Análise dos dispositivos de saúde mental em municípios do Vale do Paraíba
INTRODUÇÃO
No início da década de 1970, a Psiquiatria foi a especialidade mais explorada
na área da saúde pelas empresas privadas. Nessa fase, a denominada "indústria
da loucura" fez dobrar o número de leitos psiquiátricos, pois a inexistência de
direitos dos usuários, associada à baixa exigência de qualidade do setor,
facilitava o crescimento de construção ou transformação de velhos galpões em
enfermarias(1).
A Reforma Psiquiátrica iniciou-se com o movimento sanitarista, mas em um dado
momento tomou outra direção, pois a Psiquiatria tinha um grande problema a
resolver - os hospitais psiquiátricos, o que não acontecia com as demais áreas
da Saúde Coletiva, na Reforma Sanitária(1-2).
Inicialmente, o movimento de reforma psiquiátrica brasileira pautou-se na
italiana que foi desenvolvida por Franco Basaglia como marco referencial do
processo de desinstitucionalização. Na Itália, o processo foi marcado por forte
poder de mobilização social, política e cultural, valorizando os direitos de
cidadania do doente mental, preocupando-se em oferecer-lhe soluções
alternativas de tratamento na comunidade(2).
No Brasil, a Reforma Psiquiátrica é um movimento histórico de caráter político,
social e econômico, tendo a desinstitucionalização como principal vertente,
envolvendo todos os atores sociais para modificar a organização das
instituições psiquiátricas e consequente desconstrução do manicômio, o que
implica na construção de outras estruturas para tratamento dos portadores de
sofrimento psíquico(3).
Durante 11 anos, em sua proposta inicial, com o Decreto nº 3.657/89, a Lei nº
10.216 sofreu modificações até ser aprovada em abril de 2001. De autoria do
Deputado Paulo Delgado, a lei viabilizou o processo de Reforma, garantindo a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais,
redirecionando o modelo assistencial em saúde mental(4).
A Reforma objetiva a reabilitação psicossocial que se apresenta como um
conjunto de atividades capazes de oferecer condições muito amplas à recuperação
dos indivíduos, por meio de uso de recursos individuais, familiares e da
comunidade, a fim de neutralizar os efeitos iatrogênicos e cronificadores da
doença e das sucessivas internações psiquiátricas. Reabilitar significa ajudar
os indivíduos a superar suas limitações e incapacidades e promover o
autocuidado, elevando-lhes a autoestima, dando-lhes oportunidade para a
restituição da identidade pessoal, social e a autonomia(5).
Em consonância com a Lei nº 10.216, as Políticas de Saúde atuais estabelecem
que o atendimento de pessoas portadoras de transtornos mentais seja realizado
em base comunitária, próxima do convívio familiar, para tornar possível a
convivência entre a loucura e a sociedade. Portanto, foram criados os
equipamentos, serviços substitutivos ou dispositivos em saúde mental, como são
denominados os diferentes serviços de atendimento em saúde mental, sediados na
comunidade, formando uma Rede de atendimento psicossocial(4).
Os serviços substitutivos são entendidos como um conjunto de dispositivos
sanitários e socioculturais sob a ótica de integração das várias dimensões da
vida do indivíduo, considerando diferentes e múltiplos âmbitos de intervenção
(educativo, assistencial e de reabilitação)(6).
Seguindo critérios populacionais, cada município deve contar com ações de saúde
mental que transformem paradigmas sociais com relação à loucura, baseadas em
processos coletivos, para que sejam garantidos os direitos à atenção em saúde
mental, nos Programas de inclusão social. A Rede de atenção ao portador de
transtornos mentais deve ser constituída por serviços substitutivos
assistenciais, tais como: Unidades Básicas de Saúde; Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS); Centros de Convivência; Grupos de Produção; Moradias
(residências terapêuticas); leitos de retaguarda em Hospitais Gerais (noturno/
feriado/final de semana); Programa "de Volta para Casa"; ações intersetoriais;
mobilização; controle social e a desconstrução do Hospital Psiquiátrico(6).
