As parteiras e o cuidado com o nascimento
PESQUISA
As parteiras e o cuidado com o nascimento
Midwives and care in childbirth
Las parteras y la atención con el nacimiento
Justina Inês Brunetto Verruck AckerI; Fabrina AnnoniII; Ioná CarrenoIII;
Giselda Veronice HahnIV; Cássia Regina Gotler MedeirosV
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem pela UFSC. Coordenadora e Docente do Curso de
Enfermagem do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado, RS.fvacker@uol.com.br
IIAcadêmica do 7º semestre do curso de Enfermagem do Centro Universitário
UNIVATES, Lajeado, RS. fabrinaannoni@hotmail.com_
IIIEnfermeira. Mestre em Ciências da Saúde - Saúde Coletiva, Docente do Curso
de Enfermagem do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado, RS.
icarreno@univates.br
IVEnfermeira. Mestre em Enfermagem, Docente do Curso de Enfermagem do Centro
Universitário UNIVATES, Lajeado, RS
VEnfermeira. Mestre em Enfermagem, Docente do Curso de Enfermagem do Centro
Universitário UNIVATES, Lajeado, RS. cassiargm@terra.com.br
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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esta pesquisa é fruto das atividades do grupo de estudo "A trajetória do cuidar
em saúde na região do Vale do Taquari" que integra docentes e discentes do
curso de enfermagem do Centro Universitário UNIVATES, cujo objetivo foi
conhecer o cuidado das parteiras com o nascimento, em meados do século passado,
na região do Vale do Taquari, RS.
Os rituais que cercam o nascimento modificaram-se ao longo do tempo, em virtude
de influências significativas do avanço da ciência. O nascimento já foi parte
do cotidiano das famílias. Acompanhado por mulheres parteiras no domicílio e
marcado por grande envolvimento afetivo, permitia que a natureza agisse sem
interferências.
Atualmente o nascimento está cercado de procedimentos técnicos desenvolvidos
para aumentar a segurança do parto, porém está afastado da família, do
componente humano e afetivo.
Para a realização da pesquisa identificamos na comunidade parteiras que
realizavam partos domiciliares e hospitalares, buscando resgatar a cultura do
nascimento da época.
2. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Este estudo de abordagem qualitativa foi realizado em três municípios da Região
do Vale do Taquari, situados no interior do RS, que compõem a área de
abrangência do Centro Universitário UNIVATES.
Realizamos entrevistas semi-estruturadas com quatro parteiras identificadas
aleatoriamente na comunidade, as quais faziam partos domiciliares e
hospitalares. As entrevistas ocorreram em outubro de 2003 em suas residências.
Para análise dos dados, utilizamos o método de Análise de Conteúdo de Bardin
(1). Da análise dos dados das entrevistas com as informantes emergiram cinco
categorias: a) A motivação para ser parteira; b) A aprendizagem do fazer da
parteira; c) A contextualização do fazer da parteira; d) O desenvolvimento do
cuidado; e) As compensações do trabalho.
Os nomes das parteiras são simbólicos, a fim de resguardar sua identidade.
Conforme os preceitos contidos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde(2), as parteiras assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
que contém todas as informações referentes à pesquisa, bem como ao anonimato e
sigilo.
3. REVISÃO DA LITERATURA
A concepção, a gravidez e o parto são alguns dos fenômenos naturais que ocorrem
na vida da maioria das mulheres. Estes fenômenos sofrem influências sócio-
culturais do meio, principalmente as relacionadas ao ritual do nascimento, que
está cercado de simbologia, ligada a determinantes culturais(3).
A sociedade dispõe de regras que regulam a vida das pessoas, entre elas citamos
as relacionadas ao nascimento que modificam a universalidade dos fatos
biológicos. Tais regras especificam o local apropriado para a ocorrência do
parto, determinam as pessoas que podem assisti-lo, indicam o comportamento mais
apropriado à mulher no decorrer do processo e até a forma de reagir ao
nascimento do bebê. "Dar a luz a uma criança nunca é simplesmente um ato
fisiológico, mas um evento definitivo e desenvolvido num ambiente cultural"(4).
