadores, no preparo para alta hospitalar, receberam orientações sobre a doença de seu familiar (82%) e sobre a possibilidade da permanência de seqüelas (77,1%). Porém, a autora constatou que 45% dos cuidadores receberam orientações sobre a higiene do paciente, 42,9 não foram orientados sobre a mudança de decúbito e prevenção de úlceras de pressão, 54,3% não receberam orientação sobre o uso de fraldas, 77,1% não foram orientados quanto à dieta por sonda, 65% não tiveram orientação sobre a dificuldade de alimentar-se, 54,3% não foram informados quanto à necessidade de equipamentos para deambulação, e 45% não receberam orientação para o risco de queda.

Tal constatação reafirma a necessidade de implementar nos serviços de saúde um Programa que oriente o familiar cuidador para o cuidado no domicílio. Levando- se em consideração a gama de cuidados que envolvem um idoso com AVC, esta estratégia ainda torna-se mais necessária. Porém, a estrutura de um Programa de preparo de alta deve estar vinculado a um enfoque educativo à promoção da saúde através de tomadas de decisões conscientes e coerentes(3).

3.1.3 Organização do Programa Os participantes ressaltam neste tema a valorização do saber popular por parte das enfermeiras do Programa.

"Tem muitos chás, tem gente que até receita chá, ela não aconselha, mas também não diz que não faça"(S.3).

Conforme os diferentes objetivos e perspectivas metodológicas(9) em um processo educativo em saúde um dos enfoques que pode ser encontrado é o do poder e da autonomia. Segundo essa abordagem, a educação é a ferramenta básica para a obtenção do saber e deve estar coerente com o contexto cultural e social do indivíduo. Dessa forma, revelam-se e legitimam-se saberes científicos e populares de conscientização, que darão, ao educando, condições de direcionar as ações de saúde em nível coletivo e individual como práticas sociais.

Essa abordagem educativa é verificada na prática das enfermeiras, conforme o relato do cuidador familiar S.3, ao referir que, apesar de a enfermeira não aconselhar o uso de chás, ela também não desmerece o saber popular. Dessa forma, estimula a autonomia do individuo na busca de práticas de saúde que estejam contextualizadas social e culturalmente.

3.1.4 Repercussões sociais do programa Neste tema é destacado, pelos participantes, que o conhecimento adquirido no Programa vai ser compartilhado com a rede social, w ambém familiar.

" ...a gente tem um amigo nosso que a pouco deu derrame também, então a gente pode repartir com ele o que a gente aprendeu aqui no grupo (S.3), "...e agora eu vou ter que passar pra minha mulher e para minha guria, que cuidam em casa dele"(S.5).

Evidencia-se, na fala do participante S.3, a preocupação em comungar desse conhecimento com a rede social. Infere-se que este fato ocorra talvez pela escassez de estratégias educativas para os cuidados com portadores de AVC nos serviços de saúde. Dessa forma, muitas vezes, o responsável pelos cuidados busca recursos fora das instituições de saúde para auxiliá-lo nessa tarefa.

Os serviços públicos de saúde não contemplam as necessidades dos idosos, quando muito, garantem a internação na ocorrência do AVC. Outros recursos para auxiliar nos cuidados são dificilmente conseguidos, e sequer informações sobre a doença e orientações sobre os cuidados são recebidos. Dessa forma, o suporte aos cuidadores advém da construção de uma rede social ou familiar de apoio(10).

3.2 Adequação das Orientações às Demandas de Cuidados Nesta categoria emergiram os seguintes temas: incentivo da autonomia a partir do conhecimento, aprendizado resgatando a cidadania e reconhecimento da importância da interação familiar 3.2.1 Incentivo à autonomia a partir do conhecimento Neste tema, os participantes ressaltam que, a partir do conhecimento, passaram a incentivar a autonomia do seu familiar.

"Mas em casa, se ela ficar na cama, ela vai se acomodar na cama.

Então, tem que incentivar para ele levantar" (S.7).

