Ruídos e barulhos na unidade neonatal
INTRODUÇÃO
Com os avanços tecnológicos ocorridos nas unidades de terapia intensivas
neonatais (UTIN), os recém-nascidos (RN), em particular os prematuros,
apresentam aumento na sobrevida, e, por conseguinte, crescimento no tempo de
permanência dentro da unidade, que lembra um parque tecnológico, com
incubadoras, berços, ventiladores mecânico, bombas de infusão, produzindo sons
que se misturam às vozes em conversação. É neste ambiente tecnológico e
artificial que o RN vai se desenvolver quando internados.
Durante os últimos anos tem-se desenvolvido cada vez mais técnicas e
dispositivos que facilitem e melhorem as condições de atendimento ao cliente,
buscando diminuir sua internação e agilidade no tratamento(1).
Estudos indicam que um dos graves problemas da UTIN é o ambiente
superestimulante, com níveis sonoros altos, que compromete o desenvolvimento e
crescimento, em particular nos RN prematuros, extremamente sensíveis ao lugar
(2).
O RN começa a ouvir os primeiros sons ainda no útero a partir da 25ª semana de
gestação, sendo que o seu lócus acústico é constituído por sons externos e
internos, tais como a respiração, os batimentos cardíacos, os movimentos
musculares e intestinais maternos. Entre a 28ª e a 34ª semanas da idade
gestacional, ocorre a taxa máxima de alteração eletrofisiológica, nas respostas
auditivas do córtex e do tronco cerebral(3). Nos RN prematuros, a
vulnerabilidade do sistema nervoso central torna-se preocupante, pois a
presença de hipóxia, que é uma das situações, em decorrência da falta de
maturidade pulmonar, pode levar às lesões cerebrais, o que é possível de
ocasionar comprometimento do sistema auditivo, sendo que outros fatores- como o
uso de medicações ototóxicas e os ruídos ambientais são agravantes para o RN
(4).
A verificação do nível de ruídos dentro da unidade é uma preocupação por parte
dos profissionais envolvidos em melhorar a qualidade da assistência neonatal.
Sabe-se que os altos níveis sonoros não afetam apenas os RN, mas também os
funcionários que se encontram naquele ambiente cercado de pessoas e
equipamentos barulhentos. Sabe-se que as unidades de terapia intensiva são
locais que utilizam equipamentos com alarmes acústicos, essenciais para alertar
aos profissionais de saúde de mudanças ocorridas nas condições clínicas dos
pacientes(5).
As perdas auditivas podem advir de causas genéticas congênitas, genéticas pós-
natal, não genética congênita e não genética pós-natal. A deficiência auditiva
não genética pós-natal pode ter como causa as infecções virais e bacterianas, o
uso de medicamentos ototóxicos, traumatismo cranioencefálico, otite média,
lesões vasculares e exposição aos ruídos(6).
Nessa perspectiva, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que, dentro
do ambiente hospitalar o Leq(nível de pressão equivalente) e o LFMax (nível
máximo de pressão sonora) sejam de 30 a 40 dBA e, que, durante o período
noturno, aconselha uma redução entre cinco a dez por cento do nível de ruídos
na unidade(7). A intensidade ou volume dos sons é medida em unidades decibéis
(dB), ou seja, o nível de pressão sonora.A sensibilidade auditiva humana,
decresce com o aumento dessa pressão sonora e depende da frequência do som,
assim para compensar as variações de sensibilidade com a frequência, foram
criadas curvas padronizadas (A,B,C,D), podendo-se ter dBA, dBB, Dbc, Dcd.
Porém, na prática é quase sempre usada a curva A (dBA)(8). A Academia Americana
de Pediatria sugere como nível permitido de exposição de ruído ao RN 58 dB, bem
como a Associação Brasileira de Normas Técnicas(9-10).
A incidência de perda auditiva neurossensorial bilateral em neonatos saudáveis
é de um a três em cada mil nascidos, e de 20 a 40 para cada mil procedentes das
UTIN. Estes são dados preocupantes para os gestores de saúde, pois mostram que
uma parcela dos RN está saindo das unidades hospitalares com uma deficiência
que pode ser reduzida, se houver compromisso da equipe multiprofissional.
