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BrBRCVHe0034-71672006000500004

BrBRCVHe0034-71672006000500004

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2006
Issue0005
Article number00004

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Programa de Saúde da Família: um espaço para a reconstrução das representações sociais do processo saúde-doença? PESQUISA

Programa de Saúde da Família: um espaço para a reconstrução das representações sociais do processo saúde-doença?

Family Health Program: a space for the reconstruction of social representations of the health-disease process?

Programa de Salud de la Familia: un espacio para recontrucción de las representaciones sociales del proceso salud-enfermedad?

Liane Oliveira Souza GomesI; Maria Geralda Gomes AguiarII IEnfermeira da Rede Básica da Secretaria de Estado da Saúde da Bahia.

Especialista em Saúde da Família pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), BA. alvares.eduardo@ig.com.br IIEnfermeira, Mestre em Enfermagem. Professora do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana, BA. Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFBA.

geaguiar@uefs.br

1. INTRODUÇÃO Este estudo foi pensado a partir da necessidade sentida na prática profissional como enfermeira de uma equipe do Programa Saúde da Família (PSF) na zona rural de Lafaiete Coutinho-BA, de conhecer as representações sociais de membros de famílias acompanhadas pelo programa acerca do processo saúde-doença, a partir de elementos presentificados em seus discursos relativos às experiências individuais e coletivas de adoecimento, de cuidado do corpo e de cura no cotidiano. Tal inquietação surgiu da suspeita de que o PSF da zona rural de Lafaiete Coutinho-BA, não está dando conta de realizar na prática concreta, um dos objetivos propostos pelo Ministério da Saúde, o de contribuir para a democratização do conhecimento do processo saúde-doença pelas famílias, via organização dos serviços e produção social da saúde.

A política nacional do Ministério da Saúde, na atualidade, aponta o PSF como uma proposta de mudança do modelo médico hegemônicoa(1) para o modelo da vigilância à saúdeb, na perspectiva que este trará respostas à situação de saúde da população, mais condizentes com a concepção de que a saúde é um direito fundamental do cidadão, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, por meio de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde individual e coletiva(2).

O PSF é um programa de reorientação do modelo de atenção à saúde, cuja equipe é formada por médico, enfermeira, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde(3). O programa deve atuar em um território social, político, econômico e geográfico com uma população adscrita, identificando os danos e riscos dessa população, sendo a porta de entrada do sistema de saúde, prestando assistência em todas as fases da vida do indivíduo/família (criança, adolescente, adulto e idoso) com o objetivo de promover a promoção, proteção e recuperação da saúde.

A saúde da família não é, ademais, medicina familiar. Não se trata de, simplesmente, desenhar um sistema de adstrição de famílias a uma equipe médica que, mais proximamente, as atenderá na mesma lógica medicalizadora. Ao revés, sem negar às famílias atenção médica de boa qualidade, procura instituir, na prática social, o novo paradigma da produção social da saúde. Por conseqüência estará referida pela saúde e, não exclusivamente, pela medicina(1).

Assim, ao pensar na atuação do PSF na área de abrangência da zona rural de Lafaiete Coutinho-BA, com uma cobertura de 100% da população, sistematicamente excluída de participação e consumo de bens e serviços, considero que houve um avanço, mas, paradoxalmente, as práticas da equipe de saúde são ainda, embasadas pelo modelo médico dominante, de caráter assistencialista, curativista e medicalizante, visto que as intervenções são centradas no corpo biológico do indivíduo.

Na perspectiva de propor mudanças nas práticas realizadas pela equipe do PSF à população do município de Lafaiete Coutinho, na área de abrangência da zona rural, é que se busca responder as seguintes perguntas com esta pesquisa: Quais as representações sociais do processo saúde-doença de famílias da zona rural acompanhadas pelo PSF? Houve mudanças nas representações sociais do processo saúde-doença das famílias acompanhadas na zona rural, isto é, no saber do senso comum que se estrutura na vida cotidiana, após a implantação do PSF? Assim, busquei conhecer as representações sociais do processo saúde-doença de membros de famílias acompanhadas pelo PSF na zona rural do município de Lafaiete Coutinho-BA, analisando-as no que tange à reconstrução do processo saúde-doença.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Aqui busco articular o enfoque do processo saúde-doença, baseado no modelo de vigilância à saúde - PSF com a teoria das representações sociais.