Destacam também que, através do contato direto da enfermeira com o idoso, ele próprio iniciou o desenvolvimento de estratégias para a sua própria recuperação.

"...a enfermeira foi até o banheiro e mostrou para ele como esfregar a barriga com a mão doente, também a cabeça. hoje, na hora do banho eu vi quando ele estava tentando esfregar a barriga e a cabeça.

Ele está se esforçando"(S.1).

O Acidente Vascular Cerebral é uma doença que, muitas vezes, incapacita seu portador para as atividades de vida diária. Por isso, a busca da autonomia é um fator de extrema importância para a melhora do quadro de dependência. Nesse sentido, o cuidador familiar deve incentivar o idoso a realizar as tarefas cotidianas, e não fazê-las para ele. Mesmo que esse processo seja mais demorado, essa atitude pode trazer maior satisfação e melhoras para o idoso. É importante que o cuidador tenha paciência e espere que seu familiar consiga concluir a atividade(11).

3.2.2 Aprendizado resgatando a cidadania Os entrevistados referem, neste tema, que, a partir das orientações fornecidas pelo Programa de preparo de alta, os participantes perceberam a importância do resgate da cidadania de seu familiar tanto na relação entre o ser cuidador e o ser cuidado como no convívio social.

"Então eu acho que isso vai ser eu ajudando ela e ela também ajudando(S.6). O que me interessa é o bem estar dele. No momento que ele participar do movimento da rua, ele vai var ele vai respirar melhor" (S.5).

Os serviços públicos de saúde devem ir ao encontro do idoso com Acidentes Vascular Cerebral em conjunto com seu cuidador. Tais serviços devem desenvolver ações educativas que promovam à saúde, bem como o exercício da cidadania(12).

Segundo o relato dos participantes S.6 e S.5, pode-se perceber que a ação educativa exercida no Programa de preparo de alta hospitalar contempla tanto a promoção à saúde como o exercício da cidadania, nesse caso, para ambos, cuidador familiar e idosos portadores de AVC.

3.2.3 Reconhecendo a importância da interação familiar Neste tema é destacada a importância da interação familiar no processo de recuperação.

"C omo é importante a participação do familiar"(S.7).

Bem como o apoio emocional à família dispensado no processo grupal do Programa de prepara de alta hospitalar.

"Esse grupo, eles estão ajudando até nessa parte psicológica" (S.7).

O Sistema Público de Saúde, no Brasil, não encontra-se organizado para atender a demanda de pacientes idosos portadores de Acidente Vascular Cerebral. Esse não abarca políticas ou programas de saúde que contemplam as necessidades integrais dessa clientela, bem como de seus cuidadores. Essa realidade atribui, quase que com exclusividade, à família a responsabilidade dos cuidados no contexto domiciliar. Os cuidadores familiares, ao serem atendidos pelo Sistema de Saúde, não conseguem obter um atendimento que seja suficiente para trazer resultados positivos à saúde de seu familiar. Sem alternativa, aceitam o que lhes é cedido, assumindo o encargo de lidar com o paciente no restrito círculo familiar(10).

3.3 Pontos de Melhoria Nesta categoria emergiram os temas: sobre o funcionamento, quanto à participação dos familiares, e a aprendizagem facilitada pela troca de experiência.

3.3.1 Sobre o funcionamento Neste tema os participantes referem que os encontros grupais deveriam ter mais opções de horários e serem disponibilizados em outros dias da semana.

" Eu acho que tinha que ter mais reuniões, não às sextas-feiras.

Em outros dias também, ou outras opções de horários" (S.9).

As enfermeiras que realizam o Programa de preparo de alta hospitalar o fazem como uma ação diferenciada dentro da instituição hospitalar. Essa atividade, somada à assistência prestada diariamente em uma unidade de internação no período da tarde, completam o total de horas semanais exigidos pela instituição. Assim, essas possuem dificuldades de executar o Programa em outro período que não seja o da manhã.