Atualmente, o interesse pelo diagnóstico precoce das alterações auditivas
aumentou em razão das cortipatias acometerem de forma rápida as células
ciliadas responsáveis pela detecção dos sons(6).
O que preocupa é o longo período de internação em ambiente com níveis sonoros
altos, que pode vir a comprometer o funcionamento do sistema auditivo em
decurso de desenvolvimento. Para a equipe de Enfermagem, a manutenção da
estabilidade clínica do RN e a preservação das funções neurossensoriais deve
ser um compromisso dentro do ambiente da UTIN, que é necessário para sua
qualidade de vida, porquanto a diminuição ou perda auditiva é difícil de ser
diagnosticada no primeiro ano de vida.
Considerando tal problema e a urgente necessidade de maior sensibilidade e
mudanças no ambiente da Unidade de Internação Neonatal (UIN), os objetivos
deste estudo foram identificar quais os fatores causadores de ruídos, no lócus
da UIN; mensurar os ruídos e barulhos na UIN em decibéis.
MATERIAIS E MÉTODOS
Este é um estudo observacional e descritivo, que incluiu a identificação e
mensuração de ruídos e barulhos de uma UIN pertencente a uma instituição
pública de grande porte, no Município de Fortaleza-CE-Brasil. A coleta dos
níveis de ruídos foi efetuada pelas pesquisadoras nos turnos da manhã, tarde e
noite, no período de outubro de 2004 a janeiro de 2005. A opção por se fazer
visitas nos três turnos teve como justificativa o objetivo de buscar
especificidades dos ruídos e barulhos, de acordo com a dinâmica da UIN em cada
turno.
Os dados foram coletados por meio da observação não-participante e uso de um
decibelímetro para a medição dos ruídos em nível de pressão sonora, da marca
Lutron, modelo SL 4001 Sound Level Meter. Este equipamento mede 245x80x35 mm,
pesa 500g, possui um microfone interno que capta ruídos, uma bateria alcalina
de nove volts, um calibrador e uma escala que varia de 35 a 130 decibéis. O
equipamento atende as normas técnicas nacionais(10-12). Foram levados em
consideração os equipamentos, monitores, uso de telefone celular e telefones
fixos, troca de equipamentos, jato d'água e conversação entre as pessoas
(profissionais de saúde, familiares e outros profissionais de suporte, como
laboratorista, técnico de radiologia).
O equipamento foi colocado sobre uma bancada a uma altura de 1,5m do piso, após
checagem da calibração. Utilizou-se a escala normal e a escala de pico de maior
intensidade para registrar o nível de ruído. A escala normal refere-se aos
valores registrados pelo equipamento com maior frequência no momento da
captação do som. A escala de pico alto refere-se ao maior valor detectado no
mesmo período.
Para a classificação dos ruídos, foram usados valores estabelecidos pela
Associação Brasileira de Normas Técnicas(10-12), que estabelece durante o
período diurno o nível de ruídos permitidos de 50dBA e no noturno de 40dBA para
os ambientes hospitalares externos, escolas, área residencial. Para ambientes
hospitalares internos, como apartamentos, enfermarias, berçários e centro
cirúrgico, a recomendação é manter o nível sonoro entre 35 a 45 dBA, sendo o
primeiro considerado nível de conforto auditivo e o segundo o limite aceitável.
Antes do início da pesquisa, o aparelho foi calibrado, a fim de monitorar sons
contínuos, alarmes, conservação dentro do ambiente de trabalho. O equipamento
consta de escalas entre 30 130 dB. Após verificação da dinâmica na unidade,
optou-se pela escala entre 50-100dB, pois o nível sonoro se encontrava acima
dos valores determinados pela ABNT.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram realizadas, em 13 dias intercalados, observação nas UIN de médio e alto
risco, no turno da manhã (7dias), tarde (3 dias), noite (3 dias), sendo o tempo
de permanência das pesquisadoras de duas a quatro horas. Foram valorizados os
momentos de maior movimentação nas unidades, como: passagem de plantão, início
das atividades de cada turno e visita dos familiares, pois eram os momentos de
maior número de pessoas na UIN. Uma situação vivenciada nas unidades neonatais
é o número excedente de leitos, que dificulta a dinâmica da unidade.
