Sistematização da assistência de enfermagem em unidade de reabilitação segundo
o modelo conceitual de horta
ENSAIO
Sistematização da assistência de enfermagem em unidade de reabilitação segundo
o modelo conceitual de horta
Nursing attendance systematization in rehabilitation unit, in accordance to
horta's conceptual model
Sistematización de la asistencia de enfermería según el modelo conceptual de
horta
Rinaldo de Souza Neves
Enfermeiro. Mestre em Ciências da Saúde. Enfermeiro do Hospital de Apoio de
Brasília. Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Professor
Substituto do Departamento de Enfermagem da Universidade de Brasília, DF
1. INTRODUÇÃO
Os modelos teóricos ou marcos conceituais e as teorias de enfermagem são
ferramentas que possibilitam a operacionalização da sistematização da
assistência de enfermagem através da aquisição de um referencial teórico e de
sua utilização na construção de métodos que possam organizar o processo de
enfermagem.
Historicamente, as teorias de enfermagem foram estudadas no ambiente acadêmico
isolado, independentemente da prática de enfermagem. Há, entretanto, um
movimento contemporâneo voltado para a prática baseada na ciência de enfermagem
(1).
Os enfermeiros, agora e no futuro, precisam ter modelos de cuidado nos quais
sua prática esteja fundamentada(2,3).
Quando se busca criar um modelo de assistência de enfermagem que atenda a
determinada clientela, alguns conceitos e quadros referenciais são necessários,
pois esse modelo deve estar em consonância com a filosofia do serviço, com o
local onde ele é utilizado, bem como as crenças e valores das enfermeiras a
respeito dos conceitos e metodologia que serão utilizados para implementá-lo.
Assim sendo, os modelos teóricos ou teorias de enfermagem representam a luz que
iluminará os passos do processo de enfermagem. A autora aponta ainda que o
modelo teórico de Horta é predominantemente utilizado pelas enfermeiras no
ensino e na prática de Enfermagem brasileira(4).
Os modelos teóricos muito têm contribuído na assistência ou no processo de
cuidar, quando utilizados como referencial para a sistematização da
assistência. A teoria guia e aprimora a prática, dirigindo a observação dos
fenômenos, a intervenção de enfermagem e os resultados a esperar. A
sistematização dos cuidados, com base em modelos teóricos, proporciona meios
para organizar as informações e os dados dos clientes, para analisar e
interpretar esses dados, para cuidar e avaliar os resultados do processo de
cuidar(5).
No Brasil, a sistematização da assistência de enfermagem começou com os estudos
da Dra. Wanda Horta e que nas últimas décadas os enfermeiros conquistaram um
modelo, uma linguagem, uma legislação e alguns compromissos(6).
Os modelos de assistência no Brasil se destacaram com a atuação de Wanda de
Aguiar Horta com a difusão das teorias de enfermagem. Em 1979, publicou o livro
baseado na teoria das Necessidades Humanas Básicas, de Maslow, e, a partir daí,
operacionalizou o Processo de Enfermagem(7).
Modelos de Assistência são representações do mundo vivido, expressas
verbalmente ou por meio de símbolos, esquemas, desenhos, gráficos, diagramas.
Seu objetivo é direcionar a assistência de Enfermagem, oferecendo ao enfermeiro
os subsídios necessários para sua atuação(7).
O marco conceitual é um conjunto de elaborações mentais sobre aspectos
relacionados ao objeto em estudo; um ponto que serve como força, como
orientação, uma proposta da qual queremos nos aproximar(8).
Marco conceitual é uma construção mental logicamente organizada, que serve para
dirigir o processo da investigação e da ação(9).
Um modelo é uma abstração da realidade, um modo de visualizá-la, facilitando o
raciocínio. Um modelo conceitual mostra-nos como vários conceitos são inter-
relacionados e aplica teorias que predizem ou avaliam conseqüências de ações
alternativas(10).
O modelo conceitual refere-se a idéias globais sobre indivíduos, grupos,
situações e eventos de interesse para uma disciplina. A elaboração de modelos é
necessária para o ajuste na circunstância em que vivemos, para guiar o nosso
agir. Modelos de enfermagem incluem conceitos de ser humano, enfermagem, saúde-
doença e ambiente(11,12,13).
