A dor na unidade neonatal sob a perspectiva dos profissionais de enfermagem de
um hospital de Ribeirão Preto-SP
PESQUISA
A dor na unidade neonatal sob a perspectiva dos profissionais de enfermagem de
um hospital de Ribeirão Preto-SP
Pain at the neonatal unit under a perspective of nursing staff from a
University hospital, Ribeirão Preto, SP, Brazil
El dolor en la unidad neonatal por la perspectiva de la practica de enfermería
en un hospital de Ribeirão Preto, SP, Brasil
Carmen Gracinda Silvan ScochiI; Mariângela CarlettiII; Rachel NunesIII; Maria
Cândida de Carvalho FurtadoIV; Adriana Moraes LeiteV
IProfessor Titular do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde
Pública (DEMISP) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP (EERP-USP).
cscochi@eerp.usp.br
IIEnfermeira da Unidade de Cuidado Intensivo Neonatal do Hospital de Clínicas
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Bolsista de Iniciação Científica PET/CAPES 2003/2004
IIIBolsista de Iniciação Científica PET/CAPES 2003/2004
IVEnfermeira. Especialista em laboratório junto ao DEMISP-EERP-USP
VProfessor Doutor do DEMISP-EERP-USP
1. INTRODUÇÃO
Os estudos sobre dor em recém-nascidos (RNs) têm evoluído desde a metade da
década de 80 do século passado. Atualmente é plenamente aceito que tanto o RN a
termo como o pré-termo apresentam todos os componentes anatômicos, funcionais e
neuroquímicos essenciais para a nocicepção, ou seja, para a recepção,
transmissão e integração do estímulo doloroso(1,2).
Sendo assim, com o desenvolvimento do conhecimento da fisiologia da dor no RN,
os pesquisadores têm percebido a importância do seu estudo da dor nessa
população.
Uma das questões mais importantes deste campo de conhecimento diz respeito à
dificuldade de avaliação e mensuração da dor no neonato, constituindo-se em um
dos maiores obstáculos para o tratamento adequado da dor nas Unidade de
Cuidados Intensivos Neonatais (UCINs).
Isso se deve à ausência da comunicação verbal desses pacientes, dos seus
diferentes níveis cognitivos e das suas reações similares aos inúmeros tipos de
estímulos, tornando subjetiva a mensuração da dor. Sendo assim, a
disponibilidade de métodos para avaliação da dor do RN é a base para o
tratamento adequado da mesma e a garantia de uma assistência mais humanizada
(3).
Embora a comunidade médica aceite que o RN é capaz de sentir dor, observa-se
pouca utilização de analgesia nas UCINs, devido à falha de conhecimento
científico a respeito do diagnóstico e tratamento da dor na prática diária dos
profissionais de saúde(4).
É fundamental acentuar o processo de sensibilização dos profis-sionais, em
especial os da enfermagem, para a linguagem pré-verbal dos neonatos, com a
finalidade de melhorar a assistência desses pacientes submetidos a inúmeros
procedimentos dolorosos ao longo das internações nas UCINs, pois estes
profissionais são os principais envolvidos no manejo e nos cuidados dos RNs(5).
Para tanto, este estudo tem como objetivo descrever como os profissionais de
enfermagem compreendem a questão da dor, sua avaliação e manejo no RN submetido
ao cuidado intensivo.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa que permite uma
aproximação íntima entre o sujeito que investiga e o investigado(6).
Os dados foram coletados, por meio de entrevistas semi-estruturadas, na Unidade
de Cuidado Intensivo Neonatal (UCIN) do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), após
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do referido hospital. Esta unidade é
composta por 20 leitos neonatais de alta complexidade, atendendo pacientes
provenientes do próprio serviço, bem como aqueles advindos de outros serviços
tanto do município como de outras cidades e estados, já que este é um hospital
referência para a região.
