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BrBRCVHe0034-71672012000200013

BrBRCVHe0034-71672012000200013

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2012
Issue0002
Article number00013

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Praticando o silêncio: intervenção educativa para a redução do ruído em Unidade de Terapia Intensiva

INTRODUÇÃO O ambiente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) tem características potencialmente danosas tanto aos pacientes e familiares quanto à equipe. Este ambiente hostil pode gerar consequências a curto e longo prazo, como estresse, delirium, burnout e síndrome de estresse pós-traumático(1). Entre os principais componentes ambientais, o ruído é um dos mais marcantes(2). Têm-se detectado níveis altos de ruído em diversos ambientes hospitalares, como Pronto-Socorro, Centro Cirúrgico e Enfermarias(3), porém as UTIs fornecem um ambiente único para que o excesso e permanência de ruído possam ser prejudiciais(4).

O ruído é caracterizado por diferentes sons com diferentes frequências, que causam efeitos inesperados às pessoas expostas a ele, prejudicando sua saúde (5). Ou seja, é um som indesejável, desagradável e potencialmente perigoso à saúde(2).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu que o ruído pode causar danos à saúde das pessoas expostas a ele, como: perturbar o trabalho, o descanso, o sono, a comunicação dos seres humanos, prejudicar a audição e causar reações psicológicas, fisiológicas e patológicas nos indivíduos expostos(6). Entre vários danos fisiológicos, o ruído pode provocar distúrbios cardiovasculares, redução da saturação arterial de oxigênio, perda auditiva, aumento de secreção gástrica, estimulação da hipófise e adrenal, alteração do sono fisiológico, imunossupressão e redução da cicatrização(7).

Vários estudos têm demonstrado a frequência e importância do ruído no ambiente da UTI(8), embora a maioria dos estudos seja em UTIs neonatais ou pediátricas (1). Por outro lado, menos tem sido estudado sobre o impacto de intervenções educativas sobre o nível de ruído neste ambiente(9-10).

OBJETIVO O objetivo deste estudo foi verificar o nível de pressão sonora dentro de uma Unidade de Terapia Intensiva geral, em diferentes horários, e avaliar o impacto de uma intervenção educativa junto à equipe, na redução destes níveis sonoros.

Esta intervenção tinha como foco o ruído, visando a uma mudança de comportamento dos profissionais, favorecendo a qualidade de vida da equipe multiprofissional, assim como os pacientes internados.

MATERIAIS E MÉTODOS Tratou-se de um estudo de intervenção, não randomizado, não cego, controlado (o próprio grupo serviu como controle), com avaliação antes e depois da intervenção.

O estudo foi realizado em uma UTI Geral (clínica, cirúrgica, cardiológica e trauma) que atende pacientes adultos e pediátricos (acima de 30 dias de vida) de um hospital privado universitário de 150 leitos na Cidade de Cascavel (estado do Paraná). Essa UTI tem capacidade para 20 leitos, tendo cerca de 1000m2 de área. Tem no seu quadro de trabalho médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, secretária, escriturária, psicóloga, assistente de farmácia e equipe de limpeza. Conta ainda com vários profissionais que transitam nesse setor, como outros médicos assistentes, profissionais de radiologia e laboratório, equipe de nutrição, equipe de controle de infecção hospitalar, de fonoaudiologia, de manutenção, além de estudantes de várias áreas da saúde. O turno de trabalho é dividido em manhã, tarde e noite. A relação profissional de enfermagem / paciente é de 1:2, sendo que duas enfermeiras supervisoras por turno. Em cada turno dois médicos, duas enfermeiras, cinco a sete técnicos de enfermagem e uma fisioterapeuta de plantão, totalizando de dez a doze profissionais fixos na UTI em cada turno. A passagem de plantão entre os profissionais costuma ser à beira do leito. As rotinas de visitas de familiares na UTI são de 3 a 5 visitas por dia (cerca de 15 minutos cada); além disso, os pacientes conscientes, ou em desmame de VM, têm acompanhantes por cerca de 12 horas por dia.

O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade Assis Gurgacz, 089/2010 (Ata 007/10), tendo sido dispensado Termo de Consentimento aos participantes.

