Rede social de apoio à família de crianças internadas em uma unidade de terapia
intensiva pediátrica
INTRODUÇÃO
Mudar a perspectiva tradicional de cuidado centrado na doença para uma
abordagem cujo núcleo está na criança e na família dentro de uma Unidade de
Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) pode não ser algo fácil, mas é uma tarefa
necessária, dadas as novas demandas da realidade assistencial.
Assim, colocar a família como centro do cuidado da enfermagem justifica-se
pelos impactos que a internação neste local pode gerar na família, fazendo
aflorar sentimentos como o medo, a ansiedade, a angústia, a sensação de
impotência, entre outros.
A internação da criança deve ser encarada não apenas como um agravo psicológico
a criança, isoladamente, mas, também, como possível trauma para a família que
necessita, então, enquanto unidade, do apoio da equipe multiprofissional(1).
A permanência materna (ou de uma outra pessoa significativa) na UTIP durante a
hospitalização do filho é uma estratégia que possibilita a redução do estresse
emocional tanto da criança como da família, ao mesmo tempo em que contribui
para diminuir o tempo de internação(2).
A presença de um familiar, nestes contextos, contribui para promover e manter a
inter-relação da criança com a família, neutralizando os efeitos decorrentes da
separação, colaborando na assistência integral à criança e melhorando sua
adaptação ao hospital. Desta forma, facilita-se a aceitação do tratamento,
promove-se a positiva resposta terapêutica e amenizam-se os fatores
estressantes da doença, decorrentes dos procedimentos médicos e da
hospitalização(2).
A observação destes aspectos reitera o pressuposto de que, se a internação tem
a capacidade de afetar, em maior ou menor grau a organização e a vida cotidiana
da família, esta, por sua vez e a exemplo de seus filhos, necessitam ser
atendidas e cuidadas(3). Dessa forma, os profissionais precisam ter
sensibilidade para identificar quando seus membros requerem cuidados.
Os modelos de adaptação a tais situações são tão diversos quanto são as
organizações e peculiaridades familiares. Há que ter-se em mente que, existem
famílias que conseguem superar as dificuldades da internação e se organizar de
forma a acompanhar o familiar hospitalizado, sem maiores prejuízos para os
outros membros da família. Isto é muito positivo e importante, pois, via de
regra, a vida fora da instituição hospitalar continua.
No entanto, há outras famílias que se desestruturam e se desorganizam com a
presença da doença, e a internação de uma criança na UTI repercute em todas as
esferas de organização e relacionamento destes núcleos.
De qualquer forma, independentemente da forma como é configurada a dinâmica
familiar e do número de pessoas que a compõem, a família propicia os aportes
afetivos necessários ao desenvolvimento de seus componentes, tornando-se um
espaço indispensável para a sobrevivência e proteção deles e espaço
privilegiado para absorção dos valores éticos e humanitários e aprofundamento
dos laços de solidariedade(4).
Em assim, sendo, na mesma medida em que a família, enquanto célula primordial
da sociedade, representa o alicerce fundamental para a vida e o desenvolvimento
dos indivíduos que a compõem, principalmente nos momentos de crise; a
sociedade/comunidade na qual a família está inserida, tem papel essencial no
provimento de condições que assegurem a manutenção da integridade e autonomia
familiar.
Motivo pelo qual, durante a hospitalização do filho, a atuação da rede social/
apoio é essencial para a família.
As redes podem ser entendidas como um sistema composto por vários objetos
sociais, ou seja, pessoas, funções e situações que oferecem apoio instrumental
e emocional à pessoa, em suas diferentes necessidades.
O apoio instrumental é entendido como ajuda financeira, divisão de
responsabilidades em geral, e fornecimento de informação ao indivíduo. O apoio
emocional, por sua vez, refere-se à afeição, aprovação, simpatia e preocupação
com o outro e, também, a ações que levam a um sentimento de pertença a
determinado grupo. Os suportes sociais recebidos e percebidos pelas pessoas são
fundamentais para a manutenção da saúde mental, para o enfrentamento de
situações estressantes - como cuidar de alguém doente por muito tempo - e
também para o alívio do estresse físico e mental e para a promoção da saúde e
do bem-estar(5).
