Ambiente do Centro Cirúrgico e os elementos que o integram: implicações para os
cuidados de enfermagem
INTRODUÇÃO
Na especificidade do centro cirúrgico, a dinâmica do cuidar e os cuidados de
enfermagem são muito voltados à objetividade das ações, cuja intervenção é de
natureza técnica, visando à recuperação do cliente. Dadas as características do
setor, a interação social no cuidado muitas vezes é restrita. A presença da
enfermeira junto ao leito, a demonstração de afeto, o toque, a conversa também
são restritos face às atividades outras do setor, o que não quer dizer que não
haja expressividade no cuidado. Isto acontece, por vezes, não no sentido de
desmerecer ou desvalorizar os aspectos do cuidar que são da ordem da
subjetividade, mas porque, neste setor, a atenção ao órgão físico como central
é necessária. O pouco tempo de convivência com o cliente no centro cirúrgico
embora não seja o determinante, pode também interferir na construção da relação
entre ele e a enfermeira.
Uma situação frequente na estrutura organizacional da instituição hospitalar em
geral é o quantitativo dos profissionais de enfermagem, geralmente em número
insuficiente em relação à demanda das necessidades de um processo de cuidar
holístico e humanizado. Por um lado, este aspecto pode resultar em uma
priorização das atividades gerenciais e dos cuidados instrumentais em relação
aos do tipo expressivo, determinante para a construção de uma base sustentadora
no cuidado junto ao cliente. Por outro lado, acaba também por afetar o ambiente
psicológico dos profissionais que se sentem pressionados e assoberbados com
suas inúmeras atribuições, acrescidas da escassez de recursos materiais no
desenvolvimento de suas ações, prejudicando, por vezes, o diálogo, a troca de
informações e experiências, e o desenvolvimento de um trabalho harmônico e
solidário, fragilizando as relações estabelecidas entre eles(1-2).
Mesmo quando não se encontra presente no cuidado direto a enfermeira presta
cuidados indiretos ao cliente, no planejamento e na delegação de ações, na
previsão e provisão de recursos, na capacitação de sua equipe, visando sempre à
concretização e melhorias no cuidado. Portanto, ela toma as devidas
providências para que os profissionais possam exercer suas funções do modo mais
eficiente possível, criando um ambiente favorável ao desenvolvimento de seu
trabalho, propiciando, assim, a qualidade da assistência que os clientes
necessitam. Deste modo, esta profissional congrega uma série de ações que no
seu conjunto visam proporcionar a restauração plena do cliente(3).
Compartilhamos dessa concepção de cuidado imbuído da interação com o meio
ambiente entendido como orgânico. Ademais, vale dizer que o cuidado nessa visão
inclui, também, a integração entre os profissionais e destes com os clientes.
Ou seja, um cuidado em que se considera além dos aspectos ligados ao corpo
biológico, e os interativos, com o ambiente físico e social maior, aquele que
se evidencia no intrapessoal, valorizando a expectativa e o desejo do outro no
processo de cuidar.
Ocorre que, dada a dinâmica e a finalidade mesma do setor que ora nos ocupamos
em discutir muito centrada na intervenção corretiva; além de a natureza
rotativa da clientela neste setor associada à dificuldade da presença efetiva
da enfermeira junto ao cliente neste espaço, os cuidados de enfermagem que não
se expressam no procedimento técnico e no emprego de tecnologias de ponta
acabam não tendo, por vezes, a devida visibilidade, ainda que todas as ações
realizadas pela enfermeira tenham como foco de interesse e preocupação, o
cuidado ao cliente no intento de sua restauração plena. Essas ações se voltam
ao ambiente em que o cuidado ocorre. No seu bojo estão situados, além dos
sujeitos envolvidos no processo de cuidar, fatores que permeiam e implicam em
todo esse processo(1).
Se, por um lado, é essencial o cuidado que se constrói no encontro entre
sujeitos, no caso, da enfermeira com o cliente, por outro lado, ainda que nem
sempre o cuidado por ela desenvolvido se construa na relação face a face com o
cliente, há uma série de ações realizadas pela enfermeira que caracterizam sua
pré-ocupação com ele, logo, com o cuidado a este, garantindo-lhe conforto e
bem-estar. Daí a importância de dissertar sobre os elementos que integram o
ambiente do centro cirúrgico e suas implicações para a dinâmica de cuidar e
para os cuidados de enfermagem, sendo este o objeto do presente estudo. Os
objetivos foram: caracterizar os elementos que integram o ambiente do Centro
Cirúrgico; e analisar as implicações desses elementos para a dinâmica de cuidar
e para os cuidados de enfermagem.