Para a realização da pesquisa, foi utilizado um decibelímetro (aparelho que mede o nível de pressão sonora em decibéis níveis de audição [dB(A)] da marca Impac® modelo IP-410 (São Paulo, Brasil). Sua classe de precisão é de ± 3,5 dB (A). A escala que foi utilizada para a medição do nível de pressão sonora na UTI foi de 30 a 100 dB(A). O estudo foi realizado em três etapas.

Primeira etapa Foram coletados os níveis de ruído dentro da UTI com o aparelho decibelímetro, posicionado a cerca de um metro de distância da cabeça dos pacientes. Foram estipulados três intervalos de tempo para a quantificação dos níveis de ruído: das 11h às 11h29, das 12h45 às 13h14 e das 23h às 23h29. Estes três horários foram escolhidos por representar momentos distintos da rotina da UTI: o primeiro (11h às 11h29) corresponde à visita de familiares; o segundo (12h45 às 13h14) corresponde a troca de plantão da equipe; e o terceiro (23h às 23h29) tenta representar um momento mais calmo. Os dados foram coletados de minuto a minuto, totalizando 30 dados diferentes por cada intervalo. Esse procedimento foi realizado diariamente, em um período de sete dias.

A coleta do nível de pressão sonora foi realizada por uma acadêmica de Fonoaudiologia (PG), previamente treinada. Ela se posicionava em , ao lado do leito (no interior do box), a cerca de um metro da cabeça do paciente, portando o decibelímetro. O equipamento apresentava o valor em um display, medindo de maneira contínua, mas sem registrá-lo. Durante cada minuto era anotado pelo pesquisador o valor mais alto neste período, bem como quaisquer eventos ou acontecimentos que pudessem ser relevantes (como, por exemplo, procedimentos no paciente, alarmes, intercorrências clínicas, admissão, telefone tocando, etc).

Era feito um rodízio aleatório entre os leitos, sendo um leito (box) a cada dia, embora o leito pudesse ser repetido.

Essa primeira etapa aconteceu em caráter confidencial a fim de se preservar a rotina dos profissionais e não haver interferência nos resultados de coleta.

Assim, apenas a chefia médica e de enfermagem da UTI tinham conhecimento do procedimento. Os outros profissionais foram informados que se tratava de procedimento de coleta de dados clínicos, de maneira inespecífica.

Segunda etapa A segunda etapa foi iniciada uma semana após a coleta inicial. Foi realizada uma intervenção educacional com os profissionais por meio de aulas expositivas e distribuição de material educativo. Nestas aulas foram abordados assuntos como: o que é ruído, qual a intensidade de ruído recomendada para hospitais, possíveis alterações que o ruído pode causar ao paciente e na equipe e quais as maneiras que esse ruído pode ser minimizado. Também foram feitas nessas apresentações simulações do ambiente estressor e ruidoso da UTI, em que os próprios alunos simulavam ser pacientes enquanto escutavam ruídos característicos de uma UTI. As aulas foram ministradas em conjunto pelos acadêmicos, pela professora e por médico assistente da UTI.

Nessa etapa foi também feita divulgação por meio de cartazes nos ambientes da UTI sobre a importância do ruído e suas consequências, bem como estratégias sobre sua redução. O tempo total dessa segunda etapa foi de duas semanas.

Terceira etapa A terceira etapa foi iniciada uma semana após o término da segunda etapa; portanto, cerca de um mês após a primeira etapa (pré-intervenção). Foi realizada a mensuração dos níveis de pressão sonora novamente, dentro da UTI, da mesma forma como foram coletados na primeira etapa, sendo realizada pelo mesmo pesquisador e com o mesmo rodízio entre os leitos. Também a coleta foi realizada durante sete dias. Nessa fase também foi tentada a realização do sigilo, porém devido à mobilização gerada pela intervenção da segunda fase (educativa), a presença do pesquisador foi identificada pela própria equipe como sendo de coleta de dados relacionados a ruído.

Todos os dados foram tabulados em banco de dados específico, utilizando-se planilha em Excel® 2007. Foi realizada análise estatística com análise de pareamento de dados (Wilcoxon signed rank test) dos dados horários da coleta, e análise de variância para as médias, utilizando-se como significante p< 0,05.

