Percepção dos profissionais de saúde sobre a comunicação com os familiares de
pacientes em UTIs
PESQUISA
Percepção dos profissionais de saúde sobre a comunicação com os familiares de
pacientes em UTIs
Perception of helthcare professionals about communication with relatives of ICU
patients
Percepción de los profesionales de salud con respecto a la comunicación con los
familiares de pacientes en UTIs
Kátia Massuda Alves Batista dos SantosI; Maria Júlia Paes da SilvaII
IMestre em Enfermagem. Enfermeira de Educação Continuada do Hospital e
Maternidade São Cristóvão. kmassuda@usp.br
IIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Medico-Cirúrgica da Escola
de Enfermagem da Universidade de São Paulo. juliaps@usp.br
1. INTRODUÇÃO
A comunicação é um processo dinâmico envolvendo um intercâmbio de mensagens
enviadas e recebidas que influenciam no comportamento das pessoas a curto,
médio ou longo prazo(1). Sua finalidade é possibilitar ao profissional de saúde
e ao paciente delinearem as necessidades a serem atendidas, para ajudar a
pessoa que está sendo cuidada sentir-se um ser humano digno e com autonomia
para solucionar seus problemas, visando a promoção, manutenção e recuperação de
sua saúde física e mental, como também encontrar novos padrões de comportamento
diante de uma situação inesperada(1,2).
Embora a comunicação efetiva seja fundamental para o exercício da prática
profissional, podemos observar em muitos estudos(3-8), a existência de aspectos
que interferem negativamente na interação entre profissionais de saúde e
familiares. A sobrecarga de trabalho ou a falta de tempo(3,5,6,8), a supremacia
dada a rotina de trabalho em relação a interação com o familiar(4,6,8), a falta
de treinamento(5), a exclusão da família no processo de cuidar do paciente
(4,5,7,8), constituem os aspectos negativos relacionados. Outro aspecto
estudado que interfere negativamente na interação entre profissional e família,
são as situações com alta demanda emocional, como a piora das condições
clínicas do paciente(3,5,8). Os enfermeiros sentiram-se ineficazes e com
dificuldade para oferecer assistência à família. Como conseqüência, os
profissionais tentaram proteger-se a si mesmos por meio do distanciamento,
evitando um envolvimento pessoal com a família; alguns até observaram que se
tornaram duros e sem compaixão(8).
Por outro lado, os aspectos que interferem positivamente na interação entre
profissional e família foram relacionados com o interesse do profissional em
conhecer o familiar como uma pessoa, e seu desejo em estabelecer essa relação,
a espontaneidade em mostrar seus sentimentos ou falar sobre algumas informações
pessoais, ouvir e responder as questões da família(3,4,8). A empatia dos
enfermeiros pelo familiar também colaborou de forma positiva para a interação
entre profissionais de saúde e familiares(5,8).
A habilidade dos enfermeiros em interagir com os familiares foi aprendida com o
passar do tempo, pelas suas experiências pessoais e profissionais; quando
estabelecidas com sucesso, otimizam o tempo de trabalho do enfermeiro e influem
positivamente também nos cuidados com o paciente(8). Foi observado que os
profissionais de saúde não comentaram sobre a necessidade de discutir as
estratégias adotadas pela família para enfrentar a hospitalização de um
familiar(3,8). Porém, a insegurança dos enfermeiros foi óbvia durante a
comunicação com os familiares, ao conversar sobre as dificuldades emocionais
dos membros da família(8). Por intermédio desses estudos observa-se que há
aspectos que interferem negativamente e outros positivamente no estabelecimento
das interações.A saúde física e emocional dos membros da família é afetada
quando um deles sofre alteração em seu bem estar(9). Diante disso, percebemos
que estamos frente a um ser que não precisa necessariamente de condutas
terapêuticas, mas com certeza, de cuidado. Um cuidado que requer a articulação
da compaixão, consciência, competência e confiança(9,10).
2. OBJETIVO
- Verificar como os profissionais de saúde percebem a comunicação com os
familiares de pacientes internados em UTI.
