A complexidade e a religação de saberes interdisciplinares: contribuição do
pensamento de Edgar Morin
INTRODUÇÃO
Esse artigo teórico-filosófico foi organizado em três atos: primeiro,
apresenta-se o pensador Edgar Morin; segundo, traz-se o arcabouço teórico-
filosófico-metodológico da complexidade; terceiro, faz-se a inter-relação
reflexiva da complexidade com a religação de saberes interdisciplinares na
Enfermagem/Saúde. Em sua elaboração foram utilizados escritos de Morin e de
outros autores que abordaram a complexidade, para alcançar o objetivo desta
reflexão: aproximar a Complexidade de Edgar Morin com a religação de saberes
interdisciplinares na Enfermagem/Saúde.
EDGAR MORIN
Para aproximar-se de um arcabouço teórico há necessidade de conhecer seu
precursor, no caso, a Complexidade: Edgar Morin. A autobiografia intelectual de
Edgar Morin é apresentada no seu livro Meus Demônios(1) como um entrelaço de
sua vida profissional e pessoal - sua própria vida - uma vez que, para Morin, a
vida intelectual é inseparável da vida de experiências. Uma vida em constante
movimento, cheia de antagonismos e aproximações, entrecortada por ciclos de
travessias de desertos e oásis.
Filho de judeus espanhóis, seus pais migraram para a França, durante a primeira
década do século XX. Nasceu David-Salomon Nahum, em 8 de julho de 1921, em
Paris, França, mas os pais optaram por chamá-lo Edgar. A família ensinou-lhe o
Mediterrâneo, o gosto pelo azeite, pela berinjela. O pai se encarregou de
transmitir-lhe uma cultura de cançonetas, de café-concerto, de operetas e
nenhuma tradição ou um saber. A mãe lhe ensinou o gosto pelas óperas italianas.
No entanto, a mais importante lição que aprendeu na família foi aos nove anos -
a morte da mãe, que marcou a sua vida ininterruptamente(1).
Na adolescência, foi um cinéfilo voraz e leitor faminto. Seja por acaso, ou por
sorte, encontrou os livros que lhe falaram, perturbaram-no, transformaram-no e
o formaram. Pelo livro - pelo romance - Morin chegou ao mundo. Percorreu o
caminho do autodidata, movido por necessidades profundas. No livro Meus
Demônios, verificam-se aspectos recorrentes do perfil e mesmo da história de
Morin, em especial a sua postura de indagação contínua, que o leva a verdades e
conclusões temporárias. O nome Morin foi adotado durante sua permanência no
Partido Comunista, do qual foi expulso.
A posição inquieta de Morin se refletiu numa produção dinâmica e atenta aos
fenômenos de seu tempo, e, especialmente, sempre aberta ao diálogo, ou seja,
capaz de incorporar a complexidade de fatos e elementos do mundo vivo.
Assim, a obra de Morin espelha a imagem de um intelectual inquieto, intrigado,
cético, e ao mesmo tempo crente, capaz de se indignar frente ao conjunto de
situações ricamente historiadas nas múltiplas dimensões abordadas, sejam elas
políticas, sociais e culturais, com as quais teve de conviver.
As respostas e mesmo a compreensão dos fatos apresentados por Morin revelam
outra característica que lhe é inerente, a sua convivência pacífica, contudo
não passiva, com a contradição. Ele admite que seja do choque de ideias
contrárias que resulta cada um de seus livros e que a contradição tem para ele,
simultaneamente, um caráter existencial e intelectual.
Como um ser humano sintonizado com o seu tempo, Morin reflete sobre o papel da
ética nas sociedades a partir da própria experiência. Nesse sentido, introduz
um conceito que, para ele, é emergente em dadas circunstâncias históricas e
culturais: o conceito de autoética.