Porém, não impedimento para que sejam realizados em outros dias, além das sextas-feiras, os encontros grupais, conforme sugestão do participante S.9. No entanto, a opção de novos horários precisaria da agregação de novas enfermeiras que desenvolvessem suas atividades assistenciais nas unidades de internação no período da manhã. Com isso, poder-se-ia alcançar uma maior flexibilidade de horários e dias dos encontros grupais, bem como estender o Programa a mais pacientes internados nessa instituição hospitalar.

3.3.2 Quanto à participação dos familiares Neste tema os participantes destacam que as enfermeiras deveriam insistir mais para que os familiares participassem do encontro grupal.

"A enfermeira deveria ir no quarto e insistir mais, insistir para os familiares participarem"(S.10).

Também ressaltam que essa participação deveria ser obrigatória.

"Tinha que ser uma coisa mais obrigatória de participar" (S.9).

O processo educativo baseado na ênfase no poder e na autonomia prevê que o sujeito da ação em saúde é o próprio indivíduo, tornando-o autônomo para suas decisões de saúde a partir do momento em que esse tem o poder de decisão de sua escolha(9). No entanto, no relato dos participantes, fica evidenciada a necessidade de uma obrigatori-edade quanto à participação no Programa. Tal fato pode justificar-se pelo princípio motivacional(3) pois a obrigatoriedade pode colocar em crise os conhecimentos prévios, desse modo motivando a pessoa para novos conhecimentos, oferecendo novidades que inquietem, interroguem e provoquem crises no conhecimento prévio.

Assim, sugere-se a não obrigatoriedade, mas, talvez, a distribuição de cartazes e folders sobre o Programa ao ser cuidador do idoso com AVC e ao ser portador de AVC. Por exemplo, nos corredores da instituição poderia haver cartazes questionando: " Você é cuidador de idoso que usa sonda para se alimentar? Caso seja, estamos a sua disposição para conversarmos sobre o assunto, em tal dia e telefone". Acredita-se que a divulgação de atividades de Educação para a Saúde é muito precária e tem que ser, inclusive, profissionalizada.

3.3.3 Aprendizagem facilitada pela troca de experiência Neste tema fica evidenciado que os participantes percebem que a troca de experiências com os demais familiares no encontro grupal contribui para o processo de aprendizagem.

"Cada um tem um problema diferente do outro, de repente, tem uma sugestão que vai me ajudar que eu não saberia"(S.3).

Em estudo realizado(13) com cuidadoras de idosos portadores de AVC, refere-se à necessidade, apontada pelas participantes, de trocar experiências com outros cuidadores, bem como de obter informações sobre a doença e aprender sobre os cuidados com profissionais de saúde. A troca de experiências, com a finalidade de melhorar o processo de aprendizado, é evidenciada no relato do cuidador familiar S.3, quando refere que alguma sugestão verbalizada por outro familiar talvez possa a vir ajudá-la.

3.4 Repercussões do Ser Cuidador Nesta categoria surgiram os seguintes temas: avaliação do estar no mundo, o idoso cuidando de idoso, enfrentando agravos à saúde e vivenciando a carência financeira.

3.4.1 Avaliação do estar no mundo Neste tema os participantes destacam a crise engendrada pelo agravo à saúde do idoso e refletem sobre o estar no mundo.

E eu também nunca pensava, a gente nunca pensa na vida o que vai vim por trás, o que está vindo pra mim. Eu tenho a minha irmãzinha que mora comigo, e assim vai, a cabecinha bem fraquinha, não demorar muito eu também vou ficar que nem ela"(S.4).

Os sentimentos vinculados ao cuidador familiar de um idoso portador de Acidente Vascular Cerebral estão ligados às dificuldades, às privações que demandam sua condução, às crenças e aos valores culturais, bem como à visão de mundo construída pelo cuidador ao longo de sua vida. Na fala do participante S.4, evidencia-se o sentimento de surpresa com o agravo de saúde, e, frente a esse quadro, visualiza o seu processo de envelhecer e até mesmo cogita a possibilidade de encontrar-se na mesma situação futuramente(14) .

