Perspectiva educativa do cuidado de enfermagem sobre a manutenção da estomia de
eliminação
INTRODUÇÃO
Desde o início do curso de Graduação em Enfermagem vivenciamos diversas
experiências educativas junto ao usuário em diferentes cenários de prática
profissional. A cada período do curso construíamos novas maneiras de abordar o
usuário de acordo com suas necessidades específicas. Essas experiências
permitiram-nos principalmente a reflexão sobre a prática de educação em saúde
articulada ao cuidado fundamental de enfermagem no espaço hospitalar, como
também as possibilidades de intercâmbio entre o saber técnico-científico ou
profissional e o saber popular advindo do senso comum.
Posteriormente, tivemos o nosso primeiro contato com o usuário estomizado
1
. Pudemos desvendar as alterações decorrentes da confecção do estoma incluídas
na dimensão biopsicosocioespiritual desse usuário, levando-nos à reflexão de
que, para desenvolvermos uma adequada assistência a este usuário devemos
incluir além do aporte técnico e apoio psicológico, um plano de educação em
saúde no intuito de colaborar com o desenvolvimento de habilidades da pessoa no
cuidado de si.
Na condição de educadora em saúde, a enfermeira precisa conhecer a realidade na
qual se situa o usuário, devendo resgatar esse sujeito como cidadão
participante do seu processo de cuidado, através do diálogo, possibilitando
desta forma, a transição de uma consciência "ingênua", caracterizada pela
passividade, para uma consciência crítica e reflexiva, capaz de colocá-lo em
posição questionadora, participativa e ativa. Isto significa que os usuários
devam assumir a posição de sujeitos e não objetos da ação profissional. Assim
agindo, podem optar por aderir ou não à mudança de hábitos, atitudes e modos de
pensar a vida e a saúde. Desta maneira, a enfermeira constrói conjuntamente com
os usuários os possíveis caminhos, podendo os mesmos ou escolher a mudança, que
ocorre no sentido da verdadeira humanização do homem; ou ficar a favor da
permanência, chegando ao ápice da antimudança(1).
Essa mudança de perspectiva na relação do cuidado entre a enfermeira e o
usuário é capaz de promover uma autêntica comunicação entre pessoas que têm
sentimentos, desejos, sonhos, dentre outros atributos humanos. Implica em co-
construção de saberes e a possibilidade de transformação da realidade;
culminando dessa forma, numa interação mútua, verdadeira, horizontal e
humanizada, voltada para a libertação dos oprimidos através da ruptura da
cultura do silêncio. Esta ação política acontece em comunhão com os oprimidos
na busca de sua libertação, resultando em desvelamento e logo, inserção crítica
na realidade(2). Sob este prisma, o usuário, na condição de sujeito atua como
partícipe do cuidado, decide, opta e escolhe o melhor para si; condição que vai
além de mero receptor de conhecimentos, gerando significativa autonomia nesse
processo de modo a reunir condições de implementar o cuidado nos seus espaços
de vida comum.
Para isso, se faz necessário acessar os saberes e práticas dos usuários no
contexto ambulatorial, de maneira especial, nesta pesquisa, interessou-nos
discutiros saberes e práticas de usuários estomizados sobre a manutenção da
estomia de eliminação intestinal e urinária, sendo este o objeto de estudo.
Objetivos: descrever os saberes e práticas de usuários estomizados sobre a
manutenção da estomia de eliminação intestinal e urinária; e analisar a
pertinência do compartilhamento de tais saberes e práticas com os cuidados
fundamentais de enfermagem, desenvolvidos no contexto ambulatorial.
BASES TEÓRICO-CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS
O estudo teve como base teórica a pedagogia freiriana aplicada à enfermagem. O
pensamento de Freire tem colaborado de maneira significativa na construção de
uma educação reflexiva na enfermagem, incorporando uma educação crítica e
problematizadora, tendo como fio condutor o diálogo com seus educandos;
compreendendo o que é e para quê serve a educação, indo de encontro à proposta
pedagógica monológica e depositária ainda vigente nos dias atuais(3).