3. METODOLOGIA
3.1 Tipo de estudo: trata-se de um estudo exploratório descritivo e de campo.
3.2 Local do estudo: foi realizado em uma Unidade de Terapia Intensiva UTI) da
Clínica Médico Cirúrgica de um hospital privado de porte médio, da cidade São
Paulo. Nesta unidade existem 12 leitos e uma equipe multiprofissional composta
de enfermeiros, auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem,
fisioterapeutas, médicos intensivistas e nutricionistas. As nutricionistas não
surgem na análise dos dados porque, no momento das visitas hospitalares na UTI,
não foi observada nenhuma interação entre elas e familiares.
3.3 População: constituiu-se de 37 profissionais de saúde que atuaram com
familiares de pacientes internados na UTI.
3.4 Procedimentos de coleta dos dados: previamente, foi obtida a autorização do
Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição participante do estudo. Os
participantes do estudo foram informados quanto ao objetivo do trabalho, e
aqueles que concordaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, conforme a resolução CNS 196/96, sendo-lhes garantido o anonimato
das respostas. Foi aplicado um questionário para verificar o perfil dos
profissionais de saúde e, a seguir, foram realizadas entrevistas, gravadas em
fita cassete, com a questão norteadora: como é para você comunicar-se com a
família de um paciente internado na UTI? As entrevistas foram encerradas quando
não surgiram mais conteúdos novos a respeito do fenômeno investigado. O período
de coleta dos dados ocorreu entre 10 de março e 9 de abril de 2004.
3.5 Tratamento dos dados: Para as entrevistas, o referencial usado para a
análise de conteúdo foi o proposto por Bardin(11), que sugere as seguintes
etapas para análise do material: pré-análise, exploração do material e
tratamento dos resultados. A análise de conteúdo é um recurso que analisa a
comunicação para além de seus significados imediatos e utiliza procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.
4. RESULTADOS
Aceitaram participar do estudo 37 profissionais de saúde, sendo dez
enfermeiros, nove médicos, quinze técnicos de enfermagem, dois fisioterapeutas
e um psicólogo. Os profissionais apresentaram idade média de 32 anos, variando
entre 21 e 52 anos. Em relação a variável sexo, verificou-se predomínio do sexo
feminino 25(67,5%) sobre o sexo masculino 12(32,4%). Os enfermeiros, sem
exceção, eram do sexo feminino. O tempo médio de formado foi de oito anos,
variando entre menos de um mês e vinte anos, e o tempo médio de experiência do
profissional foi de sete anos, variando entre quatro meses e vinte e um anos e
meio. O tempo de experiência foi maior que o tempo de formado, porque alguns
profissionais já atuavam em UTI, embora exercendo outra função na área da
saúde.
A partir das falas foi possível perceber duas grandes categorias que descrevem
a percepção dos profissionais quanto a comunicação com os familiares: categoria
1-Aspectos que dificultam a comunicação com os familiares (n=57) e, categoria
2-Aspectos que facilitam a comunicação com os familiares(n=36).
Categoria 1- Aspectos que dificultam a comunicação com os familiares
A categoria 1 prevaleceu em relação à categoria 2. Resultado nada
surpreendente, considerando-se a complexidade do processo de comunicação somada
aos problemas inerentes ao ambiente UTI.
Na subcategoria 1 - Informações incompreendidas(n=22), as falas indicam que as
mensagens verbais emitidas pelos profissionais de saúde nem sempre são
compreendidas pelos familiares. Por outro lado, a dificuldade da família
compreender as mensagens acaba refletindo nos sentimentos e comportamentos dos
profissionais no momento do diálogo com o familiar no horário da visita
hospitalar. Nas falas, surge a reflexão sobre a própria comunicação entre os
membros da equipe da saúde, que também repercute na compreensão e consistência
das informações dadas aos familiares. O fato da família poder interpretar mal
as informações, faz com que os técnicos e auxiliares de Enfermagem forneçam um
menor número de informações possíveis, ou até mesmo, fiquem calados e solicitem
a presença dos enfermeiros para atender os familiares.