2.1. PSF: um novo ideário sobre o processo saúde-doença O conhecimento a respeito do processo saúde-doença está associado às concepções que explicam o mundo, os costumes, os valores e as crenças da sociedade em que é gerado, refletindo o pensamento dominante em dado momento histórico. Esta concepção hegemônica pode coexistir com outras formas de explicar e lidar com o processo saúde-doença em cada contexto(4).

O PSF, enquanto programa de construção do SUS requer uma concepção positiva do processo saúde-doença, segundo os princípios de integralidade e universalidade.

2.2 PSF: um programa alternativo ou substitutivo ao modelo hegemônico? No processo de construção do SUS, muito tem se discutido sobre os modelos assistenciais vigentes: o modelo hegemônico e o modelo de vigilância à saúde na perspectiva da proposta do PSF. O primeiro enfoca o processo saúde-doença de um modo em que ocorre a revalorização da clínica, além de seu papel individual, permitindo articulação dos profissionais médicos, no sentido de envolvê-los como atores desse processo. O segundo é incorporado pela proposta do PSF ao ser introduzido no município, enquanto estratégia de reconstrução do modelo assistencial hegemônico para o do de vigilância à saúde, tentando-se tal modificação pela via de organização dos serviços de saúde e da produção social da saúde, através dos princípios da vigilância à saúde(5).

É, portanto, a partir dessa proposta de mudança na concepção do processo saúde- doença, no paradigma sanitário e, principalmente na prática sanitária que podemos pensar em um novo modelo de atenção à saúde, baseado na estratégia de saúde da família, que incorpora os princípios do SUS o modelo de vigilância à saúde.

2.3 Articulando os conceitos de representações sociais e de processo saúde- doença É Serge Moscovici quem concebe as representações sociais como modalidades de conhecimento particular que circulam no dia-a-dia e que têm como função a comunicação entre indivíduos, criando informações e nos familiarizando com o estranho de acordo com categorias da nossa cultura.

Nessa perspectiva é importante entender a representação social do processo saúde-doença, para assim poder desmistificar o que é ser doente ou saudável numa população da zona rural e reintroduzir a partir daí novos conceitos de saúde-doença na comunidade.

Assim, o foco do estudo são as representações sociais de uma comunidade, mais especificamente de famílias acompanhadas por uma equipe do PSF na zona rural de Lafaiete Coutinho-BA, sobre os modos de adoecer, de cuidar do corpo, o que pensam da saúde, da doença e de cura, expressando um saber construído no cotidiano, do senso comum.

3. METODOLOGIA Este estudo se configura numa pesquisa qualitativa por buscar responder a questões muito particulares em um nível de realidade que não pode ser quantificado. Trabalha com o universo das representações sociais de uma comunidade da zona rural abrangendo significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, relativos ao processo saúde-doença.

O campo de estudo é a área de abrangência da Unidade de Saúde da Família - Marimbondo,cujo território é a zona rural do município de Lafaiete Coutinho-BA.

A equipe conta atualmente com 494 famílias cadastradas, numa população de 1.905 habitantes, de acordo os dados do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), atualizado em dezembro de 2002.

Os principais povoados na zona rural são: Amazonas, Lanchinha, Marimbondo, Cajazeiras, São Joaquim e Terra Nova e constituem as microáreas em que atua uma equipe do PSF.

A população total é de 4.103 mil habitantes, segundo dados do IBGE de 2000, com maior concentração na zona rural, cuja atividade predominante é a agricultura, com destaque para a lavoura do café.

3.1 Caracterização do Sistema Local de Saúde O município de Lafaiete Coutinho está habilitado pela Norma Operacional Básica - NOB/96, desde novembro de 1998, na Gestão Plena da Atenção Básica de Saúde.