BASE TEÓRICA
O estudo se ancorou nos princípios da Teoria Ambientalista(4). Esta teoria
concebe o ambiente em todos os seus aspectos - físico, psicológico e social,
uma vez que estes interferem diretamente no conforto e bem-estar das pessoas,
influenciando na manutenção ou na restauração de sua energia vital. Destaca que
quando um ou mais aspectos do ambiente encontra-se desequilibrado, o cliente
deve usar maior energia para contrabalançar o estresse ambiental, o que retira
de si a energia necessária para a cura. Nesse sentido, a ação da Enfermagem é
fundamental na organização e manutenção do ambiente, cabendo aos seus
profissionais nele intervir, "tudo com um mínimo de dispêndio da
capacidade vital do paciente"(4). Dessa forma, ele não usa sua energia
disponível para adaptar-se ao ambiente, mas sim, a utiliza para sua
recuperação. Segundo esta teoria4, o papel da enfermeira é o de colocar o
cliente na melhor posição para que a natureza possa agir sobre ele. Portanto,
as intervenções desta profissional devem se assentar no equilíbrio do ambiente
para que o cliente canalize todas as suas energias a favor de sua recuperação.
Embora haja uma ênfase sobre o ambiente físico, na atenção à ventilação,
iluminação, limpeza, aspectos estes que, quando adequados, são capazes de
manter o organismo em condições favoráveis para o restabelecimento da saúde do
cliente, as preocupações da teoria ambientalista também incluem os aspectos
psicológicos, referentes aos relacionamentos estabelecidos entre profissionais
e clientes, além dos profissionais entre si; e sociais desse ambiente,
relacionados ao ambiente total do cliente, isto é, para além do espaço
hospitalar. Inclui as suas condições de vida e de visão de mundo que interferem
no seu processo saúde-doença. Deste modo, esta teoria nos apóia na discussão
sobre como intervir no ambiente do centro cirúrgico físico, social e o de
relações interpessoais, de modo a torná-lo promotor de saúde/cuidados.
MÉTODO
Estudo qualitativo, realizado em um hospital universitário geral, de grande
porte, situado na cidade do Rio de Janeiro. Os sujeitos foram 12 enfermeiras
atuantes no centro cirúrgico. Utilizou-se a entrevista semi-estruturada
conjugada à técnica de criatividade e sensibilidade (TCS) denominada
"Mapa-Falante"(5), além da observação participante na produção dos
dados. Essa técnica consistiu na construção individual de um mapa geográfico do
cenário estudado por cada sujeito, a partir da seguinte temática: "Fale
sobre a sua atuação no Centro Cirúrgico". Os dados foram analisados com
base na análise de conteúdo temática(6). O estudo atendeu aos princípios da
Resolução 196/96, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
referido hospital (Protocolo nº 209/08). Da análise de conteúdo temática
emergiram as categorias: 1) Características físico-estruturais e de
funcionalidade do centro cirúrgico do HUCFF. Subcategorias: A presença de
ruídos e outros componentes físicos; Dificuldades materiais e de recursos
humanos. 2) O ambiente psicológico e social do centro cirúrgico. Subcategorias:
Aspectos implicados nas relações entre clientes e enfermeiras; Relações entre
os profissionais de saúde.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Características físico-estruturais e de funcionalidade do cenário do estudo
O centro cirúrgico do Hospital Universitário, dotado de 21 salas de cirurgia,
atende à legislação que trata de sua funcionalidade(7). Seu formato retangular
é o recomendado uma vez que proporciona uma funcionalidade das áreas que
compõem a unidade, permitindo a observação constante dos pacientes:
Eu coloquei só quatro(salas de cirurgia)aqui(referindo-se ao seu mapa
falante) pra indicar que elas todas de um mesmo lado do Centro
Cirúrgico.(...) A importância dessas salas de ficarem ali é porque do
outro lado, a gente vai ter as salas de apoio, que são salas que
ajudam em determinadas situações de que a gente precisa pra resolver
dentro do centro cirúrgico. Essas salas de apoio, eu botei como
exemplo, o raio-X, o laboratório, a sala de vídeo, o expurgo, a
patologia, e tem outras, tá?! Mas, fiz um exemplo assim[referindo-se
ao seu mapa falante]pra você entender o porquê que essas salas são
importante(E8).