O nascimento é um evento carregado de significados e tratado
comportamentalmente diferente nas diversas sociedades, Estas sociedades,
representadas por diferentes grupos étnicos, raciais, religiosos e mesmo
classes sociais, marcadas por múltiplas e diferentes culturas, possuem uma
diversidade de orientações em relação à saúde, bem como em relação a métodos e
práticas relacionados ao ciclo gravídico-puerperal. Vários autores se referem a
eles como rituais. Monticelli(5) relata que os ritos de passagem são rituais
que representam a forma através da qual as pessoas se relacionam e desenvolvem
diferentes papéis sociais. Os rituais caracterizam-se pelo seu alto teor
simbólico e por serem vivenciados de forma compartilhada. Junqueira(6) define
ritos como o conjunto de atos e práticas desenvolvidas da mesma forma em
determinados momentos, trazendo em si um simbolismo corporificado e eternizado.
Em algumas comunidades, o rito do nascimento era cercado de várias crenças e
tabus, entre eles o de o sangue ser considerado contaminado, como ilustra o
estudo de Faithorn apud Monticelli(5). Por esse motivo, muitas vezes, a mulher
era retirada do lar para ter o bebê. Depois era proibida de cozinhar e de
compartilhar a cama com o marido. A placenta e o cordão umbilical eram
enterrados pela própria parteira. No estudo de Laderman apud Monticelli(5), o
resultado do parto dependia da harmonia do feto e da mãe, e desta com a
parteira, sendo ela sempre alguém de confiança da gestante e escolhida com
antecedência para firmar este elo.
A assistência à mulher durante o parto foi realizada durante muito tempo por
outras mulheres, chamadas de parteiras ou assistentes de parto. Estas podiam
ser amigas, mães, vizinhas ou pessoas escolhidas nas comunidades, consideradas
capazes de colaborar com a futura mãe em alguma tarefa relacionada ao parto(5).
Até o século XVII, quando surgiram os primeiros e escassos parteiros, era
tarefa exclusiva da mulher.
Maldonado(7)concorda com esta afirmação, porém lembra que no campo os homens
que atendiam o parto de animais também auxiliavam o nascimento de crianças; ao
contrário dos homens da cidade como artesãos, comerciantes e escrivães, que
nada sabiam fazer no momento do nascimento. As parteiras eram nomeadas pelo
sacerdote ou pela assembléia de mulheres, cuja presença contribuía para um
clima favorável à parturiente. Além disso, era fundamental a presença da mãe da
parturiente.
Maia apud Neves(8) afirma que a profissão parteira é uma das mais antigas, já
reconhecida na Bíblia, no livro do Êxodo. Há relatos dando conta de que as
parteiras deveriam ser asseadas, sem vícios, idôneas, honestas,
preferencialmente viúvas, possuir destreza manual, conhecimentos fisiológicos,
bem como conhecer os rituais ligados ao nascimento.
Neves(8) auxilia-nos a refletir sobre o ritual do parto como um momento de
integração entre seres humanos, principalmente entre mulheres.
A parturição sempre teve o poder de agrupar mulheres, vizinhas, amigas e
parentes próximas em volta da parturiente, gerando amizades profundas,
comadrismos, um grande número de crenças acompanhadas de um universo simbólico,
além de invocações aos mais diversos santos (...).
De qualquer forma, a autora continua, "(...) o que sabemos é que elas
trabalharam, e muito, desde os primórdios da civilização, sem uma remuneração
concreta, sem horário cronometrado e, às vezes, até sem preparação para tal
função".
Segundo Helman(9), grande parte do conhecimento das parteiras era adquirido por
meio da própria experiência de gravidez e parto. A partir da última metade do
século XIX, as parteiras foram gradualmente sendo incorporadas ao sistema
médico, mesmo havendo oposição por alguns destes profissionais, cabendo às
parteiras, porém, a execução do parto normal. Para o autor, a maioria dos bebês
veio ao mundo por meio das mãos das "assistentes tradicionais de parto", do
sexo feminino, especialmente nas zonas rurais dos países em desenvolvimento.
Além de ajudar no parto, elas prestavam cuidados antes e após o nascimento,
cumprindo rituais importantes de acordo com a cultura local. São chamadas de
Parteiras no México, Comadronas em Porto rico, Nanas na Jamaica, Daias na Índia
e as Dayas no Egito. No Brasil, registram-se denominações de Curiosa, Comadre,
Leiga, Domiciliar, Aparadeira, Capoteira, Habilidosa, Entendida e Assistente.
