Concepções das mães sobre os filhos prematuros em UTI
PESQUISA
Concepções das mães sobre os filhos prematuros em UTI
Mothers' conceptions about their premature children in ICU
Concepciones de las madres acerca de sus hijos prematuros en la UTI
Catarina Aparecida SalesI; Nataly Barbosa AlvesII; Muriel Regina VrecchiIII;
Jacqueline FernandesIII
IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem da
Universidade Estadual de Maringá calescida@wnet.com.br
IIEspecialista em Formação Pedagógica. Enfermeira da UTI neonatal do Hospital
Universitário de Maringá
IIIAcadêmica do 4º ano de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá
1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas o interesse pelo desenvolvimento integral da criança tem
crescido em todo o mundo, como resultado do aumento constante da sobrevivência
infantil e do reconhecimento de que a prevenção de problemas ou patologias
nesse período exerce efeitos duradouros na constituição do ser humano(1).
Nota-se uma redução na taxa de mortalidade infantil(2) de 52,02/mil nascidos
vivos em 1989 para 28.7/mil nascidos vivos em 2001, significando um aumento
considerável de crianças sobreviventes nos seus primeiros anos de vida.
Entre os fatores que concorrem para a redução da taxa de mortalidade infantil
pode-se citar a melhoria tecnológica das unidades de terapia intensiva
neonatais (UTINs), as quais têm conseguido reduzir a taxa de mortalidade de
recém-nascidos pré-termo (RNPT), criando ambientes extra-uterinos favoráveis a
sua sobrevivência.
Não obstante, ao gerar um filho prematuro, as progenitoras adentram-se em uma
nova realidade, que lhes desperta um paradoxo de sentimentos, muitas vezes
incompreendidos por nós, profissionais da saúde. Precisamos compreender que,
nesse processo, a mãe também é prematura, devendo ser tratada de forma
humanizada, individualizada e diferenciada. Para tanto, necessitamos apreender
o ser mãe neste novo contexto que o cerca.
A nosso ver, a internação de um filho em uma unidade de terapia intensiva é
quase sempre um momento difícil para a família, que pode experienciar
sentimentos de incerteza quanto ao presente e futuro de seu familiar,
sentimentos que envolvem as suas próprias perspectivas de vida. Nesses
momentos, muitos sentimentos são suscitados na família: "a cura será completa?"
"Haverá seqüela?", "poderá ocorrer a morte"(3)?
Tais questionamentos demonstram claramente que para cuidar e confortar,
procurando atender sempre às expectativas e necessidades de quem é cuidado, o
enfermeiro deve ter interesse de aprender sempre; e aprender a cuidar de um
bebê prematuro e sua família é compreender que o sofrimento perante a doença e
a morte, que são sofrimentos universais, não se limitam a um determinado tempo
e espaço, mas sim, assumem características sociais bem claras e distintas, em
diferentes contextos econômicos e sociais(4).
Heidegger(5) observa em sua obra Ser e Tempo que, em seu cotidiano, o ser
humano adota modos de ser que o fazem ter relações significativas com o meio
ambiente circundante, tornando-se assim um ser que escreve sua própria
história. Somente quando assume sua realidade existencial em seu estar-no-mundo
é que ele vai se encontrando consigo mesmo e construindo seu viver autêntico e,
principalmente, desvelando sua própria necessidade de solicitude a cada momento
vivido.
Assim, ao vivenciar o nascimento de um filho prematuro e vê-lo internado em uma
UTI neonatal ou no semi-intensivo dessa unidade, a mãe vislumbra a
possibilidade de morte de seu bebê. Essa possibilidade de perda faz emergir do
âmago de seu ser sentimentos de temor ante sua situação.
Compreender os sentimentos dessas mães é procurar resgatar seu próprio valor
moral enquanto seres-no-mundo, visando sempre atender suas necessidades e
prepará-las para que propiciem ao filho uma qualidade de vida adequada. Diante
disso, este estudo tem como finalidade buscar a compreensão existencial da mãe
de bebê prematuro internado em uma UTI Neonatal, trazendo luz para o repensar
de outras possibilidades de cuidar desses seres.
2. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
A estratégia metodológica que conduziu este estudo está fundamentada na
abordagem fenomenológica existencial. Na visão heideggeriana(5), a
fenomenologia mostra, em um sentido ontológico, a própria questão do Ser, pois
a essência do homem reside em sua existência, e somente através da existência
do ente é possível se dirigir ao Ser com a finalidade de desvelar seus
mistérios.
Na fenomenologia, o pesquisador deve voltar-se ao homem em seu cotidiano e
buscar, no conhecimento revelado a partir de sua vivência, a compreensão do
fenômeno a ser desvelado. Na meditação de Bicudo(6), "ao desvelar a essência, a
consciência, em um movimento reflexivo, realiza a experiência de percebê-la,
abarcando-a compreensivamente, ou seja, trazendo-a para o seu círculo de
inclusão ou horizonte de compreensão. É a experiência transcendental, o
apropriar-se do desvendado, ou seja, do que a incursão realizada apontou como
característico do fenômeno interrogado".
Destarte, tendo em vista a proposta deste estudo, interrogamos oito mães que
estavam com seu filho internado na UTI neonatal, ou semi intensivo dessa
unidade, de um hospital universitário situado no Noroeste do Paraná.
Explicitamos que, para a condução das entrevistas, a pesquisadora responsável
realizou períodos de interação na referida unidade, com a finalidade de
adentrar-se no mundo vivenciado pelas progenitoras, inserindo-se nesse mundo de
uma forma natural, na busca de desvelar-se às mães. Durante as entrevistas
foram feitas algumas observações, as quais serão expostas para enriquecer a
análise da linguagem dos sujeitos.
Segundo Heidegger(7), a liberdade é a essência da verdade. Com base nesse
pensamento, ao encontrar-nos com as depoentes, conversamos previamente sobre
algumas maneiras como elas poderiam formular suas concepções. Explicamos que
seus depoimentos poderiam ser gravados e, se preferissem permanecer sozinhas
durante sua exposição, sua vontade seria respeitada; ou elas poderiam
simplesmente falar, e após nosso encontro seu discurso seria transcrito; ou
ainda, elas poderiam escrever seus sentimentos. Após fornecidos todos os
esclarecimentos, solicitamos às mães que respondessem à seguinte questão
norteadora: O que significa para você ter um filho prematuro e vê-lo internado
em uma UTI neonatal?
As entrevistas ocorreram após a aprovação deste estudo pelo Comitê Permanente
de Ética em Pesquisa que Envolve Seres Humanos da Universidade Estadual de
Maringá (Registro n.º 066/2004), conforme determina a Resolução 196, de 10 de
outubro de 1996, do Ministério da Saúde, que trata de diretrizes e normas
regulamentadoras de pesquisa em seres humanos.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para Heidegger(7), a compreensão não se mostra de imediato, vai-se constituindo
no tempo, através das articulações dos significados que o ser-no-mundo expressa
em sua linguagem, pois, enquanto um Ser-aí no mundo, o homem atribui sentido às
coisas com as quais se relaciona no horizonte de seu mundo circundante.
Nesse pensar, para captar a essência do fenômeno interrogado, realizamos
leituras atentivas de cada depoimento, assinalando as unidades de significado
(us), ou seja, partes de cada discurso que se mostraram relevantes para os
pesquisadores, a partir da questão norteadora formulada. Em seqüência,
procuramos agrupar os pontos convergentes de cada discurso; assim, da linguagem
das progenitoras emergiram quatro categorias, como segue.
3.1 A dor de ver seu filho nascer prematuro e ser tirado de seus braços
Ao existir-no-mundo, o Ser-aí manifesta-se ao mundo através de características
fundamentais, que lhe permitem desvelar-se, enquanto um ente existencialmente
presente. Através de um poder próprio, o homem torna-se um planejador de sua
própria história, planear faz parte de seu existir cotidiano. Isso quer dizer
que, como um ser existente e pensante, o ser humano é capaz de planificar seu
tempo no mundo.
