Atenção e presença física: dimensões expressivas e a prática dialógica do
cuidado de enfermagem na perspectiva do cliente hospitalizado
PESQUISA
Atenção e presença física: dimensões expressivas e a prática dialógica do
cuidado de enfermagem na perspectiva do cliente hospitalizado
Attention and physical presence: expressive dimensions and the dialogical
practice of nursing care according to the perpective of the hospitalized client
Atención y presencia física: dimensiones expresivas y práctica dialógica de la
atención de enfermería en la perspectiva del cliente hospitalizado
Luisa Maria da Silva de BarcelosI; Neide Aparecida Titonelli AlvimII
IEnfermeira aposentada do Ministério da Saúde. Mestre em Enfermagem. Professora
da Universidade Estácio de Sá
IIProfessora Adjunto do Departamento de Enfermagem Fundamental da Escola de
Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Doutora em Enfermagem. Membro da diretoria colegiada
do Núcleo de Pesquisa de Fundamentos do Cuidado de Enfermagem.
titonelli@terra.com.br
1. INTRODUÇÃO
Este estudo integra a linha de pesquisa "cuidados fundamentais de enfermagem",
que vem sendo desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisa de Fundamentos do Cuidado de
Enfermagem (Nuclearte), da Escola de Enfermagem Anna Nery/Universidade Federal
do Rio de Janeiro. O objeto desta pesquisa foi "a atenção e a presença física
como dimensões expressivas do cuidado de enfermagem hospitalar, mediadas pelo
diálogo". Teve como objetivo discutir a atenção e a presença física como
cuidados fundamentais expressos na relação dialógica entre o cliente e a equipe
de enfermagem, na perspectiva do cliente hospitalizado.
Foram utilizados os conceitos de atividades expressivas e cuidado humano(1) e
de diálogo(2). Watson(1) classifica as atividades de enfermagem em instrumental
e expressiva. A primeira refere-se ao atendimento das necessidades mais
voltadas ao aspecto físico, biológico, do cliente como a higiene corporal, a
medicação e alguns procedimentos técnicos. Já na segunda classificação
referida, considera-se em primeiro plano os aspectos psico-sociais. Neste
ínterim, vale dizer que este estudo destaca a atenção e a presença física como
atividades expressivas da enfermagem, conjugando qualidades como dedicação,
paciência, presteza e respeito mútuo.
A Enfermagem é caracterizada como uma ciência do cuidado cuja prática se
orienta na abordagem humanista(1). Nesta concepção, todo processo de cuidar
implica numa relação entre quem cuida e o sujeito, partícipe do cuidado; e,
nesta relação, está imbricado o contexto sócio, político, econômico e cultural,
tanto dos envolvidos, quanto da instituição em que o cuidado é prestado. Assim,
o cuidado recebe influência direta desses dois setores: o projeto político-
institucional onde estão vinculados, clientes e profissionais de saúde, e o
contexto de vida na qual ambos estão inseridos. Essas relações são
historicamente definidas e podem determinar as implicações de cada qual no
desenvolvimento das ações de cuidar.
Nessa direção, destacamos que a experiência do cuidado é uma relação recíproca.
Ou seja, requer um investimento dos envolvidos que compartilham do cuidado numa
relação de co-participação. Ocorre que, cada pessoa vivencia o cuidado de
maneira singular, segundo seus próprios referenciais, e imprimem, neste espaço,
maneiras singulares de expressão de subjetividades.
E é aí que se encontra, ao nosso ver, as pontes com Freire(2) ao afirmar que a
vocação do homem é a de ser sujeito e não objeto. Isso sugere que a relação de
cuidado deve se estabelecer horizontalmente, por meio de uma prática dialógica,
em que o cliente possa discutir, questionar, criticar e expressar suas
necessidades e desejos de cuidado. Afinal, conforme diz Freire(2), se é na
práxis que a palavra se impõe, ela não é dita para os outros, mas com a palavra
dos outros.
2. METODOLOGIA
Optamos pela pesquisa qualitativa por entendê-la adequada às questões que
envolvem o relacionamento interpessoal, na medida em que conta com uma
variedade de métodos e técnicas que possibilitam o desvendar dos problemas
emergentes do cotidiano dessas relações.