"Às vezes, eu me calo e falo: aguarde um pouco que a enfermeira vem
conversar, só isso". (E25)
Sentir que a comunicação com a família de pacientes internados em uma UTI é
difícil, às vezes até cansativa, também foi um aspecto manifesto pelos
profissionais de saúde diante de informações incompreendidas.
"Eu acho que é a parte mais cansativa da UTI, conversar com o
familiar. Às vezes, até pela dificuldade de até falar uma coisa e aí
saber que a família não vai entender, não entende". (E17)
As falas também demonstram que, especificamente os profissionais de Enfermagem
de nível médio, sentem que a família não valoriza suas informações.
"[...] muitas vezes, a nossa comunicação com a família fica difícil,
por que a própria família não quer conversar com os técnicos, para
ela é mais importante conversar com o médico". (E15)
Exclusivamente nas falas dos profissionais de nível médio revelou-se um certo
grau maior de dificuldade para fornecer informações aos familiares, comentando
até que a família interrogaria menos sobre o estado geral dos paciente se
houvesse maior abertura para todos os profissionais da Enfermagem conversar com
ela.
"Sabe, às vezes, você fica naquela angústia, peito doendo, você não
pode chegar e conversar. A gente fala 'ah! o enfermeiro vai falar com
o senhor', e você doida para falar 'fez isso, abriu o olho, ele mexeu
a perna', mas a gente não tem esse acesso. Eu acho que se a
Enfermagem fosse mais aberta para conversar com a família, seria
diferente, não interrogariam tanto, sairiam daqui com uma expectativa
maior, mas, infelizmente, não é assim". (E14)
Percebemos nas falas que a incompreensão das informações fornecidas pelos
profissionais de saúde aos familiares, pode estar relacionada também com o
baixo nível socioeconômico e cultural, o uso de termos técnicos, o fato do
profissional sentir que assistir o paciente é prioridade e a falta de coerência
nas informações fornecidas.
A perda de informações entre um plantão e outro é outra possível causa da
incompreensão das informações; particularmente o plantão noturno, dificulta aos
profissionais de Enfermagem responderem ou atenderem algumas questões dos
familiares, e assim, acabam fornecendo uma resposta com certa incoerência
apenas para evitar dúvidas.
"Não que a gente não saiba, mas muitas informações se perdem. Às
vezes, perguntam, a gente fica com uma cara de interrogação de certas
coisas que a gente não sabe responder[...] e temos que ter um jogo de
cintura para poder contornar aquela situação e dar uma resposta um
pouco coerente, para não ficar um vazio". (E32)
Na subcategoria 2 -A gravidade do paciente (n=10), as falas destacam a
intensidade do desafio dos profissionais ao abordarem a família quando as
condições clínicas de seu familiar internado é grave.
"A parte mais difícil é quando você tem que contar para a família que
o paciente não está evoluindo de acordo como a gente gostaria... aí
que a nossa intervenção é mais importante, no sentido de acalmar a
família, de deixá-los mais tranqüilos quanto aos procedimentos, de
dizer realmente o que estamos fazendo". (E1)
Neste discurso é possível perceber que a dificuldade em comunicar-se com a
família é a de informar que tudo o que foi feito com o paciente não obteve
resultados satisfatórios, ou seja, o paciente não está evoluindo conforme as
expectativas da equipe da saúde. Observamos que não foram citadas intervenções
que ofereçam um suporte emocional aos familiares ou que respondam outras
dúvidas, não necessariamente sobre os procedimentos que o paciente está sendo
submetido.