Abordagem metodológica qualitativa desenvolvida em um ambulatório público,
municipal, de um Núcleo de Estomizados, localizado na cidade de Campos dos
Goytacazes, RJ. Os sujeitos constituíram-se de dez usuários adultos estomizados
em acompanhamento ambulatorial, estando com algum tipo de estomia de eliminação
intestinal e urinária (íleo/colo/urostomia); com tempo de permanência
definitivo ou temporário. Estes usuários, para a inclusão no estudo, deveriam
ser os principais responsáveis pelos cuidados relativos à manutenção de sua
estomia de eliminação.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem
Anna Nery/Hospital Escola São Francisco de Assis, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, sob Protocolo de nº 052/2009. Os sujeitos assinaram um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após terem sido devidamente
esclarecidos sobre os aspectos éticos relacionados à sua inserção no estudo,
aos objetivos e rumos da pesquisa, bem como às formas de produção de dados.
O método de investigação empregado foi a Pesquisa Convergente-Assistencial(4)
(PCA), desenvolvido em quatro etapas, a saber: 1) Contato "inicial" com o
enfermeiro e os auxiliares de enfermagem que trabalham no ambulatório visando a
imersibilidade no serviço. 2) Inserção da pesquisadora na assistência seguida
de caracterização dos sujeitos através de um formulário de identificação do
estomizado. 3) Aquecimento e reflexão sobre o tema, feitos antes do início da
entrevista, a fim de promover uma estimulação de cada sujeito acerca do tema em
pauta, seguida de trocas de experiências com os sujeitos sobre a manutenção da
sua estomia de eliminação intestinal e urinária, utilizando como guia um
roteiro de entrevista semi-estruturada com questões-chaves pré-estabelecidas.
4) A última etapa foi o apontamento dos cuidados à luz do que foi discutido
feito simultaneamente à fase anterior.
Os encontros individuais para a produção de dados com os 10 sujeitos foram
gravados em meio digital e transcritos na íntegra. A identificação foi feita
por códigos alfa-numéricos e os usuários foram identificados pela letra U e a
pesquisadora pela letra P. Após cada letra U inserida no texto, foram agregados
números arábicos seqüenciais, de acordo com a ordem de produção dos dados. Os
dados foram analisados e interpretados a partir da triangulação dos achados.
Assim, o processo de categorização foi iniciado, a partir da análise de
conteúdo temática(5).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização dos sujeitos do estudo
Devido à importância do conhecimento prévio da realidade do sujeito, fez-se
necessário à descrição dos dados obtidos com o preenchimento do formulário de
identificação do estomizado: dos dez usuários participantes, seis eram do sexo
feminino e quatro do sexo masculino. O tempo de confecção do estoma varia de
quatro a 103 meses, média de 46,6 meses. No que tange à escolaridade, 50%
possuem ensino fundamental incompleto e 10% ensino fundamental completo; 30%
ensino médio completo; e 10% ensino superior incompleto. Todos os usuários
possuem casa própria, de alvenairia, com luz elétrica e coleta de lixo. O
número de moradores por domicílio varia de uma a três pessoas.
Quanto ao tipo de estoma de eliminação, 70% são de colostomia, 20% ileostomia,
e 10% urostomia. Sobre o tempo de permanência do estoma de eliminação, 60% são
do tipo temporário e 40% são permanentes. No que tange às causas da confecção
da estomia de eliminação, 40% são provenientes de tumor de reto, 20% doença de
Chron, 10% perfuração por arma de fogo, 10% abscesso no intestino, 10%
retocolite ulcerativa, e 10% tumor de bexiga.
É importante considerar que 90% dos usuários não recebem ajuda ou apoio de
familiares ou vizinhos nos cuidados relativos à manutenção da estomia de
eliminação no seu domicílio, enquanto que 10% recebem apoio apenas para colar a
bolsa na pele, segundo o relato da usuária, pelo medo de errar e também por
causa da dor que sente ao colar (dermatite). Apesar desta problemática
singular, um trabalho de enfrentamento foi implementado durante a relação
enfermeira-usuária estabelecida no desenvolvimento da pesquisa, para que a
mesma tente implementar todos os cuidados no seu domicílio e consiga alcançar a
autonomia necessária no seu dia-a-dia.