O município conta com duas equipes de saúde da família, de modo que uma atua na zona urbana e tem como referência a Unidade de Saúde da Família Dr Carlos Silveira Andrade e a outra na zona rural, atingindo uma cobertura de 100% com as duas equipes. A equipe da zona rural é composta por um médico, uma enfermeira, duas auxiliares de enfermagem e cinco agentes comunitários de saúde, que têm como referência a Unidade de Saúde. Devido à grande extensão do território em Km2, a equipe da zona rural atende nas cinco microáreas a 494 famílias cadastradas no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB).

A equipe de saúde da família da zona rural possui um Serviço de Arquivo Médico e de Enfermagem (SAME) organizado por microárea. No fluxograma da Unidade do Marimbondo, a triagem é realizada por agendamento (consulta clínica ou de enfermagem) prévio feito pelo ACS da microárea demanda organizada. O atendimento na unidade é organizado por grupos: crianças, gestantes, hipertensos, diabéticos, mulheres em idade fértil realizando-se ações de prevenção do câncer de mama e de útero, planejamento familiar e de prevenção e tratamento das DST' s, e ainda, nas especialidades básicas como: atendimento ambulatorial a todas as faixas etárias; imunização e procedimentos básicos (curativo, sutura, inalação e administração de medicamentos), fazendo-se encaminhamentos para cidades que oferecem serviços de maior complexidade, quando necessário.

No atendimento da demanda espontânea são incluídos quatro usuários por ordem de chegada para urgência e emergência, conforme critério definido pela comunidade em cada microárea em reunião mensal, com o objetivo de organizar o serviço de saúde.

3. 2 As técnicas de coleta e de análise de dados Utilizamos como instrumento para coleta das informações, a entrevista semi- estruturada. As entrevistas foram realizadas no mês de dezembro de 2002, nas residências das famílias, segundo um roteiro de questões elaboradas. Em respeito aos sujeitos e considerando-se os riscos e benefícios que toda pesquisa envolve, as famílias foram contactadas pela própria pesquisadora, ocasião em que eram informadas sobre o estudo, o seu objetivo e sobre o interesse na sua participação. Houve aceitação por parte de todos, por existir um vínculo da pesquisadora com a comunidade pesquisada. O modelo do Termo de Consentimento Esclarecido, que obedece às recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Foram sujeitos da pesquisa, vinte e três membros de famílias cadastradas pelo programa no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), selecionadas com base no seguinte critério: serem acompanhadas/cadastradas pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) desde 2000, quando se iniciou a implantação do PSF na zona rural, considerando-se que tais famílias teriam mais condições de responder as questões do estudo.

As informações obtidas nas entrevistas foram analisadas mediante a técnica de análise de conteúdo. De maneira geral, a análise de conteúdo tem por finalidade a verificação de hipóteses ou questões e o exame do conteúdo subjacente da linguagem em relação ao contexto em foi produzido, isto é, os sentidos. Assim, a análise de conteúdo possibilita encontrar respostas para as questões da pesquisa e também confirmar ou não as suposições construídas antes do trabalho de campo, propriamente dito. A outra função, diz respeito à descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado. Estas funções articulam-se, sendo complementares no processo de análise(6).

Os discursos foram transcritos originalmente como foram pronunciados pelos participantes. Podemos resumir os procedimentos adotados na análise em dois momentos: • A ordenação dos dados Foi feita a partir da escuta e transcrição dos discursos gravados, sendo que essas expressam o pensamento do pesquisado sobre saúde e doença, o seu modo de agir nas situações de saúde e doença, no momento das entrevistas.

Após esse momento, selecionamos nos textos dos entrevistados, os trechos significativos (as unidades de registro), buscando relacioná-los aos núcleos do sentido. A seguir, realizamos a exploração das entrevistas e a análise, identificando os núcleos de sentido.

• Fase final da análise Na análise final intensificamos o tratamento dos resultados articulando os trechos significativos das entrevistas com o contexto cultural do qual fazem parte os membros das famílias acompanhadas pelo PSF com o referencial teórico sobre o processo saúde-doença. Foram analisadas as convergências e as divergências estabelecidas entre as unidades registro e articuladas ao referencial teórico.