Tolerância, perdão e redenção fundem-se, criando uma noção de ética da
compreensão, que impõe a necessidade de argumentar e refutar, em oposição a
lançar-se maldição sobre os fatos ou indivíduos da sociedade. Dessa lista de
valores universais, Morin sugere a urgência de constituição de uma identidade
humanitária, de uma consciência planetária, da ideia de Terra pátria, que
significa a matriz fundamental para a ciência com consciência e o sentimento de
pertença que estabelece a ligação entre a humanidade e a Terra(1).
Morin não deixou de ser caminhante, sua vida continua errante, impulsionada por
suas aspirações múltiplas e antagônicas - tão intensas e extensas em seu ser.
Ele vive sempre de recomeços. A contradição e a atitude dialógica de Morin
diante de sua caminhada permitem-nos conhecer sua história de vida e
compreender a produção dele no campo das ciências, assim como a gênese do
pensamento complexo.
A COMPLEXIDADE
Quando um pesquisador se lança na compreensão de determinado fenômeno, à
semelhança de todos os seres humanos em qualquer situação, se envolve com todas
as facetas que compõem sua condição humana: biológica, psíquica, social,
afetiva e racional, nisso comportando sabedoria e loucura, o prosaico e o
poético, firmando o que Morin denomina de homo complexus.
Foi a partir, inicialmente, de curiosidade científica, e depois de
contaminação, que nos aproximamos do paradigma da complexidade. Pois, qualquer
conhecimento opera por seleção de dados significativos e rejeição de dados não
significativos: separa (distingue ou disjunta) e une (associa, identifica),
hierarquiza (o principal, o secundário) e centraliza (em função de um núcleo de
noções-chave); essas operações, em que se utiliza da lógica, são de fato
comandadas pela organização do pensamento, ou paradigmas, princípios ocultos
que governam nossa visão das coisas e do mundo, sem que tenhamos consciência
disso(2).
Por trás de todo conhecimento há sempre um paradigma determinando a promoção/
seleção dos conceitos-mestres da inteligibilidade e as operações lógicas-
mestras, desempenhando um papel, ao mesmo tempo, subterrâneo, pois funciona de
modo inconsciente e soberano, por controlar o pensamento consciente, se
caracterizando como supraconsciente. Enfim, o paradigma, as estruturas de
pensamento, inscritas culturalmente nos seres humanos, comandam
inconscientemente seu modo de conhecer, pensar e agir(3).
Desde o século XVII, o pensamento ocidental é condicionado hegemonicamente pelo
paradigma cartesiano. Trata-se de um condicionamento antigo, que foi
aperfeiçoado por Aristóteles (384-322 a.C.), sobretudo com o princípio do
terceiro excluído (entre duas proposições contrárias, apenas uma pode ser
verdadeira), e com o princípio da identidade (A=A e A#B); e consolidado com as
ideias de René Descartes (1596-1650), com a proposição da divisão do objeto em
partes e o exame de cada uma delas, para então se buscar a síntese final; e com
as ideias de Isaac Newton (1642-1726), para quem a incumbência da ciência
consistia em procurar leis universais, que estabelecessem relações claras de
causa e efeito(3).
Como bem disse Heráclito: nada dura tanto, exceto a mudança; e, apesar do
paradigma cartesiano, ainda nos dias atuais, determinar predominantemente o
modo de conhecer, pensar e agir dos seres humanos ocidentais, no decorrer da
história da ciência um novo paradigma - o da Complexidade - começa a emergir,
na medida em que os três pilares da certeza, a Ordem, Separabilidade e Razão,
sobre os quais o pensamento científico se fundamentou até o século XX,
começaram a ser abalados pelo desenvolvimento, também, da própria ciência(3).
O primeiro pilar, o da Ordem,baseado nas concepções determinista e mecanicista
de Newton, postula que, por trás de qualquer desordem, há sempre uma ordem a
ser encontrada. Todavia, as descobertas no campo da termodinâmica, microfísica,
cosmofísica, e com a teoria do caos, demonstraram que as noções de ordem e
desordem não necessariamente se excluem.
