Protocolo de cuidados de enfermagem no ambiente aeroespacial a pacientes
traumatizados: cuidados antes do voo
INTRODUÇÃO
O número de pacientes vítimas de trauma excede os outros tipos de
intercorrências clínicas. Em vítimas de trauma, os cuidados pré-hospitalares
podem fazer a diferença entre a vida e a morte, entre uma sequela temporária,
grave ou permanente ou ainda entre uma vida produtiva e uma destituída de bem-
estar(1).
Para uma assistência pré-hospitalar eficiente, é primordial que os
profissionais de saúde sejam bem treinados para a rápida identificação das
condições do paciente, tenham habilidade no atendimento de vias aéreas, do
provável choque e em procedimentos de imobilização. A equipe pré-hospitalar
deve assegurar que o paciente seja transportado para um hospital adequado. Às
vezes, não só esse hospital pode estar a quilômetros de distância, como um
centro de trauma pode ser mais distante ainda(1). Nesse caso, o uso do
helicóptero torna-se um importante recurso para manter a vida das vítimas de
trauma.
A preocupação com a assistência a essa clientela deu origem ao Prehospital
Trauma Life Support - PHTLS(1). O PHTLS visa a aperfeiçoar a avaliação e o
tratamento das vítimas de trauma, e tem princípios básicos, como o atendimento
aos pacientes segundo a sequência do ABCDE: A (Airway) - atendimento das vias
aéreas e controle de coluna cervical; B (Breathing) - respiração; C
(Circulation) - circulação; D (Disability) - incapacidade; e E (Expose) -
exposição da vítima e proteção do ambiente. Essas letras indicam a prioridade
do atendimento e direcionam o profissional de saúde para que não esqueça e/ou
cometa erros na assistência ao paciente, contribuindo para um cuidado mais
seguro(1). Porém, esse protocolo é específico do ambiente pré-hospitalar e não
discute as especificidades da assistência ao paciente aerorremovido.
Os procedimentos de enfermagem, quando acontecem dentro de um helicóptero,
encontram situações adversas em relação aos procedimentos realizados num
ambiente hospitalar, como: espaço reduzido dentro da aeronave; altitudes que
variam de 500 a 5.000 pés (1 pé equivale a 0,33cm) em relação ao solo;
condições climáticas instáveis e ruídos constantes. Além disso, no ambiente
aeroespacial temos os chamados estresses de voo para o usuário aerorremovido:
vibração, ruídos, aerodilatação (expansão gasosa nas cavidades corporais devido
à queda da pressão atmosférica), alterações de temperatura e umidade. À medida
que a altitude aumenta, esses fatores estão mais presentes no interior da
aeronave, provocando desconforto ,tanto no paciente quanto na equipe a bordo
(2).
O transporte por helicóptero requer uma preparação prévia do paciente, que
deverá estar o mais estabilizado possível, pois, dentro da aeronave, devido à
limitação do espaço físico interno, a mobilidade do enfermeiro pode ser
limitada. A estabilização, como em qualquer atendimento de emergência, deve ser
primeiramente dirigida para a via respiratória, depois para a situação
hemodinâmica e, por fim, ao estado neurológico(3).
O transporte aéreo do paciente criticamente enfermo somente terá sucesso se for
realizada uma criteriosa avaliação da situação, o que incluí o acesso terrestre
da aeronave e a estabilização do paciente antes do voo. A equipe deve ser
adequadamente preparada para o correto manuseio de todo o material necessário
ao atendimento durante o voo. O sistema de comunicação pessoal precisa estar
perfeito e, naturalmente, a tripulação de voo deve possuir as qualificações
exigidas para operar a aeronave e realizar um transporte seguro para todos(4).
Dessa forma, para contribuir para o preenchimento da lacuna gerada pelo fato
de, até o momento, não se ter um protocolo para atendimento a pacientes que
serão removidos em helicópteros, justifica-se o desenvolvimento desta pesquisa
convergente assistencial, que teve como objetivo o de apresentar um protocolo
de cuidados de enfermagem na pré-remoção aeroespacial de pacientes adultos
vítimas de trauma.