"Eu nunca parei para pensar por que eu fico constrangida, mas eu
acredito que é por isso. Às vezes, a pessoa acredita na vida daquela
pessoa e você, que têm mais experiência e está lá dentro, sabe que
aquela pessoa não vai sair; então, você tem que dar uma esperança
falsa para o familiar". (E3)
Notamos que o profissional não havia refletido sobre as causas de seu
constrangimento diante da necessidade de dar uma notícia ao familiar sobre a
gravidade do paciente. Acredita que, talvez, seja por saber que o paciente já
está muito próximo de sua finitude, porém sente que a família crê "na vida
daquela pessoa", acaba dando-lhe uma falsa esperança. Em outra fala, apesar de
referir sobre a necessidade de fornecer informações claras e fidedignas aos
familiares, hesita em "abrir tudo"(falar toda a verdade à família) diante de um
paciente grave. Assim, falsa esperança e informações incompletas podem ser
dadas à família que tenha um paciente em estado grave na UTI.
"Eu acho complicado, principalmente quando o paciente é grave, de
explicar, até onde posso falar (para os familiares), se eu devo abrir
tudo mesmo". (E35)
A seguir, observamos que o profissional de saúde diante de um paciente grave,
tende a falar mais tecnicamente e de forma mais geral, com os familiares, para
evitar seus questionamentos.
"Por que o paciente que está na UTI é um paciente mais grave, né?
Então é difícil. Essa paciente que está aí agora mesmo. Foi muito
difícil para mim. Eu até procurei falar mais tecnicamente (com o
familiar) para não ficar explicando muitos detalhes, para não entrar
muito no porquê, porque tem muito disso, paciente está com "dobuta"
(medicação), mas eu procuro, assim, falar de uma forma mais geral,
mas eu acho difícil". (E11)
A próxima fala torna explícito como a gravidade do paciente reflete no modo
como os profissionais de saúde comunicam-se com a família. Observamos que a
complexidade do estado geral de um paciente, na fala de um profissional de
saúde, torna a comunicação com o familiar mais complicada.
"[...] Quando o paciente é mais instável, já fica mais complicada a
comunicação. Você tem que usar um tom de voz como se fosse respeito.
Então, você não consegue brincar tanto é mais formal do que
informal". (E27).
Fica claro ainda que a maneira de comunicar-se com a família muda conforme o
estado do paciente e do familiar, sendo formal, alterando até o tom de voz
quando, clinicamente, o paciente é grave; e informal, havendo até brincadeiras,
quando as condições clínicas do paciente são estáveis ou, até mesmo, tendo
muito cuidado com o que é falado aos familiares que estão agressivos para não
ter reclamações posteriores.
Na subcategoria 3 -Dinâmica da unidade (n=9), as falas dos profissionais
relatam suas dificuldades em contatar com a família, quando há atividades que
são ou devem ser realizadas no horário da visita. A dinâmica da unidade
retratada na falta de tempo, falta de pessoal, intercorrências e telefonemas,
são aspectos encontrados nas falas que dificultam a comunicação com os
familiares.
"O número de funcionários, às vezes, é pouco para estar atendendo
todo mundo, tem uma enfermeira só. Às vezes, a gente vai falar para
aliviar um pouco e, quando chega em um assunto que a gente não
consegue e nem pode falar, daí a gente chama a enfermeira". (E5)
"Infelizmente, a gente fica muito presa ao telefone. E é
impressionante, geralmente é bem nos horários da visita". (E7)
Na fala a seguir, notamos que a interação entre profissional e família fica
prejudicada, pois o profissional até "foge" da família em razão da dinâmica
atribulada da unidade, porque não pode "perder tempo" com os familiares.
"Muitas coisas, tempo, não é todo dia que eu tenho tempo de perder 15
minutos com uma família; só que, quando eu sei que eu não vou ter
tempo para conversar, eu nem entro para conversar, eu até fujo da
família um pouco". (E9)
Na subcategoria 4 -Grau de conhecimento do paciente e familiar(n=7), as falas
revelam que o grau de conhecimento do paciente e familiar influencia na
comunicação com o familiar.