Utilizou-se um roteiro estruturado em três partes, quais sejam, dados de
identificação do hospital e da unidade neonatal, dados de identificação dos
entrevistados e as seguintes questões norteadoras:
1 Você acredita que o recém-nascido sente dor? E o prematuro?
2 O que pode causar a dor no recém-nascido?
3 Como você identifica/avalia a dor no recém nascido? (Quais são os sinais/
manifestações que você interpreta como dor? Utiliza escalas? Ela tem sido útil
para identificar a dor?)
4 - Quais são as intervenções (farmacológicas e não farmacológicas) que a
enfermagem utiliza para minimizar e tratar a dor do recém-nascido?
5 - Quais são as fontes de informações que você utiliza em relação ao manejo da
dor (livros, artigos publicados, orientação da equipe médica, aprendizado com
outras enfermeiras, cursos/evento, etc)?
A coleta de dados foi feita mediante entrevistas gravadas, após a permissão dos
sujeitos e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no
período de 05 de abril a 27 de maio de 2004 com 30% do pessoal de enfermagem
que assume diretamente o cuidado do neonatos de alto risco da UCIN do HCFMRP,
totalizando 16 sujeitos: 03 enfermeiros, 02 residentes de enfermagem, 02
técnicos de enfermagem e 10 auxiliares de enfermagem.
A seleção do local para a realização do estudo, justifica-se pelos inúmeros
procedimentos dolorosos no RN que aí ocorrem, além de ser campo de ensino e
pesquisa na área de enfermagem.
2.1 Análise dos dados
Para análise e interpretação dos dados, utilizamos parte da técnica de análise
de enunciação, ou seja, apenas a primeira etapa a análise temática(7).
Sendo assim, após a transcrição do material gravado e leitura do mesmo,
selecionamos trechos das entrevistas, agrupando-as de acordo com a semelhança
dos relatos dos entrevistados, tirando as idéias relevantes. Para facilitar a
compreensão dos destaques nas falas, optamos pela seguinte padronização ou
legenda: {_} pausa durante a fala, /.../ recortes de outras falas, ... recortes
na mesma fala e ( ) observações complementares contendo conteúdos e
comportamentos não verbais para situar as falas.
Em respeito ao anonimato dos participantes e para evitarmos que sua
identificação fosse feita através de informações, os mesmos foram numerados em
ordem crescente, sendo codificados da seguinte maneira: enfermeiro (E1, E2,..),
residente de enfermagem (R1, R2..), técnico de enfermagem (T1, T2,...) e
auxiliar de enfermagem (A1, A2, ...).
Esse material foi distribuído em um quadro, que demonstra, à esquerda, a fala
dos entrevistados e, à direita, os subtemas (Quadro_1).
Mediante a leitura dos sub-temas, agrupamos os mesmos de acordo com sua
familiaridade, surgindo assim, os temas.
Obtivemos, então, os seguintes temas e respectivos subtemas: identificando a
dor no recém-nascido com os sub-temas manifestações dolorosas, o reconhecimento
de situações dolorosas em UCIN e utilização de escalas de avaliação da dor;
medidas de alívio da dor, abrangendo os subtemas intervenções não
farmacológicas e intervenções farmacológicas e obtendo conhecimento acerca da
dor com o sub-tema fontes de informações.
3. RESULTADOS
3.1 Identificando a dor no recém-nascido
3.1.1 Manifestações dolorosas
A dor neonatal é reconhecida mediante alterações comportamentais e
fisiológicas. Com relação às manifestações comportamentais, os profissionais
identificaram a expressão facial e o choro em sua maioria, como podemos
observar nos relatos a seguir:
O choro e a expressão facial, pra mim são as duas principais (A6).
O bebê extubado a primeira coisa é o choro, né, ele tenta se
comunicar com você através do choro. E antes disso tem as expressões
faciais ...(E3).
Os entrevistados reconheceram como expressões faciais de dor a testa enrugada,
os olhos fechados e a boca aberta:
Tem a expressão do rostinho mesmo, né, franzir a testinha, fechar o
olhinho (A3).
... você vê a expressão da face, a boquinha entreaberta, o olhinho
... então você olha a face, o que eu acho muito importante é a testa
franzida, ele franzi a testa...(E3).