No período da manhã, foram registrados níveis de ruídos sonoros altos, pois se
encontrou um fluxo maior de pessoas, bem como quantidade maior de atividades
realizadas, como, troca de equipamentos, coleta de exames, troca de sondas
orogástricas, organização dos leitos.
Em relação à conversação entre os membros da equipe multidisciplinar,
registraram-se níveis sonoros altos, que podem ser indicativos de perda
auditiva por parte dos integrantes da equipe. A média aritmética de nível
sonoro foi de 84,5 dB, no período da manhã, 76,6 dB, no da tarde e, 76,6dB, no
da noite. A intensidade do ruído acima de 60 dB ultrapassa as falas
civilizadas, começando a mergulhar a voz educada no caos sonoro, e o ouvinte em
distúrbio de atenção de concentração. Com isto podem ser estressadas as cordas
vocais e incompatibilizar as boas condições de concentração, introspecção e
serenidade para as atividades mentais e psicológicas de quem conversa(13).
Apresenta-se na Figura_1 o valor médio dos decibéis encontrados no turno de
trabalho de 7 da manhã às 13 da tarde (6 horas.
Observa-se que, no início da manhã, o valor dos decibéis é inversamente
proporcional à hora, pois, no turno da manhã, há necessidade da presença de um
número maior de profissionais, como médicos que renovam a prescrição médica,
equipe de enfermagem, que necessita iniciar e/ou renovar procedimentos, como
troca de equipamentos; conversação entre os profissionais, decisões e condutas
a serem modificadas, dentre outros. À medida que o tempo passa, os ruídos e os
barulhos tendem a diminuir. Salienta-se, porém, que o fato de se ter maior
número de pessoas na unidade não invalida a possibilidade de se manter os
níveis sonoros ambientais num padrão adequado.
O barulho provoca diminuição da habilidade auditiva, interfere na fase do sono
profundo, importante para maturação das funções cerebrais, além de ocasionar
irritabilidade e choro freqüente, levando à instabilidade das funções
fisiológicas, aumento da pressão arterial, altera a irrigação vascular craniana
intraventricular, favorecendo um aumento dos riscos de hemorragia nesta área
(14).
Em estudo desenvolvido com o objetivo de identificar quais os principais
componentes responsáveis pelo barulho na unidade de internação neonatal,
mostrou a predominância da conversação entre profissionais da equipe de saúde,
dos alarmes e troca dos equipamentos, o uso de telefones no interior da unidade
(15). Outro estudo mostrou que as principais ocorrências ao aumento da pressão
sonora na UTIN foram os alarmes dos ventiladores e dos oxímetros de pulso,
conversa entre profissionais e entre os pais, fluxo de água proveniente da
torneira da pia de lavagem das mãos, abertura da tampa do cesto de lixo e do
invólucro de alguns materiais descartáveis(16). Um dos maiores fatores que
contribuem para um aumento do ruído nas UTI neonatais é a conversação entre
aqueles que compõem a equipe de assistência, assim como os visi-tantes(17).
As Figuras_2, 3 e 4 representam a distribui-ção dos valores encontrados nas
unidades e sua relação com o número de adultos e RN na UIN. Ressalta-se que, no
turno da manhã, houve em todos os dias observados, uma quantidade maior de
adultos em relação ao número de bebês internados.
Observa-se que o número mínimo de adultos foi de 12 para 10 RN internados,
sendo que, neste dia, o ruído sonoro variou de 61.9- 65 dB e, no dia em que
havia 31 adultos para nove bebês em uma das unidades, o intervalo de ruído foi
de 69.7-73.2 dB.
Apesar da presença de muitos adultos nas unidades, ressalta-se que estes devem
atentar para o tom de voz ao atender ao telefone e ao conversar com outras
pessoas, pois é possível se utilizar da voz mais baixa. Os ruídos podem causar
alterações fisiológicas, tais como elevação da pressão arterial, alteração no
ritmo cardíaco, vasoconstricção periférica, dilatação das pupilas e aumento da
liberação de adrenalina(18).