As crenças relacionadas principalmente à gestação e ao parto têm sofrido
modificações ao longo dos séculos, acompanhando a evolução tecnológica na área
da saúde. O parto passou de uma atividade empírica, realizada por pessoas
leigas, a uma prática institucional, realizada dentro dos hospitais pelos
médicos.
Rezende(10) refere-se ao cuidado prestado pelas primeiras parteiras como sendo
guiado pela ignorância e por pouco discernimento. Eram transmitidos de geração
em geração práticas desarrozoadas, feitiços e crendices, bebidas repugnantes e
flagelações, que mais poderiam complicar a parturição do que auxiliar. Para o
autor, as mulheres mais velhas, com multiparidade cumprida, passaram a cuidar
com conselhos e práticas diversas as principiantes, porém, eram ignorantes,
feiticeiras, sendo seus préstimos discutíveis. Como aspecto positivo ressalta
apenas a ajuda psicológica prestada por elas às mulheres na hora do parto.
Em uma breve recapitulação histórica, verificamos que entre os séculos XVI e
XVII, o cirurgião começa a despontar neste cenário. Conforme Foucault(11), até
o século XVI, na Europa, a noção de cirurgia era tarefa de homens rudes e
ignorantes. Por esse motivo, a obstetrícia era deixada a cargo das mulheres.
Somente em casos mais graves, recorria-se ao cirurgião ou ao médico. Alguns
depoimentos coletados por Magalhães apud Foucault(11) atestam a raridade com
que se solicitava a presença de um médico no momento do parto, dando
preferência às parteiras, em virtude do excesso de pudor em relação ao
profissional homem. Porém, gradativamente, o parto deixa de ser um "assunto de
mulheres", e passa a ser uma atribuição médica, cada vez mais complexa.
A cadeira obstétrica, popularmente utilizada até então, deixou de ser carregada
para a casa da parturiente e passou a ser utilizada apenas pela nobreza, pois
integrava o enxoval da noiva. Eram ricamente esculpidas e forradas de veludo
(7).
Com a introdução da mesa de parto, das argolas e das correias, a mulher passa a
dar a luz a seu bebê, deitada. A posição de decúbito dorsal começa a ser
utilizada para facilitar o trabalho médico e a utilização de seus instrumentos.
Posteriormente, surgem os refletores. O pai, pouco presente até então, é cada
vez mais excluído deste processo(7).
Rhoden(12), em um extenso estudo, relata que, na Europa, em 1799, havia exames
para ganhar o título de cirurgião. Esse tipo de formação breve também
caracterizava a das parteiras, que deveriam submeter-se a um exame para
obtenção da carta que regularizava a profissão. Em 1832, no Brasil, foi criado
um curso de partos para as senhoras parteiras, para que aprendessem, de acordo
com os preceitos da ciência, a maneira correta de atender as mulheres no
momento do parto e dispensar os primeiros cuidados com a criança. Propagou-se,
então, a idéia das parteiras com certificado concedido pelos médicos. Mais
qualificadas, tornaram-se legítimas e requisitadas pelas famílias mais
poderosas. Nesta época, desembarcam no Rio de Janeiro, parteiras francesas
formadas, com novas técnicas e prescrições.
Por volta de 1978, tendo em vista o fortalecimento da medicina nesta área,
passou-se a atribuir às parteiras a freqüente infecção puerperal justificando-
a com a falta de higiene e assepsia. Os médicos também combatiam as técnicas de
aborto, segundo eles, conhecidas e executadas pelas parteiras em qualquer
situação(10) .
Portanto, a medicina vai tomando a frente do gerenciamento da saúde feminina e
da reprodução. Aos poucos, vão surgindo as especializações e as práticas
relativas ao manejo do corpo feminino. No final do século XIX, surgem, no RJ,
as primeiras maternidades. As parteiras diplomadas são convidadas a trabalhar
sob o controle absoluto dos médicos(14).