Atualmente, o Brasil possui uma população de 189.612.814 habitantes, e a Rede
de CAPS, 1.326 unidades, com cobertura de 0,55 para cada 100 mil habitantes. O
Estado de São Paulo tem uma população de 41.011.635 habitantes, com uma Rede de
203 CAPS, cobrindo 0,45 em cada 100 mil habitantes. O Programa de Volta para
Casa assiste a 3.192 pessoas e, até o momento no País, foram implantados 36.797
Serviços Residenciais Terapêuticos(7).
Desde o início da década de 1990, quando começou o processo de reforma da
intervenção psiquiátrica com a desinstitucionalização de pessoas portadoras de
sofrimento psíquico, o Sistema Único de Saúde, por meio dos Departamentos
Regionais de Saúde (DRS) vem estruturando novas estratégias de atenção à saúde
mental, pautadas nas políticas públicas em saúde mental.
O DRS XVII é sediado no município de Taubaté, no Médio Vale do Paraíba, e foi
implantado há aproximadamente 12 anos. Abrange 39 municípios e é definido como
serviço de regulamentação e coordenação de todas as ações de saúde, monitorando
os serviços prestados pelos mecanismos assistenciais que possibilitem a atenção
psicossocial das pessoas acometidas de transtornos mentais.
Considerando as determinações da Portaria 336 de 19 de fevereiro de 2002, que
define as diretrizes para a instalação de CAPS em municípios que possuem
população acima de 20 mil habitantes, a questão que se faz é: Será que as
Secretarias municipais de Saúde coordenadas pelo DRS XVII, possuem dispositivos
suficientes para atender a população que sofre de transtornos psíquicos e os
usuários ou dependentes de álcool e de outras drogas(8)?
As autoras, baseadas nesse questionamento, realizaram o presente estudo com a
finalidade de analisar se os dispositivos de saúde mental dos municípios
coordenados pelo DRS XVII são quantitativamente suficientes para atender aos
portadores de transtornos psíquicos, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
As autoras realizaram um levantamento da produção literária a respeito da
temática que está sendo abordada e identificaram apenas dois estudos para
caracterização de serviços e equipes de enfermagem que assistem dependentes
químicos no Vale do Paraíba. As buscas de deram nas Bases de Teses e
Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), Universidade de São Paulo e Universidade Estadual de Campinas, sendo
identificada apenas uma dissertação de mestrado na Base da CAPES, que teve como
objeto de estudo o ambulatório de saúde mental no contexto da Reforma
Psiquiátrica em um município do Vale do Paraíba, também participante deste
estudo(9).
Assim, na literatura não existem registros de levantamentos anteriores, com
dados quantitativos ou qualitativos relativos aos dispositivos de saúde mental
dos municípios que participaram do presente estudo.
Os objetivos traçados foram: identificar o número de habitantes dos municípios
participantes coordenados pelo DRS XVII; identificar as modalidades e número de
dispositivos de saúde mental disponíveis nos municípios participantes;
identificar o número pessoas portadoras de transtornos psíquicos usuárias dos
Serviços em saúde mental do SUS; e analisar a relação entre a população dos
municípios e a quantidade e modalidade dos dispositivos de saúde mental
existentes.
METODOLOGIA
A presente pesquisa é descritiva-exploratória. O estudo foi realizado entre
março e maio de 2007, no DRS XVII e Secretarias municipais de saúde, tendo como
participantes os representantes legais do Departamento e dos dispositivos de
saúde mental nos municípios sob sua coordenação.
A proposta inicial do projeto era realizar o estudo nos municípios dirigidos
pela Diretoria Regional de Saúde XXIV, como era denominado o atual DRS XVII. No
entanto, no mês de dezembro de 2006, por meio do Decreto 51.433/06, a
Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo desativou a DIR XXI, situada no
município de São José dos Campos. Com isso, a DIR XXIV assumiu a coordenação e
regulação das ações de saúde de todos os municípios dirigidos pela extinta DIR
XXI.