Existem três zonas que compõem o centro cirúrgico: irrestrita (proteção), semi-
restrita (limpa) e restrita (estéril)(8-9). A entrada no setor só é permitida a
pessoas devidamente identificadas e a circulação em seu interior é feita
mediante o uso de roupas específicas para esta unidade. Existem algumas normas
que devem ser cumpridas como, por exemplo, lavagem das mãos para a prevenção de
infecções hospitalares, devendo ser realizada antes e após o contato direto com
o cliente. O setor possui uma dinâmica física e de funcionamento bem peculiar:
Ao chegar, né? Aí, vai adentrando ao centro cirúrgico. É... Pegamos a
roupa pra entrar. Percorremos um corredor. Vamos até o vestiário...
No caso, onde a gente troca de roupa. Do vestiário a gente sai e
entra direto no corredor do Centro Cirúrgico onde estão todas as
salas. E, nesse corredor, nós encontramos a sala de Anatomia
Patológica, a sala da Chefia de Enfermagem, o expurgo... Temos,
também, a RPA nesse corredor. Temos a sala do Ecônomo, o almoxarifado
central do Centro Cirúrgico, a sala de Raio-X. A sala da anestesia. O
almoxarife da anestesia. A sala de vídeo. Mais... As salas [de
cirurgia] também. E, cada sala é acompanhada do seu apoio, né?! O seu
apoio e seu lavabo.(E2)
O Posto de Enfermagem localiza-se no centro da unidade, entre os setores de
Recepção Pré-Operatória (RPO) e de Recuperação Pós-Anestésica (RPA),
destinando-se ao controle administrativo (planta física em anexo). Possui
disposição em "U", com acesso, tanto à parte externa, quanto à parte
interna do centro cirúrgico, o que permite que a enfermeira veja o quê ocorre
em ambos os setores:
É o coração do centro cirúrgico! Porque é onde a gente recebe os
pacientes do andar[setor de internação]e, de lá, depois da
recuperação pós-anestésica, a gente o devolve pro andar ou pro CTI,
dependendo do tipo de intervenção que foi feita.(E7)
Possui uma pia para a lavagem das mãos, uma bancada destinada ao preparo de
medicamentos, um carrinho para atendimento em caso de parada cárdio-
respiratória e dois computadores. Encontra-se ainda o estoque de materiais e
medicamentos das alas de RPO e RPA. A RPO é composta por cerca de sete macas
(depende do número de cirurgias por dia) e cadeiras para acompanhantes
(crianças e idosos); e a RPA por dez leitos. Macas e leitos encontram-se
agrupados, um ao lado do outro. Via de regra as enfermeiras que atuam no posto
de enfermagem são as mesmas que recepcionam o cliente tanto na RPO, quanto na
RPA. Na verdade, elas identificam tanto o posto de enfermagem, quanto a RPO e a
RPA como um único grande setor:
Primeiro eu recebo o paciente na RPO e depois na RPA. Eu recebo os
pacientes do pré-operatório e depois no pós-anestésico. Eu recebo
aqui, ó[apontando para o seu Mapa Falante].Quando eu recebo os
pacientes daqui(enfermarias), eles vêm para a sala... de operação...
(E3)
Na RPA, as enfermeiras recebem os clientes que saíram da cirurgia e que estão
se recuperando da anestesia, visando o seu restabelecimento hemodinâmico.
Trata-se de um local central onde circulam as informações de diferentes
naturezas:
Botei um monte de bonequinhos aqui [apontando para o seu Mapa
Falante] circulando pra lá e pra cá. Porque a gente trabalha com
muita gente, entendeu? Um fluxo bastante grande de pessoal. (...)É um
ponto central do Centro Cirúrgico. Tem dois degraus, né? Ele fica
mais alto, elevado. Você tem uma visão melhor dos pacientes. É um
lugar que a gente fica sabendo, assim, de todas, quase todas as
informações. Quem chega dá informação, pede informação. E, ali é onde
a gente solicita uma série de coisas.(E9)
As enfermeiras responsáveis pelas salas de cirurgia circulam de umas às outras,
para supervisionar os demais profissionais de enfermagem, realizar procedimento
privativo, tomar conhecimento da demanda de determinada sala, material ou de
pessoal, atendendo às solicitações necessárias ao prosseguimento das cirurgias.