Não obstante, estando no mundo o homem não se relaciona somente com os
instrumentos necessários à sua sobrevivência, mas também se abre a outros
entes. Nessa abertura, o ser-no-mundo busca, na afetividade de outro Ser-aí,
construir sua história familiar, ou seja, compartilhar com outro seu existir no
mundo. A partir dessa união o homem e a mulher vislumbram a possibilidade de
ter filhos, para dar continuidade a sua história. Para a mulher, vivenciar a
gestação de um filho, ser mãe e poder segurar seu bebê nos braços é um momento
de plenitude inesquecível, aguardado durante meses. Ao abordar a situação
experienciada pelos pais, Brazelton(8) expõe que: "a chegada do primeiro bebê é
um dos eventos mais desafiadores da vida, talvez o mais desafiador. É uma
oportunidade para o crescimento pessoal e maturidade, bem como uma oportunidade
excitante para promover o desenvolvimento e ser responsável por outro ser
humano".
Nessa situação existencial, o Ser-aí delineia projetos para acolher o filho
almejado, esmera-se no preparo do quarto, do vestuário e de todos os utensílios
necessários para o futuro neném. Porém, ao constatar a prematuridade de seu
bebê e vê-lo ser levado para uma UTI neonatal, rompe-se-lhe o sonho de sair do
Hospital com seu filho no colo, levando-o para casa. Nesse momento, "os
familiares vivem, portanto, um anticlímax, no pêndulo que os transporta da
preocupação à esperança, do ânimo ao desalento"(9). Nessa, perspectiva,
pontuamos algumas falas.
O nosso filho foi para a Santa Casa de Paranavaí, até consegui uma
UTI neonatal, a qual rezamos muito para conseguir. Isso tudo que
aconteceu com a gente traz uma dor muito, muito grande, a gente fica
dia a dia esperando cada minutinho de sua recuperação (...) mas a
gente sente uma dor muito grande, parece que tem uma faca cravada no
peito da gente de ver o nosso filho ter que ficar numa UTI neonatal.
(s1)
Eu sinto um aperto no coração de ver a neném assim, cheia de
aparelho, tão pequenininha daquele jeito. Mas também sinto um alívio
de saber que, apesar se ser prematura, está reagindo. (s2)
Quando eu vi minha filha na incubadora e numa UTI neonatal eu pensei
que ia morrer de tanta tristeza. Agora estou mais conformada, mas
quando eu olho ela naquela situação, eu fico de um jeito que não dá
para explicar. Só as mães que têm um filho nesse estado sabe como é
dolorido. (s3)
Bom, quando eu fiquei sabendo que meu filho iria nascer e precisaria
de uma UTI neonatal, fiquei desesperada, pois ele tinha 32 semanas.
Eu chorava com medo dele não sobreviver, eu sentia-me culpada por
isso estar acontecendo, não conseguia dormir. Quando ele nasceu e eu
o vi saindo da sala de parto sem eu tocar nele, me senti a pior mãe
do mundo, apesar de não acreditar que existia um ser tão lindo e
perfeito dentro de mim, igual ao meu filho, e que iria precisar muito
mais de mim, do meu carinho, do meu amor e do meu colo de mãe. Ele
nasceu dia 12 de março de 2004, às 18:08 horas e, eu só pude vê-lo no
outro dia às 12:00 horas (s4)
É uma dor muito grande, a gente vai para casa e ela fica internada em
uma UTI sozinha, tão pequena e desamparada. (s5)
Eu fui ver meu filho após oito dias de seu nascimento. Eu não
imaginava que ele era tão pequenininho, né, pois ninguém me falou que
ele era tão pequeno assim. (s6)
3.2 Padecimento ante a possibilidade de perder parte de si mesma.
Ao longo do período gestacional o corpo da mulher se molda para acolher seu
futuro bebê. Esse processo de abertura da mãe em relação ao filho gerado
desenvolve-lhe o sentimento de que seu filho é parte de seu próprio corpo, isto
é, faz parte de seu poder-ser e está desde sempre inserido em sua existência. A
concepção de Brazelton (8:32) corrobora essa interpretação: "ao longo da
gravidez o feto está tendo experiências e sendo moldado pelas experiências da
mãe. A medida que se move em resposta a estas experiências, sua atividade dá à
mãe o 'feed back'que lhe diz como o bebê reage, dando talvez, uma idéia de como
o filho é, começando a moldá-lo também".