Os sujeitos foram cinco clientes adultos, de ambos os sexos, vivendo com AIDS.
Os critérios de inclusão na pesquisa foram ser clientes que já se submeteram à
internação hospitalar em decorrência da doença e que estavam sob acompanhamento
ambulatorial num hospital municipal do Rio de Janeiro. A opção pelos sujeitos
se justifica pela nossa experiência profissional de vinte anos no âmbito
hospitalar convivendo com clientes com AIDS.
Na produção de dados, trabalhamos com a triangulação de técnicas, conjugando a
técnica de criatividade e sensibilidade "Almanaquea" com a entrevista semi-
estruturada e a observação participante. Vale destacar que, com o uso da
criatividade e da sensibilidade na produção de dados da pesquisa, o imaginário
transcendeu a racionalidade e a diversidade das experiências e vivências dos
sujeitos emergiu da expressão criativa e sensível e serviu de motivadora para o
diálogo entre nós, pesquisadoras, e os participantes do estudo. Durante toda a
produção de dados, foram registradas as expressões verbais e não verbais dos
sujeitos. Cada encontro durou, em média, de 30 a 60 minutos. Os dados foram
analisados à luz da análise de discurso, segundo Orlandi(4,5).
Cabe ainda ressaltar que foram respeitados os aspectos éticos da pesquisa
dispostos na Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde/MS, que regula as
Normas de Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Assim, além da autorização da
Comissão de Ética em Pesquisa da Instituição, cenário do estudo, os
participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Ainda em
observância à mencionada Resolução, mantivemos o anonimato dos sujeitos por
meio de nomes próprios fictícios por eles escolhidos, a saber: João, Pedro,
Margui, Ricardo e Jorge.
3. RESULTADOS
No que pese os cuidados de enfermagem, Jean Watson(6), ao teorizar sobre os
fatores de cuidado, se utilizou dos trabalhos de Rogers, Carkhuff e Gazola para
"definir as características necessárias no relacionamento ajuda-confiança,
capaz de estabelecer uma relação harmônica e cuidadosa". A autora cita a
congruência - que as enfermeiras sejam verdadeiras em suas interações; a
empatia - que sejam sintonizadas com os sentimentos de seus clientes; e o calor
- que se refere à aceitação positiva do outro, traduzida pela linguagem
corporal, pelo toque, pelo tom de voz... Tudo isso, em um conjunto harmonioso,
pode transmitir a compreensão empática, indispensável numa relação de cuidado.
Neste contexto, atenção, afeto, respeito, compaixão, reciprocidade... Todos são
fatores que demonstram sensibilidade e amor, sem os quais o cliente percebe-se,
e na verdade o é, objeto do cuidado, mero depositário de procedimentos e
tarefas (agente passivo). Para Waldow(7), quando se imprime no cuidado
qualidades expressivas como as enunciadas, a cuidadora não mais realiza
procedimentos em alguém, mas reflete junto e realiza uma ação integrada, com
alguém, com envolvimento e responsabilidade, o que proporciona crescimento para
ambos os envolvidos na relação do cuidado.
Alguns sujeitos da pesquisa explicitaram esses fatores na relação com a equipe
de enfermagem. Tomamos como exemplo "João". Quando questionado sobre sua
posição no cuidado de enfermagem hospitalar fez questão de ressaltar a atenção
e a presença física da enfermagem neste espaço, que resultaram em benefícios
tanto físicos, quanto emocionais:
Na internação, às vezes eu sentia que a enfermagem se deu para mim.
No momento, eu fui um cliente meio revoltado, mas depois, com o
tempo, fui aceitando, foi legal, eu gostei muito de ficar no
hospital...(João)
Lançamos-lhe um olhar de questionamento e João completou:
Sério...(breve pausa). O atendimento foi maravilhoso! Porque a
enfermagem me ajudou muito... Eu cheguei com sessenta e seis quilos e
hoje já estou com sessenta e nove quilos. A enfermagem foi muito
presente, muito atenciosa. (João)
Podemos analisar o discurso de 'João'sobre várias vertentes. Na primeira, ele
nos sinaliza as diferentes fases e/ou sentimentos que acompanham o cliente no
processo de hospitalização, destacando, dentre estes, a revolta e a aceitação.