Para efeitos de possibilitar uma correlação dos fragmentos dos discursos dos pesquisados estes foram destacados e identificados entre parênteses com o número da microárea que representa a seqüência das entrevistas realizadas.

4. RESULTADOS 4.1 Perfil dos sujeitos pesquisados e de suas famílias Na construção do perfil foram consideradas as variáveis dos sujeitos: idade, sexo, estado civil, escolarização, ocupação e a posição que ocupa na família e variáveis das famílias: número de componentes e renda mensal.

Foram sujeitos da pesquisa vinte e três adultos e idosos, sendo vinte do sexo feminino e três do sexo masculino, a idade variou de 17 a 62 anos nas mulheres e de 32 a 68 anos entre os homens. Dado o fato de que as entrevistas foram realizadas no horário diurno, talvez isto explique a predominância do sexo feminino, até porque são as mulheres que ficam em casa realizando o trabalho doméstico, sendo que a principal ocupação identificada foi esta (oito), seguida de lavradoras (sete), estudantes (três), aposentadas (duas), professoras (três) e desempregada (uma). Em relação ao estado civil, duas mulheres são viúvas, doze são casadas e dez solteiras. Quanto ao grau de escolarização verificamos a baixa escolarização, sendo que oito dos sujeitos são analfabetas, 12 cursaram o ensino fundamental a série e três cursaram até o ensino médio. Talvez isso se deva a não priorização da educação dos filhos como necessidade por esta comunidade rural, que têm como meio de subsistência a lavoura de café e o trabalho braçal, sendo a renda mensal relatada de 30,00 a 260,00/família. O número de componentes por família é de no mínimo dois e no máximo nove, sendo que dez famílias são numerosas. O Ministério da Saúde considera numerosas as famílias a partir de 4,5 indivíduos. Quanto à posição dos pesquisados na família 16 ocupam a posição de mãe, considerando que são essas que ficam o maior tempo no domicílio, dois de pai e cinco de filhas.

As doenças referidas nas famílias no momento das entrevistas foram três: hipertensão arterial, rinite alérgica e diabetes mellitus. Entre essas doenças a hipertensão arterial foi a mais mencionada, por cinco sujeitos, um referiu hipertensão e diabetes mellitus e um com hipertensão e rinite alérgica. Por ser uma população da zona rural que realiza trabalho braçal ao sol constatamos a prevalência da hipertensão arterial. Além do que a hipertensão arterial e a diabetes mellitus são doenças crônicas, com maior incidência em pessoas acima de 40 anos. É interessante destacar que 16 sujeitos, não fizeram menção a nenhuma doença.

4.2 As representações sociais do processo saúde e doença sob o enfoque da família A saúde é representada como uma sensação de bem estar, como o estado normal do corpo, percebido no seu perfeito funcionamento: é de poder trabalhar e estudar, sentir-se produtivo, o que parece estar fortemente relacionado com uma concepção de corpo produtivo e ao valor que tem para uma comunidade da zona rural que atua na provisão da subsistência própria e da família, mediante a venda da força de trabalho, um trabalho braçal. É também não ter outras doenças além da hipertensão arterial, referida como "a minha doença" pela entrevistada de número sete, ela se preocupa com a possibilidade de ter outra doença qualquer além da hipertensão arterial, pois incorporou a doença, o que parece estar fortemente relacionado ao conhecimento de sua cronicidade.

As representações do que é saúde apontam para um corpo é visto pelos sujeitos como uma máquina produtiva, capaz de gerar o sustento familiar e sem que esse corpo esteja sadio, não se tem disposição para o trabalho, não se é produtivo.

Também podemos perceber que alguns pesquisados associam a saúde a sentimentos percebidos como uma coragem, uma felicidade, uma disposição não para o trabalho e outras atividades do cotidiano, mas a própria disposição para um processo de viver saudável.

Vejamos, o que os sujeitos referiram sobre o que é saúde: É ter coragem (E. 1).

É a pessoa está bem com seu corpo e o organismo funcionando normal (E. 5).