Para Merleau-Ponty(10), a percepção que cada ser humano tem do corpo é
inseparável da percepção que ele tem do mundo, isto é, cada ser vê o mundo
através de seu corpo. Na linguagem das depoentes percebemos a expressão de que
a separação, a possibilidade iminente de morte de seu neném, para elas é como
perder parte de seu corpo e, essa perda as leva a viver em um aparente estado
de luto. Nas falas a seguir as mães exprimiram seus sentimentos em relação a
essa situação:
Não é fácil você ter um filho, ver ele sair de sua barriga e ter que
ficar em uma UTI neonatal (...) a gente sente muita dor ao perceber
que podemos perdê-lo. (s1).
Tem que tentar superar, mas dá um aperto no coração... Ela saiu de
mim, dá vontade de ficar no lugar dela, porque nós somos mais
resistente; mas como não pode, né, fazer o quê? (s2).
Eu sinto muita dor, dá um vazio no coração da gente, é como se parte
da gente ficasse no hospital (s3).
Quando entrei na UTI com meu marido e, vi meu filho na incubadora com
capacete de oxigênio, com soro, sonda na boca e, com vários furinhos
de agulha eu queria morrer. Culpava-me por ver meu filho tão pequeno
sofrendo sozinho. Depois de visitá-lo eu chorei muito e não dormi.
Mas comecei a pensar e percebi que era naquele momento que ele
precisava sentir meu calor, meu toque de mãe, meu amor, um amor
infinito que sinto por ele e, voltei a visitá-lo; mas o que senti foi
inexplicável, só a mãe que ama seu filho e o vê precisando de você
pode explicar. (s4)
Na unidade de significado 4, ao atentarmos para a frase "culpava-me por ver meu
filho tão pequeno sofrendo sozinho", inquietamo-nos por entender o porquê desse
sentimento de culpa, já enfocado anteriormente. Contudo, em nossos diálogos
posteriores, a mãe sempre mencionava ter desejado tanto esse filho, que se
sentia culpada de vê-lo nesse estado; e essa ânsia era manifestada, também,
através de sua expressão corporal. Mas, ao analisarmos o final da unidade,
percebemos que a mesma culpa que a fez sucumbir ante o seu pesar também a fez
emergir de sua dor e compreender quanto seu filho, naquele momento, necessitava
de seu amor (p.p.r percepções da pesquisadora responsável)
É triste, muito triste ver sua filha nessa situação. Eu tenho outros
filhos, mas é como se faltasse uma parte de mim (...) você sempre
espera uma notícia triste, ou uma tragédia. É muito doloroso viver
assim. Gostaria de poder levar minha filha comigo, mas sei que, por
enquanto, não é possível. (s5)
Ao acompanhar o relato da depoente 5, pude sentir a emoção desse Ser ao
vivenciar a situação da filha; visualizei em sua postura quão intensa era sua
dor; vislumbrei o pranto de sua própria alma, uma alma que chorava em silêncio,
com lágrimas a banhar-lhe o rosto. Gostaria de ainda estar grávida e, que ele
estivesse ainda em minha barriga (s6)
3.3 Sentimentos avivados a partir da compreensão da situação vivenciada pelo
filho.
Heidegger(7), em sua analítica existencial do Ser-aí, observa que a existência
humana pode tornar-se digna de questionamento, principalmente quando o homem
vivencia alguma facticidade em seu cotidiano; e é a compreensão que permite a
abertura do Ser-aí, de tal modo que, retomando seu sentido existencial,
desenvolve um entendimento de sua situação.