Quando não existe esse conhecimento, percebe-se uma necessidade premente desses
profissionais em conhecerem previamente as condições clínicas do paciente, para
que informações precisas possam ser dadas para os familiares e amenizar sua
sensação de desconforto (sentimento que é difícil, que incomoda). Observável,
também, é a decisão do profissional não conversar ou conversar superficialmente
com a família, desviar o assunto ou sentir que fica "estampado" em sua face
quando não sabe de forma precisa o que está falando, por que não houve tempo
hábil de conhecer previamente os dados clínicos dos pacientes internados na
UTI, preferindo até mesmo estar com o paciente a ficar com a família.
O conhecimento insuficiente da evolução clínica do paciente está relacionado
com a falta de comunicação adequada entre os componentes da equipe, na passagem
de plantão e, o horário de visita que dificulta ao profissional, que está
iniciando o seu turno de trabalho, avaliar previamente o doente antes do
contato com a família e, portanto, fornecer adequadamente as informações.
"Quando você não sabe responder uma coisa, você começa a desviar para
outro assunto, para fugir daquilo. Isso me incomoda, por que eu sou
extremamente exata nas minhas coisas, então se eu não sei, fica na
minha cara quando eu não sei aquilo que estou falando.[...] Então, é
assim, durante todo o trabalho na UTI eu prefiro mil vezes mais estar
com o paciente do que com a família". (E37)
O acompanhamento fragmentado das condutas terapêuticas de um indivíduo
hospitalizado, expresso por alguns médicos, interfere em saber com exatidão
todos os dados da evolução do paciente e o grau de conhecimento da família
sobre o diagnóstico e prognóstico do familiar internado. As fases emocionais da
família durante a hospitalização do paciente, aceitação, negação, raiva e
barganha, foram aspectos observados em uma das falas. Ter noção da fase em que
a família se encontra provavelmente facilitaria a comunicação entre o
profissional e familiar.
"Um dos problemas é da falta de continuidade, é não saber, primeiro
porque o paciente não é seu, e segundo porque você não sabe o que a
família sabe. Porque tem médico que se esconde, tem médico que fala
demais. Médico teve uma reclamação (a família reclamou que o médico
referiu que seu familiar estava grave) porque a família achou que o
colega falou que o paciente estava grave e não poderia ter falado e,
realmente, estava. Então, quer dizer, você vai pegar várias fases, de
aceitação, de negação, de raiva e barganha. Você não sabe qual fase
está a família, mas você se expõe pra caramba. Isso é um grande
problema". (E37)
Nas falas observamos também que conhecer o paciente foi mais preponderante, e
que conhecer a família não envolve saber suas estratégias de sobrevivência para
se adaptar ao processo de hospitalização de um familiar. Evidencia-se a
centralização do cuidar no paciente.
"Às vezes, não é nem o tempo da visita, eu não tive tempo antes de
ver como o paciente está, de ver o que ele teve de evolução para
estar passando alguma coisa real para ele. Aí, também, eu vou tentar
não conversar ou conversar superficialmente". (E9)
"À noite é pior, termina de pegar o plantão e a família já entra. Se
é um paciente novo, às vezes, mesmo que você pegue o plantão, você
sabe muito pouco, você não sabe direito". (E11)
Na subcategoria 5 -Dificuldades no jeito de ser do profissional(n=5), as falas
retratam a influência da percepção que um profissional possui sobre si mesmo, à
maneira como se expressa com a família.
Na fala a seguir, o jeito de ser, mau humorado, ríspido e pouco prestativo,
muitas vezes, pode implicar não ficar tão próximo à família ou esperar que esta
tenha iniciativa de abordar o outro.
"Assim, às vezes, eu não fico tão perto, porque eu tenho um jeito de
ter uma cara mais fechada, dá impressão que sou uma pessoa que não
dou atenção. Então, o parente pensa, né? Essa mulher é tão mau
humorada, mas não, é o meu jeito (...) É o meu jeito mesmo, quando eu
me aproximo, eu procuro fazer o melhor para disfarçar um pouco essa
carranca que eu tenho, mas é só a carranca que eu tenho mesmo, o
coração é grandão". (E22)
O jeito de ser, compreendido neste estudo como personalidade e expresso nas
falas, demonstra como os profissionais percebem a si mesmo e em relação aos
familiares.