MÉTODO
Este é um estudo de abordagem qualitativa que utilizou como método a Pesquisa
Convergente Assistencial (PCA), cuja característica principal é manter, durante
todo o seu processo, uma estreita relação com a situação da prática
assistencial, pois possui a intenção de encontrar soluções para problemas,
realizar mudanças e/ou introduzir inovações na assistência(6).
A PCA inclui cinco fases: i) concepção (introdução, justificativa, questão de
pesquisa, objetivo, revisão de literatura e referencial); ii) instrumentação
(escolha do espaço físico, dos participantes e métodos); iii) perscrutação
(estratégias ou instrumentos para obtenção dos dados); iv) análise e
interpretação (essa fase permeia todo o processo de desenvolvimento da pesquisa
e culmina no item seguinte); v) apresentação do protocolo de cuidados de
enfermagem na pré-remoção aeroespacial(6).
O estudo foi realizado na base da Divisão de Operações Aéreas (DOA) do
Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF), localizada na cidade de São
José-SC. Trata-se de uma parceria criada através de um acordo entre o
Ministério da Justiça via DPRF e Ministério da Saúde via Secretaria do Estado
da Saúde/Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) do estado de Santa
Catarina (SC), em dezembro de 2005. O serviço conta com hangar e um
helicóptero, modelo Bell 407, configurado com todos os materiais e equipamentos
de suporte avançado de vida, tripulado por um comandante/piloto, um operador de
equipamentos especiais, um enfermeiro e um médico.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC (Processo nº
453/2009) e teve o consentimento formal das instituições participantes para a
coleta de dados. Os participantes foram informados previamente sobre o objetivo
do estudo, assim como acerca das técnicas de coleta adotadas. Todos os oito
enfermeiros do DOA concordaram em participar e assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
A coleta de dados foi realizada nos meses de abril a junho de 2010 e ocorreu em
duas etapas. A primeira constou de entrevista semiestruturada e individual, com
os oito enfermeiros, que responderam a seguinte questão norteadora: "Quais
cuidados de enfermagem são necessários para apresentar um protocolo
assistencial específico para a pré-remoção aeroespacial de pacientes adultos
vítimas de trauma?". Com o consentimento prévio dos participantes, todas as
entrevistas foram gravadas e, em seguida, transcritas.
Os dados das entrevistas foram analisados de acordo com o conteúdo do ABCDE do
PHTLS, observando-se os cuidados de enfermagem específicos ao período que
antecede o voo de helicóptero.
As entrevistas foram realizadas com o intuito de adquirir informações de cada
enfermeiro, a partir da experiência individual adquirida durante o serviço,
sobre quais cuidados de enfermagem devem constar no protocolo de cuidados e
qual a prioridade dos cuidados e/ou se o profissional tem ou teve alguma
dificuldade no atendimento a alguma vítima.
A segunda etapa constou de três encontros em grupo, os quais ocorreram em
local, dia e hora combinados com os participantes e tiveram, em média, duração
de três horas. As discussões em grupo tiveram a finalidade de socializar as
informações obtidas nas entrevistas e, a partir disso, em conjunto com os
enfermeiros participantes, desenvolver o protocolo de cuidados fundamentado no
conteúdo do PHTLS.
No primeiro encontro foi apresentada e entregue a cada um dos participantes uma
folha impressa, com a análise das entrevistas e, assim, discutiu-se o protocolo
do ABCDE do PHTLS. Esse momento permitiu aos enfermeiros expressarem suas
ideias e opiniões, olharem a situação e identificarem carências ou problemas e
discrepâncias, como por exemplo, facilidades ou dificuldades na assistência
antes do voo. Continuando os trabalhos, foi iniciada a elaboração dos cuidados
de enfermagem, na qual se construiu uma sequência de atendimento ou de cuidados
de enfermagem no ambiente aeroespacial baseada nos dados das entrevistas e no
PHTLS. Todos os participantes anotavam o que estava sendo produzido na folha
entregue no início do encontro.