Além da expressão facial e do choro, os entrevistados apontam outros
indicadores comportamentais de dor, como a movimentação corporal (extensão e
flexão dos membros superiores e inferiores), agitação e irritabilidade/
desconforto, como descrito nas falas a seguir:
... Quando ele está sentindo dor, ele fica desconfortável, ele se
mexe muito, fica agitado ... Agora quando ele está lá no respirador,
ele se agita muito, fica muito agitado, se mexe muito, você vê que
ele está com desconforto... Eu acho que é isso (T1).
Eles puxam a mão, quando a gente vai picar... (A10).
Eles ficam bem agitados ... eles agitam muito, principalmente braço e
perna (E2).
Sobre as alterações fisiológicas, apenas 04 entrevistados (25%) verbalizaram
além das manifestações comportamentais, também as fisiológicas, como aumento
das freqüências respiratória e cardíaca e diminuição da saturação de oxigênio.
Estas foram abordadas em sua maioria pelas enfermeiras e em conjunto com as
manifestações comportamentais, ou seja, não foram citadas isoladamente como
sinais de dor:
...expressão facial, freqüência cardíaca aumentada, irritabilidade,
testa enrugada (E1).
... as expressões faciais, altera (aumenta) todos os sinais vitais,
freqüência cardíaca, respiratória ... Se a criança tá entubada, aí
você vai mais pelos sinais vitais, pelo desconforto da criança, o
estiramento dos membros... (E3).
Além de ficar choroso, tem os que alteram (diminui) a saturação, que
agitam mais, eles ficam bem agitados... (A8).
Alguns profissionais relataram a questão da avaliação da dor em bebês
entubados. Segundo eles, não é possível avaliar se uma criança entubada está
com dor por meio do choro, devido a impossibilidade de escutar o som, mas
percebe-se pela expressão facial que o RN simula o choro. Para eles, a
expressão facial e a movimentação corporal são os sinais mais facilmente
identificados nestas crianças:
O choro, mesmo quando o bebê está entubado tem a expressão do choro
(A3).
Chora {_} mesmo quando eles estão entubados fazem a carinha de dor né
..., se vê no rostinho deles que tá com dor né, que tá sofrendo (A8).
... às vezes nem chora, principalmente quando tá entubado a gente não
escuta chorar, então eu vou pela fisionomia, ou então pela agitação
(A7).
O grande desafio na avaliação da dor em lactentes pré-verbais, consiste em
compreender a diferença do que é dor ou desconforto, para estabelecer assim, um
correto diagnóstico de dor. Esta é uma das principais dificuldades da equipe de
enfermagem, geralmente, devido a subjetividade da dor e pela falta de
treinamento dos profissionais:
...você tem que saber distinguir ... tem que saber o que está dizendo
o choro normalmente, ou então com as expressões, se ele tiver
entubado, às vezes ele tá molhado, tá com fome, a criança chora muito
por fome, aí você tem que saber também fazer esse diagnóstico com
certeza né, se é dor ou não (E3).
3.1.2 O reconhecimento de situações dolorosas em UTIN
Os profissionais entrevistados descreveram procedimentos invasivos e não
invasivos como situações dolorosas para os RNs. Dentre os procedimentos
invasivos, foram citados: punção venosa, intubação, aspiração, drenagem
torácica, passagem de sonda e CPAP nasal. Em relação aos procedimentos
dolorosos não invasivos, os entrevistados referiram: manipulação excessiva,
toque brusco, posição desconfortável e retirada de esparadrapo, como
identificado nos trechos das entrevistas a seguir:
Na hora da picadinha, na hora de aspirar, dependendo o jeito que você
pega a criança, né (A5).
Puncionar a veia, ... tirar esparadrapo (A4).
... desde o toque que a gente dá nele ... com muita brutalidade, até
um acesso venoso causa dor nele... (A7).
Punção venosa, coleta de sangue em geral, uma posição inadequada, uma
manipulação excessiva, CPAP que a gente usa muito aqui neles... (R1).