O segundo pilar, o da Separabilidade,é balizado pelo princípio cartesiano do
fenômeno para análise, e se traduz, primeiro, pela especialização e
hiperespecialização disciplinar, rompidas pelas ciências sistêmicas que,
percebendo o objeto constituído pelas interações entre elementos, articulam o
que é separado pelas disciplinas tradicionais. E, em segundo, pela afirmação de
que o observador não interfere em sua observação; mas a microfísica, com o
físico Heisemberg, numa mudança radical de pensamento, vai ressaltar o
contrário: o observador interfere em sua observação.
E, referente ao terceiro pilar do pensamento clássico, a Lógica Indutivo-
Dedutivo-Identitária direciona a identificação com a Razão Absoluta. Karl
Popper retirou o valor de prova absoluta da indução, na qual era possível
atingir as leis gerais por meio de casos singulares. Popper observou que não é
aceitável, em toda exatidão, afirmar uma lei do tipo "todos os cisnes são
brancos", por nunca se ter visto um cisne negro(1).
Nesse sentido, percebemos que toda construção teórica subentende a história de
vida de quem a compôs, reluz seu modo de pensar, perceber, interpretar e
compreender a realidade de modo único, constituído ao longo da caminhada do seu
artífice. Colocação acolhida por Morim, como um de seus sete princípios da
complexidade, o Princípio da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento,
o qual opera a restauração do sujeito e torna presente a problemática cognitiva
central: da percepção à teoria científica, todo conhecimento é uma
reconstrução/tradução por um espírito/cérebro, em uma cultura e em um tempo
determinados(4:211-12). Visto como um edifício, o construto epistemológico da
Complexidade tem a base formada a partir de três teorias surgidas nos anos de
1940: a Teoria da Informação, a Cibernética e a Teoria dos Sistemas,
comportando, ainda, as ferramentas para a teoria da organização.
A Teoria da Informação é uma ferramenta para o tratamento da incerteza, da
surpresa, do inesperado, porque "permite entrar em um universo onde existem ao
mesmo tempo a ordem (a redundância), a desordem (o bruto) e extrair o novo (a
informação). Além do mais, a informação pode assumir a forma organizadora
(programadora) no seio de uma máquina cibernética"(4).
A Cibernética veio expressar outro princípio da Complexidade adotado por Morin,
o Princípio Retroativo, com o conceito do ciclo retroativo, rompemos com o
princípio de causalidade linear, situamo-nos em um outro nível: não só a causa
age sobre o efeito, mas o efeito retroage de maneira informacional sobre a
causa, permitindo a autonomia organizacional do sistema(5).
A Teoria dos Sistemas traduz outro princípio da Complexidade eleito por Morin,
que é o Princípio Sistêmico ou Organizacional, que permite ligar o conhecimento
das partes com o conhecimento do todo e vice-versa. Sabe-se que, de um ponto de
vista sistêmico-organizacional, o todo é mais do que a soma das suas partes.
Esse ponto de vista mais do que designa os fenômenos qualitativamente novos a
que chamamos de emergências. Essas emergências são efeitos organizacionais, ou
seja, o produto da disposição das partes no seio da unidade sistêmica. Por
outro lado, embora o todo seja mais do que a soma das partes, o todo é
igualmente menos do que a soma das partes. Esse "menos" se refere às qualidades
que se encontram restringidas e inibidas pelo efeito da retroação
organizacional do todo sobre as partes(5).
Também a partir da Teoria dos Sistemas, Morin assume outro princípio da
Complexidade, que é o Princípio da Auto-eco-organização: autonomia/dependência,
pois o conceito de autonomia só pode ser concebido a partir de uma teoria de
sistemas ao mesmo tempo aberta e fechada; um sistema que funciona precisa de
uma energia nova para sobreviver e, portanto, deve captar essa energia no
ambiente. A autonomia se fundamenta na dependência do ambiente, e o conceito de
autonomia passa a ser um conceito complementar e antagônico ao da dependência.