A DIR XXIV dirigia 27 municípios, e o atual DRS XVII coordena 39 municípios.
Como o projeto já estava em andamento quando ocorreram as mudanças descritas
acima, as autoras mantiveram como participantes apenas os 27 municípios e
dentre eles foi realizado o estudo naqueles que possuem dispositivos de saúde
mental, totalizando sete.
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, sendo aprovado sob o
Parecer de nº 30/2006. Todas as determinações da Resolução nº 196/96, do
Conselho Nacional de Ética em Pesquisa foram observadas.
Inicialmente, o representante legal do DRS XVII foi contatado para a concessão
de autorização formal. Uma vez obtida a autorização, as pesquisadoras coletaram
alguns dados com o representante legal do DRS. Como não foi possível obter
todas as informações no Departamento, para sua complementação outras visitas
foram agendadas, por telefone, com os coordenadores dos dispositivos nos
municípios.
O cadastro de todos os portadores de transtornos psíquicos foi extraído dos
registros impressos. Para anotar as informações, as autoras adotaram um diário
de campo em que foram registrados os dados de cada dispositivo que foram
analisados descritivamente.
Com o intuito de preservar a identificação dos municípios participantes,
adotou-se o nome de flores para identificá-los, assim, foram denominados:
Begônia, Bromélia, Girassol, Lírio, Margarida, Rosa e Violeta.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No início, foi feito o levantamento populacional dos municípios participantes
nos bancos de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE
(10).
Nos dados da Tabela_1, são apresentados os municípios participantes, número de
habitantes e os números de usuários que utilizam os dispositivos de saúde
mental.
![](/img/revistas/reben/v64n2/a10tab01.jpg)
No momento da coleta de dados dos 27 municípios, apenas sete possuíam algum
dispositivo para atendimento em saúde mental, representando 25,93%.
Considerando que a população desses municípios era de 707.580 habitantes,
apenas 13.195 pessoas (1,9%) têm acesso a algum tipo de serviço de saúde mental
de base comunitária. Estes dados contrariam os princípios de universalidade,
equidade e integralidade do Sistema Único de Saúde.
Na perspectiva quantitativa, o município Bromélia, com 49.512 habitantes, e o
município Margarida, com 16.454 habitantes, encontram-se dentro das normas
preconizadas pela Portaria 336/2002. Como o estudo não se propôs a realizar a
análise qualitativa, não se pode afirmar que a atenção oferecida aos usuários
atenda efetivamente às demandas da saúde mental daquelas localidades.
Embora as diretrizes atuais do Ministério da Saúde sejam para uma atenção de
base comunitária, quantitativamente, 92,59% dos 27 municípios participantes não
dispõem de dispositivos que ofereçam cobertura de atendimento à população
local, o que indica que os usuários estão sujeitos à desassistência no processo
saúde-doença mental.
Os dados da Tabela_2 apresentam os municípios participantes e as respectivas
modalidades dos dispositivos. Quanto ao tipo, os CAPS são classificados em:
CAPS I, II, III, CAPS AD (atende usuário de álcool e de outras drogas) e CAPS I
(atende crianças e adolescentes). Nesta tabela, encontram-se os números
absolutos dos leitos disponíveis para internações psiquiátricas em pronto-
socorro e hospital geral.
[/img/revistas/reben/v64n2/a10tab02.jpg]
Os Recursos de Saúde Mental monitorizados pelo DRS XVII são compostos por:
quatro CAPS, sendo dois tipo I e dois tipo II; quatro Ambulatórios; um
hospital-dia, sete leitos em pronto-socorro geral e uma enfermaria com 12
leitos para internação de curta permanência (30 dias).
O CAPS, que foi regulamentado pela Portaria GM nº 336, de 19 de fevereiro de
2002, define e estabelece diretrizes para seu funcionamento(8).