Saberes e práticas de usuários estomizados sobre a manutenção da estomia de
eliminação intestinal e urinária
O conhecimento é a apreensão intelectual de alguma coisa ou objeto ou fenômeno.
O processo de conhecer perpassa, durante a história da Humanidade, por todos os
povos e culturas, cada qual construindo conhecimentos diferentes para o
atendimento de lógicas distintas na constante procura de soluções para a
sobrevivência. Estes conhecimentos passados de geração em geração resolvem as
necessidades práticas do dia-a-dia, porém não são considerados ou se
transformam em conhecimento científico. Isto porque, cada qual, a ciência e o
senso comum, têm princípios próprios que os legitimam. O senso comum advém de
crenças de sujeitos pertencentes a um grupo ou comunidade onde acontecem as
relações sociais, culturais, econômicas e políticas. Isto envolve todo o
contexto e realidade subjetiva do indivíduo conhecedor.
A educação em saúde pode ser usada como um artifício para apreendermos esse
senso comum, considerando desta forma a subjetividade e o saber de cada
sujeito, para assim estabelecermos intercâmbio entre o saber técnico-científico
ou profissional e o saber popular advindo do senso comum, construindo então um
conhecimento compartilhado.
A informação compartilhada pela ação educativa através da prática dialógica do
enfermeiro colabora com que o usuário exerça sua condição de sujeito,
independente e autônomo. Essa forma de educar-cuidar só é possível quando
pensada de forma horizontal, recíproca e verdadeiramente humana a fim de
provocar mudança de comportamentos e práticas pela tomada de consciência. Sob
esta perspectiva, torna-se viável transformar a posição "ingênua" dos usuários,
em posição crítica, em sujeitos mais coerentes e conscientes de sua realidade,
participantes do cuidado de maneira ativa, crítica e questionadora, ampliando
as possibilidades do cuidado de si. Como seres orgânicos, usuários e
profissionais participam da relação de cuidado e estão constantemente se
transformando, norteados por pensamentos e ações que se refazem e se
transformam ao longo de suas vidas(6).
Neste estudo revelaram-se alguns saberes e práticas na prática dialógica entre
enfermeira-usuário para o desenvolvimento do compartilhamento das experiências
sob a tentativa de se construir um plano de cuidados individual e congruente
com as necessidades e desejos do usuário. Nesta troca envolvente, emergiram
práticas e saberes acerca da troca da bolsa coletora (drenável e não-drenável);
manutenção diária da bolsa coletora drenável; irrigação; uso de adjuvantes;
complicações tardias (dermatite e prolapso); vida social, familiar e
laborativa; religiosidade; sexualidade; exercícios e desportos; lazer;
vestuário e dieta.
Sobre a troca da bolsa coletora drenável emergiram saberes não só influenciados
pelo conhecimento profissional, mas considerados pelas pesquisadoras como
pertinentes ao cuidado. Foram relacionados às etapas fundamentais desse
cuidado, feito geralmente a cada três dias, a saber: retirada da bolsa de cima
para baixo ou de lado para baixo sob o chuveiro, utilizando-se água morna para
facilitar o desgaste da cola; ou sobre a cama, deitada, utilizando-se soro
fisiológico para ajudar no desprendimento da bolsa. Higienização do local com
sabão neutro, de uso habitual ou de coco, com água ou com soro fisiológico a
0,9%. Secagem do local com toalha frasqueira separada apenas para este uso,
feita de maneira suave sobre a pele periestomal. Recorte da bolsa quando a
mesma se apresenta recortável, e, quando pré-recortável, a etapa seguinte se
consubstancia em preparar o equipamento para colar de baixo para cima ou de
lado para cima, em pé de frente para o espelho ou deitado na cama ou sofá,
ambos os modos tendo que esticar a pele e visualizar o encaixe da colagem.