Estudar as redes de apoio de pessoas que enfrentam enfermidades crônicas tem
despertado o interesse de profissionais da área da saúde e da psicologia
social, isto provavelmente aconteça por este tema se configurar um aspecto
importante para as pessoas enfrentarem uma situação de estresse e sofrimento
por um longo tempo.
Um estudo realizado com pacientes com Aids(6) identificou que a rede de suporte
social mais citada pelos sujeitos da pesquisa foi o cônjuge, seguido dos
familiares mais próximos que residem na mesma casa dos familiares que não
moravam juntos e por amigos. No entanto a rede de suporte emocional teve os
profissionais, como os mais citados, seguida de amigos e familiares e do
parceiro. Apesar de constituir-se em estudo abordando doença diferente da
tratada neste estudo, acreditamos que o fato dos profissionais terem sido os
mais citados, e o companheiro, o menos referido, é possível inferir que este
processo seja resultante do contato muito próximo do paciente que está
internado com o profissional. Assim, a consequência deste convívio tão próximo
no enfrentamento de uma situação difícil de doença, seria o estabelecimento de
uma relação de maior confiança entre as partes.
A constatação acerca do companheiro ser o menos citado no estudo, por sua vez,
talvez se deva ao fato deste (companheiro) vivenciar em conjunto, a situação de
doença do parceiro, compartilhando os mesmos problemas, e envolvido a tal
ponto, que não lhe seja possível, apoiar o outro da maneira esperada ou
desejável.
Assim, cientes da importância da rede social na vida dos indivíduos,
especialmente aqueles que vivenciam um momento difícil em suas vidas, ou seja,
a família que possui um membro familiar doente e internado, e acreditando que
estudar este aspecto a família da criança hospitalizada é fator de grande
relevância para que os profissionais de saúde, especialmente os da enfermagem,
possam melhor exercer essa função cuidativa, propomos o presente estudo, que
tem por objetivo compreender como se compõe a rede social/apoio das famílias de
crianças internadas na UTIP, desvelando assim, a importância dela na vida
desses familiares.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa realizado no município de
Maringá, junto a pais de crianças internadas na Unidade de Terapia Intensiva
Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM).
O município, localizado na região Noroeste do Paraná, contava em 2006 com
324.397 habitantes. O HUM é um hospital-escola, público, de médio porte, com
120 leitos, constituindo-se em referência para Maringá e mais 28 municípios
integrantes da 15ª Regional de Saúde do Paraná. Inaugurada em janeiro de 2004,
sua UTIP dispõe de seis leitos para internação de crianças na faixa etária
acima de 28 dias de vida até 13 anos 11 meses e 29 dias.
Os horários de visita na UTIP são das 14h30min às 15h30min e das 20h30min às
21h30min, diariamente, sendo permitida a entrada somente de duas pessoas por
turno. Além disto, a partir de 2007, também foi permitida a permanência
integral de um acompanhante.
Em relação às características das internações nessa unidade, observou-se que a
maioria das crianças são lactentes, com idade entre 29 dias e 2 anos (50,4%),
provenientes de outros municípios do estado do Paraná (65,2%). Os grupos de
doenças que mais levam à internação nesta unidade são as do aparelho
respiratório (42,0%) e que o tempo de internamento varia de um a 196 dias, com
média de permanência de 29 dias e mediana de 18,5 dias(7).
Os dados do presente estudo foram coletados no período de março a junho de
2007, por meio da aplicação de entrevistas semi-estruturadas, realizadas em
local reservado, no próprio hospital. Foram convidados a participar do estudo,
todos os pais que estavam acompanhando seus filhos nesse período, totalizando
21 participantes, sendo 17 mães e quatro pais, com faixa etária compreendida
entre 21 e 47 anos. As entrevistas, mediante autorização prévia dos
participantes, foram gravadas e tiveram a duração média de 60 minutos. Para a
análise e interpretação dos dados, optou-se pela análise de conteúdo(8). Para
tanto, as entrevistas foram transcritas integralmente, e os dados oriundos
desses relatos foram, posteriormente, categorizados a partir de sua análise
temática resultando em uma grande categoria temática a Rede social/apoio à
família: um misto de afetividade, fé e solidariedade sub-dividida, por sua vez,
em três subcategorias: A afetividade: componente fundamental para a rede de
apoio; O alívio para o sofrimento: a fé e a religião como rede de suporte; Rede
de solidariedade: reflexões sobre o suporte familiar e o cuidado de enfermagem.