3.4.2 O idoso cuidador de outro idoso Os participantes referem neste tema a condição de ser idoso cuidador de outro idoso. Também destacam que, mesmo com dificuldades para exercer o cuidado, não abrem mão de fazê-lo em função do vínculo familiar existente.

"Eu estou com muita coragem de fazer isso, mas agora eu não sei, Deus vai saber até que ponto eu vou saber fazer. O que eu queria dizer para Sra. é que a minha mão está salpicando, eu tenho problema de diabete, úlcera varicose na perna, então o coração volta e meia dispara um pouquinho. Eu tenho chorado muito, de fala nela, mas não de se nada, Deus é maior. Se tiver coragem, faz parte da vida, agora abandonar, jamais, eu jamais me separei da minha irmã, não vou abandonar a minha irmã, num azilo, num albergue"(S.4).

A esperança de vida para uma pessoa ao completar 60 anos corresponde em média a 17,6 anos mais de vida. Porém, para a região sul, essa média eleva-se para 18,2 anos(15). Tal processo pode acarretar em um quadro social de idosos sendo cuidado por outros idosos. Esse, ao assumir a sobrecarga do cuidado, sem qualquer suporte ou informação, pode ser submetido a esforços físicos e emocionais que o transformam em um doente a curto prazo ou até mesmo agravam as patologias estabelecidas, caso não sejam garantidos os meios de prevenção.

Tal situação requer o estabelecimento de políticas e programas de saúde que contemplam tanto o paciente quanto o cuidador familiar(10).

No relato do participante S.4, um dado que se sobressai é a resignação em institucionalizar seu familiar. Mesmo relatando que tem dificuldades para exercer o cuidado, esse familiar cuidador não abre mão de fazê-lo. Em um primeiro momento do episódio do AVC, 30,6% dos cuidadores receberam sugestões para asilarem seus doentes; no entanto, a maioria retornou para o domicílio (16). Esse fato decorre dos sentimentos desencadeados pelos cuidadores familiares de abandono de seu idoso, sendo essa uma alternativa indesejável por estes.

3.4.3 Sentimentos desencadeados pelo agravo à saúde Neste tema os participantes ressaltam que não pensavam que iriam passar por uma situação como esta, ou seja, de ser cuidador de uma pessoa portador de AVC.

"...a gente fica muito perdida quando tem um familiar, mãe, principalmente, quando a gente tem uma pessoa assim, a gente fica totalmente perdida"(S.7).

Uma das características do Acidente Vascular Cerebral é seu surgimento súbito.

Nas demais doenças crônico-degenerativas de evolução lenta, o envolvimento da família com os cuidados, é gradual muitas vezes permitindo espaço para a preparação psicológica e para a assimilação de conhecimentos sobre a doença. O cuidador familiar, diante dessa situação inusitada, depara-se com uma demanda de cuidados que, muitas vezes, não está preparado para exercer. Esse contexto desencadeia sucessão de experiências que pode levá-lo a um desgaste físico e emocional, transformando-se em uma situação estressora(10).

3.4.4 Vivenciando a carência financeira Os participantes, neste tema, têm dificuldades para adquirir elementos necessários para desenvolver o cuidado no âmbito domiciliar devido à carência financeira. Ressaltam ainda que esperam um auxílio da instituição hospitalar para suprir esta lacuna.

" de ela não pode andar, ela está precisando de várias coisas, de fraldas, remedinhos caros, que eu não posso, que eu não tenho, fralda, alimentação. Ela está precisando dessas coisa, então eu estou esperando que o hospital vai me dar esse apoio para mim"(S.4.5).

O impacto financeiro, para lidar com um idoso incapacitado por Acidente Vascular Cerebral, é desconhecido no Brasil(17). Esse tem início desde a internação hospitalar, prosseguindo com as adaptações necessárias no âmbito domiciliar, bem como para a aquisição de equipamentos que contribuam à reabilitação física. Sem insumos para desenvolver o cuidado, o familiar busca, na prática, a melhor forma de realizá-los, usando criatividade e originalidade (18).