Na instituição pesquisada, os pais podem permanecer 24 horas com seus filhos,
ou visitá-los a qualquer momento. É facilitada a permanente presença de
pessoas, além dos profissionais na unidade. Ressalta-se que essa atitude deve
ser continuada, pois se sabe que os pais necessitam acompanhar a internação do
filho, o que se configura como um aspecto positivo para a recuperação mais
rápida do bebê doente(19).
O que se precisa fazer é buscar a conscien-tização e prática da conversação num
tom de voz mais baixo, respeitando, inclusive, o momento vivido pelos RN, que,
na maioria das vezes, já estão ouvindo os alarmes e ruídos dos equipamentos
durante as 24 horas, tornando-os, assim, susceptíveis aos danos auditivos e
cerebrais. É preciso esforço para diminuir as causas do estresse e algumas
atitudes podem ser tomadas, como favorecer as posturas em flexão, dar uma
chupeta e diminuir a luz e o nível sonoro(18).
O barulho produzido pelo jato d'água na hora da lavagem das mãos foi observado
e também mensurado (Tabela_1). O valor máximo em cada turno foi 80.4 dB
(manhã), 73.1dB (tarde) e 73.75dB (noite), conforme tabela_1. A necessidade da
lavagem das mãos na UIN pelos profissionais de saúde é obrigatória ao entrar na
unidade e/ou antes da realização de algum procedimento ou manuseio com o RN. É
uma das medidas de prevenção e controle das infecções hospitalares, sendo
imprescindível a sua prática, o que se configura como mais um agente produtor
de barulho no interior da unidade. Para amenizar o barulho do fluxo do jato,
este deve ser controlado, atentando para o nível de abertura da torneira e,
conseqüentemente, a velocidade da água.
A lavagem das mãos é comprovadamente importante na prevenção das infecções,
pois as mãos dos profissionais de saúde são as principais fontes de transmissão
de microrganismos(20).
A troca de incubadoras, aparelhos de fototerapia, berços e aparelho de RX são
comuns na rotina da UIN. Durante os horários de observação, houve duas trocas
de equipamentos no período da manhã e três no da noite. Apesar de o turno da
noite ser menos barulhento, apresentou um pico de decibéis maior do que o da
manhã, média de 74.96dB e valor máximo de 78.1. No período da manhã a média foi
de 71.9 dB e valor máximo de 72.8dB. São detalhes que dependem tanto da
dinâmica da UIN, no momento da troca do equipamento, como da participação da
equipe, como conversação e forma de carregar o aparelho no momento da troca.
São barulhos e ruídos que se somam e, conseqüentemente, elevam a poluição
sonora no ambiente hospitalar.
É preciso evitar fatores que perturbam o sono dos bebês, como a movimentação da
equipe, o barulho e a manipulação excessiva, que devem ser evitados ou
diminuídos(19). A utilização das incubadoras merece atenção especial, pois o
manuseio de forma brusca pode desencadear aumento do nível de pressão sonora
acima do esperado(20). O barulho desencadeia respostas comportamentais e
fisiológicas no RN, em particular nos prematuros, que processam e registram as
informações recebidas por falta de controle inibitório(21). Um ambiente
tranqüilo pode beneficiar tanto o bebê quanto os profissionais da unidade.
CONCLUSÕES
Ao final do estudo, observou-se que o valor médio dos decibéis encontrados na
UTIN estudada é superior ao recomendado pelo ABNT.
O turno mais movimentado, com maior número de pessoas, inclusive maior do que o
número de bebês foi o da manhã. Apresentou níveis altos de ruídos e barulhos,
principalmente na conversação entre as pessoas, jato d' água da pia para
lavagem das mãos (valor máximo de 80,4dB). O turno da noite teve maior valor de
decibéis na troca de equipamentos na UIN (valor máximo de 78.1dB).
Os principais causadores de barulhos e ruídos na UIN foram: conversação entre
as pessoas, alarmes de aparelhos, como monitores e incubadoras, uso de
telefones fixos e celulares, jato d'água da pia, troca de equipamentos.
Os resultados se assemelham a outros estudos desenvolvidos na temática.
Considera-se urgente a tomada de decisão dos profissionais envolvidos no
cuidado ao RN na UIN, a fim de reduzir o nível de poluição sonora no ambiente
da Unidade Neonatal e, consequentemente, trabalhar para a diminuição de
seqüelas nos RN internados.