... principalmente os cuidados invasivos né, punção venosa, drenagem
de tórax, ... intubação endotraqueal... (E3).
... também a passagem de sonda, deve ser horrível (E1).
Um dos entrevistados apontou também, situações que causam desconforto e
estresse ao RN, mas não dor, como: abertura da portinhola da incubadora, ruídos
e conversas altas na enfermaria:
...você abre a incubadora, barulho que faz, a conversa alta {_} eu
acho que não seja assim uma dor, mais eu acho que incomoda, de alguma
maneira não é bom para ele (A7).
3.1.3 Utilização de escalas de avaliação da dor
A escala de avaliação da dor utilizada no local estudado é a NIPS. Entretanto,
quando as enfermeiras da UCIN aplicam esta escala no processo de Sistematização
da Assistência de Enfermagem, a mesma não é usada corretamente, não sendo
considerada eficaz e útil na prática clínica pela maioria dos profissionais,
como expresso abaixo:
Acho que na prática ela (NIPS) não é útil, só ela isolada, acho que é
muito pouco. Eu não sei se é da maneira que é feito, ou se realmente
ela não funciona, porque muitas vezes você {_} fala nossa essa
criança tá com dor, aí você vai lá na avaliação (escala), que às
vezes não fui eu que avaliei, foi outra pessoa, aí tá lá tudo zero os
valores, e "sem dor", e você tá vendo que a criança tá com dor /.../
As pessoas não avaliam direitinho, ou só avaliam naquele momento. E
pode ser que naquele momento a criança não esteja com dor (E1).
... quando a gente vai fazer o processo, naquele momento a criança
não está com dor, então a gente avalia como está "sem dor", mas na
hora de um procedimento, o que acontece, ela vai sentir dor, ela muda
né, ela tem a expressão no momento ... acho que é razoável (R1).
Além disso, alguns entrevistados questionam a questão do estresse e do
desconforto serem confundidos com dor durante a utilização da escala e
conseqüentemente ser estabelecido um diagnóstico de dor para a criança:
... às vezes você tem o diagnóstico de que a criança tá com dor e
você tem a nítida impressão de que a criança está desconfortável por
outro motivo, ou às vezes por fome, por outra coisa que não seja a
dor. Então eu acho que a NIPS é uma escala que deixa muito a desejar
(E3).
A escala NFCS foi acrescentada como uma complementação da NIPS, pois esta era
insuficiente para avaliar a dor.
... ela (NIPS) deixa muita dúvida, tanto que nós introduzimos a NFCS,
pra ver se a gente teria mais algum dado pra tá fazendo um
diagnóstico melhor /.../ a gente encarou como uma complementação de
dados, a gente faz primeiro a NIPS. Se deu alguma dúvida com a NIPS,
a gente faz uma complementação com a NFCS. Com a NFCS a gente tem
dados mais sensíveis, eu acho (E3).
3.2 Manejo da dor
3.2.1 Medidas farmacológicas e não-farmacológicas para o alívio da dor
Os entrevistados citaram inúmeras intervenções não-farmacológicas para o alívio
da dor como o posicionamento adequado, a redução de estímulos ambientais e
outras como a sucção não nutritiva e a administração de soluções, sendo o
posicionamento adequado citado pela maioria dos profissionais.
Em relação ao posicionamento, os entrevistados identificaram como tal medida a
mudança de decúbito, a posição fetal e o aconchego (mediante a confecção de
ninhos e a utilização de luvas d'água) como descrito nas falas abaixo:
...posição de conforto, tem alguns que gostam de ficar mais
embrulhadinho ou voltam à posição fetal... (E2).
...é você tentar deixar ela mais ou menos na posição intra-útero, que
é a posição que eles preferem mais e aconchegar a criança, porque às
vezes só com isso você consegue resolver um pouco o problema... (E3).
...é a mudança de decúbito que a gente faz, é colocar a luvinha
d'água , ...nossa parte a gente tem que fazer os aconcheguinhos,
quando dá pra colocar no RN, fazer os ninhozinhos... (A1).