RESULTADOS O estudo (incluindo coleta de dados e intervenção educativa) foi realizado nos meses de setembro e outubro/2010. Durante o período de estudo foram coletados dados de pressão sonora 90 vezes em cada dia, totalizando 630 medidas em cada período (primeira e terceira fase).

As médias das medidas nos três horários (11h às 11h29, 12h45 às 13h14 e das 23h às 23h29) são indicadas na Tabela_1. Em ambos os momentos da coleta (pré e pós intervenção) os valores mais baixos se concentraram no horário noturno.

Quando se comparam as medianas dos dados da primeira com a última coleta, em 57 dos 90 horários houve redução com diferença estatisticamente significante (gráfico_1). A redução foi mais importante no horário de 11h às 11h29 (15,0%) e menor no período noturno (11,7%).

A intervenção educativa (segunda etapa da pesquisa) foi realizada por meio de palestra e distribuição de material educativo. No total participaram da intervenção educativa 35 profissionais, sendo médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, zeladoras, secretárias e nutricionista que trabalham dentro da UTI do hospital. A adesão às aulas foi de cerca de 30,5 % da equipe de enfermagem e 38,9% dos médicos atuantes na UTI. No entanto, a totalidade dos profissionais da equipe foi abordada através de pequenas reuniões e distribuição de folders.

Em relação à origem dos ruídos encontrados, foi observado que os maiores níveis de pressão sonora foram gerados pela equipe que atua na UTI e não pelos equipamentos de monitoramento, como podemos observar na Tabela_2.

DISCUSSÃO A busca por um ambiente menos estressante para a equipe e os pacientes e familiares é uma das prioridades na terapia intensiva atual(11). Embora haja dados conflitantes em relação aos familiares(12), tanto pacientes quanto a equipe claramente são influenciados negativamente pelo ruído ambiental e suas consequências(13).

A UTI apresenta vários elementos que contribuem para altos índices de ruído ambiental: os equipamentos de terapêutica e monitorização, particularmente os alarmes e alertas sonoros; computadores, impressoras, aparelho de fax e telefones, movimentação de móveis, carrinho de banho, o diálogo dos profissionais entre si e com os pacientes, etc. Além disso, o tipo de ambiente em si (fechado e com paredes que refletem o som) pode aumentar o nível e consequências do ruído(14). No entanto, o principal responsável pelo ruído na UTI pode ser a própria equipe(15).

A Associação Brasileira de Normas Técnicas(16) recomenda que, em áreas hospitalares, o máximo de intensidade sonora seja de 35 a 45 dB(A). Para a OMS, os níveis de som dentro da UTI não devem ser maiores que 35 db(A)(17). Neste estudo, à semelhança de anteriores(7,13), os valores mensurados excederam, em todos os horários, estes limites máximos, mesmo no período noturno.

Mudanças estruturais, como alterações ergonômicas, revestimento acústico do ambiente, e mesmo uso de protetores auditivos, mostraram reduzir o nível de ruído ambiental ou sua percepção pelos pacientes(10). Contudo, o fator humano pode ser importante na gênese e manutenção do ambiente estressante na UTI, particularmente em relação ao ruído(2). Mais importante, tem-se demonstrado que frequentemente a equipe não tem conhecimento da importância do ruído no ambiente, bem como ignora seus mecanismos de etiopatogenia(18). Assim, a educação continuada pode ter um importante papel na redução do ruído na UTI (10), como o atual estudo mostra.

A intervenção educativa junto à equipe tem sido demonstrado ser eficiente na melhora da eficiência em distintas situações como diagnóstico e manejo da sepse, prevenção de pneumonia e prevenção de úlceras de pressão, entre outros (19).

Estratégias que envolvam a participação dos membros da equipe, como dramatizações, são mais eficientes em aumentar a aderências a estratégias e bundles(20). Portanto, esta metodologia utilizada neste estudo pode ter contribuído para os bons resultados de redução do ruído encontrados. Monsen & Edel-Gustafsson(9) mostraram melhora do padrão do sono em pacientes de UTI neurológica após um programa de modificação comportamental com a equipe, com duração de duas semanas.