É não queixar de outra doença, minha queixa é pressão alta (E. 7).

É o que traz disposição para trabalhar, estudar e dormir (E. 19).

É a felicidade e ter exposição (E. 21).

Estado do indivíduo em condições normais (E. 22).

Conforme os trechos das entrevistas descritas as representações sociais não restringem a doença apenas ao aspecto biomédico, mas os sujeitos têm uma concepção de saúde e doença muito mais ampla. Relacionam a saúde com sentimentos como a felicidade, a coragem, a disposição, que possibilitam condições subjetivas de construir um modo de viver saudável e, com condições materiais, objetivas como viver bem, alimentado e em um ambiente saudável.

Contudo, outra visão sobre saúde apresentada foi de que: É o atendimento médico para ter saúde (E. 11).

Na concepção de uma entrevistada, a de número 11, a saúde é referida ao atendimento médico, condição necessária para se adquirir saúde, não importando se esse atendimento será capaz de intervir e consertar a máquina produtiva - o corpo.

Os discursos dos pesquisados sobre os modos como se obtém saúde, revelam que é alimentando-se bem, tendo higiene e atividades de lazer e o trabalho, que se constrói um modo de vida satisfatório para a sobrevivência. É tudo isso o que condiciona as possibilidades de estar saudável ou doente no correr da vida.

Assim, as explicações dos sujeitos se aproximam pelo enfoque mais social da saúde que inclui, particularmente, a questão do modo de vida de uma população como algo externo que provoca a doença.

É coisa ruim (E. 8).

Doença é sempre uma surpresa, sempre pega sem avisar (E. 19).

É viver no ambiente desagradável e ter mal alimentação (E. 8).

Nos discursos a doença é figurada como uma coisa ruim, o que expressa uma visão negativa do processo de adoecer. Processo esse, que é relacionado a questões econômicas salariais, é o pior problema que uma família pode enfrentar por ser uma 'caixa de surpresas', ou também, por expressar um mal estar relativo ao próprio contexto de vida. Por exemplo, é viver no ambiente desagradável. Os pesquisados associaram também a ocorrência da doença ao estilo de vida de uma comunidade rural e a fatores ambientais como contaminação da água e dos alimentos colhidos nas roças por agrotóxicos.

Corroboro com Minayo(4) quando esta diz que a concepção de doença nas classes trabalhadoras é localizada no corpo e se encontra vinculada à questão da produção. A saúde é uma condição necessária a uma vida ativa, à própria capacidade para o trabalho.

Para os sujeitos a doença manifesta-se no corpo e se expressa na forma de alguma sensação ou de sintomas percebidos. múltiplas formas de adoecer, através de erros alimentares, da contaminação da água e alimentos, da contaminação por vírus e bactérias e da contaminação por agrotóxicos. , portanto, doenças que são causadas por fatores exógenos, ambientais e pelo estilo de vida.

As representações sociais de saúde e doença dos pesquisados expressam, portanto, a doença como uma impossibilidade para trabalhar, para realizar os afazeres rotineiros e cotidianos de uma comunidade rural.

Os casos de doença na família, segundo os pesquisados são, de modo geral, identificados pela mãe do indivíduo afetado. Também o próprio sujeito que adoece é apontado como alguém que é capaz de detectar alterações e mudanças no próprio corpo. Mudanças e alterações que são passíveis de indicar ao observador uma relação com uma doença qualquer ou uma suspeita de doença.

Ressalta-se o lugar de destaque conferido às figuras da mãe e do próprio sujeito que adoece, como aqueles a quem os pesquisados atribuem a capacidade de reconhecer uma doença provável. O acompanhamento e a avaliação do funcionamento do corpo parece ser uma atribuição da mãe, pela sua condição histórica de cuidadora da casa e dos membros da família, em especial, dos filhos. A mãe foi também identificada pelos sujeitos como aquela que mais cuida dos demais membros da família em caso de doença.