Levando em consideração os conceitos apresentados anteriormente, pode-se fazer
um paralelo entre o modelo de Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE)
da Unidade de Reabilitação (UR), utilizando-se o referencial teórico de Horta.
Inicialmente o modelo de sistematização dessa unidade de saúde está direcionado
a assistência de enfermagem ao paciente neurológico, possibilitando ao
enfermeiro o desafio e a possibilidade na busca de um modelo prático que possa
subsidiar este profissional na organização da coleta de dados, avaliação e
cuidados de enfermagem aos pacientes atendidos na UR do Hospital de Apoio de
Brasília (HAB) Secretária de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES -DF).
A definição de que um modelo é uma abstração da realidade, ou seja, um modo de
visualizar a realidade, remete-nos para o ato de separar aspectos isolados de
nossa realidade para que se possa organizar o pensamento, o raciocínio e o
método de sistematizar essas atividades dentro de um modelo próprio de SAE que
estejam inter-relacionados os conceitos que sustentam o referencial de Horta.
Para isso, tornou-se necessário a busca do referencial teórico de Horta para a
aplicação ao modelo existente na unidade com o objetivo de instrumentalizar o
planejamento científico e sistematizar as ações desenvolvidas pelos
profissionais de enfermagem, dando maior visibilidade ao enfermeiro na SAE do
HAB.
Os escritos de Horta configuram um modelo de assistência, um modelo conceitual,
e existe uma grande discussão se seus estudos podem ser considerados ou não uma
teoria de enfermagem. Dessa forma preferiu-se utilizar a expressão "Modelo
Conceitual de Horta na SAE da UR do HAB", uma vez que os conceitos têm um alto
nível de abstração e generalização e podem ser considerados como um pensamento
ou uma noção, e as teorias apresentam conjuntos de conceitos mais concretos e
específicos que orientam, descrevem e explicam os fenômenos de enfermagem. O
modelo teórico de Horta possui fases inter-relacionadas e organizadas que
servem para o levantamento de dados necessários para que o enfermeiro(a) possa
direcionar as intervenções para a assistência ao paciente, servindo enquanto
proposta de SAE na UR e estabelecendo-se como modelo conceitual ou teórico
necessário para subsidiar cientificamente a prática de enfermagem neste
hospital.
O modelo conceitual elaborado por Horta se fundamenta na Teoria da Motivação
Humana de Maslow, que tem como base o conceito de hierarquia das necessidades
que influenciam o comportamento humano. Segundo Maslow a hierarquia das
necessidades humanas básicas (NHB) é uma teoria que os enfermeiros podem
utilizar, ao proporcionarem os cuidados para compreender as relações entre as
NHB. Conforme essa teoria, certas necessidades humanas são mais básicas do que
outras, ou seja, algumas necessidades devem ser atendidas antes de outras(14).
As necessidades humanas básicas são aspectos, tais como alimento, água,
segurança e amor, necessários para a sobrevivência e a saúde. Por exemplo, uma
pessoa faminta está mais propensa a procurar comida do que a se engajar em
atividades que aumentam a auto-estima. A hierarquia das necessidades humanas
organiza as necessidades básicas em cinco níveis de prioridade. O nível mais
básico, ou o primeiro, inclui as necessidades fisiológicas, tais como ar, água
e alimento. O segundo nível inclui as necessidades de segurança e proteção,
compreendendo a segurança física e psicológica. O terceiro nível contém as
necessidades de amor e gregarismo, incluindo a amizade, as relações sociais e o
amor sexual. O quarto nível engloba as necessidades de auto-estima, que
envolvem a autoconfiança, a utilidade, o propósito e autovalorização. O último
nível é a necessidade de auto-realização, o estado de alcance pleno do
potencial e da habilidade para resolver problemas e lidar realisticamente com
as situações de vida. De acordo com essa teoria, a pessoa cujas necessidades
estão totalmente atendidas é sadia e a pessoa com uma ou mais necessidades não
atendidas está em risco para doença ou pode não ser sadia em uma ou mais
dimensões humanas.
Horta faz um relacionamento entre os conceitos ser humano, ambiente e
enfermagem. Na interação com o universo dinâmico, o ser humano vivencia estados
de equilíbrio e desequilíbrio no tempo e no espaço.