A disposição física do corredor e das salas de operação do centro cirúrgico foi
apontada pelas enfermeiras participantes da pesquisa como um dos fatores que
dificultam a sua atuação, em especial no cuidado prestado no setor,
principalmente para as enfermeiras responsáveis pelas salas de operação (SO),
que precisam se locomover de uma sala para outra durante o seu plantão:
(...) Eu acho que a distribuição de sala deles aqui é péssima. Eu
acho isso aqui péssimo[aponta as distâncias entre as salas desenhadas
em seu mapa falante].(...) Isso aqui eu acho que tem quase 50 anos,
que acredito terem feito nessa estrutura. Eles poderiam ter feito uma
[sala]de frente pra outra. Né?! (...) Se o corredor fosse mais
centralizado, o serviço seria bem melhor. Até pra questão de saúde da
gente também. (...) A distância entre as salas é muito difícil.(E2)
O fator que prejudica muito a gente aqui é o espaço físico. Eu quando
estou no corredor[SO]... As pernas se acabam. (...) O espaço físico
aqui arrebenta muito com a gente. Quando eu estou na RPA a cabeça se
acaba. Aqui[referindo-se a SO ilustrada em seu mapa falante] você tem
pernas. Aqui[RPA], cabeça.(E3)
Denota-se da fala de E3 que, na RPA, a enfermeira tem um desgaste psicológico,
pois é um setor que necessita de um profissional que consiga atender às
diferentes demandas de cuidados. Já na SO há um desgaste físico, devido ao
distanciamento geográfico entre as salas. Ressalta-se que ambos os tipos de
desgaste sofrido pela enfermeira podem interferir ou influenciar na qualidade
do cuidado prestado(1).
A presença de ruídos e outros componentes físicos
A enfermeira deve estar atenta à promoção de um ambiente tranqüilo, livre de
ruídos, tumultos e conversas paralelas. Afinal, embora as atividades de
enfermagem de natureza instrumental sejam, por vezes, de maior visibilidade,
como administração de medicamentos, curativos, cateterismo e outros
procedimentos técnico-invasivos, esta profissional é responsável pela
ambientação do cliente no espaço hospitalar, objetivando a restauração da saúde
desse indivíduo(10).
Sobre a influência do ambiente físico, na promoção de bem-estar e conforto do
cliente, várias situações nos chamaram a atenção durante a observação
participante realizada. A que mais nos causou espécie e até um certo
constrangimento foi o excesso de ruídos a que constantemente os clientes são
submetidos, como o toque contundente e em alto som do celular dos profissionais
que ali atuam e do telefone fixo do posto de enfermagem; além das frequentes
conversas de diferentes conteúdos entre os profissionais, muitas vezes, não
referentes à situação mesma que envolve o cliente.
É necessário assegurar um ambiente livre de sons desagradáveis e conversas
paralelas "pois nem o melhor arejamento possível, nenhuma assistência, por
mais cuidadosa, poderá fazer bem a esses pacientes sem o necessário
silêncio"(4). Por um lado, isso denota a preocupação da enfermeira com o
conforto do cliente; por outro lado, contribui com a sua observação acurada no
sentido de manter-se atenta a qualquer som proveniente do cliente ou de
aparelhos a ele conectados que permita a profissional identificar possíveis
alterações no estado de saúde do cliente.
A iluminação do corredor central do setor é do tipo artificial, com lâmpadas
fluorescentes e incandescentes a fim de permitir uma observação mais precisa da
presença de palidez e cianose nos clientes; enquanto que a do corredor
transversal possui também iluminação do tipo natural, proveniente das janelas
existentes ao longo dessa área que devem permanecer fechadas para a garantia de
esterilização(11). Ao final deste corredor encontram-se o serviço de
esterilização e uma área de lazer para funcionários.
Ainda sobre o ambiente físico, destaca-se a constante submissão às baixas
temperaturas advindas da ventilação artificial necessária à manutenção do
ambiente asséptico. Neste caso, deve-se manter o cliente sempre aquecido. O
sistema de refrigeração através de ar condicionado visa remover gases
anestésicos e partículas em suspensão, controlar a temperatura e a umidade,
promover troca de ar adequada e evitar a entrada de partículas de áreas
subjacentes(12). O controle da temperatura e umidade do ar deve ser feito
somente pelo serviço de manutenção do centro cirúrgico. A atenção à temperatura
confortável deve estar voltada tanto para as equipes multiprofissionais, quanto
para o cliente.
Quanto às cores neutras, suaves e foscas das paredes do centro cirúrgico, estas
são para evitar a emissão de reflexos luminosos, a fadiga visual, o cansaço e
os estímulos nervosos(7). Além dos cuidados relativos à ventilação, ao controle
dos excessos de ruídos, à manutenção da temperatura corporal do cliente, e às
cores adequadas das paredes do setor, destaca-se também a necessária manutenção
do espaço físico livre de sujidades e de odores desagradáveis(4).