O próximo andar da Teoria da Complexidade é edificado com as ideias de Von
Newmann, Von Foerster e Prigogine. Von Newman, em sua teoria dos autômatos
autorreprodutores, colocou a questão da diferença entre máquinas artificiais e
máquinas vivas. A contribuição de Von Foerster reside na sua descoberta do
princípio da Ordem pelo barulho (order from noise).Prigogine defendeu que o
organismo vivo mantém seus processos vitais em condições de não equilíbrio e, à
medida que o sistema se afasta do equilíbrio, ele atinge um ponto crítico de
instabilidade a partir do qual emerge um novo padrão ordenado(4).
Morin suplementou mais três princípios da Complexidade, somando sete. Esses
novos princípios são: o Dialógico, o Recursivo e o Hologramático(1). O
Dialógico: que nos ajuda a pensar, em um mesmo espaço mental, algumas lógicas
que se completam e se excluem. Ele pode ser definido como a associação complexa
(complementar/concorrente/antagonista) de instâncias conjuntamente necessárias
para a existência, para o funcionamento e o desenvolvimento de um fenômeno
organizado. O Recursivo: mostra-se como um processo no qual os efeitos ou
produtos são simultaneamente causa produtiva do próprio processo, e no seio do
qual os últimos estados são necessários para se gerarem os do início. O
processo recursivo, sob esse enfoque, é aquele que se produz/reproduz a si
mesmo, na condição, obviamente, de que seja alimentado por uma fonte, uma
reserva ou um fluxo exterior. O Hologramático: esse princípio indica que, como
em um holograma, cada parte contém praticamente a totalidade da informação do
objeto representado; em qualquer organização complexa, não só a parte encontra-
se no todo, mas o todo encontra-se igualmente na parte.
Se, pelo viés da cosmologia moderna, o ser humano se situa/situava em um
universo materialista, mecânico, linear, determinista e fragmentado, a nova
cosmologia emergente o posiciona em um universo onde todos os fenômenos mantêm
uma relação de interdependência, de interatividade e de inter-retroatividade,
em uma realidade transpassada de incertezas, imprevisibilidade, acasos,
contradições. Em síntese: complexa. Nesse sentido, conforme a definição de
Morin(2):
(...) a um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o
que é tecido junto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente
associados: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo
momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos,
ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem
nosso mundo fenomênico (...)
Assim, o pensamento complexo visa mover, conjugar, articular os diversos
saberes compartimentados nos mais variados campos do conhecimento, sem perder a
essência e a particularidade de cada fenômeno, religando matéria e espírito,
natureza e cultura, sujeito e objeto, objetividade e subjetividade, arte,
ciência, filosofia. Considera igualmente o pensamento racional-lógico-
científico e o mítico-simbólico-mágico. O pensamento complexo se estabelece
como requisito para o exercício da interdisciplinaridade.
Nessa direção, a complexidade dispõe de um método conexo, que segue o verso de
Antônio Machado: "viajante, não existe caminho, o caminho nasce de tua
caminhada"(5). Ela convida o cientista a uma caminhada sem percurso
predeterminado rigidamente; e, ante o sim, lhe entrega sete princípios
metodológicos para pensar a complexidade, o insuflando a elaborar suas próprias
estratégias na abordagem do problema em questão.
Para Edgar Morin, o método como caminho também se vincula à experiência de
pesquisa do conhecimento, compreendida como travessia geradora de conhecimento
e de sabedoria(5). Enfim, o método/caminho/travessia/pesquisa e estratégia(2)
absorve ao mesmo tempo programa e estratégia, isto é, se apoia em uma sequência
inicial de ações, mas desde o início se prepara para receber o inesperado e
modificar suas ações em função das informações surgidas(5). E a estratégia se
manifesta nas situações aleatórias, é aberta, evolutiva, enfrenta o imprevisto,
aprende com seus erros, exigindo competência, iniciativa, decisão e reflexão, o
método se constitui "(...) como atividade pensante do sujeito vivo, não
abstrato. Um sujeito capaz de aprender, de inventar e de criar sobre e durante
o seu caminho"(5).