Neste tipo de cuidado, verificamos a presença de hábitos que poderiam
influenciar a médio/longo prazo o desenvolvimento de complicações tardias,
principalmente dermatites irritativas, decorrentes do contato constante do
fluido intestinal com a pele em torno do estoma, irritando-a. A prevenção de
lesão na pele periestoma deve ser a meta fundamental a ser atingida pelos
componentes da equipe multidisciplinar(7). Todos os usuários que precisavam
recortar a bolsa coletora, não medem o estoma frequentemente para o consequente
recorte, ou seja, estabelecem e fixam determinada medida, seguindo uma
mecanicização contínua desta prática com a mesma numeração de recorte dada.
Constatamos que os usuários, mesmo estando sob cuidados profissionais, no
ambulatório, não se conscientizam desta necessidade, talvez pelo fato de que o
saber transmitido pelo profissional tenha um cunho informativo, prescritivo.
Assim, os usuários encaram o molde doado para uso no domicílio como um modelo a
ser seguido em todos os recortes, não se consubstanciando a crítica-reflexão
acerca do que está de fato sendo realizado.
Diante desses eventos, sentimos a necessidade de intervenção durante o diálogo,
que culminou em negociação de um modo de cuidado considerado pelos
participantes, adequado à situação referida. Nesse sentido, práticas de forçar
com gaze a pele periesto-mal para retirar a cola da mesma, uso constante de
éter para ajudar na retirada da bolsa coletora, por exemplo, foram objetos de
reflexão e crítica no processo educativo problematizador a partir das quais
emergiram novos saberes, por sua vez, possibilidades de novas práticas.
Os usuários aprovaram a lógica estabelecida no diálogo e, pela reflexão sobre a
ação, tomaram consciência da necessidade de alterar as práticas mencionadas. Um
exemplo destacado refere-se à U1:
U1: Então, a cola a principio eu estava utilizando as gazes...
[risos]. Mas agora eu não utilizo mais. Porque já conversamos outra
vez e você pediu para não utilizar mais com força...aí eu passo o
dedo ao redor devagarzinho, bem de levinho.
Outras práticas também fizeram parte da crítica-reflexiva dos usuários, com
destaque para soprar o orifício da placa da bolsa, antes da colagem, para o
desprendimento do plástico; colar a bolsa não virada para baixo, sentido
céfalo-caudal, como é feito no âmbito ambulatorial, nem colocada de lado, da
forma realizada no hospital; mas colocá-la de lado, em um ângulo de 45º
direcionada para baixo, com a justificativa de que, assim, a força da gravidade
poderia agir sobre o local, mantendo o efluente de maneira distal.
Segundo o relato dos usuários, a troca da bolsa fechada ou não drenável é
realizada por usuários que utilizam o artifício da irrigação para a manutenção
da regularidade do trânsito intestinal e a não saída constante do efluente, e
que não usam o tampão indicado para quem faz esta prática. O movimento
apresentado para a troca deste tipo de bolsa é bem parecido com a drenável,
porém a regularidade da troca do equipamento é realizada diariamente ou a cada
dois dias de acordo com a necessidade de troca.
A manutenção diária da bolsa coletora drenável foi também revelada pelos
usuários de maneira bem espontânea: esta é realizada várias vezes ao dia, de
acordo com a necessidade de eliminação do efluente, de diversas formas. A maior
parte deles a fazem no banheiro, sobre o vaso sanitário, onde abrem o orifício
da bolsa, eliminam o fluido no vaso, injetam água do chuveirinho (que
geralmente se tem ao lado do vaso) e lavam a bolsa. Algumas vezes fecham a
bolsa com as próprias mãos para sacudir a água dentro dela e em seguida
desprezá-la. Este manejo, segundo o relato dos usuários é feito de forma
sequencial em torno de três vezes. Prestam atenção na limpeza da bolsa e
principalmente na retirada de efluente que se acopla sobre o estoma e pele
periestoma. Logo em seguida secam a bolsa e a pele do abdome (se molhadas) e
fecham o equipamento com o clamp apropriado.