Além do posicionamento, outras medidas como o contato pele-a-pele, o toque e a
manipulação mínima foram apontados:
...pode ser pele-a-pele, uma conversa, ele pode não te responder, mas
ele está te ouvindo (A6).
...eu acho que quando a gente coloca a mão em cima do paciente eles
ficam mais seguros... (A10).
...o próprio toque na criança, para a organização dela (R1).
... aí a gente procura não manipular muito, desnecessariamente {_} se
você vê que a criança tá quieta, você já fez remédio pra dor, a gente
procura deixar ela quieta, não ficar manipulando/.../ então aí usa
fralda descartável, se você vê que não tá de cocô, não tá muito xixi,
você não troca (T2).
Quanto aos estímulos ambientais, os profissionais citaram a redução da
luminosidade e dos ruídos. Uma outra medida também descrita foi a sucção não-
nutritiva, como identificada nas entrevistas abaixo:
...às vezes um vai e dá um dedo enluvado na hora de fazer um
procedimento para a criança sugar...tem também diminuir a
luminosidade, o ruído, para ver se deixa as crianças mais tranqüilas
(E1).
...quando tá puncionando veia alguém faz sucção não-nutritiva, eu
acho que acalma, com o dedo enluvado... (R2).
Em relação à administração de solução via oral, apenas um profissional,
auxiliar de enfermagem, relatou sua utilização. Porém, esta ainda é uma medida
em estudo na unidade.
...eles começaram a fazer agora um estudo que tá dando uma
soluçãozinha antes na boquinha da criança, pra ela já tá tipo, sei lá
acostumando...saber que depois dessa solução vai vir né, algum
procedimento mais invasivo /.../ são sete dias, primeiro dia observa
a criança sem fazer nada né, aí eu não sei se é no dia seguinte que
começa a fazer a solução, aí passa, acho que, uns dois minutos, não
me lembro, e faz o procedimento... eles gravam tudo, grava o bebê e
anota a freqüência cardíaca durante o período, antes, durante e
depois do procedimento ... (A10).
Com relação às intervenções farmacológicas, os profissionais identificaram
alguns fármacos como Fentanyl®, Midazolan® (Dormonid®) no pós-operatório e a
Dipirona® e o EMLA® em procedimentos realizados na UCIN, sendo que o mais
citado foi a Dipirona®.
Para dor, eles (médicos) prescrevem Dipirona EV, ou às vezes quando
está muito agitado aí eles colocam Fentanyl, Midazolan, depende (A5).
...se for uma criança no pós-operatório...coloca Fentanyl
contínuo...outra vezes usa Dipirona de horário, outras usa Dipirina
só se for necessário (E1).
Na verdade o Midazolan ele seda mas ele não tira a dor, quem tira a
dor mesmo é o Fentanyl, então é associado o Midazolan, que é o
Dormonid né, e o Fentanyl (E3).
Administrar medicamentos em horários corretos que são prescritos,
antes de curativos, ...para minimizar a própria técnica, né, às vezes
com a própria técnica, às vezes você consegue minimizar a dor que a
criança vai sentir com o procedimento (R1).
3.3 Fontes de informações
Os entrevistados relataram que obtinham informações sobre a temática mediante
orientações das equipes de enfermagem e médica, da troca de experiência entre
os profissionais da equipe de enfermagem, das experiências adquiridas com o
tempo de trabalho, das informações advindas da Escola de Enfermagem, através da
Internet, além das palestras, artigos e trabalhos sobre dor.
A fonte mais utilizada pelos entrevistados foram as orientações das equipes
médica e de enfermagem:
Acho que é você trabalhando no dia-a-dia mesmo, você começa a
observar mais, você acaba observando o nenê e você vê que ele tá com
dor, porque quem tá mais tempo com o bebê é nós, nem tanto o médico,
nem tanto a enfermeira, então é a gente que vê e chama o colega de
trabalho e fala Você acha que o nenê tá com dor?... (A1).