Assim, Edgar Morin, sublinhando que todo o conhecimento pode ser empregado para
manipulação e que o pensamento complexo leva a uma ética da solidariedade e da
não coerção (alimentando assim a ética), pensa em uma "ciência com consciência"
(6), cujo princípio de ação não ordene, não manipule, não dirija, mas organize,
comunique e estimule. Entretanto, o pensador enfatiza o hiato existente entre a
intenção e a ação, as incertezas éticas presentes no agir pelo bem, no cumprir
seu dever, exemplificando, também, através da ecologia da ação, que nos indica
que toda ação escapa, cada vez mais, à vontade do seu autor, na medida em que
entra no jogo das inter-retro-ações do meio onde intervém. Assim, a ação corre
o risco de fracassar e também de sofrer desvio ou distorção de sentidos(7).
A lógica do pensamento complexo de Morin tem iluminado muitas discussões no
campo da Enfermagem/Saúde, uma vez que, nessa área, os fenômenos que envolvem o
processo de saúde e doença apresentam múltiplas dimensões(8).
A INTER-RELAÇÃO ENTRE A COMPLEXIDADE E A RELIGAÇÃO DE SABERES
INTERDISCIPLINARES NA ENFERMAGEM/SAÚDE
A complexidade, como epistemologia, tem como essência pilares que envolvem a
busca por interpretações do significado do complexo, bem como seus alicerces,
que envolvem diversas terminologias, como transdicisplinaridade,
interdisciplinaridade e multidisciplinaridade, imbricadas com as questões da
saúde e também com o cuidado de enfermagem(9).
Na abordagem complexa, o conhecimento das informações ou dos dados isolados,
como já refletimos, é insuficiente, visto que é preciso situá-los em seu
contexto para que adquiram sentido(6). Agregada a esse processo, no ambiente de
Enfermagem/Saúde, está a interdisciplinaridade, que incita à necessidade de
religação dos saberes para permitir a relação da parte no todo e do todo na
parte. O pensamento complexo, na perspectiva interdisciplinar, aspira ao
conhecimento multidimensional, mas entende que o conhecimento completo é
inatingível. Esta forma de pensar comporta o reconhecimento de um princípio de
não completude e de incertezas(6).
A ideia de complexidade traz entendimento contra a clarificação, a
simplificação e o reducionismo excessivos. Por aspirar ao conhecimento singular
e multidimensional, os sete princípios de Morin são aplicáveis em todas as
áreas da Enfermagem/Saúde.
Pensar em Enfermagem/Saúde, na lógica do pensamento complexo, pode implicar em
reconhecer uma nova visão das concepções de vida, do social e de saúde
vigentes. O ser humano é complexo e plural, cognoscente, socio-político-
cultural, com aptidões para produzir, construir, aprender, conhecer, evoluir em
busca do exercício da sua cidadania e conquista de sua autonomia(10).
Na sua incompletude, o ser humano geralmente busca o conhecimento como forma de
superação de seus limites, reconhecendo sua interdependência e se fortalecendo
pelas relações, interações e associações com seus pares e recursos da natureza.
Tradicionalmente, também na Enfermagem/Saúde, sob o enfoque mecanicista e
simplificador, o ser humano, frequentemente, é concebido em partes/fragmentos/
pedaços. No entanto, novos referenciais, como a complexidade moriniana, vêm
tentando contribuir para a compreensão do cuidado como um sistema complexo(11),
isto é, percebido como um fenômeno vital, dinâmico, dialógico e essencial na
vida dos seres e do ambiente.