Dificuldades materiais e de recursos humanos
A precariedade de recursos materiais foi apontada pelas enfermeiras como um
fator que dificulta sua atuação no Centro Cirúrgico e que resulta, por vezes,
em suspensão do ato cirúrgico quando não há material necessário e em quantidade
suficiente para a realização de um determinado procedimento:
A gente não consegue desenvolver um bom trabalho, porque falta
material. Falta equipamento.(E9)
Por mais que a gente queira que o Centro Cirúrgico funcione com a
capacidade que ele tem pra funcionar, a gente não está conseguindo
isso, justamente porque falta material. (...) Então, isso acaba
dificultando o nosso trabalho.(E1)
A enfermeira precisa garantir um ambiente propício para o desenvolvimento do
cuidado, envolvendo, dentre outros, o meio ambiente físico e social. No
entanto, apesar de esta profissional preocupar-se com a manutenção desses
recursos de modo a manter o ambiente seguro e de qualidade na promoção do
cuidado ao cliente, o seu desempenho em prover a unidade com esses insumos nem
sempre é o suficiente para mantê-la em pleno funcionamento(2-13).
Vários são os aspectos do ambiente físico que estão implicados nos cuidados de
enfermagem ao cliente submetido a um ato cirúrgico e que devem ser considerados
pela enfermeira. Cabe a ela conhecer os requisitos mínimos para manter este
ambiente adequado tanto para a realização do procedimento anestésico-cirúrgico
em si, tornando viável a atuação da equipe cirúrgica nessa unidade, quanto para
os cuidados necessários à promoção do conforto e bem-estar do cliente. Para
tanto, ela precisa conhecer a legislação específica vigente a fim de
implementar uma assistência adequada ao cliente, promovendo um ambiente seguro
para este e para os profissionais atuantes no setor(9).
Não devamos nos esquecer, entretanto, que se, o cuidado se estabelece na
relação entre sujeitos e que ambos importam no cuidado, os profissionais também
devem ser foco de preocupação da enfermeira, no sentido de atendimento de suas
demandas psicológicas, físicas e sociais: o fator emocional do cliente e suas
vivências prévias de cirurgia ou hospitalização, a experiência e a satisfação
dos profissionais no trabalho, o quantitativo de recursos humanos e materiais,
bem como a qualidade das relações interpessoais. Esses aspectos estão
intrinsicamente relacionados e implicam na dinâmica de cuidar e nos cuidados de
enfermagem, desenvolvidos no centro cirúrgico.
O ambiente psicológico e social do centro cirúrgico
Estudos atuais(14-15) vêm apontando a importância de um ambiente humanizado que
inclui uma assistência também humanizada, em que se busque não somente o bem-
estar do cliente, mas também dos profissionais de saúde que nele atuam.
Portanto, o hospital precisa promover um ambiente que satisfaça tanto às
demandas de cuidado do cliente, quanto às ações dos profissionais, favorecendo
o relacionamento entre estes, contribuindo, assim, com o desempenho adequado de
suas funções tendo em vista o cuidado integral ao cliente.
Aspectos implicados nas relações entre clientes e enfermeiras
O aspecto psicológico do cliente deve ser foco de atenção da enfermeira antes
mesmo de sua chegada no centro cirúrgico, através da visita pré-operatória
(VPO). Esta consiste na avaliação do cliente pela enfermeira do centro
cirúrgico no período que precede a sua admissão neste setor. Durante a VPO é
feita avaliação basal do paciente (avaliação emocional, história anestésica
prévia, identificação de alergias, entre outros), momento em que também se
promove a educação em saúde com vistas à preparação do cliente para o ato
cirúrgico e recuperação anestésica:
A visita pré-operatória tem um objetivo importante pro paciente:
orientar sobre o ato cirúrgico anestésico... A importância daquele
procedimento para a recuperação. A gente acredita que com essa
orientação, a gente reduz, também, o estresse do paciente e a
ansiedade. (...) Então, a finalidade principal da visita pré-
operatória é orientar. É informar ao cliente e reduzir, com isso, o
estresse, a ansiedade. (...) Quando a pessoa está muito ansiosa... Eu
percebo que está um pouco ansiosa, eu falo: Amanhã a gente se
encontra. Amanhã eu estou lá e tal. Não sei o quê... Eu, às vezes,
sei até que não estarei presente, mas eu já a deixo mais tranqüila.