Durante a análise da linguagem das depoentes notamos que elas, ao adentrar no
mundo de uma UTI neonatal, buscando depreender o porquê de sua fatalidade,
percebem que outros seres experenciam também os mesmos padecimentos,
descobrindo, destarte, o mundo do "a gente", ou seja, de entes que compartilham
a dor de ter seu filho internado em uma unidade de terapia intensiva. Para
ilustrar essa reflexão escolhemos a seguinte fala:
Quando o neném chegou aqui, o meu marido falou que tinha uma porção
de crianças menores que ele passando pela mesma situação. A gente
fala: meu Deus, não é só a gente que está passando por isto [...]
então temos que nos apegar com Deus para nos fortalecer. (s1)
Nos discursos constatamos ainda que, ao entender a situação do filho, o
sentimento de angústia experimentado inicialmente ante sua fatalidade as torna
também livres para assumir as possibilidades concretas de seu existir, buscando
nas respostas positivas de seu filho o conforto para seu coração. As
declarações a seguir aclaram essa percepção.
Nosso filho está se recuperando e com essa recuperação o nosso
coração vai sendo aliviado. Cada resposta que ele dá, cada aparelho
que vai sendo tirado dele, é uma alegria ao nosso coração e a gente
vai transmitindo isso para outras famílias e com um sorriso no rosto.
(s1)
Hoje em dia, pela evolução da medicina, eu sinto-me até mais segura e
acho que se Deus quiser vai dar tudo certo com ela e a gente tem que
ter muita fé. Para mim o tratamento dela está sendo bom. (s2)
Na mensagem do sujeito 4, a seguir, notamos que estar com o filho diariamente e
acompanhar sua recuperação desperta-lhe um sentimento de ter seu filho de
volta, fazendo parte de sua vida. Sua fala exprime a alegria não sentida
inicialmente no parto, mas, agora compartilhada com o pai.
Depois de algumas visitas, eu não queria mais sair de lá, pois para
mim ele era a criança mais linda do mundo e, eu sentia-me superfeliz
por ser mãe e ver meu filho cada dia melhor. Na quarta-feira, dia 14
de Março de 2004, recebi alta hospitalar e fui para casa. Eu moro em
Marialva, mas vinha todos os dias visitá-lo, conversava com ele,
colocava minhas mãos sobre ele, e assim ele melhorava cada dia (...)
Pedia a Deus todos os dias e agradecia por ter meu filho, pois tudo
depende da vontade de Deus e eu esperava a sua decisão. O tempo foi
passando e a cada dia sentia-me mais feliz e amada pelo meu filho, e
eu o amava mais e mais, pois ele necessitava de mim, de ouvir minha
voz e, é claro, do meu leite, que sempre tirava com muito carinho.
Quando ele ouvia minha voz sorria e eu me sentia a melhor mãe do
mundo e, quando ele chorava, eu colocava a mão na cabeça dele e ele
dormia.[...] A maior emoção foi quando eu o troquei pela primeira
vez; ele ficou quietinho, ele sorria quando meu marido o tocava e
conversava com ele. Depois de algum tempo, quando fiz a mãe-canguru,
pude senti-lo em meus braços, foi o melhor dia de minha vida, pois
podia sentir sua respiração e, seu corpinho encontrando o meu, e ele
sentia-se seguro e transmitia essa segurança para mim. Quando dei o
primeiro banho o pai estava presente e, apos embrulhá-lo, ele foi
para o colo do pai, e eu fiquei admirando-os [...] por isso venho ao
hospital todos os dias e acompanho tudo, e todo dia tenho uma
surpresa(s4).
Mas, agora, sempre que venho vê-lo e, vejo-o diferente, mais fortinho
fico mais aliviada (s6)
3.4 A importância da equipe de saúde no processo de recuperação do filho.
O viver do homem caracteriza-se por um constante estar com os outros e com as
coisas que fazem parte do mundo ao seu redor. Assim, relacionar-se com os
outros faz parte de nosso existir, tornando-nos capazes de tocar e nos deixar
tocar por outros. A essa abertura do homem, ao relacionar-se com o mundo (Ser-
em), Heidegger(7) denomina de claridade do Ser-aí, sendo basicamente nessa
claridade que se torna possível qualquer visão. Para o filósofo, a visão é um
modo fundamental de abertura do Ser-no-mundo, ou seja, "é um modo próprio de
apropriação genuína dos entes com os quais o Ser-aí pode se comportar e assumir
suas possibilidades ontológicas essenciais"(7).