Ao lado do sistema familiar, que atua no âmbito privado, também o sistema de saúde, opera no âmbito público, no sentido do reconhecimento dos casos de doença na comunidade adiscrita, sendo o Agente Comunitário de Saúde, o profissional mais citado, enquanto a figura da equipe de saúde que identifica as doenças que acometem as famílias. Mãe/O próprio doente/Equipe de Saúde da Família (E. 21). ACS/Alguém na comunidade (E. 16).

Em que pese o crescente processo de medicalização da saúde, talvez por se tratar de famílias da zona rural, a capacidade individual daquele que adoece e da mãe em identificar a presença de algum elemento sugestivo de uma doença, em particular, a da mãe, por sua experiência de vida e saberes produzidos e acumulados no cuidado da família ainda é reconhecida.

Todos os pesquisados responderam afirmativamente quando questionados sobre a procura de atendimento na unidade de saúde em casos de doença, o que reforça as afirmações anteriores quanto ao papel fundamental da equipe de saúde no acompanhamento das experiências de adoecimento dos integrantes das famílias.

as razões alegadas para tal busca explicitam as expectativas que os usuários constroem em torno da atuação da equipe: Para não ficar doente (E. 13).

Porque quer ter saúde na família ( E. 14).

Porque precisa procurar (E. 8).

Todos estes trechos articulam-se em torno da idéia de que ao se ter alguém doente na família é necessário procurar a unidade de saúde para que esse não permaneça doente. A unidade de saúde é figurada pelos pesquisados como um espaço onde atua uma equipe de saúde cuja ação é, potencialmente, capaz de alterar o curso de uma doença. Ao lado disso, parece que é atravessada pela concepção da doença como um fenômeno cujos efeitos são passíveis de serem controlados e reduzidos mediante ações de prevenção.

Para saber como tratar da doença (E. 22).

Porque o ACS mora aqui, procurava resolver o caso (E. 07).

E se espera, conforme os trechos acima uma ação resolutiva, portanto, eficaz e de qualidade, quanto ao 'problema de saúde', 'doença' ou 'caso' apresentado por quem demanda uma atenção. Os pesquisados, indicam em seus discursos, estarem cientes de que buscam atenção de saúde. Não uma atenção qualquer. Eles querem ser bem atendidos, e isto é um dever da equipe de saúde.

É possível observar que antes da implantação do PSF as famílias buscavam os serviços de saúde em outros municípios vizinhos, ou ainda o centro de saúde na sede do município e usavam ainda a medicina alternativa como chás e outros.

Assim, vejamos: Procurava os hospitais (E. 13).

Levava para o hospital em Itiruçu (E. 14 e 15).

Procurava o Centro de Saúde na sede no município (E. 16).

Procurava o hospital (E. 22 10).

Procurava o posto de saúde (E. 23).

Houve uma mudança na busca de assistência à saúde responderam por parte da comunidade, pois o acesso aos serviços de saúde não era garantido até a implantação do PSF. A porta de entrada do sistema era o hospital.

As medidas tomadas em caso de doença nas famílias são diversas, usam-se estratégias alternativas que independem de ações instituídas pelo Sistema de Saúde. Por se tratar de uma população da zona rural seus valores culturais, crenças e práticas caseiras relacionadas ao processo de adoecer incluem a procura de curandeiros, fazer rezas, toma chás e outros remédios caseiros. Um fato preocupante, que chamou atenção foram os relatos da prática de automedicação quando alguém da família adoece.

Para essas famílias o médico é um intermediário de suas carências, e a passividade diante do sistema médico é uma forma de resistência. Ao solicitar um remédio, a população está expressando o seu pedido de socorro e de mediação (7). Por outro lado, ela busca outros meios além do serviço de saúde, toma remédios caseiros, faz rezas (práticas terapêuticas religiosas). O que podemos observar é que para uma comunidade rural não existe uma contradição entre buscar a equipe de saúde da família e, logo em seguida, procurar uma rezadeira.

A comunidade acredita no médico, mas não totalmente, assim como também não acredita totalmente na rezadeira. Ela combina as duas formas de atenção, porque essas duas ciências lhe dão respostas diferentes de cura no processo de saúde e doença.