Na apresentação dos resultados, adotou-se o recurso de identificação dos
discursos dos sujeitos, a partir da descrição da posição na família em relação
à criança internada (pai, mãe), seguido de um nome de flor que identifica cada
criança em especial. Esse formato, para distinção dos entrevistados, procurou
garantir, entre outros aspectos, a preservação da identidade dos sujeitos
investigados, cuja participação atendeu às normativas éticas estabelecidas pela
Res. 196/96-CNS, acerca de pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá -
Parecer nº 391/2006. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento
livre e esclarecido em conformidade às prerrogativas éticas vigentes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os participantes do estudo, constatamos que o nível de escolaridade
varia desde o ensino fundamental completo até o ensino médio completo. Das
mães, com exceção de uma que era agente comunitária de saúde (mãe de Amor-
Perfeito), todas dedicavam seu tempo ao cuidado da família e aos afazeres
domésticos. Os pais, em sua maioria, exerciam atividades ligadas ao trabalho
braçal, como pedreiros e trabalhadores rurais.
Rede social/apoio à família: um misto de afetividade, fé e solidariedade
Dos 21 entrevistados todos abordaram em seus discursos a importância da rede
social/apoio durante o período que o filho estava internado na UTIP. Por meio
da análise dos discursos, foi possível evidenciar-se a importância e
efetividade da rede social para estas famílias. O suporte conferido pela rede
social é representado por um misto de afetividade, fé e solidariedade;
elementos estes, em muitos casos, difíceis de separar, quando da análise dos
resultados do estudo. A afetividade, destacada na primeira subcategoria, foi um
componente presente em todas as demais, demonstrando seu papel de sustentação
desta rede.
A afetividade: componente fundamental para a rede de apoio
Os relatos demonstraram que os membros familiares constituem importantes
suportes para as mães que estão com seus filhos internados na UTIP. A mãe de
Lírio, por exemplo, descreve a importância do suporte oferecido pela irmã (tia
da criança), dado que a outra filha, de onze anos, permaneceu na casa da tia e
sob seus cuidados durante toda a internação de Lírio.
De forma similar, a família de Margarida, que mora na zona rural, tinha nos
familiares, o suporte necessário para os cuidados em relação às demais crianças
que ficaram em casa:
"Minha filha vai prá escola, e precisa que tudo fique
organizadinho pra ela de manhã. E eu to aqui, né?! Daí, minha irmã tá
ficando com ela. Arruma ela prá escola e depois dá almoço, cuida
dela, ajuda na lição". (Mãe de Lírio)
"Meus irmãos ajudam a minha filha maior nas tarefas, porque o
menorzinho ainda não tem".(Mãe de Margarida)
A família quase sempre é tida como ponto de referência e de segurança emocional
para seus membros. Nesse sentido, cada integrante da família passa a contar com
os demais quando há necessidade de ajuda, cabendo aos mais velhos, em especial
aos pais, a responsabilidade pelos membros menores de idade. Nesta perspectiva,
a família constitui-se em principal rede de apoio social de seus membros,
apresentando expressiva importância na medida em que influenciam a auto-imagem
do indivíduo e são centrais para a experiência de identidade e competência,
muito particularmente na atenção à saúde e adaptação em situações de crise(9).
Uma das maneiras pelas quais podem ser compreendidas as influências positivas
da rede social na saúde em particular, quando nos referimos a ações
terapêuticas prolongadas, até para a vida toda é a constatação de que a
convivência entre as pessoas favorece o comportamento de monitoramento da saúde
(10). Este comportamento de responsabilização pelo monitoramento, tende assim,
a obedecer uma dinâmica própria, em sucessivos processos de adaptação, em
conformidade às contingências de cuidado. Dessa forma, àqueles mais próximos da
família, em especial, é delegada a função e responsabilidade de suprir, de
certa forma, a ausência da mãe em suas atividades cotidianas.