Os desequilíbrios geram necessidades que se caracterizam por estados de tensão
conscientes e inconscientes, e levam o ser humano a buscar a satisfação de tais
necessidades para manter seu equilíbrio. Assim, as necessidades básicas
precisam ser atendidas, porém, quando o conhecimento do ser humano a respeito
de suas necessidades é limitado pelo seu próprio saber, faz-se necessário o
auxílio de pessoas habilitadas para atendê-las(15).
2. DESENVOLVIMENTO
O processo de enfermagem é uma metodologia de trabalho que está fundamentada no
método científico sendo uma "dinâmica das ações sistematizadas e inter-
relacionadas, visando à assistência ao ser humano"(14). Uma dessas etapas é
descrita por Horta como a primeira fase do processo de enfermagem chamado de
Histórico de Enfermagem, sendo conceituado como o "roteiro sistemático para o
levantamento de dados do indivíduo, família ou comunidade que sejam
significativos para o enfermeiro, a fim de tornar possível a identificação dos
seus problemas e chegar ao diagnóstico de enfermagem"(14).
Considerando a primeira fase do processo de enfermagem e as NHB de Horta,
optou-se pela construção do Instrumento de Coleta de Dados, denominado
"Histórico de Enfermagem da UR". Trata-se de um roteiro sistematizado e
hierarquizado com as três categorias de necessidades, ou seja, psicobiológica,
psicossocial e psicoespiritual, estando estas categorias subdivididas em
dezoito subcategorias: oxigenação, circulação, regulação térmica, integridade
cutâneo-mucosa, percepção/aprendizagem/orientação no tempo e espaço, nutrição e
hidratação, eliminação, sono e repouso, exercício e atividade física/locomoção/
autocuidado, higiene/cuidado corporal, integridade física, sexualidade,
comunicação, lazer e recreação, auto-imagem/auto-estima, auto-realização e
religião/filosofia de vida. O instrumento em questão foi testado e modificado
algumas vezes para atender as questões levantadas pelos enfermeiros nas
reuniões do grupo de estudos do Núcleo de Enfermagem do HAB com o objetivo de
padronizar e sistematizar a coleta de dados em pacientes neurológicos através
de um modelo teórico.
O diagnóstico de enfermagem "é a identificação das necessidades humanas básicas
do indivíduo, família ou comunidade que precisam de atendimento e a
determinação, pelo enfermeiro, do grau de dependência desse atendimento em
natureza e extensão" e é a segunda fase do processo de enfermagem(14).
Considerando a definição de diagnóstico de enfermagem segundo o modelo
conceitual de Horta, foi possível identificar as NHB alteradas em pacientes da
UR segundo os estudos de Neves(16). Esse autor aplicou um instrumento de coleta
de dados baseado na teoria das NHB em pacientes lesados medulares na UR do HAB
e ao final categorizou onze NHB alteradas e agrupou vinte (20) diagnósticos de
enfermagem presentes em vinte e cinco (25) pacientes. As necessidades alteradas
e os respectivos diagnósticos de enfermagem foram agrupados utilizando a
classificação diagnóstica da North American Nursing Diagnosis Association
(NANDA). Os resultados apontaram as seguintes alterações e diagnósticos:
alteração da atividade física mobilidade física prejudicada, déficit no
autocuidado para banho/higiene, déficit no autocuidado para vestir-se/arrumar-
se e déficit no autocuidado para higiene íntima, alteração na eliminação
constipação, incontinência intestinal e incontinência urinária total, alteração
na percepção sensorial dor aguda, percepção sensorial perturbada: tátil e risco
para disreflexia autonômica, alteração na termorregulação termorregulação
ineficaz e hipertermia, alteração na auto-realização conhecimento deficiente e
manutenção ineficaz da saúde, alteração da sexualidade disfunção sexual,
alteração na auto-estima imagem corporal perturbada, alteração na circulação
risco para disfunção neurovascular periférica, alteração da integridade física
risco para infecção, alteração da higiene dentição prejudicada e alteração do
lazer e recreação atividades de recreação deficientes. Todos estes diagnósticos
de enfermagem refletem as categorias psicobiológicas psicossociais do modelo
conceitual, baseado nas necessidades humanas básicas de Horta ligada aos
pacientes lesados medulares e de grande importância para o planejamento da
assistência de enfermagem. Tais resultados apontam para a viabilidade e
inclusão do referencial teórico de Horta no sistema de assistência de
enfermagem da UR do HAB. Desta forma foi possível construir a pirâmide
hierarquizada das necessidades alteradas em pacientes neurológicos conforme a
figura_1.