A institucionalização do parto nos hospitais começou a partir de 1930, quando o
índice de partos hospitalares superou o de partos domiciliares, tornando-se um
ato quase que exclusivamente médico(9). A institucionalização do atendimento
médico e do parto torna-o medicalizado. Conseqüentemente, a mulher deixa de ser
sujeito da ação para tornar-se objeto. Além disso, a internação hospitalar
favorece a separação da gestante de sua família, despoja a mulher de suas
referências e torna-a uma propriedade da instituição.
Assim, o nascimento de um novo ser torna-se um processo desumano, artificial e
complexo, pois ocorre distante do ambiente familiar. Pais e mães sentem-se cada
vez mais incompetentes e despreparados para o parto(13).
Em relação à enfermagem, estudo feito por Simões14 revelou que a inserção da
enfermeira nas propostas e políticas de assistência ao parto e nascimento
ocorreu apenas no início do século passado, apresentando um caráter
essencialmente de prevenção e de educação das mães. À enfermeira de saúde
pública, cabia difundir e aconselhar, nas visitas domiciliares, preceitos de
higiene, bem como orientar as mães sobre os meios de manter sua prole sadia,
para evitar ou curar males e regularizar a alimentação. Este modo de inserção
pode ser classificado como operacional, pois se revestia da repetição de ações,
visando minimizar problemas nesta área. "Assim, a enfermeira teve um papel de
fazer, de produzir, de tratar e de cuidar da saúde da mulher e de sua prole
(...)".
A primeira referência a um ensino voltado à obstetrícia e puericultura para
enfermeiras foi no primeiro currículo do curso de enfermagem, proposto e
implementado pela escola Ana Néri em 1923. Nos últimos quatro meses de
formação, os conteúdos eram voltados aos princípios e organização da higiene
infantil; higiene pré-natal; cuidados e ensino a grupos de mães e de crianças;
causas da mortalidade infantil; leis sobre saúde e higiene e manutenção da
saúde.
Segundo a mesma autora(14), o conhecimento teórico sobre o assunto não foi
acompanhado de atividades práticas, o que contribuiu para a implementação
inadequada das normas estabelecidas na legislação do governo brasileiro. Hoje,
com o incentivo do Ministério da Saúde, está sendo resgatada, na formação e
atuação de enfermeiras obstétricas, através da criação de vários cursos de
especialização e residência em enfermagem obstétrica, a humanização do parto,
do nascimento.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conhecendo os sujeitos do estudo
A partir da análise dos dados, emergiram 05 categorias: a) A motivação para ser
parteira; b) A aprendizagem do fazer da parteira; c) A contextualização do
fazer da parteira; d) O desenvolvimento do cuidado; e) As compensações do
trabalho.
4.1 Motivação para ser parteira
Segundo os dados, três informantes tomaram-se parteiras por necessidade social
e somente uma por opção pessoal.
Três parteiras começaram a trabalhar em hospitais da região ainda bastante
jovens, uma, com 13 anos de idade. Iniciaram fazendo várias atividades: duas
como atendentes de enfermagem e uma na cozinha.
Depois passaram a auxiliar nos partos, e, por necessidade do hospital, foi-lhes
recomendado fazer o curso para parteiras.
Apenas uma relatou que:
"desde criança eu me envolvia sempre com crianças,... e então eu
sempre pensei quando eu crescer eu vou ser uma enfermeira ou uma
parteira, trazer nenê no mundo, e com 17 anos eu já comecei a
conseguir meu sonho..." (Santa).
Ela acredita ter o dom de ser parteira, pois para isso "precisa ter muita
paciência" (Santa). Após seu casamento, o marido preferia que ela não
trabalhasse, mas ela continuou, pois era muito procurada pelas pessoas.
Mesmo tendo sido convidada para fazer medicina, recusou, preferindo ser
parteira.
4.2 A aprendizagem do fazer da parteira
Os dados levantados mostram que o fazer das parteiras foi aprendido de duas
maneiras: somente com a prática ou através de cursos específicos.
Das quatro parteiras entrevistadas, apenas uma delas não fez curso para
desenvolver a ocupação. Bela aprendeu a fazer partos, acompanhando as demais
parteiras e o médico nos procedimentos. Relata que, aos 15 anos, atendia os
doentes e, aos 19 anos, já fazia partos sem distócia, tanto nos domicílios como
nos hospitais.