Olha o pouco que eu sei é de orientação mesmo das enfermeiras, dos
médicos, mas nunca li nada... (A7).
A gente tem muito respaldo da Escola (EERP-USP), ... tem artigos,
agora eu fui no Congresso e teve muita coisa sobre dor... (E1)
4. DISCUSSÃO
Em relação à capacidade do RN, a termo e pré termo sentirem dor, notou-se
unanimidade em considerar que o paciente dessa faixa etária sente dor. Tal
resultado indica uma mudança de paradigma que prevalecia até a década de 80, em
que o RN não era capaz de sentir dor(1).
No momento de avaliar a dor, a maioria dos profissionais de enfermagem
identificaram as manifestações comportamentais, e uma minoria identificou além
destas, as manifestações fisiológicas, como situações possíveis de se perceber
dor no RN.
Dentre as manifestações comportamentais, a dor neonatal pode ser identificada
por meio da expressão facial, do choro, da movimentação corporal e do estado de
sono-vigília(8), sendo a expressão facial, o choro e a movimentação corporal
aqueles descritos nas entrevistas.
A expressão facial foi mencionada por todos os entrevistados. De fato, esta
manifestação tem sido amplamente referida como índice de dor em bebês por
enfermeiras(9,10) e sua efetividade e confiabilidade como instrumento de
avaliação da dor neonatal tem sido demonstrada por vários pesquisadores(11,12).
Na face, há sinais específicos de dor como, fronte saliente, fenda palpebral
estreitada, sulco naso-labial aprofundado, boca aberta, boca estirada
(horizontal ou vertical), língua tensa, protrusão da língua e tremor de queixo
(2). Nos relatos, apenas três destas expressões faciais, a testa enrugada, os
olhos fechados e a boca aberta foram reconhecidas, sendo as expressões faciais
consideradas mais específicas e mais facilmente identificadas na dor neonatal
(2).
Seguido da expressão facial, o choro foi citado por grande parte dos
entrevistados para avaliar a dor do RN. Este achado corrobora com autores que
demonstram, em seus estudos, o grande valor atribuído ao choro no momento da
avaliação da dor do paciente pré-verbal(9,10). Entretanto, na prática sua
utilização é muito questionável, visto que o choro pode ser desencadeado por
outros estímulos como desconforto, fome e frio(13), além da questão de RNs
farmacologicamente compro-metidos e entubados que são incapazes de vocalizar o
choro(12).
Desse modo, o choro não fornece isoladamente informações para a decisão
terapêutica a respeito da necessidade de analgesia na prática clínica(14).
Com relação à atividade motora, estudos demonstram que RNs diante um estímulo
doloroso apresentam movimentos de flexão e extensão das extremidades, rigidez
do tórax, pescoço hiperestendido, movimentos abruptos e aleatórios da cabeça e
do corpo(15,16). Os entrevistados relatam a extensão e flexão dos membros
superiores e inferiores, o tônus muscular, agitação e irritabilidade.
Poucos entrevistados descreveram os parâmetros fisiológicos para avaliar a dor
do RN. Esse achado vai ao encontro de um estudo que demonstrou que as
manifestações fisiológicas foram identificadas com menor freqüência pelas
enfermeiras durante a avaliação da dor em RNs((9).
Os entrevistados citaram o aumento das freqüências cardíaca e respiratória e
diminuição da saturação de oxigênio como indicadores de dor. Sabe-se que além
destes parâmetros fisiológicos existem outros como, aumento da pressão
arterial, diminuição das pressões parciais de oxigênio e gás carbônico e
aumento da sudorese palmar(8,14).
As manifestações fisiológicas não foram descritas isoladamente pelos
entrevistados, ou seja, foram abordadas em conjunto com as manifestações
comportamentais. Estas manifestações não podem ser consideradas isoladamente,
pois embora sejam objetivas, não são específicas, ou seja, elas podem também
aparecer em situações estressantes, porém não dolorosas(14,17).