A atuação da rede que envolve a afetividade, também se dá em forma de apoio
emocional e psicológico. As mães de Flor de Lis, Margarida e Cravo, por
exemplo, recebiam ligações telefônicas diariamente de parentes e colegas, a fim
de saber o estado de saúde dos menores:
Minha mãe e minhas irmãs ligam todos os dias pra saber como a Flor de
Lis está. E também perguntam se eu tô bem, sempre! Estão todos da
minha família preocupados comigo. Eles têm medo de eu ficar doente
também, porque eu to aqui sozinha[...](Mãe de Flor de Lis)
A mãe de Flor de Lis fala também da importância da família como fonte de apoio
nos momentos difíceis como, por exemplo, quando a mãe vivencia o conflito de
ficar longe de casa , ao mesmo tempo, a possibilidade de se afastar da criança
internada.
[...] Elas (irmãs e mãe) vivem me perguntando se eu não quero trocar,
mas é minha filha né?!...Eu não ia conseguir dormir longe dela. Acho
que se eu ficasse longe é aí que eu ia ficar doente de verdade! (Mãe
de Flor de Lis)
Percebe-se, assim, que a afetividade e os vínculos afetivos que unem as pessoas
nesses momentos de crise e dificuldade, se traduzem em estrutura fundamental da
organização familiar e dos contextos de viver das famílias entrevistadas.
A separação da família, decorrente do processo de adoecimento e hospitalização,
mobiliza muitos sentimentos e modifica os laços de afetividade, deixando a
família ainda mais vulnerável. Isto pode ser constatado na fala da mãe de
Gérbera.
"Pelos meus filhos eu sou capaz de tudo! Ainda mais vendo a
minha Gerberinha doente assim. O peito dói de tristeza. Criança é tão
sem pecado[...] Mas sei que meu marido e meus parentes e minha outra
filha estão lá em casa com o coração na mão também. Sei o quanto eles
amam a Gerberinha e eu amo demais todo mundo! Pela nossa família, a
gente faz de tudo, se sacrifica de qualquer jeito."(Mãe de
Gérbera)
A vida da família como um todo passa a girar em torno da doença do filho,
deixando todo o restante em segundo plano. O relacionamento entre os membros da
família é fortemente alterado, pois os demais membros passam a ficar em segundo
plano, devido ao direcionamento da maior parte das atenções ao ente enfermo. Os
pais tentam ficar unidos, apesar da distância física, na intenção de manter a
união família, inclusive tendo sua intimidade comprometida pela preocupação
constante, fazendo com que diminuam os períodos de tempo dedicados às suas
próprias necessidades.
Em todas as situações, os sujeitos agradeciam e reconheciam a importância das
pessoas que se dedicavam a auxiliá-los de alguma forma. Ao mesmo tempo,
contudo, ficava claro que, não obstante a valorosa contribuição destas pessoas,
nada supria a ausência da esposa e do filho que estavam distantes. Esta
percepção fica evidente no relato do pai de Beijinho, que agradecia a
preocupação da sogra para com sua alimentação e cuidados com a casa, sem
contudo deixar de sofrer e sentir-se sozinho.
"Sabe o que é ruim? É chegar em casa de tarde e não encontrar
ninguém. Mentira, encontro sempre a minha sogra fazendo a janta. Já
falei que me virava, mas ela fica tão preocupada comigo. É como se
fosse minha segunda mãe... mas todo dia de tarde eu sentava com a
minha mulher na varanda e a gente ficava conversando do dia. Tô com
tanta coisa atrasada pra contar pra ela... Enquanto a gente ficava
conversando o Beijinho ficava sempre sentado no chão, perto da gente,
brincando de carrinho ou com o cachorro. Tadinho do Pulguerinho...
agora fica eu e el,e um olhando pro outro, sentindo falta dos
dois."(Pai de Beijinho)
Ao analisar o depoimento deste pai, percebe-se o desalento do mesmo ao falar da
vida antes da internação do filho e, com melancolia e saudades, relembrar a
rotina de vida antes e após o advento da doença e a ausência da esposa.