As parteiras Santa, Madalena e Angélica freqüentaram cursos promovidos pelos
hospitais, que duravam aproximadamente seis meses. As aulas, de enfermagem
obstétrica, obstetrícia patológica e ginecologia, eram ministradas por médicos
e parteiras. Após as aulas teóricas, realizavam práticas nos hospitais. Segundo
Rhoden12, no Brasil, as parteiras passaram a trabalhar com certificado
concedido pelos médicos a partir de 1832.
4.3 A Contextualização do fazer da parteira
Conforme os relatos, todas as informantes realizavam partos domiciliares.
Sempre que a família desejasse, eram chamadas para atender a gestante. O
deslocamento responsabilidade da família. Uma delas diz que ia de táxi ou a pé;
outra afirmou que, por ser no interior, traziam um cavalo para que ela fosse
até a residência da gestante. Algumas vezes cavalgava horas e atravessava o rio
com caíque (pequena embarcação para transportes a curtas distâncias)(15),
independente das condições do tempo.
A clientela atendida pelas parteiras era de diferentes raças, crenças e níveis
sócio-econômicos. Muitas famílias eram pobres, não tinham acesso a água tratada
e energia elétrica. Eventualmente, as parteiras passavam frio e fome durante o
período em que permaneciam "ao lado da gestante", às vezes, por mais de um dia.
No parto domiciliar, usavam o que havia de mais limpo na casa. Uma delas relata
que foi fazer um parto, mas não tinha bacia para lavar o bebê; retirou o feijão
que estava numa bacia que foi utilizada porque não existia outra.
O número de partos realizados varia de acordo com o tempo de ocupação e/ou a
região em que residiam. Angélica, diz ter feito mais de nove mil partos, pois
foi parteira por mais de 50 anos.
As entrevistadas afirmaram que os partos, quando domiciliares, aconteciam em
diversos locais da residência: Santa diz ter realizado um parto numa "roça de
aipim". Normalmente, os partos aconteciam dentro de casa. Era preparado o
quarto do casal para realizar o procedimento. As parteiras recebiam auxílio do
marido, da mãe ou da vizinha, o que confirma Neves(8) quando diz que a
parturição tinha o poder de agrupar vizinhas e parentes, gerando amizades.
Salientamos que, conforme Maldonado(7), o pai foi gradativamente sendo excluído
da vivência do parto.
Geralmente, as outras crianças da família eram encaminhadas para os cuidados
dos vizinhos, amigos ou parentes. Segundo Santa, quando os partos aconteciam
nos barracos, as crianças "espiavam" e então os vizinhos as "enxotavam".
As parteiras levavam consigo pinça, tesoura, gaze, cordão, luvas, agulha e fio
para sutura, que seriam usados caso ocorresse rompimento do períneo. Todos os
demais materiais e utensílios eram pegos na própria casa, entre eles: a bacia,
roupas, sendo estas de preferência brancas e limpas.
Três parteiras afirmaram que grande número dos partos por elas realizados
acontecia nos hospitais de suas comunidades. Angélica, em seus últimos 20 anos
de vida profissional, atuou apenas no hospital. As parteiras relatam que os
partos hospitalares eram feitos por elas. O médico somente vinha se houvesse
alguma complicação, como, por exemplo, um parto transverso. As demais posições
fetais eram atendidas pelas parteiras. De acordo com Helman(9), foi partir da
metade do século XIX que as parteiras foram incorporadas ao sistema médico.
As parteiras relatam que os médicos "exigiam" que fosse feito episiotomia em
todos os partos de primigestas. No hospital assumiam o papel de auxiliares dos
médicos quando eles estavam presentes. Nos casos de distócia, era utilizado
fórceps pelo médico e a parteira só auxiliava.
Uma delas relata que fazia as anestesias com éter sempre que fosse parto
cesáreo.
Nas cirurgias eu fazia as anestesias com Éter, usava uma armação tipo
bornal com gazes no interior e isto tava adaptado numa luva onde
podia ser observado se a pessoa respirava forte ou fraco. Eu ia
pingando o éter conforme tava a respiração da pessoa, a gente via na
luva, se ficava fraca pingava menos (Bela).