A terceira fase do processo de enfermagem é o Plano Assistencial de Enfermagem
definido como "a determinação global da assistência de enfermagem que o
indivíduo, família ou comunidade precisam receber diante do diagnóstico de
enfermagem estabelecido"(14).
Percebe-se que o conceito de Plano Assistencial de Enfermagem descrito por
Horta confunde os enfermeiros no entendimento de que seu significado tem
semelhanças com a quarta fase do processo de enfermagem, ou seja, o Plano de
Cuidado ou Prescrição de Enfermagem. Para os enfermeiros a idéia de Plano
Assistencial de Enfermagem está contido no conceito de Prescrição de
Enfermagem, quando Horta define a assistência e os cuidados de enfermagem que o
indivíduo precisa receber para satisfazer as necessidades básicas afetadas.
A quarta fase do processo de enfermagem segundo a metodologia do processo de
enfermagem de Horta é o Plano de Cuidado ou Prescrição de Enfermagem que é
definido pela autora como o "roteiro diário que coordena a ação da equipe de
enfermagem na execução dos cuidados decorrentes da implantação do plano
assistencial de enfermagem e adequados às necessidades básicas e específicas de
cada paciente"(14).
Na UR a prescrição de enfermagem é um roteiro semanal de cuidados básicos de
enfermagem relacionada com rotinas específicas de higiene, mobilização,
eliminação, alimentação e sinais vitais. Considera-se, desta forma, que a
prescrição de enfermagem é um plano padronizado de rotinas de enfermagem para o
atendimento das necessidades básicas do paciente neurológico. Torna-se
necessário discutir e repensar a prescrição de enfermagem nesta unidade com o
objetivo de atingir os conceitos descritos por Horta, no sentido de que este
plano de cuidado seja individualizado e específico para cada paciente e não um
protocolo padronizado de rotinas de enfermagem. A prescrição de enfermagem na
UR segue rotinas e orientações contidas no "Guia para Execução da Prescrição de
enfermagem" com o objetivo de normatizar a realização desta etapa do processo
de enfermagem pelo enfermeiro (a) através de orientações gerais, conceito desta
atividade, objetivos, forma de redação, normas gerais para execução, tipos de
prescrição de acordo com o grau de dependência do paciente e padronização de
intervenções de enfermagem relacionadas com as principais alterações das
necessidades básicas em pacientes neurológicos. Neste sentido, a prescrição de
enfermagem segue algumas idéias de Horta, relacionando as principais
necessidades alteradas em pacientes neurológicos partindo também do grau de
dependência deste atendimento de enfermagem.
Segundo Horta, a quinta fase chamada de evolução de Enfermagem é "o relato
diário das mudanças sucessivas que ocorrem no indivíduo, família ou comunidade
enquanto estiver sob assistência de enfermagem"14.
Percebe-se que a evolução de enfermagem deve conter aspectos relacionados com
as mudanças psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais apresentadas
pelos pacientes durante a assistência de enfermagem, isto levou-nos a discussão
do conceito desta fase e de como incorporar nas evoluções de enfermagem de
pacientes neurológicos as idéias de Horta em relação a esta fase do processo de
enfermagem. Assim, torna-se necessário a confecção de um modelo padronizado de
evolução de enfermagem que possa também incorporar o modelo teórico adotado e
as necessidades ou diagnósticos específicos dos pacientes neurológicos.
3. CONCLUSÃO
Busca-se assim no modelo conceitual do processo de enfermagem de Horta o
relacionamento entre as diversas fases e uma adaptação desejável ao modelo de
sistematização em nossa realidade, de forma a retroalimentar todas as etapas da
SAE na UR. Talvez, o maior desafio é construir uma nova metodologia de trabalho
de sistematização adaptado à nossa realidade através do referencial de Horta.
Nesta unidade hospitalar foi possível utilizar o referencial teórico de Horta
para a construção do instrumento de coleta de dados e de formulação dos
diagnósticos de enfermagem que estão sendo pouco a pouco incorporados e
implementados entre os enfermeiros com a finalidade de adequar a fundamentação
teórica e científica na prática e execução do processo de enfermagem em
pacientes neurológicos.