Ressaltamos que, associadas a estas, outras fases também podem acompanhar o
momento de internação, como a negação, a adaptação e o ajustamento. Vale
salientar que, o que diferencia estas fases, na nossa maneira de ver e que foi
confirmada pelos depoimentos dos sujeitos, é justamente a experiência de cada
um no espaço de demarcação institucional, que, como já nos referimos, guarda
também uma estreita relação com as influências externas a este meio.
No caso de 'João', o sentimento inicial de revolta foi, gradativamente, se
transformando em aceitação, segundo ele, pela experiência positiva de cuidado
que vivenciou no hospital, que marca a segunda vertente de seu discurso. Ele
ressaltou a recuperação visível no seu corpo físico (o aumento do peso
corporal), relembrou o estado emocional com o qual chegou no hospital e a
maneira atenciosa com que foi cuidado pela enfermagem.
A respeito dessa interação positiva no cuidado, Ferreira(8) relata que "Ao
cuidarmos do outro estamos realizando, não somente uma ação técnica, como
também uma ação sensível, que envolve o contato entre humanos através dos
órgãos dos sentidos (da pele no tocar, do olhar, do ouvir, do olfato, do
falar...)". Este espaço intersubjetivo de cuidado colabora com a comunicação e
a interação entre os que dele participam.
Também não se pode deixar de considerar a terceira vertente de sua fala, agora
relacionada à solidão. Assim, o fato de 'João'viver sozinho no Rio de Janeiro
pode ter contribuído, embora não determinado, nesta relação 'harmoniosa'com a
equipe de enfermagem. Ele é natural do estado do Pará e ressente-se da falta de
amigos e da família, ficando reduzido a um grupo muito restrito de convivência.
Relata ter apenas uma vizinha com a qual se relaciona socialmente e, por conta
dessa solidão, pensa em retornar a sua cidade natal:
"Eu sou só, eu vivo só, saio muito para cinema e teatro com uma
vizinha minha amiga. Eu estou até pensando, depois de uma visita que
fiz a minha terra (Pará) e encontrei amigos de infância e alguns com
a mesma doença minha, lá, tudo é mais tranqüilo! Porém, tenho que ter
certeza que eu terei meu tratamento, para poder viver" (João).
Observamos, nas expressões não verbais de João, o contentamento ao ter
identificado amigos com o mesmo diagnóstico no seu estado de origem, o que o
fez desejar estar de volta ao Pará, além, é claro, da vontade de retornar ao
seio familiar. Lá, segundo o que deixou transparecer, não seria o único, o
diferente, o estigmatizado...
Apesar de considerar satisfatória sua experiência de cuidado com a enfermagem,
declarou:
"Essa figura (referindo-se à produção do Almanaque) me lembra que no
começo da doença, digamos assim, fiquei muito preocupado (...). Não
adianta ficar triste, nem reclamando... (João).
Há de se considerar, no entanto, que o fato de ter atribuído à sua experiência
de cuidado uma qualidade positiva, não significa, necessariamente, que sua
posição neste cuidado tenha sido de participação, de integração, pois seu
discurso polifônico não evidencia uma construção crítica-reflexiva acerca do
cuidado, no entanto, remete ao referencial de gênero. Vejamos:
(...)Quando eu soube que estava com AIDS, minha reação foi normal,
tranqüila. Até hoje, eu nunca chorei... Nunca chorei (deu um tom de
voz muito triste e baixo) Acho que é pior a pessoa que fica se
lamentando... Eu nunca chorei e nem vou chorar (pausa)" (João).
A construção da identidade de gênero marcou o seu discurso. Sabemos que a
sociedade estabelece diferentes papéis para o que seja esperado de um
comportamento feminino e masculino. Esses papéis são demarcados conforme a
cultura, a classe social, o grupo étnico e outras categorias. Vale lembrar que
'João'é nortista e heterossexual. Logo, sua posição de não reclamar, não se
lamentar e, sobretudo, de não chorar, é perfeitamente justificável quando
situada na perspectiva do gênero.