4.4 O Desenvolvimento do cuidado
As parteiras relataram que, na maioria das vezes, faziam o pré-natal das
gestantes e, após o parto, realizavam o acompanhamento da puérpera e do bebê.
Este dado confirma a literatura apresentada por Laderman apud Monticelli(5) ,
que diz que a parteira era escolhida com antecedência pela gestante.
Afirmam que nos partos domiciliares nunca perderam "mãe e filho", ou seja,
nunca morreu mãe e filho. Este relato contradiz Rezende(10), ao referir que as
parteiras eram causadoras de complicações e morte das mães e dos bebês.
Bela relata que raramente a mãe tinha os pés edemaciados, na opinião dela,
porque as mulheres caminhavam mais. Já Santa afirma que quando ela via que os
pés estavam muito "inchados", encaminhava a gestante ao médico. Segundo as
informantes, as cesarianas eram raras.
Todas as parteiras faziam uso de proteção pessoal devido ao risco do contato
com o sangue. Usavam luvas e lavavam as mãos. Conforme relato de Bela, os
materiais eram fervidos, colocados em álcool ou esterilizados, na autoclave do
hospital.
Após a expulsão do bebê, mediam o cordão, chegando mais ou menos a 15
centímetros. Uma delas relata que "quando parasse de pulsar", pinçava e
amarrava-o com um cordão que estava no álcool, e depois cortava-o.
Em seguida, mostravam o bebê para a mãe, realizavam o banho de imersão com água
morna, limpavam e secavam o bebê. Depois disso, colocavam gazes embebidas com
álcool no umbigo e o enfaixavam. A parteira Bela diz que sempre colocava o coto
umbilical deitado sobre o lado esquerdo do abdômen do bebê, pois "assim ele ia
secar mais rápido". Madalena diz que o bebê permanecia com a faixa por três
semanas, ou seja, durante este período o bebê não recebia banho de imersão.
Santa acompanhava o bebê diariamente até cair o "umbigo", segundo ela, para
evitar o tétano. Elas também eram responsáveis por registrar os dados do
nascimento.
Olha eu tenho os livros de parto porque eu tinha que levar ao posto
de saúde todos os meses para o médico chefe assinar né, porque tinha
que registrar o nascimento do filho, a hora, e dos pais. O chefe
médico do posto de saúde assinava todos os meses, é o livro de parto
(Santa).
Todas as parteiras examinavam a posição fetal apalpando o abdôme. Se as
condições fossem favoráveis ao parto normal, atendiam no domicílio. Segundo
Santa, quando a bolsa rompia muito cedo, a gestante era encaminhada ao
hospital. O parto acontecia com a mãe deitada na cama, com os membros
inferiores fletidos. Conforme Maldonado(7), esta posição facilitava o trabalho
do médico e a utilização dos seus instrumentos.
Havia preocupação com a higiene: protegia-se a cama com plástico e sobre ele
colocavam um lençol preferencialmente branco e limpo. A pessoa que auxiliava no
período expulsivo, normalmente o esposo, a mãe, ou a vizinha, levantava a
cabeça da mulher e, se fosse necessário, comprimia o abdômen. Algumas mães
gritavam ou eram agressivas; já outras colaboravam com a parteira para agilizar
o parto. Após a expulsão da placenta, examinavam "para ver se tinha saído
tudo". Bela relata que o marido enterrava a placenta onde achasse mais
conveniente. Este fato faz parte do rito do nascimento, conforme descrito por
Faithorn apud Monticelli(5).
Segundo as parteiras, as mulheres amamentavam e faziam o resguardo, tomando,
sempre que possível, sopa de "galinha" após o parto. Além dos cuidados com o
parto, as parteiras ajudavam as mulheres nos serviços domésticos. "Matei um
frango, fiz sopa, fiz doze cucas, limpei a casa, fiz o parto e lavei tudo"
(Santa). Conforme Helmann(9), este costume fazia parte da cultura das zonas
rurais dos países em desenvolvimento.
4.5 As compensações pelo trabalho
Nesta categoria, pudemos perceber duas formas de compensação: o retorno
financeiro e o reconhecimento social.
As parteiras recebiam por parto, quando era domiciliar, e um salário, quando o
parto era realizado no hospital ao qual estavam vinculadas.