A irrigação da colostomia também foi um cuidado mencionado por dois usuários,
definida como um método mecânico para o controle das exonerações intestinais.
Consiste num enema realizado a cada 24, 48 ou 72 horas, cujo fluido, enviado ao
intestino grosso através do estoma, estimula sua peristalse em massa e, assim,
o esvaziamento do conteúdo fecal. Podemos definí-la portanto, como uma
evacuação programada. A diminuição frequente da flora bacteriana colônica
acarreta ainda redução da formação de gases(7).
Mesmo feita de maneira sistematizada e ter acompanhado as orientações e
treinamento realizados no ambulatório, um usuário, segundo seu relato, por não
ter se adaptado às orientações dadas no ambulatório, revelou algumas adaptações
consideradas pertinentes ao uso, principalmente relacionadas ao sistema
coletor:
U5: Aí eu tomo banho, faço a higiene, lavo o estoma e faço a
irrigação e seco. Aí pego o meu balde próprio para isso e sento em
frente à televisão. Fico ali um pouco.
P: O seu balde é de que tamanho?
U5: Tamanho normal... Uns 15 litros.
P: Então, o Senhor já não utiliza o sistema coletor... Como é esse
balde?
U5: Já até tentei usar, mas achei muito difícil... Sempre escapava!
Se fosse uma coisa mais prática eu usaria com prazer! Não é prático.
Mais prático é o balde. Eu uso só para mim... E o balde é bem
abauladinho... não machuca! Tem uma bifurcação superior que é onde eu
encaixo o estoma e espero o tempo necessário para a eliminação das
fezes.
P: Ah sim!!!. Não machuca desta forma! E antes de usar o Senhor lava
o balde? Como é que é?
U5: Lavo o balde bem lavadinho, passo sabão de coco nele e quando o
utilizo espero uma hora e meia mais ou menos... Se eu sentir que o
intestino está limpo, não tem mais nada, aí eu tiro o balde.
A autonomia alcançada para o cuidado de si, pela experiência feita,
representada nas falas anteriores, é direito do ser humano, porque há a
valorização e concessão da vontade de cada um, mediada pela crítica-reflexão,
expressando, deste modo, caráter ético do cuidado, isso porque ser autônomo
significa ter liberdade de pensamento, sem coações internas ou externas, poder
optar e decidir, entre as alternativas que dispõe, qual a que melhor lhe convém
como um ser de relações(8).
O uso de adjuvantes também foi mencionado, principalmente os que são
distribuídos no ambulatório em apreço: barreira protetora de pele em pasta e em
pó, além de lubrificante desodorante. Outros adjuvantes também são
distribuídos, mas pouco usados ou aceitos pelos usuários. Sobre a forma de
utilização destes adjuvantes, os usuários os empregam de maneira apropriada, da
forma orientada pelo enfermeiro. Porém, alguns detalhes de utilização não são
considerados ou feitos de maneira adequada. Exemplo disto é quando se utiliza a
barreira protetora de pele em pó, para uso em dermatites com umidade; nesta
prática, os usuários não retiram o excesso do produto, queixando-se,
posteriormente, de má fixação do equipamento:
P: Você disse que tem uma feridinha em volta do estoma... Você
utiliza alguma coisa nesta ferida? E você tem umidade na pele por
causa da ferida?
U4: Tenho... E utilizava esse pozinho aqui (apontando para o produto
sobre a mesa). Mas não utilizo mais... Porque eu boto isso daí e fica
saindo, soltando a bolsa!
P: Mas como você coloca esse pozinho?
U4: Eu coloco em cima da ferida, vou jogando aos poucos e depois colo
a bolsa...
P: Mas não tem outra coisa que você faz nesse processo de jogar o
pozinho... E depois de jogar, o que faz?
U4: Colo a bolsa...