Prosseguindo, após alguns momentos de reflexão, 'João'concluiu:
"Acho que a minha melhora foi porque as enfermeiras me tratavam como
amigo. Foi fundamental o atendimento delas, foi maravilhoso! Eu tenho
muito que agradecer. É bom ter quem tome conta, quem cuide... Porque
eu sou só, mesmo sem ser nada seu elas cuidam" (João).
As falas de 'Pedro', 'Margui', 'Ricardo' e 'Jorge'reforçaram as qualidades
positivas do cuidado da enfermagem hospitalar. Vejamos a seguir:
'Pedro' tem vinte e três anos de idade e há três tem ciência de seu
diagnóstico. Foi muito participativo durante a produção de dados. Relatou que
só passou por um episódio de internação em decorrência da AIDS, por quinze
dias. Sobre o cuidado de enfermagem, declarou:
"Foi muito bom, com bastante atenção" (Pedro)
'Margui' relata ter contraído a AIDS há um ano e meio. Já passou por vários
episódios de internação, tendo sido apenas um em decorrência da AIDS, pois além
desta, possui o diagnóstico de epilepsia e câncer uterino. Aparentou
tranqüilidade durante todo o nosso encontro. Diferente de 'Pedro',
'Margui'afirmou que não se preocupa com a divulgação do diagnóstico da doença
no seu ciclo sócio-familiar. Ao questioná-la sobre sua experiência no cuidado
de enfermagem, ressaltou:
"Tive toda atenção no cuidado, até porque sou ex-funcionária da casa
e conheço quase todo mundo (...) Todos tinham muita paciência comigo"
(Margui).
É oportuno considerar que a experiência positiva de 'Margui' com o processo de
hospitalização e com o cuidado de enfermagem em si pode ter relação com a sua
situação de pertença ao grupo. Como a própria mencionou, já foi funcionária do
hospital, cenário deste estudo, e acredita que este fato possa ter contribuído
com as relações estabelecidas neste espaço durante o período de internação.
Já 'Ricardo', um jovem de 23 anos, soube do diagnóstico da doença há cerca de
dois meses que antecederam a produção de dados da pesquisa. Neste ínterim,
esteve internado por um período de vinte e dois dias. Embora as circunstâncias
de sua internação hospitalar tenham sido bastante desfavoráveis, uma vez que
internou com quadro clínico de meningite e foi notificado, posteriormente, que
era portador de HIV, ele fala com muito entusiasmo de sua experiência no
cuidado de enfermagem. Questionado sobre sua posição neste cuidado,
'Ricardo'afirmou:
"Eu tinha uma relação maravilhosa! Quando elas (a equipe de
enfermagem) chegavam (na enfermaria de isolamento) eu ajudava a
trocar a minha roupa de cama, pois eu estava sozinho no isolamento
por causa da meningite (...) Mas eu tinha um lugar no trabalho delas"
(Ricardo).
Pesquisadoras: De que maneira você participava do cuidado?
Ricardo: Às vezes eu queria falar, mas não tinha com quem, pois
estava no isolamento, só quando entrava alguém (...) Mas, tudo que eu
precisava... Às vezes, eu chorava e elas vinham e me acalmavam, eu
pedia e elas ligavam para a minha família. Então, eu tinha
participação no trabalho delas. Fui sempre tratado como um ser humano
em tratamento para ficar bom, com todo o respeito.
Sua fala é elucidativa no sentido de mostrar a importância da valorização do
desejo do outro, do entendimento daquilo que é necessário e de interesse do
cliente num dado momento ou circunstância. É importante frisar que, para que
isso efetivamente ocorra, é mister o envolvimento da equipe de enfermagem,
demonstrando preocupação, atenção, afeto, respeito... como requisitos
indispensáveis no cuidado humano.
Nessa linha de pensamento, Franco et al(9) ressaltam como pressupostos básicos
para um relacionamento efetivo o oferecimento de apoio, que pode ser
manifestado de diversas maneiras: "quando ficamos ao lado da pessoa enferma/
sadia atendendo as suas necessidades expressas verbalmente ou não, quando
oferecemos segurança e até quando paramos para ouvi-la".
Isso sugere que a relação equipe de enfermagem-cliente, neste estudo, defendida
como dialógica, pode ocorrer sob diferentes formas de comunicação, tais como, o
olhar, o toque, o afago, a linguagem corporal, a fala...