As manifestações de solicitude da equipe de saúde foram percebidas e expressas
pelas mães;
"o calor que os funcionários passa para gente e, o contato, a
preocupação deles vai nos deixando mais alegres e percebemos que os
dias podem ser melhores". (s1)
Hoje eu sei se não fosse Deus e a equipe médica que o atendeu ele não
estaria vivo. Eu confio muito nesses profissionais que cuidam de meu
filho, sinto-me aliviada em ver que meu anjinho está em boas mãos e
melhora a cada dia. (s4)
4. REFLEXÕES SOBRE O ESTUDO
No cotidiano de nossas vidas, amiúde, experimentamos sentimentos de natureza e
intensidade variadas que vêm ao nosso encontro, decorrentes de nossa própria
condição de estarmos lançados no mundo. São situações que nos causam temor sem,
contudo, termos uma explicação para elas. "São estados afetivos que nos colocam
diante da desnudez de nossa condição original, ou seja, de nossa condição de
ser humano"(11).
Assim, ao se indagar as mães sobre sua vivência com o filho prematuro em uma
unidade de terapia intensiva, elas exprimiram seus modos de viver e sentir a
situação. Dos relatos analisados entendemos que ver seu bebê ser tirado de seus
braços sem poder acariciá-lo em sua chegada ao mundo é, inicialmente, algo
difícil de ser abarcado por elas.
Em suas falas as depoentes também expressaram seus receios perante a
possibilidade de perder parte de si mesmas, parte essa que foi sendo moldada e
sentida durante meses. Esse sentimento de perda fá-las sucumbir diante do
mundo, levando-as a refletir sobre o porquê de sua fatalidade.
Não obstante, observamos que esse estado angustiante, que lhes traz dor e
desesperança, lhes permite também emergir de sua tristeza e buscar, através do
entendimento da situação do filho, energias para enfrentar sua facticidade
existencial. Apreendemos que é nesses momentos que o Ser-no-mundo torna-se um
ser humano que necessita compartilhar seu existir com outros entes, pois, como
um Ser ôntico-ontológico, o homem desvela aos seres ao seu redor as
necessidades que abarcam suas prioridades ôntico-ontológicas.
Assim, ao adentrarmos no mundo das mães com filhos prematuros, procuramos não
apenas vislumbrar a pessoa que passa por um período de sofrimento, mas
compreender o Ser-aí em sua existencialidade. Nesse pensar, durante meses nos
aproximamos de seu existir, participando com elas de seus padecimentos. Ouvimos
suas vozes, seus risos e, em muitos momentos, contemplamos suas lágrimas
rolarem em silêncio. Sentimos suas dores, mas também visualizamos suas
esperanças.
Depreendemos que escutar e olhar atentamente tornam-se instrumentos
imprescindíveis para que a equipe de saúde aprenda a compreender os pais com
crianças prematuras em suas singularidades. Para tanto, é fundamental entrar no
mundo do Ser, ver as coisas através de suas concepções e escutar com
envolvimento suas experiências. Dessa forma nos tornaremos capazes de assisti-
lo autenticamente, atendendo às suas reais necessidades de cuidado. Ao
interpretarem o pensar de Angelo, sobre a importância do enfermeiro nesse
processo, Pedroso et al(12),observam: "vivendo momentos difíceis que demandam
dela ações, sentimentos e pensamentos que muitas vezes ultrapassam suas
possibilidades conhecidas, a família necessita de um enfermeiro capaz, que lhe
ajude a olhar estes momentos como possibilidade de crescer e superar-se nas
habilidades e virtudes humanas que lhes faltam".