Também, procuram o serviço de saúde visando ser medicado através do profissional médico, conforme os trechos dos discursos abaixo, o que perpassa pela ação de obter uma prescrição, orientação quanto ao uso adequado e próprio acesso à medicação que é gratuita.

Para ser medicado (E. 10).

Para receitar os medicamentos e receber orientações (E. 3).

Porque passa os remédios, pois ele oferece os remédios gratuitamente (E. 23).

A análise possibilitou apreender que as representações sociais sobre o processo saúde-doença estão relacionadas aos valores culturais de uma comunidade da zona rural, às suas experiências de vida, às práticas caseiras de cuidado e de cura, crenças, ao conhecimento do senso comum, mas, também sobre o conhecimento científico do ACS relacionado à saúde, e à doença. Evidentemente, também revelam elementos apropriados dos discursos de outros membros da equipe de saúde.

5. CONCLUSÃO Este trabalho surgiu a partir da suspeita de que o PSF na zona rural de Lafaiete Coutinho-BA, não estava dando conta de realizar na prática concreta, um dos objetivos propostos pelo Ministério da Saúde, o de contribuir para a democratização do conhecimento do processo saúde-doença pelas famílias, via organização dos serviços e produção social da saúde. Ao seu término, percebemos que na nossa prática o PSF está tendo um caráter prescritivo bastante exacerbado modelo hegemônico, não dando a resolutividade para os problemas de saúde, na medida em que exigem uma ação intersetorial. Entretanto, reconhecer este problema não é uma tarefa simples. É um desafio para a equipe e a população, acostumadas com o modelo hegemônico. Portanto, passa por uma luta política visando à superação de importantes obstáculos políticos e administrativos que, ao longo dos anos, vêm se interpondo à frente de quem quer alterar o modelo transição ou adição (modelo hegemônico mais vigilância à saúde). Para que seja possível o trabalho em equipe para a transição ou adição é necessário haver uma interação entre os profissionais da equipe, políticos e toda a comunidade.

As representações sociais dos pesquisados acompanhados pelo PSF sobre saúde, essa é definida como uma sensação de bem estar, como o estado normal do corpo, percebido no seu perfeito funcionamento. De modo que ter saúde é poder trabalhar e estudar, é sentir-se produtivo, o que parece estar fortemente relacionado ao valor do corpo para uma comunidade da zona rural que atua na provisão da subsistência própria e da família, mediante a venda da força de trabalho (um trabalho braçal) e sabe que o corpo é o seu principal instrumento de produção material e de reprodução da própria vida.

Nas representações sociais dos pesquisados a doença é figurada como uma coisa ruim, o que expressa uma concepção negativa do processo de adoecer. Processo esse, que é percebido como o pior problema que uma família pode enfrentar, tanto por exigir o enfrentamento com aquilo que é desconhecido, a doença, como porque, muitas vezes, interfere na capacidade econômica de garantir o sustento de todos.

Em caso de doença na família os pesquisados referem que procuram a Unidade, porque busca resolutividade do problema de saúde, a prevenção e orientação dos profissionais da equipe de saúde. As práticas de cura incluem o uso de chás e rezas, associadas ao uso de medicação e ou o seguimento de orientações da equipe.

Atendendo à finalidade de contribuir para mudanças significativas nas práticas sanitárias realizadas pela equipe da zona rural de Lafaiete Coutinho-BA, apresento as seguintes propostas de ação: reconstruir através da participação social, novos paradigmas sobre saúde, sobre a doença, os modos de adoecer, de cuidar do corpo e da cura; reconstruir em equipe os conhecimentos científicos sobre o processo saúde-doença, baseado no modelo de vigilância à saúde.

O que percebemos ao concluir a pesquisa é que na prática o PSF é um espaço de reconstrução do processo saúde-doença, contudo, é preciso desmistificar conceitos e valores que foram reforçados na cultura local por um modelo de atenção que não enfatizava a prevenção e sim a cura de doenças. Assim, é urgente que a equipe reformule a sua estratégia de intervenção neste território tendo em vista a reconstrução das representações sociais do processo saúde- doença desta população, na perspectiva de um sistema de saúde em defesa da vida.


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