Nos trinta minutos finais desse encontro, foram divididos entre os enfermeiros,
por afinidade, os conteúdos do protocolo: i) orientações de segurança para o
voo de helicóptero no embarque e desembarque; ii) avaliação da cena; iii)
avaliação primária (A - atendimento das vias aéreas e controle da coluna
cervical, B - respiração, C - circulação, D - incapacidade, E - exposição e
ambiente); iv) avaliação secundária (princípios, exame das fases e outros
cuidados). Cada participante teve a tarefa de, na reunião seguinte, trazer a
justificativa científica relacionada a cada cuidado de enfermagem referente à
etapa ou fase do atendimento que ficou sob sua responsabilidade.
O segundo encontro iniciou com a entrega da relação dos cuidados de enfermagem
produzidos na reunião anterior e, em seguida, foi realizada a leitura dos
mesmos. Assim, deu-se continuidade à elaboração de mais cuidados, de
justificativas e foi aberto um espaço para solucionar dúvidas, fazer ajustes e
incluir novos cuidados, com suas respectivas justificativas científicas. Nesse
momento, o protocolo começou a ganhar forma.
Por fim, no terceiro e último encontro, os participantes trouxeram as
justificativas e a análise de viabilização de cada um dos cuidados de
enfermagem que estava a seu encargo, concluindo o protocolo. Primeiramente foi
realizada uma leitura em conjunto de todo o protocolo de cuidados. Na medida em
que os cuidados e as justificativas eram lidos, ajustes finais iam sendo
realizados, bem como a melhora da escrita e da forma. Além disso, foi analisada
a viabilidade de cada cuidado e sua justificativa devido aos condicionamentos e
limitações que a realidade administrativa do serviço no momento impõe.
O PROTOCOLO DE CUIDADOS DE ENFERMAGEM ANTES DO VOO
Esse protocolo contempla os cuidados de enfermagem que devem ser realizados ao
paciente adulto vítima de trauma no período que antecede o voo. O material
contém as principais orientações de segurança no voo de helicópteros e garante,
por meio da avaliação de cena, um ambiente mais seguro para a equipe e os
pacientes durante o atendimento. O paciente deve ser examinado de maneira que
as funções vitais sejam rapidamente analisadas e estabilizadas. Também as
condições de risco de morte devem ser identificadas por meio da avaliação
sistemática de vias aéreas, ventilação, circulação, incapacidade (estado
neurológico) e exposição. Vale ressaltar que, apesar de apresentados em uma
sequência linear, os procedimentos podem ser realizados simultaneamente pela
equipe.
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CONCLUSÃO
O método utilizado nesta investigação propiciou aos enfermeiros a oportunidade
de repensar a prática do cuidado. O protocolo apresentado possibilitará aos
enfermeiros sistematizar a assistência, orientando as ações necessárias para o
cuidado. Além disso, poderá servir para dar visibilidade ao papel do enfermeiro
de bordo no trato ao paciente traumatizado.
O modo como foi estruturado o protocolo deverá facilitar o seu uso pelo
enfermeiro em cada plantão, devido a sua praticidade em determinar a conduta a
ser seguida com segurança.
A transferência dos resultados não é a de generalizações e sim de socialização.
Todavia, nada impede que esse protocolo possa ser transferido para outros
cenários/contextos semelhantes. Lembrando que esse instrumento de cuidados de
enfermagem aplica-se apenas para pacientes com trauma e para o atendimento que
antecede o voo diurno, pois o helicóptero desse serviço não realiza voos
noturnos que, por sua vez, exigem uma tecnologia diferenciada. Além disso, uma
limitação desse estudo é não contemplar os importantes cuidados que precisam
ser aplicados durante e após o transporte aéreo.
Espera-se também que a experiência vivenciada nesse estudo pelos enfermeiros de
bordo sirva como estímulo para a realização de novas pesquisas no sentido de
modificar, aprimorar e de instrumentalizar a enfermagem aeroespacial, não só a
pacientes traumatizados, mas aqueles com outros agravos de saúde.