Em relação ao reconhecimento de situações dolorosas em UCIN os relatos dos
profissionais corroboram com estudos que consideram intervenções como punção
venosa, intubação traqueal, aspiração de cânula traqueal, sondagem gástrica,
entre outras, situações potencialmente promotoras de dor(18-20).
Quanto à mensuração da dor, somente as enfermeiras e residentes de enfermagem
utilizam escalas de avaliação da dor neste serviço, pois esta escala está
inserida na Sistematização da Assistência de Enfermagem, documento preenchido
somente por enfermeiras. As escalas utilizadas são a NIPS e a NFCS. Os
profissionais apontaram alguns problemas com relação a aplicabilidade,
confiabilidade e eficácia da NIPS na avaliação da dor. Questionaram o momento
correto da sua utilização, pois referem usá-la somente uma vez ao dia e quando
a aplicam o bebê pode não estar apresentando dor e vir apresentá-la
posteriormente, não sendo conseqüentemente registrada. A avaliação da deve ser
realizada a cada uma a três horas, de acordo com a gravidade do caso(21).
Outra questão relatada pelos entrevistados é a baixa especificidade da NIPS,
pois eles acreditam que mesmo um bebê apresentando todos os sinais de dor da
escala, pode não estar necessariamente com dor e sim com outro distúrbio como,
estresse, fome ou desconforto.
Devido a essas dúvidas as enfermeiras optaram em utilizar a escala NFCS, como
um instrumento coadjuvante na avaliação da dor. Inicialmente os profissionais
avaliam a dor com a NIPS e posteriormente utilizam a NFCS para estabelecer um
diagnóstico mais fidedigno. Um estudo realizado acerca da aplicação de escalas
para avaliação da dor mostra que a NFCS parece ser mais sensível e específica
do que a NIPS em RNs de diferentes idades gestacionais(22).
Os entrevistados apresentam dúvidas acerca do correto diagnóstico de dor,
devido a falta de conhecimento em relação à diferença entre a dor e o
desconforto. Devido ao caráter subjetivo da dor é fundamental que haja um maior
número de informações (manifestações de dor) possíveis, visto que
comportamentos iguais podem ter conteúdos diversos e parâmetros fisiológicos
podem refletir tanto dor como estresse(13).
Para estes autores, é imprescindível a utilização de métodos padronizados de
avaliação da dor, para permitir uma mensuração mais sensível e específica,
reduzindo assim, o risco do subtratamento da dor nesta faixa etária.
Além do ponto de vista ético e humanitário, a dor do lactente pré-verbal deve
ser considerada e tratada, visto que a dor aumenta a morbidade e a mortalidade,
dificulta a restauração de processos mórbidos clínicos ou cirúrgicos, além de
causar reorganização estrutural permanente e funcional das vias nervosas
nociceptivas, que afetarão futuramente as experiências de dor da criança(13).
As medidas de conforto relatadas pelos entrevistados como o posicionamento
adequado, a manipulação mínima, redução da luminosidade e dos ruídos, vêem ao
encontro de autores que as descrevem como sendo importantes para o cuidado
desenvolvimental(23,24). Estas medidas são efetivas para promover uma
estabilidade e uma boa organização do neonato, podendo ser útil na conservação
de energia para seu crescimento e desenvolvimento.
Quanto à realização do contato pele a pele, citado por um dos entrevistados,
esta é uma medida que diminui a energia gasta pelo neonato e promove seu
crescimento(24).
Em relação à utilização da sucção não-nutritiva, estudos mostram que é uma
medida terapêutica indicada para a realização de pequenos procedimentos como a
coleta de sangue, porém esta não reduz a dor, mas ajuda o recém-nascido a se
organizar após o estímulo doloroso, minimizando as repercussões fisiológicas e
comportamentais(14,25). Quanto a esta medida, vale salientar que os
entrevistados citaram apenas o dedo enluvado como sucção não-nutritiva e não a
chupeta como relatam a maioria dos autores.