Né?(E6)
Estas visitas devem ter a intenção de além de fornecer as devidas informações e
orientações, promover apoio e segurança aos clientes, caracterizando-se como
forma de acolhimento e de comunicação entre a enfermeira e o cliente,
favorecendo a interação entre esses sujeitos e uma assistência de enfermagem
mais individualizada. No entanto, para que essa interação se efetive, é
necessária que haja autenticidade na relação estabelecida entre enfermeira e
cliente. A fala de E6 e as observações que tivemos a oportunidade de realizar a
época da produção de dados desta pesquisa deixam claras que nem sempre a
enfermeira está presente na recepção do cliente por ocasião de sua entrada no
centro cirúrgico. Tal fato pode resultar em desgaste emocional ainda maior ao
cliente.
Outras vezes, inclusive, esta visita nem ocorre:
Porque ele chega aqui em cima sem saber, às vezes, até o que vai
acontecer com ele. Ele sabe que é uma cirurgia, mas ele não imagina
as etapas que ele vai passar aqui por cima.(E8)
Ao apontar o desconhecimento por parte do cliente sobre o ato cirúrgico-
anestésico ao qual será submetido, E8 evidencia que a VPO ou não é realizada
pela enfermeira do Centro Cirúrgico, ou, pelo menos não ocorre de maneira que o
cliente se sinta devidamente esclarecido sobre os seus questionamentos.
Destaca-se que a falta de contato anterior da enfermeira com o cliente pode
impedir o acesso às suas expectativas e necessidades e à percepção sobre o seu
estado emocional, dificultando o planejamento adequado dos cuidados de
enfermagem na sala de recepção pré-operatória, no trans e no pós-operatório
imediato.
Apesar de haver vários estudos que apontam a necessidade da VPO(16-17), esta
não vem sendo uma prática sistematizada nem extensiva a todos os clientes, o
que dificulta uma abordagem mais totalizadora junto a estes. Os referidos
estudos vêm destacando o número reduzido de enfermeiros no centro cirúrgico e a
sobrecarga de trabalho imposta a esses profissionais como prováveis
justificativas para a ausência das VPO. Mas o fato é que, muitas vezes, o
cliente é encaminhado ao centro cirúrgico sem ter recebido de forma plena os
cuidados requeridos para o momento.
Ressalta-se que ter conhecimento sobre o procedimento ao qual será submetido e
o porquê dele ser feito pode contribuir com a redução da ansiedade, insegurança
e medo do cliente em relação ao ambiente cirúrgico(17). As especificidades
inerentes à situação vivenciada pelo cliente podem lhe gerar além desses
sentimentos, preocupações adicionais de diferentes ordens que podem advir do
processo cirúrgico, mesmo quando não previstas, a exemplo de possíveis
incapacidades, tanto do ponto de vista físico quanto do plano financeiro, ou
social. Esses aspectos guardam estreita relação com as condições e
circunstâncias nas quais o processo cirúrgico se dá, se estético ou necessário;
se fruto de uma emergência clínica; ou se planejado com o devido tempo.
Independente de ocorrer ou não a VPO cabe às enfermeiras da RPO identificar as
necessidades dos clientes, com o intento de se trabalhar com os diferentes
sentimentos, emoções, inseguranças e questionamentos que permeiam esse
processo, e que muitas vezes podem determinar as experiências vivenciadas pelos
sujeitos:
Na RPO a gente recebe os pacientes, vê as deficiências. Como o
paciente se sente. A aflição dos pacientes... Porque a pessoa sempre
vem com ansiedade, né? Então, os pacientes da oftalmologia, são os
pacientes que vêm preocupados com os acompanhantes que estão lá
embaixo.(E3)
No pré-operatório, a gente busca a estabilidade emocional dele,
diminuir, ao máximo, o risco dele aqui dentro, fazendo uma entrevista
bem voltada pra individualidade de cada um. Pra gente descobrir
alergias, né! Isso tudo é feito no pré-operatório.(E7)
A entrada do cliente na RPO lhe causa grande impacto e ele pode sentir-se
vulnerável, pois deixa "o local conhecido e entra em um local
desconhecido", sendo, portanto, essencial a presença efetiva da enfermeira
nesse momento(9). As expectativas do cliente relacionadas à competência do
profissional no que tange à realização dos cuidados, inerentes a cada fase
perioperatória, via de regra, situam-se para além do atendimento às suas
necessidades físicas. Ou seja, corresponde também à capacidade da enfermeira de
lidar com aspectos que são da esfera subjetiva do cliente e que podem
interferir no cuidado:
Às vezes, você chega na sala e o paciente... tá, assim, ansioso. Aí,
você chega perto. Pergunta... Às vezes, o paciente pergunta pela
anestesia. Tem paciente que... Tem mulher que deixa filho. Essas
coisas. Fica preocupada.(E2)
Em se tratando de um ambiente estranho para o cliente, como é o caso do centro
cirúrgico, este pode tornar-se ameaçador, por vezes, hostil, quando o cliente
se depara com uma série de aparatos tecnológicos que lhes são desconhecidos e
distantes de sua realidade de vida. Ademais, vale dizer que as vestimentas dos
profissionais, próprias deste ambiente - gorros, máscaras, toucas - também
dificultam a efetividade da relação face a face, e podem contribuir para o
distanciamento entre cliente e enfermeira. Esses aspectos merecem destaque
quando pensamos em um cuidado congruente e empático, fruto da veracidade das
interações e da sintonia necessárias para a valorização e o respeito aos
sentimentos do outro e ao seu modo de pensar, agir e se movimentar na vida(18).