Na subcategoria 6 -O espaço físico inadequado (n=4), as falas descrevem
aspectos negativos durante o contato com a família, no momento da visita
hospitalar, quando esse espaço é inadequado.
A falta de um local para conversar com os familiares fica explícita em algumas
falas, sendo citado, inclusive, que no momento em que o médico está conversando
com os familiares, existem até pessoas da manutenção transitando. As condições
precárias de hotelaria causam até um sentimento de desconfiança no familiar
sobre a qualidade do atendimento, quando a pessoa internada possui um convênio
melhor ou conceituado no mercado.
"Quando vem pessoas com convênio de grupos melhores ou níveis
melhores, o conceito que as pessoas tem de hotelaria, fica uma
situação de desconfiança e, as vezes, fica um pouco mais difícil".
(E36)
"Você vai dar uma notícia importante, mas um entra e desvia
completamente a atenção, e a família fica olhando para outras coisas,
para o Rx do outro doente que está sendo visto". (E18)
Esta última fala retrata fidedignamente o cotidiano de um espaço utilizado no
momento da visita, com muitas interferências auditivas e visuais, pessoas
transitando com ou sem objetos e falando.
Categoria 2 - Aspectos que facilitam a comunicação com os familiares
A categoria 2 indica uma mobilização para a cuidado humano, pois demonstra
interesse em adentrar o espaço de vida do familiar, aproximando-se da família.
Evidencia um movimento para humanizar a UTI, porque demonstra o profissional
esforçando-se para perceber a experiência do outro, praticando a comunicação
empática, tendo paciência, sendo prestativo e procurando compreender o
sofrimento da família.
Na subcategoria 1 -Aproximar-se da família (n=19), percebemos que a aproximação
entre o familiar e o profissional ocorre basicamente de dois modos: o
profissional aproxima-se da família ou espera ser abordado pelo familiar.
Observamos que 20(54%) dos profissionais têm a iniciativa de achegar-se à
família, e 17(45,9%) esperam que a família tenha iniciativa de aproximar-se de
algum profissional. Pelas falas, é possível perceber também que o profissional
fica atento à expressão facial do familiar, sendo o olhar um dos meios que
sinaliza o momento que pode ocorrer a aproximação entre eles.
A aproximação entre médico e familiares, psicólogo e familiares,
obrigatoriamente acontece porque existe um horário determinado pela instituição
ou um horário previamente acordado entre as partes interessadas.
Quando, nas falas, os profissionais aguardam a aproximação da família,
demonstram prontidão para responder às suas dúvidas. Algumas referem que
esperam a abordagem da família porque o tempo de visita é insuficiente para que
ela esteja com o paciente. Por outro lado, uma fala alerta sobre a necessidade
do profissional de saúde saber a hora de se aproximar da família, para não
interferir indevidamente no momento em que está havendo interação importante
entre familiar e paciente.
"Logo que eles chegam no paciente, fico perto. Muitos têm o momento
deles, rezam. Você tem que saber a hora que você deve chegar". (E2).
Observamos também, pelas falas, que os profissionais de nível médio aproximam-
se literalmente da família, realizando procedimentos de Enfermagem, como
verificando os equipamentos, conversando superficialmente sobre o estado geral
do paciente, a fim de surgir "novos assuntos", falando sobre Deus com os
familiares que demonstram tristeza.
"Eu me aproximo do leito, eu verifico os equipamentos, pergunto para
o paciente se está tudo bem, muitas vezes, a gente chega na família e
verifico se dá para trazer um hidratante, um desodorante, alguma
coisa, assim, explico por que, né? É assim que eu vou chegando neles
para ver como eles reagem". (E15)
Outras falas revelam que existem momentos em que esses mesmos profissionais
aproximam-se do familiar porque percebem essa necessidade no modo de olhar da
família ou porque "sentem" sua tristeza e, não estão, necessariamente,
associados com a realização de procedimentos.