Os CAPS são instituições destinadas a acolher pessoas com transtornos mentais e
visam a prestar atendimento em regime de atenção diária; gerenciar os projetos
terapêuticos oferecendo cuidado clínico eficiente e personalizado; e promover a
inserção social dos usuários por meio de ações intersetoriais que envolvam
educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de
enfrentamento dos problemas(8).
Esses Serviços substitutivos constituem-se como a principal estratégia do
processo de reforma psiquiátrica, sendo definidos por ordem crescente de porte,
complexidade e abrangência populacional.
De acordo com o critério populacional: municípios com mais de 20 mil habitantes
devem possuir CAPS I; 70 mil - CAPS II; 100 mil CAPSad e 200 mil CAPS III e
CAPS I(7-8).
De acordo com as determinações da Portaria 336/2002, o município Begônia com
143.737 mil habitantes deveria ter um CAPSad para o atendimento de pessoas
portadoras de transtornos psíquicos dependentes de álcool e drogas, além do
CAPS II existente. O município de Girassol com 113.012 habitantes deveria
possuir um CAPS II e um CAPSad para a maior qualidade do atendimento em saúde
mental, pois o serviço ambulatorial atende toda a população usuária de álcool e
de outras drogas. Os municípios Lírio e Rosa deveriam prever a implantação de
um CAPS I; e, por fim, o município Violeta deveria implantar um CAPS III para a
contenção da crise no município, além de um CAPSad e CAPSi para a atenção aos
usuários de álcool e de outras drogas e às crianças, respectivamente.
Estudo revela que o município de Campinas conta atualmente com um CAPS III para
cada Distrito Sanitário, caracterizando condição ainda muito rara nos
municípios brasileiros(11). No Vale do Paraíba, não existe CAPS III.
Nos CAPS, identificados no presente estudo, são atendidos todos os diagnósticos
de transtornos mentais existentes e, em suas oficinas, os lucros gerados pela
produção dos usuários são empregados para a compra de materiais para a
manutenção de outras oficinas.
As modalidades de oficinas realizadas nos CAPS devem se ocupar com questões do
cotidiano dos usuários e serem adequadas aos seus perfis(8). Portanto, não são
os sujeitos que precisam se adequar ao CAPS, mas é o CAPS que precisa se
adequar para recebê-los(12).
As atividades realizadas nas oficinas devem também objetivar a geração de
renda, considerando que o CAPS deva possibilitar a inclusão social dos
usuários. Para a comercialização dos produtos gerados nas oficinas, uma solução
proposta é a de que um operador do serviço psiquiátrico negocie a oportunidade
de trabalho em nome dos usuários. Esta proposta é reconhecida em estratégias em
que alguns profissionais do CAPS lançam mão para viabilizar a inserção dos
usuários no mercado de trabalho, já que as dificuldades para passagem da
situação protegida ao mercado livre do trabalho são muito grandes(12-13).
O trabalho dos CAPS não ocorre apenas no período de crise, pois é exatamente
fora desses momentos que a intervenção efetivamente se verifica. É quando se
pode auxiliar o usuário a construir seus projetos de vida, aumentando sua
autonomia, contratualidade social e qualidade de vida(14).
Os municípios Girassol, Lírio, Rosa e Violeta possuem ambulatórios que se
encontram com o número elevado de cadastrados, o que sugere um atendimento
deficitário.
Estudo anterior realizado no ambulatório de saúde mental do município Violeta
relata a existência de elevado número de usuários atendidos no serviço e a
necessidade de ampliar e melhorar o atendimento prestado. Ressalta, ainda, a
carência de recursos humanos e materiais e a falta de uma rede de atenção capaz
de organizar a atenção primária, a fim de melhorar as condições sociais da
população, como fatores que se colocam como entraves no processo(9).