O alívio para o sofrimento: a fé e a religião como rede de suporte
A religião/espiritualidade constitui um importante apoio para a família no
enfrentamento da doença e tem papel relevante na manutenção e recuperação da
saúde dos membros familiares, uma vez que a fé e a esperança podem ajudar a
aliviar a dor e o sofrimento da família causada pela presença da doença no
cotidiano, além de serem motivo de esperança em relação à cura(11).
Ao falar da religião/fé e/ou espiritualidade, percebemos que as famílias buscam
nestes elementos, a esperança da cura ou formas de enfrentar a situação com
menos sofrimento, como pode ser observado nas falas a seguir:
"O que tem de gente [...] rezando, dando forças pra ele sair
dessa..."(Mãe de Cravo)
[...]Mas Deus tá olhando[...]eu fico olhando e cuidando dela o tempo
todo.(Mãe de Gérbera)
"O pastor também veio visitar a gente antes de ontem. Fez uma
oração, eu senti um alívio no peito, um sentimento bom sabe?!"
(Mãe de Crisântemo)
A sensação de se sentirem acolhidos e melhores por causa do apoio espiritual
recebido, provavelmente, decorre da necessidade dos membros familiares terem
uma maior aproximação com os rituais religiosos, pois esses são carregados de
sentimentos de esperança, além de proporcionarem uma paz interior que eles não
são capazes de encontrar de outra forma(11).
Uma constatação das mais marcantes foi o fato de que, com a alteração na
dinâmica familiar e o objetivo comum de todos os membros em direção à melhora
de seu ente querido, foi possível viabilizar que pessoas com crenças religiosas
conflitantes, deixassem de tentar impor sua religião para, em conjunto, ansiar
e empreender esforços no sentido comum de melhora e recuperação da criança.
Minha mãe é da igreja evangélica e meu irmão mais velho é católico.
Eles sempre tão discutindo religião e nunca saem do lugar, mas agora
tá os dois juntos rezando pela minha filha. Acho que Deus colocou a
minha filha na frente deles pra eles pararem de brigar qual das
igrejas era melhor, mas que era sim prá ter um Deus prá acreditar.
(Mãe de Rosa)
Rede de solidariedade: reflexões sobre o suporte familiar e o cuidado de
enfermagem.
A solidariedade é a capacidade de compartilhar, é um laço ou vínculo recíproco
de pessoas ou coisas, que promove adesão ou apoio a causas sociais que envolvem
grupos(12).
Nesta rede de solidariedade, que envolve as famílias estudadas, foram
ressaltadas principalmente as pessoas com as quais os pais tinham relações
interpessoais, fossem aquelas ligadas por vínculos mais fortes (vínculos de
con-sangüinidade, parentesco próximo ou amizades de longa data) ou não.
Fizeram-se presentes nos discursos, citações sobre o importante papel
desempenhado por vizinhos, amigos e as pessoas do trabalho.