Os valores de pressão sonora encontrados neste estudo foram particularmente altos, principalmente no período pré-intervenção. Mesmo após a intervenção educativa, a maioria das mensurações ultrapassou 40dB.

Sabe-se que os níveis de ruído entre 55dB a 65dB podem produzir excitações nervosas e estresse, tornando os pacientes mais sensíveis à dor, fazendo com que a quantidade de remédios seja aumentada ou seu uso prolongado. Níveis de ruído acima de 65dB podem levar as pessoas ao infarto, arteriosclerose, infecção e osteoporose. Acima de 85dB, por tempo prolongado, pode causar alterações fisiológicas, como a perda auditiva pela degeneração celular da cóclea, distúrbios neuropsíquico, risco de hipertensão arterial, diminuição da resistência física e da concentração mental(6). Isto é particularmente importante neste estudo, que a mensuração foi feita à cabeceira do leito do paciente, ou seja, simulando o que cada paciente sente. Por outro lado, o impacto nos profissionais de saúde pode ter sido mesmo subestimado, que alguns ruídos freqüentes (como tampas batendo, telefone tocando e conversas altas) são em geral mais longe dos pacientes.

Durante a realização desta pesquisa foi observado que o ruído presente na UTI tem sua origem diversificada, vindo de equipamentos e seus respectivos alarmes, de causas operacionais, como abrir lixeiro, empurrar carrinho de metal ou de banho, abrir e fechar gavetas, portas e cortinas, telefones, fax, computadores, impressoras, celulares, entres outros e causas comunicativas, como conversas entre funcionários e pacientes. A maior fonte de pressão sonora foi causada por fatores operacionais e comunicativos.

Os horários de maior intensidade de ruído foram relacionados à visita familiar e passagem de plantão; por outro lado, o horário noturno apresentou menor nível de ruído do que as medidas diurnas. Estes achados são similares a encontrados na literatura(7,13).

Não foi possível verificar, comparando-se os períodos pré e pós-intervenção educativa, quais fatores foram mais reduzidos e contribuíram para um menor ruído. Contudo, o fato de a redução ter sido mais intensa nos horários de maior movimento de pessoas (durante o dia) sugere que a aderência da equipe deve ter tido um papel preponderante nesta redução do nível de ruído ambiental.

Este estudo tem várias limitações, algumas das quais expressas acima. A coleta de pressão sonora foi feita apenas em momentos específicos, o que poderia ter subestimado o ruído no ambiente. No entanto, como referido, os horários escolhidos procuraram refletir os momentos mais significativos: visita de familiares, troca de plantão (que notoriamente são os horários de maior nível de ruído) e horário noturno (que corresponde ao momento de menor agitação dentro da unidade)(7-8).

O tempo decorrido entre a intervenção educativa e a segunda medida foi curto (cerca de duas semanas). Além disso, o período de intervenção em si foi curto.

Portanto, uma intervenção mais prolongada ou contínua poderia ter efeitos mais duradouros. Também, não foi avaliado se esta redução do ruído foi persistente após uma única intervenção educativa.

Um outra abordagem poderia ser da mensuração das consequências do ruído ambiental nos pacientes e/ou equipe, p.ex. incidência de delirium, burnout ou PTSD, e o impacto de intervenções educativas. Porém, o desenho deste estudo dirigiu-se à medida do ruído em si, e não a consequências psicológicas.

CONCLUSÃO Os níveis de pressão sonora encontrados na presente pesquisa estão acima do recomendado pelas normas técnicas da ABNT e pela OMS. As principais fontes sonoras de ruídos foram os fatores operacionais e comunicativos como diálogo entre profissionais e passagem de plantão, sendo, portanto, passíveis de redução, mesmo sem mudanças drásticas de engenharia.

A intervenção educativa junto à equipe multiprofissional, através de conscientização sobre a importância e causas geradoras de ruído, mostrou ser um importante instrumento para redução do nível de pressão sonora. Estudos avaliando a eficiência de intervenções mais duradouras poderiam mostrar o impacto em mantermos um ambiente mais saudável no manejo do paciente criticamente enfermo.


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