P: Hummm... Não seria interessante então você retirar o excesso desse
pozinho com uma gaze sobre a pele machucada, só fazendo um "ventinho"
para sair o pó em excesso? (demonstração e explicação de o porquê e
para quê fazer desta forma).
U4: Hummm... Faz sentido!!! (sorriu).
A reflexão sobre o cuidado de si é estimulada pela prática educativa da
enfermeira, como expresso no diálogo anterior, pois a mesma objetiva facilitar
ao máximo o poder de cada sujeito sobre suas vidas através da conscientização,
chamando atenção para o fato de que o sujeito, construtor de sua própria
realidade, é capaz de reconstruir e reformular seus conhecimentos(9).
As complicações tardias reveladas foram: dermatite e prolapso. A dermatite foi
uma complicação mencionada em maior escala cujas causas foram diversas: troca
da bolsa coletora constantemente, fricção exagerada com gaze para retirada de
cola sobre a pele, má adaptação às determinadas marcas e/ou tipos de
equipamentos, recorte da placa da bolsa feita de maneira inadequada, entre
outras. O tratamento foi feito com uso de adjuvantes indicados por
profissionais de saúde ou produtos utilizados para assadura como hipoglós,
hipoglós com óleo de amêndoas, e uso de clara de ovo como cicatrizante. Banho
de sol também foi um artifício mencionado para a melhora da dermatite. Vejamos
alguns fragmentos dialógicos que tratam disso:
U3: Se eu pegar um sol, logo acaba! Incrível!
P: É aquilo que a gente conversou do banho de sol.
U3: Se eu pegar um sol... porque quando eu saí do hospital, o médico
falou que eu tenho que pegar um sol, tomar
um banho de sol...
P: Urrumm...
U3: E quando eu tomo, num instante, menina, a pele fica limpinha!
U10: Eu cuidei através do enfermeiro. Vim aqui, mostrei e ele mandou
toda vez que eu trocasse a bolsa passasse uma pomada (barreira
protetora de pele em pasta) que ele me deu lá...
P: E você acha que essa pomada faz o que?
U10: ele pediu pra eu passar essa pomada aí pra que não viesse a
irritar a pele. Agora saber mesmo pra que ela serve...
P: e ela melhorou sua pele?
U10: Melhorou porque mandou pegar também um sol e no início andei até
fazendo. Porque tinha uma parte lá de casa que pegava um solzinho...
P: (explicação da indicação da pasta protetora).
O banho de sol nos remete à precursora da enfermagem moderna, que lançou as
bases da enfermagem como profissão na segunda metade do Século XIX - Florence
Nightingale. A autora disserta sobre a natureza e o ambiente que interferem
sobremaneira no processo de saúde-doença do sujeito, mencionando o ar puro,
claridade, aquecimento, silêncio, limpeza, pontualidade e assistência na
ministração da dieta como fatores fundamentais de atenção ao indivíduo sadio ou
doente(10). Denota-se na fala de U3 uma constatação enfatizada da efetividade
desta prescrição ao mostrar-se satisfeita em perceber que a orientação deu
certo. A enfermeira, no diálogo com U10, ainda explorou como a barreira
protetora de pele em pasta atua, destacando que a melhora da sua dermatite
também estava atrelada à prática de banho de sol.
O prolapso foi mencionado por alguns usuários, porém, em menor escala. A forma
de lidar com esta problemática, em grande parte, veio pela necessidade de
adaptação ao problema exposto, como revelou U8:
"Eu fui mesmo aprendendo com o meu dia-a-dia, na minha prática, a
melhor forma: com a toalha eu vou apertando ele (prolapso) e fico
mexendo nele... Aí ele encolhe e fica pequeninho... aí eu posso secar
bem sequinho... porque o prolapso fica batendo na pele e ela fica
sempre umidecida. Então eu descobri isso, essa técnica, né (rsrsrs),
oito anos né (de estomizada)... a gente vai sempre se descobrindo...
Porque eu fiz uma vez... eu toquei e percebi: foi encolhendo".