Tem a minha vizinha que é igual de casa, sabe? [...]. Sempre que eu
to apurada com o serviço e ela não, ela vem me ajudar... Agora que eu
to aqui, ela vai pelo menos umas três vezes por semana em casa prá
dar uma arrumada.. Meu marido falou que até aqueles enfeitinhos em
cima da televisão ela arrumou certinho do jeito que eu sempre deixo
[...](Mãe de Violeta)
Em situações de doença, a relação com o trabalho/empregador tanto pode se
desenvolver de forma positiva quanto negativa. No caso do pai de Margarida,
como trabalhador rural e, em se tratando de época de plantio do trigo, seria
indispensável sua permanência na fazenda. Entretanto, seu patrão o liberava
duas vezes ao dia para percorrer um trajeto de aproximadamente 40 quilômetros
para manter as visitas rotineiras à criança, além de lhe deixar um carro à
disposição:
"Em tempo de plantio, nós fica até de madrugada plantando. Meu
patrão tá me mandando mais cedo prá casa, prá eu descansar, prá no
outro dia vir e dar uma olhadinha na minha filha. Ele tá sendo muito
bom comigo... Também já faz 17 anos que a gente trabalha juntos
né."(Pai de Margarida)
Já no caso de do pai de Cravo, ao saber da notícia da internação súbita do
filho na UTIP, pediu para se ausentar naquele momento do serviço, explicando a
situação ao supervisor. Neste caso, contrariamente ao exemplo anterior, além da
negativa à solicitação, também lhe foram delegados outros afazeres para aquele
momento. Enfurecido com a situação, o pai pediu demissão na hora, abandonando o
serviço:
"Eu pedi ainda pra sair. Tinha hora pra folgar, mas me deram
mais coisa pra fazer ainda antes de sair. Entre meu serviço e meu
filho, até parece que eu tinha dúvidas aonde ficar. Ainda mais
sabendo que ele tava na UTI.... UTI a gente tem medo né, parece que é
antes de morrer!"(Pai de Cravo)
Os relatos permitem observar, de modo inconteste, o significado que a doença do
filho tem para os pais e a valorização dada pelos pais à situação dos filhos e
à importância de seu apoio e presença nestes enfrentamentos. Tal escala de
prioridades, frente à perspectiva dual de vida e morte de seus filhos,
sobrepujando-se aos valores e compromissos relativos ao trabalho destes homens,
revela, de um lado, a capacidade de percepção destes pais com relação à
gravidade deste momento de suas vidas, ao mesmo tempo em que expõe de forma
contundente, a importância dos contextos de trabalho como elementos da rede
social, capazes de atuar tanto de forma a facilitar ou dificultar o apoio
paterno/familiar frente à doença.
Percebemos então, as redes sociais enquanto relações que compreendem não apenas
a família nuclear ou extensa - outros parentes da família como avós, tios,
primos mas também, amigos, companheiros, vizinhos e pessoas relacionadas ao
trabalho, que podem auxiliar de diversas maneiras: (a) fornecendo apoio
material ou financeiro, (b) executando tarefas domésticas, (c) cuidando dos
filhos, (d) orientando e prestando informações e (e) oferecendo suporte
emocional(13).
A partir dos dados aqui encontrados, percebemos que as redes sociais são
fundamentais para as famílias das crianças, fazendo com que o universo
relacional do ser humano se sustente a partir de suas redes sociais(9).
Além do fato de que, as famílias mais abertas no relacionamento entre seus
membros, mais flexíveis e com uma rede de apoio consistente, presumivelmente
terão mais facilidade no manejo da situação(14).
Desta forma, a funcionalidade das redes sociais é determinada pelo tipo de
intercâmbio entre as pessoas que a constituem, de tal modo que mais de uma
função pode ser desempenhada por cada vínculo da rede, principalmente pelos
elos representados pelas relações íntimas familiares e de amizade. Os avós e
tios, geralmente os mais próximos dos pais das crianças, eram os que mais
entravam em contato para saber do estado de saúde do menor. Entretanto, não era
incomum as mães receberem ligações telefônicas e os pais e parentes próximos
receberem visitas de conhecidos da cidade, ou mesmo do trabalho de um dos
membros responsáveis da família. Muitos pais de outras crianças, que conviviam
com a que estava internada, demonstravam sentimentos de solidariedade e
colocavam-se à disposição caso fosse necessário algum tipo de ajuda. Pessoas
das quais os participantes não imaginavam receber apoio (pessoas com as quais
os membros da família haviam se relacionado há muito tempo, parentes e amigos
distantes) surgiam dando mostras de solidariedade e compreensão.
Observamos então que, todas essas variáveis de relacionamento e ajuda podem ser
interdependentes, resultando da combinação de funções. As divisões das redes em
formas de relevância e tipologia possibilitam decidir qual rede pode ser
ativada, desativada ou modificada em momentos de crise(15).