Os serviços públicos, tanto de saúde como de assistência social, não disponibilizam aos cuidadores familiares os recursos materiais necessários para o desenvolvimento do cuidado no contexto domiciliar. Muitas vezes, o familiar cuidador busca auxílio para a aquisição dos insumos para o cuidado junto à comunidade ou em outras organizações não governamentais(8).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de haver menos de uma década de seu surgimento, os cuidadores familiares referem satisfação com o Programa dessa instituição hospitalar, bem como destacam essa estratégia como inovadora, pelo fato de não terem participado de algo parecido.

As sugestões referidas pelos participantes como pontos de melhoria do Programa foram referentes a uma maior oferta de dias e de novas possibilidades de horários para os encontros grupais, bem como a estruturação de estratégias que tornassem obrigatória a participação do familiar ao programa. Nesse sentido, sugere-se à coordenação do Programa que possibilite a inclusão de outros dias para o encontro grupal, como também a ocorrência em outro turno que não seja apenas pela manhã.

Quanto à obrigatoriedade da participação ao Programa, esse fato vai de encontro ao preconizado por uma abordagem educativa que possibilita uma maior autonomia do sujeito na busca de ações que promovam sua saúde. No entanto, sugere-se a criação de estratégias de divulgação que coloquem em crise os conhecimentos para que possa ser, dessa forma, estimulada a participação do cuidador familiar junto ao Programa. Assim sugere-se a criação de folders e cartazes que expliquem a finalidade do Programa. Essa atitude pode contribuir para um maior número de participantes, enriquecendo a troca de experiências entre os familiares, contribuindo desta forma com o processo educativo.

No que tange à adequação das orientações às demandas de cuidados, percebeu-se que, a partir das orientações fornecidas pelo Programa, o incentivo à autonomia do idoso, tanto por parte do familiar quanto pelas enfermeiras. Tal atitude contribui para que o portador de Acidente Vascular Cerebral (AVC) restabeleça-se de suas seqüelas, ou auxilie para que não evolua para um quadro de piora de seu estado de saúde. Dessa forma, essa atitude deve ser prevista em programas que destina-se ao atendimento de um portador de AVC e seu familiar cuidador. Destacou-se, também, a importância da interação do cuidador familiar no processo de recuperação do idoso com quadro de AVC. Nesse sentido, deve-se estimular os serviços de saúde a integrá-lo no tratamento do doente, bem como esse deve passar a ser também um foco de atendimento devido a sua importância no processo de recuperação do idoso.

As repercussões do ser cuidador apontaram para os sentimentos desencadeados pelo agravo à saúde do idoso portador de AVC, bem como para a carência financeira para dar continuidade aos cuidados iniciados no âmbito hospitalar.

Tal situação concorda com a idéia de diversos autores, para os quais os serviços de saúde devem ir ao encontro não do ser doente, mas também de seu cuidador, com a implantação de políticas e programas que contemplam tal abordagem. Em relação à carência financeira, evidenciou-se a necessidade da implementação ou ampliação dos serviços sociais, bem como de uma rede social junto à comunidade como uma maneira de suprir as necessidades do familiar para a tarefa do cuidado.

Programas similares a esse podem modificar a situação, na qual cuidadores familiares, ao depararem-se com o agravo de saúde de seu familiar, ficam sem informações e orientações. Dessa forma, acabam construindo uma rede informal de apoio que pode ser na própria família ou na comunidade a que pertencem. Nesse sentido, estratégias similares a essa amenizariam o desamparo vivenciado pela familiar em tal situação, contribuindo para uma melhor recuperação, restabelecendo incapacidades e/ou impedindo sua evolução, bem como podendo evitar hospitalizações desnecessárias, onerando o sistema público de saúde com o aumento de seus gastos.


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