Para Freire(2), numa relação vertical, em que há ausência de uma experiência
dialógica e de participação, as pessoas tornam-se inseguras e incapazes de
tomar decisões. Ao tempo em que, quando se estabelece uma relação de
reciprocidade, desvela-se um processo interativo.
Nesse ponto, o fato de 'Ricardo'estar numa enfermaria de isolamento em função
da meningite, poderia tê-lo deixado bastante descontente naquele momento,
inclusive numa posição de rejeição aos cuidados necessários à sua recuperação.
No entanto, a maneira pela qual experimentou esse momento o fez reagir
satisfatoriamente. Segundo ele, isso foi possível graças a relação de ajuda-
confiança que estabeleceu com a equipe de enfermagem.
Esta relação também se fez importante na mediação de um conflito familiar que
resultou em mais uma experiência positiva de cuidado. Vejamos:
Ricardo: (...) "Na internação hospitalar contei para minha mãe que eu
era homossexual e apresentei meu namorado a ela. Hoje vivemos todos
bem (...) Para mim, o Hospital do Andaraí é tudo, a enfermagem sempre
muito atenciosa e prestativa. Sempre conversando e informando, me
ajudou muito a contar a minha verdade. A enfermagem é tudo!"
A este respeito, Watson(6) destaca em um dos seus pressupostos sobre a ciência
do cuidado que "O ambiente de cuidado é aquele que oferece o desenvolvimento do
potencial enquanto permite que a pessoa escolha a melhor ação para si mesma em
um determinado momento". Neste contexto, a internação hospitalar propiciou ao
cliente deixar emergir sua verdade sexual e conjugal junto aos familiares e,
como declarou, com o apoio da enfermagem. Isto ocorreu porque foi garantido ao
cliente o direito de expressar seu desejo, de experienciar o diálogo como
facilitador do autocrescimento e da auto-realização.
Em síntese, a atenção e a presteza como parte da relação dialógica, expressa
sob diferentes formas com a equipe de enfermagem, gerou no cliente a confiança
necessária para superar sua posição de oprimido e assumir uma postura de auto-
aceitação e credibilidade para tomar decisões.
Segundo Freire(2), a premissa básica daqueles que realizam o processo educativo
é propiciar o fortalecimento pessoal dos seres humanos com quem interagem. O
importante é ajudar o ser humano a ajudar-se, é fazê-lo agente de sua
transformação. Com uma postura comumente crítica, Freire também assinala que a
aquisição de habilidades é um processo social e não simplesmente individual, no
qual a participação do indivíduo é indispensável.
Colaborando com a presente discussão, ressaltamos um pressuposto básico de
Watson(6) que ressalta: "A mente e as emoções da pessoa são as janelas de sua
alma. O atendimento de enfermagem pode ser e é físico, de procedimentos,
objetivo e factual, mas, no nível mais elevado da enfermagem, as respostas do
cuidado humano, as transações de cuidado humano e a presença das enfermeiras no
relacionamento transcendem o mundo material físico limitado pelo tempo e pelo
espaço e fazem contato com o mundo emocional e subjetivo da pessoa como rota
para o ser interior e o sentido mais alto do ser".
Pelo exposto, concordamos com a fala de Watson(6) quando refere que, como a
ciência do cuidado varia do biofísico até o intrapessoal, cada enfermeira
torna-se uma ativa participante na luta do cliente pela auto-atualização. Além
disso, o cliente é colocado no contexto da família, da comunidade e da cultura.
Prosseguindo, as palavras de 'Jorge'também evidenciaram uma experiência
positiva no cuidado:
"(...) Essa figura (referindo-se à produção do Almanaque) me lembra
como foi tranqüila a minha internação! Na primeira vez, eu estava
muito ruim, mas nas outras, eu estava melhor e foram sempre
tranqüilas".
Jorge tem quarenta e três anos, há um ano soube que estava com AIDS. Acredita
ter contraído a doença através de sua namorada, cujo ex-marido morreu há seis
anos em decorrência do mesmo diagnóstico. Já esteve internado por três vezes em
curtos períodos. Permaneceu bem humorado e sorridente durante todo o nosso
encontro. Quando questionado sobre sua posição no cuidado de enfermagem,
declarou:
"Tudo que eu queria saber eu perguntava e elas (a equipe de
enfermagem) me respondiam, me informavam (...). A enfermagem tem uma
vida nas mãos dela, aquele amor que elas tratam ajuda a ficar bom".