A construção do cuidado é um processo multifacetado e varia de acordo com a
vivência sociocultural e as experiências pessoais. O fragmento dialógico
apresentado anteriormente revela uma extração, pela usuária, de uma situação
existencial concreta, dos meios para se haver com a sua realidade de cuidadora,
ou seja, de cuidadora de si(11). Algumas temáticas fizeram parte do movimento
do encontro da enfermeira com os usuários: vida sócio-familiar e laborativa;
religiosidade; sexualidade; exercícios e desportos; lazer; vestuário e dieta.
Durante a prática dialógica entre os partícipes da pesquisa-cuidado estes
assuntos foram surgindo e ganhando força. Observa-se diante disto o alcance da
problemática de ser/estar estomizado, em que há interferências e alterações em
nível biopsicossocioespiritual.
Os usuários estomizados embora não se constituam expressivamente do ponto de
vista epidemiológico, merecem atenção especial dos profissionais, Serviços e
Programas de Saúde, uma vez que possuem problemáticas de esfera física e
psicossocial, levando à necessidade de propostas intervencionistas voltadas
para a reabilitação(12). A educação em saúde como prática que capacita
indivíduos e grupos para se auto-organizarem a desenvolver ações a partir de
suas próprias prioridades, orienta e estimula à participação dos sujeitos nas
ações dirigidas à melhoria de suas condições de vida e saúde(13), pois sua
condição de crítica e de reflexão está aguçada; exercendo com maior segurança e
autonomia os cuidados relacionados à manutenção de sua estomia, avaliando,
modificando hábitos, transformando a realidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se pensa em ações educativas voltadas ao cuidado na manutenção da
estomia no contexto ambulatorial, é importante considerar e articular essas
ações com o local em que o cuidado será efetivamente realizado - o domiciliar.
Neste espaço, o usuário assume o cuidado. Por isso é importante dialogar com
ele acerca de seus saberes e práticas de modo a criar possibilidades de
integração destes com aqueles desenvolvidos no contexto ambulatorial. Para
tanto, sua participação é imprescindível, pois favorece a crítica e a reflexão
e, por conseguinte, a tomada de consciência sobre os caminhos que podem
favorecer ou prejudicar a sua saúde e bem-estar.
Nessa direção, o uso de metodologias participativas de pesquisa é importante e
adequada, uma vez que possuem estreita relação com a prática assistencial. Este
tipo de abordagem permite a imersão do pesquisador no processo de assistir,
viabilizando o envolvimento ativo dos sujeitos durante todo o seu processo,
havendo desta forma, o comprometimento com a melhoria do contexto social
pesquisado. De certo modo, esse entrelace vitaliza simultaneamente o trabalho
vivo na prática assistencial e na pesquisa.
Verificamos neste estudo que os usuários são donos de um saber que muitas vezes
se aproximam do saber profissional, outras vezes de distanciam. Assim, eles
observam os cuidados prestados em diferentes cenários da pragmática
assistencial: unidades de internação hospitalar, ambulatórios e domicílio;
seguem prescrições dos profissionais de saúde à risca e/ou estabelecem
adaptações. Além disso, eles acessam o saber advindo do senso comum,
transmitido pela herança familiar, de geração em geração, nas relações de
vizinhança ou entre os próprios usuários estomizados, fruto da troca de
vivências e experiências, tanto no âmbito da Associação de Ostomizados, quanto
em outros espaços de convivência.
A informação compartilhada pela ação educativa através da prática dialógica da
enfermeira foi uma estratégia pedagógica que colaborou para que o usuário
exercesse sua condição de sujeito, independente e autônomo. Houve trocas
efetivas entre usuários e enfermeira, alcançando-se, desta forma, a comunicação
e não uma participação por extensão. A pesquisa revelou a necessidade de maior
divulgação sobre a realidade concreta desses usuários para que possam sentir-se
mais acolhidos, fortificados no enfrentamento das dificuldades que, porventura,
surjam no cotidiano de con(viver) com a derivação cirúrgica.