O presente estudo revelou um número excessivo de usuários cadastrados no
ambulatório do município Girassol, o que pode ser atribuído ao fato do
Hospital-Dia do município não atender a usuários de álcool e de outras drogas
e, também, à pressão dos serviços públicos para que os trabalhadores cumpram as
metas estabelecidas, relacionadas ao número de atendimentos
Por outro lado, muitos Serviços sentem dificuldade para ampliar o número de
atendimentos em razão do número insuficiente de trabalhadores no quadro técnico
e de muitos deles possuírem vínculos empregatícios temporários, com implicações
de diferentes ordens: para a equipe, pela elevada rotatividade que compromete a
articulação; para a dinâmica e continuidade dos projetos, pelas frequentes
interrupções; para os usuários que sentem o comprometimento da qualidade do
atendimento que lhes é prestado e; por fim, à comunidade, que percebe a
ineficiência de uma estrutura que deveria ser articuladora(14).
Comumente, no campo médico-psiquiátrico fala-se de tratamento e não de cuidado,
porque refere-se a tratar como sendo uma ação mediada por conhecimentos
científicos, instrumentais e objetivos. É a objetivação de um corpo de
conhecimentos, traduzida na ação profissional. Cuidar é uma atitude de
responsabilização, que pode ser traduzida como atitude de implicação, e assim,
tudo o que se relaciona ao sujeito interessa, diz respeito a quem cuida. O
cerne do cuidar está no fortalecimento dos laços entre o sujeito que busca o
atendimento, o serviço e o território onde se dá o atendimento(15).
O município Girassol possui um hospital-dia. O serviço aguarda o credenciamento
do Ministério da Saúde para funcionar como CAPS II. Desde sua implantação, o
hospital-dia tem suscitado polêmicas quanto à eficiência para reabilitar
pacientes crônicos, suas indicações, contra-indicações, entre outros, como
serviço substitutivo aos hospitais psiquiátricos. Em razão da carência de
profissionais nos hospitais-dia, o serviço passa a funcionar com menor número
de vagas, limitando o poder das análises estatísticas da qualidade do serviço
prestado(16).
Os hospitais-dia atendem usuários com níveis de incapacitação psiquiátrica,
perdas e necessidades superiores à autonomia dos ambulatórios para atendê-las.
Se os hospitais-dia visam a evitar internações, deve-se pensar na possibilidade
de que esses serviços atendam pacientes com risco de vir a ser internados ou
reinternados, independentemente do diagnóstico psiquiátrico(17).
Os municípios de Violeta e Girassol possuem leitos para atendimento de
emergência em hospital geral, mas as equipes não oferecem atendimento
especializado aos usuários, em razão da elevada demanda e por não possuírem
profissionais especializados e treinados para a atenção em saúde mental.
A questão da assistência ao ser humano em sofrimento psíquico requer que se
construam não só estruturas físicas, mas também espaços de atenção, como no
caso do hospital geral, com a capa-citação dos profissionais que irão atuar no
atendimento a esses pacientes(18). Nesses ambientes, os pacientes precisam de
um atendimento diferenciado, pois como se sentem bem fisicamente, permanecem
por pouco tempo no leito. O ambiente físico deve favorecer para que os
portadores de transtornos psíquicos sejam orientados em tempo e espaço (devem
ter relógios, calendários, espelhos e quadros); possuir refeitório; área de
lazer para que possam realizar atividades físicas; sala de estar com rádio e
televisão, e que seja em andar térreo. Ao pensar na questão do espaço físico, a
dificuldade de implantação desses leitos é grande, pois a reorganização para
adequar os hospitais está vinculada à disponibilidade de espaço físico e
implica investimentos financeiros(17,19). Esta definição sugere que a
emergência não tenha uma função exclusiva voltada a uma determinada nosologia
psicopatológica, mas também ao sistema de serviços oferecidos por uma
determinada região, na qual o indivíduo está inserido.
Com a desinstitucionalização do doente mental, registrou-se um aumento da
demanda de serviços de emergência. Indivíduos com transtornos psiquiátricos
graves, que, atualmente, vivem na comunidade, buscam com maior frequência
atendimento nos serviços de emergência, pelas descompensações periódicas da
própria doença, suporte social ineficiente e eventuais falhas nos próprios
serviços de saúde mental(19).