"Às vezes, eu sinto que a família está deprimida, aí eu chego lá,
falo para acreditar em Deus [...]" (E25)
O olhar do familiar é um sinal importante para indicar seu desejo de ser
abordado por alguém, caso não ocorra aproxima-se até o local onde pode obter as
devidas informações.
"É tudo no olhar. Eles ficam olhando a gente. Eles ficam procurando
ou até perguntam para alguém quem vai dar informação. Muitos chegam
até o balcão". (E9)
A sensação de que fica mais fácil quando há um conhecimento mútuo entre
profissionais e familiares, após as sucessivas aproximações, também foi
descrita nas falas.
"[...] na UTI, com pacientes mais crônicos, a maioria das famílias eu
já conheço; mesmo não gostando de falar com as famílias, já tenho uma
relação boa, ele já sabe do jeito que eu falo, fica mais fácil, do
que se eu tivesse que conhecer todos os doentes e famílias de uma vez
só". (E18)
Na subcategoria 2 -Empatia(n=7), as falas dos profissionais de saúde revelam
que a semelhança de experiências de vida entre eles e familiares ajuda a
compreender e aproximar-se mais da família.
A empatia é vista como facilitadora à convivência com a família, permitindo
falar com o outro da melhor forma possível, responder às perguntas dos
familiares, entender seu sofrimento, ter paciência e entender que a família
pode interpretar a comunicação não-verbal do profissional conforme sua
percepção, podendo julgá-lo como mal-educado, ignorante e "estúpido".
"Tem que ter paciência, ver o lado deles, né? Como o paciente que
está no leito, né? Tem que entender eles um pouco, porque de repente
pode ser a minha família que esteja na mesma situação, então, tem que
saber lidar com aquela família [...]" (E24)
Dessa forma, quando nas falas a comunicação é empática, podemos dizer que há
uma mobilização dos profissionais para a humanização da UTI.
Na subcategoria 3 -Experiência profissional (n=5), as falas também deixam claro
que a experiência profissional facilita a comunicação porque favorece a
percepção das reações dos familiares (defensiva, agitação, preocupação)
mediante o que é falado, ajuda discernir o que é importante para diminuir a
ansiedade do familiar, beneficia o conhecimento e visão do quadro geral do
paciente.
"Então, para passar para alguém, você fica meio receoso, tipo "ah! o
que vão me perguntar? O que eles vão querer saber?" E se eu não
souber responder... Acho que até gera um pouco de ansiedade no
início, mas conforme você vai tendo um pouquinho mais de experiência,
vai se acostumando e, como disse antes, conhecendo o quadro, e tendo
uma visão legal do paciente, tranqüilo. Isso vai sendo eliminado com
o tempo". (E10)
"Os anos da profissão ajudam a discernir melhor que isso (a
comunicação) é importante para diminuir a ansiedade da família, do
paciente e ajudar na recuperação". (E13)
Na subcategoria 4 -Idade avançada do familiar (n=3), as falas demonstram que a
idade é uma característica da pessoa que pode determinar o tipo de aproximação.
Há evidências nos discursos de que o idoso, só pela sua idade, estimula a
aproximação do profissional.
"[...] nos mais idosos, vou direto; é necessário que a gente vá até
eles. Eles não vão chamar, às vezes chamam, mas ficam assustados. É
como se fosse uma criança também, que vê aquilo tudo diferente. Agora
quando são mais novos, eles chamam". (E5)
Percebemos que existe uma crença, um valor estimulando o profissional à
aproximar-se do idoso. Crença que favorece o acolhimento, embora colabore com o
estigma do idoso ser uma pessoa que retorna à infância, sendo dependente.
Na categoria 5 -Autoconhecimento (n=2), as falas constatam a importância do
autoconhecimento para entender e assistir melhor o outro, humanizando a
assistência à saúde. Em uma das falas, a mudança de valores, após uma reflexão
que provocou maior autoconhecimento, colaborou para uma melhor aceitação do
limite da saúde, permitindo ao profissional até discutir sobre a viabilidade do
tratamento terapêutico; facilitou a comunicação do profissional com o familiar,
uma vez que a relação ficou mais tranqüila e mais próxima.