A administração de glicose ou sacarose em diferentes concentrações, com ou sem
a sucção não nutritiva, tem sido muito utilizada como intervenção não
farmacológica para o alívio da dor(26-27). Porém, das entrevistas realizadas
apenas um dos profissionais da unidade citou sua utilização, não relatando,
contudo, o tipo de solução administrada.
Além destas medidas, o agrupamento dos cuidados visando a manipulação mínima,
foi relatado por apenas um dos profissionais, sendo de fundamental importância
para um ótimo crescimento e desenvolvimento do recém-nascido.
Sobre a utilização de medidas farmacológicas observou-se que os profissionais
conhecem as drogas mais comumente utilizadas, bem como a associação de sedação
e analgesia quando necessária, como no caso de pós-operatório.
Um estudo acerca do tratamento farmacológico realizado por médicos demonstrou
que menos de 10% dos entrevistados relataram o uso de analgesia para punções
venosas e capilares; 30 a 40% referiram empregar analgésicos para punções
lombares, dissecções venosas, drenagem de tórax e ventilação mecânica, e metade
dos entrevistados relatou a aplicação de medidas de alívio da dor no pós-
operatório de cirurgia abdominal em RNs. O medicamento mais utilizado foi o
opióide (60%) seguido pelo Midazolan (30%)(4).
Os autores reconhecem que os profissionais médicos demonstram, ainda, pouco
conhecimento acerca da avaliação e tratamento da dor no período neonatal,
havendo, então a necessidade de treinamento contínuo para os profissionais de
saúde que atuam com esta população.
Observamos que a maioria dos entrevistados adquiriram informações somente por
meio das orientações da equipe médica e de enfermagem, além das experiências do
trabalho no dia-a-dia .
Foi possível apreender nos relatos, o hábito pouco apurado para procura por
publicações a respeito da dor nesta faixa etária.
As inúmeras publicações sobre a dor possibilita um melhor conheci-mento por
parte dos profissionais de saúde a respeito do assunto, além de recomendações
formais em relação ao alívio da dor(4).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação com a dor no período neonatal vem sendo motivada por estudos que
demonstram desde a necessidade da avaliação correta da dor, mediante as
alterações manifestadas por esta população, como também pelo uso adequado de
medicamentos para sua redução ou alívio.
Os profissionais de saúde que atuam em UCINs demonstram conhe-cimento acerca
das alterações apresentadas pelos RNs diante de situações dolorosas. Descrevem
as manifestações mais comumente observadas e já validadas por pesquisadores.
Reconhecem situações potencialmente dolorosas tais como punções venosas e
intubação traqueal e também os tratamentos utilizados para redução ou alívio da
mesma, quer sejam eles farmacológicos ou não.
Com relação à utilização de um instrumento para avaliação da dor, percebemos
que os profissionais têm pouco conhecimento acerca do correto manuseio do
mesmo, sendo aplicado em momentos nos quais o RN pode não estar manifestando
sinais de dor. A dor deve ser considerada como o 5º sinal vital, devendo assim
ser avaliada com mais freqüência nas UCINs.
Em virtude do caráter subjetivo da dor, torna-se necessário a utilização do
maior número de informações possíveis, e não apenas o uso de um único
instrumento.
A busca pelo conhecimento científico sobre dor em neonatos aparece somente nos
relatos dos profissionais de nível superior, no caso, os enfermeiros, sendo que
os auxiliares e técnicos aprendem com a troca de experiências no cotidiano de
trabalho ou com informações fornecidas por médicos e enfermeiros.
Acreditamos que o conhecimento científico deva ser introduzido na prática
assistencial de maneira a ser absorvido por todos os profissionais que atuem
com estes bebês, facilitando assim o acesso à literatura específica.
Existe, portanto, a necessidade de que os profissionais sejam capacitados
adequadamente com relação a avaliação e manejo da dor, tornando-se
multiplicadores de conhecimento para assim, poder desenvolver uma assistência
integral, com qualidade e que reforce a intenção da promoção de um cuidado
desenvolvimental ao recém-nascido em UCIN.