Os serviços de urgência psiquiátrica em prontos-socorros gerais atendem
diariamente, 24 horas, contando com o apoio de leitos de internação para até 72
horas. Deve ser composto por uma equipe multiprofissional e o atendimento tem
por objetivo evitar a internação hospitalar, permitindo, assim, que o paciente
retorne à sociedade. O serviço deve ser regionalizado, atendendo à população
residente no município, a fim de que se possa realizar um atendimento com
qualidade(19).
O município Violeta possui três hospitais gerais, sendo um deles referência em
especialidades para todos os municípios do DRS XVII, por realizar cirurgias,
tratamentos e exames de alta complexidade; no entanto não disponibiliza sequer
um leito para a atenção em saúde mental. O município Girassol possui 12 leitos
em hospital geral que atende a demanda local e de outros municípios vizinhos
que não possuem leitos psiquiátricos disponíveis, para os quais o hospital é
referência.
Nos municípios estudados, as internações em hospitais psiquiátricos ocorrem com
muita frequência, estando o hospital de referência situado no município de
Itapira, em outra região do Estado, há aproximadamente 250 km do Vale do
Paraíba. Investigação realizada em dois CAPS (I e II) de dois municípios da
região oeste do Estado de São Paulo, observou-se que as internações também
ocorrem em hospitais psiquiátricos de outras regiões do Estado e que os
dispositivos não possuem uma articulação com os demais da rede, a fim de
proporcionar melhor atendimento em saúde mental(11).
Os leitos de retaguarda em hospital geral configuram um dispositivo estratégico
para os municípios que não possuem CAPS III, ou seja, que funcionem 24 horas. O
objetivo é segurar a crise no município, dando retaguarda de hospitalidade
noturna, feriados e finais de semana, aos usuários que se encontram em crise no
CAPS local(8,18).
Os leitos psiquiátricos de hospital geral devem oferecer uma retaguarda
hospitalar aos casos em que seja necessária a internação. O número de leitos
não pode ultrapassar 10% da capacidade instalada do hospital, até um máximo de
30 leitos. Deverá dispor de salas para trabalho em grupo (terapias e grupo
operativo, entre outros), deverá constar de área externa do hospital para lazer
e atividades socioterapêuticas(18).
Embora os serviços substitutivos sejam considerados um grande avanço no
processo de Reforma Psiquiátrica, não se pode ter como indicativo de qualidade
apenas os números de unidades implantadas, preferencialmente CAPS, mas
sobretudo a qualidade do atendimento e o alcance de suas ações, visando sempre
à reabilitação psicossocial dos sujeitos.
Nesses Serviços, várias alternativas terapêuticas são oferecidas e não se
resumem apenas à administração de medicamentos. Os diversos tipos de oficinas
permitem às pessoas trabalharem suas habilidades; expressarem nos trabalhos
artísticos a afetividade e a confusão mental que o adoecimento lhes impõe.
Os serviços não podem ser apenas espaços físicos onde as pessoas recebem
medicação, alimentação, passes para os transportes coletivos e ocupem o tempo
por meio das atividades assistidas, mas que sejam espaços onde as pessoas
possam resgatar a auto-estima e auto-imagem. Que sejam portas que se abrem para
a vida inclusiva(20).
Para que os dispositivos em saúde mental venham a ser realmente novos serviços,
rompendo com a estrutura teórica e prática do modelo hospitalar hegemônico,
faz-se necessário que o atendimento ali disponibilizado seja comprometido com
rupturas necessárias de ordem ética, política e epistemológica em relação ao
representado pela atenção tradicionalmente prestada pela rede pública e
conveniada de saúde mental, sobretudo nos ambulatórios e hospitais
psiquiátricos(21).