Relatam que o valor era pequeno, o que se confirma considerando que nenhuma
delas tem posses de valor.
Nos partos realizados em domicílio, geralmente o trabalho iniciava no pré-natal
e terminava após a queda do coto umbilical, mas elas recebiam apenas pelo
parto, o equivalente hoje, a aproximadamente R$ 35,00.
No hospital, as parteiras realizavam praticamente todos os partos, sendo que os
médicos faziam as cesarianas, quando necessário. No entanto, segundo o relato
de uma delas, quem recebia o pagamento pelo parto, do antigo INAMPS, eram os
médicos. "Enriqueci todos estes médicos velhos daqui" (Santa). Este dado
confirma Neves(8) quando diz que as parteiras trabalhavam muito, sem uma
remuneração concreta e um horário cronometrado.
O reconhecimento social parece ser a maior compensação das parteiras pelo seu
trabalho. Falam dele com orgulho, dizem que as pessoas vinham buscá-las em
casa, preferindo o seu atendimento ao do médico.
Uma delas relatou que a chamavam de "Santa", e que tinha clientes de outras
cidades que vinham de avião para ter o bebê com ela.
"Ainda hoje as mulheres trazem as bisnetas para eu conhecer" (Santa).
Às vezes ganhavam presentes como agradecimento pelo atendimento dispensado.
A satisfação vinha também pelo trabalho realizado. "Era muito emocionante, a
gente até chorava de alegria" (Bela).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo olhar das parteiras, conhecemos uma parte da realidade dos partos e
nascimentos ocorridos na Região do Vale do Taquari, em meados do século
passado. Observamos que a transição dos partos domiciliares para hospitalares
intensificou-se por volta da década de 50 e atingiu o máximo da inversão (a
maioria hospitalar) na década de 80, principalmente na zona rural.
Verificamos que a maioria das parteiras buscou a ocupação devido a uma
necessidade institucional (dos hospitais) e de trabalho. Mesmo assim, tornaram-
se referência nas suas comunidades e, por isso, foram muito solicitadas para
realizar partos domiciliares.
As parteiras aprenderam os cuidados com o parto e o nascimento em cursos
específicos, para onde eram encaminhadas pelos próprios hospitais. No entanto,
este conhecimento era completado com a prática do cotidiano.
Nos domicílios, as condições eram precárias e improvisadas. Embora, hoje, a
forma de preparo do material para utilização no atendimento ao parto não seja
considerada correta, segundo elas, nunca morreram mãe ou filho "nas mãos
delas". Este relato requer estudos mais aprofundados, para identificar se houve
complicações decorrentes dos partos por elas atendidos.
Constatamos, através dos relatos que, no hospital, a maioria dos partos eram
realizados pelas parteiras, exceto os partos com distócia e as cesarianas, que
eram realizados por médicos aos quais algumas delas auxiliavam, cumprindo
inclusive a função de anestesista.
Percebemos que as parteiras seguiam uma sistemática de cuidados, entendida hoje
como empírica. Todas cumpriam as etapas básicas de cuidados indispensáveis à
mãe e ao bebê. Os procedimentos eram semelhantes entre as parteiras, mas
adaptados a cada especificidade social, familiar e cultural.
Foi unanimidade entre as parteiras o fato de terem tido muita paciência e calma
para que o parto fosse normal, aguardando o tempo que fosse necessário para o
nascimento do bebê. Outro aspecto relatado foi o uso da criatividade,
improvisando o cuidado, especialmente quando se tratava de parto domiciliar em
famílias com menor poder aquisitivo. Vale salientar que muitas dessas famílias
eram de agricultores, que, na época, na maioria das vezes, não tinham condições
de pagar pelo atendimento hospitalar.
Ao longo deste estudo, pudemos perceber que as parteiras realizaram seu
trabalho com muita dedicação e empenho, cuja compensação, na maioria das vezes,
dava-se pelo reconhecimento social e pela alegria do parto e nascimento
saudáveis.
Em suma, o momento do nascimento sempre será descrito como sendo individual e
único, podendo ser carregado de simbolismos, tanto para a mãe como para a
pessoa que presta o cuidado. Dessa forma, entendemos ser este um objeto de
contínuos estudos, nas mais diferentes abordagens.