Para tanto, é importante encontrar meios facilitadores que promovam a
aproximação desses sujeitos.
Relações entre os profissionais de saúde
A relação interpessoal é um fator que interfere psicologicamente no
profissional. Assim, divergências e discussões entre os profissionais podem
acarretar desajustes que tendem a afetar a dinâmica de funcionamento da
unidade, interferindo diretamente no cuidado ao cliente(1). Este aspecto deve
ser foco de preocupação da enfermeira no sentido de dirimir seus possíveis
efeitos:
O ambiente com o pessoal de enfermagem, com a equipe, eu acho que é
um ambiente bom. (...) Eu não encontro problemas de relacionamento
com as equipes, nem com a equipe de enfermagem.(E1)
Vindo na contra-mão das experiências positivas de interação presente na fala de
E1, a unidade de registro de E9 apesar de pontuar como ideal o bom
relacionamento entre profissionais revela que este nem sempre é possível:
Quando você tem um bom relacionamento com a chefia, com os colegas...
Pra mim é o ideal... Você ter um bom relacionamento. Que nem sempre é
possível. Mas seria o ideal... Que as pessoas pudessem se relacionar
bem.(E1)
Algumas intercorrências, como a falta de material e a sobrecarga de trabalho,
podem trazer implicações para o relacionamento entre os profissionais de saúde
(2-19) Isto porque a enfermeira responsável pela SO tem como uma de suas
atribuições prever e prover recursos materiais para a realização da cirurgia.
Quando um determinado material não tem no setor ou o tem em quantidade
insuficiente, esta profissional informa a situação detectada à equipe
responsável pelo procedimento cirúrgico. Ocorre que, algumas vezes, o cirurgião
responsável mesmo ciente da indisponibilidade do material suficiente no setor
embute na enfermeira a responsabilidade pela falta do material na unidade.
Estas situações podem implicar em ruídos na comunicação e desajustes no
relacionamento interprofissional, afetando a dinâmica de cuidar e de cuidados
na unidade(1):
Se você(médico)botou na sala e sabe que não tem, porque vai exigir
depois? (...) Aí, depois: Chama o enfermeiro. _Como se você fosse
poder resolver aquele problema, que ele estava ciente no início.
(...) Isso é uma função sua que você acaba se aborrecendo.(E3)
Devido à disposição da enfermeira da RPO e RPA, presença constante na maior
parte do tempo no posto de enfermagem, as atribuições que são da enfermeira da
SO, muitas vezes passam para a enfermeira da RPO/RPA. Quando o cirurgião
necessita de algo para a cirurgia e a enfermeira responsável pela SO não está
presente em uma determinada sala, em razão de suas atribuições também em outras
salas, o cirurgião se encaminha até o posto de enfermagem e faz a solicitação à
enfermeira presente neste setor, acarretando, por vezes, prejuízo no
estabelecimento das relações:
(...) Muitas coisas que é da atribuição do enfermeiro do corredor
(SO), acaba passando pro enfermeiro da RPO/RPA. Então, tem dia que a
pessoa tá sobrecarregada e fala: "Olha, isso não é comigo.
Procura a enfermeira do corredor". Aí, eles(médicos)não querem.