"Eu já consigo trabalhar melhor isso; quando o paciente é sem
prognóstico...agora já consigo trabalhar melhor isso, inclusive com a
família; de estar orientando, falando o que é melhor, o que é pior
para o paciente. Que não é a gente quem julga, claro, não é a gente
quem decide, é o paciente e o moço lá em cima...É assim, já foi mais
difícil, agora está mais tranqüilo para mim neste sentido. Até por
que estou conseguindo aceitar mais a limitação da saúde". (E9)
O resultado dessa pesquisa valoriza a fala a seguir, em que foi possível
observar que a reflexão de suas atitudes pode levar a distinguir quais eram
realmente seus valores e quais eram os do outro, permitindo uma maior
proximidade com o outro.
"[...] E eu preciso fazer uma separação, uma distinção, para poder
estar, pelo menos, compreendendo o que é meu, o que é do outro, né? O
que são questões minhas e o que é do outro, para a gente poder estar
trabalhando isso de uma forma cada vez mais próxima é... de evolução
mesmo". (E12)
5. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos que os profissionais de saúde, no processo de comunicação com os
familiares de pacientes internados, perceberam mais os aspectos do que os que
facilitam a interação na UTI.
As dificuldades nessa comunicação foram: informações nem sempre compreendidas
pelos familiares, a gravidade do paciente, a própria dinâmica da Unidade, o
grau de desconhecimento pelo profissional de saúde da evolução clínica do
paciente, pois nem sempre têm acesso a todos os seus dados contidos no
prontuário no momento da visita hospitalar, além do desconhecimento do modo de
ser e perceber da família; dificuldades que são inerentes ao próprio jeito de
ser do profissional e espaço físico inadequado da unidade.
A conversa com a família durante o horário de visita é tida como o momento mais
difícil e cansativo da UTI, a transferência da responsabilidade da informação,
o fornecimento de pouca ou nenhuma informação, as sensações de medo e sentir-se
"encurralado" foram sentimentos e comportamentos manifestos pelos profissionais
de saúde frente às informações não compreendidas. O constrangimento, a
insegurança, o uso de uma linguagem técnica, o fornecimento de informações
superficiais, a alteração do tom de voz e uma abordagem mais formal e prudente,
foram citados pelos profissionais de saúde quando a família possui um paciente
em estado grave. Outro comportamento manifestado foi evitar a família no
momento da visita, quando a dinâmica da Unidade encontrava-se atribulada.
Sensação de desconforto, a decisão de não conversar ou conversar
superficialmente com a família foram declarados pelos profissionais quando
desconheciam o paciente e a família. No momento da visita, o espaço físico
inadequado também interfere na atenção do profissional e família durante a
interação.
Em relação aos aspectos que facilitam a comunicação, observamos o interesse do
profissional para se aproximar da família, a empatia do profissional pela
família, a idade avançada do familiar que estimula a aproximação do
profissional, o tempo de experiência do profissional e sua reflexão sobre o
autoconhecimento. Os profissionais de saúde que referiram se aproximar da
família manifestaram prontidão para responder seus questionamentos. A
paciência, uma melhor compreensão do sofrimento do familiar e, até mesmo, a
sensibilidade para perceber que a família pode atribuir significados negativos
aos gestos do profissional, foram sentimentos e comportamentos que se
destacaram e foram descritos pelos profissionais de saúde quando manifestaram
empatia.
Neste trabalho fica evidente que os aspectos que dificultam e que facilitam a
comunicação com os familiares, na instituição pesquisada, no horário de visita,
refletem comportamentos que afastam ou aproximam o profissional de saúde e
evidenciam, pela freqüência dos aspectos dificultadores citados, a importância
de um suporte e um treinamento para os profissionais conseguirem desenvolver
uma comunicação mais efetiva com os familiares e poderem atender a família como
um núcleo que também precisa de cuidados.