(Jorge)
Nessa linha de reflexão, Boff(10) relata: "Numa palavra eu diria que o ser
humano é um projeto infinito (...). O cuidado sempre acompanhou o ser humano
durante seu ciclo de vida". Assim, o cuidado é mais que um ato, é uma atitude,
é uma necessidade, e estas manifestam-se de várias formas: afetiva, espiritual,
material...
Cabe reforçar que a proposta de cuidado que defendemos junto ao cliente vivendo
com AIDS no ambiente hospitalar, permeia dar voz a este sujeito, o que vem ao
encontro das palavras de Freire(2) quando destaca que "a partir do diálogo, é
possível o encontro com o outro, e no qual a reflexão e a ação inseparáveis
daqueles que dialogam, orientam-se para o mundo que é preciso transformar e
harmonizar..." Assim, complementa o autor, "o amor é ao mesmo tempo o
fundamento do diálogo e o próprio diálogo, e não pode surgir numa relação de
dominação".
O cuidado humano, na concepção de Watson(1), vem resgatar valores em que se
cultiva a sensibilidade, a criatividade, a comunicação, a solicitude e outros
aspectos valorizados na visão holística de cuidar. Nessa mesma perspectiva,
Waldow(7) salienta que "No processo de educar para o cuidado humano, é
necessário a conscientização como um valor e imperativo moral, sensibilização e
conseqüentemente exercício. O cuidado humano é um processo de empoderamento, de
crescimento e de relação de nossa humanidade". Assim, conduz-nos a um
relacionamento recíproco, na maneira de ver de Watson(3).
Isto sugere que encontramo-nos, clientes e profissionais no espaço do cuidado,
com nossas singularidades e modos de viver, numa relação humano para humano.
Deste modo, afetamos e somos afetados neste espaço, porque ambos vivenciamos
esse momento e expressamos, no plano intersubjetivo do cuidado, nossas
implicações enquanto humano que cuida de humano.
Neste contexto:"Nas atitudes de cuidado é que encontramos a essência da
expressão humana, pois somente o ser humano é capaz de sentir com emoção,
imprimir emoção nos atos e expressar emoção nas atitudes, entendendo-as como
tomada de posição que resulta da inter-relação que se estabelece entre o
conhecimento e o afeto. É aí que está a verdadeira dimensão humana do cuidado"
(11).
A sensibilidade expressa na solidariedade com a dor do outro é um dos elementos
para nós essenciais no processo de cuidar. Em casos como os de doenças crônicas
incuráveis, a exemplo da AIDS, a convivência com a doença afeta não somente o
indivíduo vivendo com AIDS, mas todo o seu ciclo sócio-familiar; e os
profissionais de saúde, em especial, a equipe de enfermagem, passa a integrar o
cotidiano desse doente a partir de seu vínculo com o hospital.
Waldow(7) acrescenta que o cuidado humano é uma atitude ética em que os seres
humanos percebem e reconhecem os direitos uns dos outros. Pessoas se relacionam
de forma a promover o crescimento e o bem-estar. Enfatiza ainda que: "No
cuidado humano existe um compromisso, uma responsabilidade em estar no mundo,
não apenas para fazer aquilo que satisfaz, mas ajudar a construir uma sociedade
com base em princípios morais. Isto permite construir uma história da qual se
tenha orgulho"(7).
Neste estudo, os clientes vivendo com AIDS qualificaram a atenção e a presença
física como requisitos indispensáveis no cuidado humano, expressos na
experiência dialógica e na participação do cliente em todas as etapas do
cuidado. Essas dimensões expressivas revelaram a importância da ação sensível
que, no espaço intersubjetivo de cuidado, colaborou com a comunicação e a
interação entre a equipe de enfermagem e o cliente. Deste modo, foi possível
constatar através do discurso dos sujeitos participantes da pesquisa que, a
atividade expressiva, aqui manifesta pela atenção e a presença física, é um
cuidado fundamental junto ao cliente vivendo com AIDS.