Acham que é má vontade da colega que não quer fazer.(E2)
Um relacionamento favorável entre os profissionais atuantes no centro
cirúrgico, além de essencial para o bom andamento da cirurgia, também pode
promover um ambiente de cuidado harmônico(1). De modo semelhante, é de suma
importância a comunicação com o profissional da unidade de internação e de
outros setores para que sejam colhidas informações sobre o cliente: se ele
internou ou não, se há alguma intercorrência clínica que pode acarretar na
suspensão da cirurgia, como sinais vitais instáveis, dentre outras. Essas
informações colaboram na orientação dos cuidados de enfermagem a serem
prestados no centro cirúrgico, proporcionado a continuidade da assistência ao
cliente:
Na RPA, a gente se comunica também com os CTI, que são vários, com a
unidade de internação, com o banco de sangue, com os laboratórios.
(E7)
Às vezes, você tem que saber se o paciente foi suspenso. Paciente que
sobe, paciente que desce... CTI; se tem ou se não tem.(E3)
A interação da chefia de serviço com todas as salas de cirurgia, com
a RPA, com a chefia de setor e de seção, com a patologia, com o
laboratório, com a sala de enfermeiros. (...) Tem que ter uma
interação com tudo isso. (...) É uma interação total..(E5)
Como se pode denotar, o desenvolvimento do processo de cuidado requer que a
enfermeira interaja com esses setores, pois a comunicação entre eles é
imprescindível para o andamento da cirurgia, a fim de proporcionar uma
assistência segura e efetiva ao cliente(1). Enquanto responsável pelo ambiente
do Centro Cirúrgico a enfermeira precisa estabelecer um sistema de comunicação
mútuo entre as pessoas que atuam neste espaço, fortalecendo o desempenho e
desenvolvimento destes profissionais baseado na cooperação de um trabalho em
equipe. Assim, cabe à enfermeira, não somente zelar pelos recursos materiais,
mas também pelas relações interpessoais neste ambiente, uma vez que estas
interferem positivamente na prestação dos cuidados de enfermagem ao cliente:
Elas[enfermeiras]têm que trabalhar em conjunto. Eu tenho as minhas
salas, mas eu tenho que estar inteirada nas salas das colegas.(E2)
É oportuno ressaltar que este ambiente de cooperação mútua relaciona-se, muitas
vezes, à satisfação profissional. Algumas enfermeiras participantes deste
estudo apontaram este aspecto como favorecedor à sua atuação no centro
cirúrgico, incluindo o cuidado direto ao cliente:
(...) A vontade de trabalhar. Você gostar do que você faz... Então, a
gente faz com amor, carinho... Com vontade de acertar. Então, tudo
isso é um fator que favorece muito.(E5)
Agora, o seu trabalho independe se tem muito ou pouco(recursos
materiais e humanos). Se você gosta, você vai fazer com boa vontade.
(E8)
Vale ter em consideração que mesmo diante de condições numericamente
insatisfatórias de profissionais, tal fato não deve ser visto como impeditivo
para que um cuidado de qualidade seja desenvolvido, embora possa nele,
interferir. Como foi possível analisar a partir dos resultados oriundos das
técnicas utilizadas na produção de dados, não obstante as dificuldades
apresentadas de diferentes ordens no centro cirúrgico e que interferem nos
cuidados de enfermagem, imprimir qualidades humanas no cuidado, como
demonstração de afeto e carinho, aliadas à dedicação, à satisfação no trabalho
e à interação entre os profissisonais, são aspectos que podem contribuir com o
desenvolvimento do cuidado, no atendimento às necessidades e desejos
manifestados pelo cliente cirúrgico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cuidado com o ser humano deve ser direcionado como um todo biológico, social,
psicológico e espiritual enfatizando a necessidade de comunicação e atenção,
valorizando as experiências individuais, os valores sociais e humanos, emoções,
desejos, e todo o contexto necessário para o entendimento do sujeito. O cuidado
de enfermagem mais especialmente visa à promoção da saúde, preservação e
proteção da vida, promoção do conforto e bem-estar do homem. Implica em uma
intervenção tanto direta ao cliente, quanto em ações que são desenvolvidas em
prol de sua plena restauração, incluindo o ambiente que o integra, de modo a
manter-se harmônico e equilibrado.
Destarte, a enfermeira preocupa-se com a organização e com o tempo que dispõe
para o desenvolvimento de suas ações, com a provisão e previsão do material
instrumental e humano, com o ambiente físico e de relações interpessoais
autênticas e recíprocas, tendo como foco principal o cuidado ao cliente. Ou
seja, as observações e intervenções da enfermeira são no sentido de manter o
ambiente em condições favoráveis ao desenvolvimento do cuidado de modo a torná-
lo promotor de saúde/cuidados.