Nos momentos de crise, como na hospitalização de um filho, há um fortalecimento
da unidade familiar, que procura se adequar para atender às necessidades
individuais de seus membros e solidificar o grupo familiar. O afeto, o amor e a
cumplicidade de viver em família são aspectos fundamentais para o enfrentamento
da situação. As redes de apoio também colaboram para que as famílias
desenvolvam meios para superar as dificuldades, inicialmente enfrentadas
sozinhas, mostrando-se como fonte eficaz para os enfrentamentos cotidianos(16).
Diante do sofrimento e das incertezas que aexperiência de hospitalização de um
filho na UTI impõe, estratégias são elaboradas e dirigidas não só para a
preservação da estrutura familiar, mas também para a manutenção de
relacionamentos que permitam à família manter-se unida. Ademais, ficar unida é
uma posição que também vai assegurando à família recarregar suas forças a fim
de continuar a providenciar meios para atingir seu objetivo de preservar a
unidade familiar(17).
Para melhor compreender as interações que os indivíduos estabelecem, a rede
social pessoal pode ser configurada em forma de um "mapa de rede".
Este mapa é constituído por quatro quadrantes que simbolizam amizades, família,
relações de trabalho ou estudo e relações comunitárias. Esta configuração se dá
através de três círculos circunscritos que representam as relações íntimas
(círculo interno), as relações sociais ou profissionais (círculo intermediário)
e as relações ocasionais (círculo externo)(9).
Neste sentido, observamos neste estudo a configuração de tais
"círculos". Desde o apoio incondicional da família, dos amigos em
geral, oferecendo apoio emocional, religioso e auxílio nos afazeres do
cotidiano.
Num primeiro momento, os pais buscam o apoio nos familiares próximos, ou
naqueles com os quais mantém uma maior convivência, com destaque aos familiares
íntimos e amigos próximos do "círculo interno". No entanto, outras
funções como ajuda material e de serviços, podem estar dispostas nos círculos
intermediário ou externo deste mapa, como por exemplo, o auxílio prestado por
vizinhos em relação aos cuidados com os outros filhos e com as tarefas
domésticas, além da ajuda e compreensão por parte dos empregadores , por meio
da flexibilização de horários dos pais, viabilizando assim, a visitação mais
freqüente e o acompanhamento da criança internada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As alterações na rede social de apoio das famílias durante períodos de
transição na internação de seus filhos caracterizaram-se, principalmente, pelo
aumento da rede de suporte emocional e instrumental formado por familiares e
não familiares.
O apoio psicológico recebido, tanto de familiares como de não familiares, foi
considerado fundamental para o bem estar da família durante este período, na
medida em que favorecia a unidade familiar em torno do objetivo de lutar pela
recuperação da criança doente.
À Enfermagem, por sua vez, cabe um papel fundamental para o fortalecimento
desta rede de apoio à família. Por meio da abordagem educativa, de suporte
psico-emocional e social, de forma integrada e cooperativa, a equipe
multiprofissional pode favorecer, juntamente com a enfermagem, espaços para a
concretização da participação e autonomia familiar no enfrentamento da doença e
hospitalização.
Durante as interações com as famílias das crianças internadas na UTI e por meio
dos diálogos estabelecidos neste processo, foi possível compreender melhor o
universo das relações estabelecidas entre estes indivíduos e as pessoas que os
cercam, seu contexto psicossocial, suas interações com os diversos segmentos da
sociedade, evidenciando assim, caminhos no sentido de melhor ajudar estas
pessoas a solucionar e enfrentar os problemas.
Conversar com os familiares, ouvir suas angústias e preocupações, ficar próximo
a eles por meio da escuta atenciosa e da postura cuidativa, faz com que os
mesmos de sintam verdadeiramente acolhidos e seguros quanto ao atendimento
prestado ao seu filho e a eles, como extensão que são de uma mesma família.
Assim, acreditamos também que, as pesquisas sobre a rede social de apoio, que
constitui o objeto de estudo de várias disciplinas da área da Saúde, devem
levar em consideração, em sua elaboração, a diversidade e a complexidade desta
rede, bem como os potenciais benefícios de seu fortalecimento, como parte das
premissas de formação do enfermeiro e dos demais profissionais de saúde.