Em outras regiões do País, muitos municípios vêm mostrando que a implantação
dos serviços substitutivos pode acontecer em curto prazo de tempo, como é o
caso de Campina Grande, no interior da Paraíba que em um ano conseguiu reverter
o modo de atenção em saúde mental, passando do modelo hospitalocêntrico para o
modelo de atenção psicossocial(22-23).
CONCLUSÃO
Por isso, as autoras consideraram o tema proposto relevante, visto que os
resultados da análise serão disponibilizados ao DRS XVII, a fim de contribuir
para a sustentabilidade da Reforma Psiquiátrica na região. Ademais, os dados
analisados poderão ser utilizados pelo DRS para melhor direcionar as
estratégias na área, garantindo a universalidade e a equidade de atendimento
aos usuários do Sistema Único de Saúde.
A ampliação da rede de serviços em saúde mental deve ser o reconhecimento do
direito da população ter acesso aos serviços que lhe são mais adequados.
Em resposta aos objetivos estabelecidos, conclui-se com a pesquisa que: a
população residente nos 27 municípios participantes totaliza 707.580 mil
habitantes.
Os Recursos de Saúde Mental dos 27 municípios participantes, monitorizados pelo
DRS XVII são compostos por quatro CAPS sendo: dois CAPS tipo I e dois CAPS tipo
II; um Hospital Dia; uma Enfermaria de curta permanência; quatro Ambulatórios e
duas Unidades Emergenciais Gerais.
Os resultados indicam que a cobertura de atendimento de saúde mental em base
comunitária nesses 27 municípios é insuficiente, pois em uma população de
707.580 mil pessoas, apenas 13.195 mil (1,9%) estão cadastradas em algum
serviço substitutivo de saúde mental em sete municípios.
Segundo dados do Ministério da Saúde, em dezembro de 2005, quase 12% da
população brasileira possuem algum tipo de transtorno psíquico, inclusive
aqueles decorrentes de dependência do álcool e de outras drogas. Confrontando
os achados com as estimativas do Ministério da Saúde, supõe-se que,
aproximadamente, 98,14% da população que sofrem de algum tipo de transtorno
psíquico nos 27 municípios estudados estejam sem assistência em saúde mental.
Os dados apresentados neste artigo revelaram que a população residente no Vale
do Paraíba carece de serviços de atenção à saúde mental nos territórios, porque
os dispositivos são quantitativamente insuficientes para intervir na promoção e
assistência em saúde mental. Dessa forma, os usuários do Sistema Único de Saúde
residentes nessas localidades, ao apresentarem crise psíquica, que não é
contida nos serviços existentes nas comunidades, são internados em hospitais
psiquiátricos.
Dentre os municípios participantes, apenas Girassol possui 12 leitos para a
internação psiquiátrica em um hospital geral. Os demais têm como referência
para essa modalidade de internação um hospital situado em um município em outra
Região do Estado. O município Violeta possui em seu território três hospitais
gerais, mas não disponibiliza sequer um leito ao atendimento psiquiátrico.
No hospital psiquiátrico, a hospitalização por si só já é para quem está sendo
hospitalizado, um fenômeno carregado de dor e traumas. A distância torna a
experiência ainda mais traumática, pois a pessoa fica isolada da família pela
dificuldade em receber visitas, determinada pela distância entre o município do
hospital e o de sua residência, contrariando o princípio de regionalização do
SUS e da assistência no território, preconizada pela Reforma psiquiátrica.
Baseados em resultados obtidos em outra investigação e da leitura dos dados
quantitativos aqui apresentados, as autoras questionam o motivo pelo qual os
gestores de saúde dos municípios participantes não tem a iniciativa de
implantarem maior número de serviços substitutivos para a atenção em saúde
mental, ampliando assim, a Rede de atenção em Saúde mental local(24). Ademais,
a única forma viável para se conter a crise psíquica nos municípios estudados é
a implantação de CAPS tipo III nos de médio porte e a disponibilização de
leitos psiquiátricos em hospitais gerais, visto que dentre os participantes,
apenas um município não possui hospital geral.