Acredita-se que os princípios de complexidade, segundo Edgar Morin, são
condizentes com o avanço da ciência e tecnologia, principalmente no ambiente de
Enfermagem/Saúde, pois podem atingir a ciência com consciência/complexa(6).
A complexidade incita à construção do conhecimento na Enfermagem/Saúde, para a
prática de inter-relação, de interdisciplinaridade e interação, articulando os
conhecimentos das diferentes áreas. Implica em reflexão-ação-reflexão, um
constante construir, desconstruir e reconstruir, que pode trazer contribuições
para a evolução e inovação das práticas profissionais como ciência e disciplina
reconhecidas(12).
Considera-se que a complexidade da vida envolve a inter-relação entre os
objetos, bem como as interações existentes entre eles. Abarca condição humana,
ser humano, conhecimento, diversidade, subjetividade, ambiente, questões
econômicas, entre outros objetos, que estão inseridos nessa abordagem. Surge um
novo olhar sobre o conhecimento e as consequências educativas epistemológicas e
éticas(13).
Concernente aos princípios de Morin, defende-se a necessidade de discussão
sobre a diversidade humana, o diálogo entre parceiros ou atores sociais,
reconhecendo-se as semelhanças e diferenças instituídas biológica, social,
política e culturalmente. O agir individual também traz a expressão dos
aspectos culturais, sociais, afetivos e políticos que estão inter-relacionados
na complexidade do ser humano e nas relações de saúde e de cuidado de
enfermagem.
A complexidade atual do sistema de Enfermagem/Saúde envolve a
interdisciplinaridade como ação que permeia tanto as práticas como os discursos
disciplinares e suas formas de expressão, neles originando um conjunto de
mediações de natureza não apenas teórica (entre as disciplinas que o compõem),
mas também políticas, sociais e culturais.
Recomenda-se atentar à importância do trabalho da equipe heterogênea, imbuída
da interdisciplinaridade, porque o efeito complexo do conhecimento é mais
perceptível: não apenas se soma, mas se potencializa e amplia. Os órgãos
formadores de futuros trabalhadores de Enfermagem/Saúde necessitam permitir a
rede de olhares diversificados dos estudantes, que poderão continuar com esses
e outros olhares no mundo do trabalho(14).
Considera-se que a prática de cuidado exige hoje, mais do que nunca, um exame
rigoroso e aberto das formas tradicionais de pensá-la, descrevê-la e orientá-
la. Faz-se necessário recuperar um pensamento problematizador e crítico, que
possa permitir ir além do que é instituído como conhecimento lícito e
verdadeiro, às vezes de forma arrogante, como pensamento único. O que se busca
é realizar um exercício constante de interrogação do que se mostra evidente e
aceitar os limites do nosso pensar e as incertezas do presente(15).
A Enfermagem/Saúde necessitam, crescentemente, direcionar o pensamento para a
complexidade, para a religação dos saberes disciplinares. Os saberes e
experiências, como já refletidos, necessitam ser compartilhados de maneira que
não exista o domínio de nenhuma disciplina sobre as outras, de nenhum
profissional sobre o outro, para, assim, proporcionar um cuidado ampliado,
segundo as necessidades dos usuários, respeitando e aceitando as
singularidades, tanto entre os trabalhadores da saúde como entre esses e os
usuários.
Novas concepções, como a complexidade, instigam-nos a pensar de outras
maneiras. Assim, tais circunstâncias remetem ao ser humano - trabalhadores e
usuários, a aceitar incertezas, ambivalências e contradições presentes no
sistema de cuidados, para que seja possível lidar com a complexidade do real.
Entender a Enfermagem/Saúde, sob esse novo olhar, requer enfrentar desafios no
âmbito da Academia (por meio dos enfermeiros docentes e dos estudantes de
enfermagem), dos Serviços (através dos enfermeiros assistenciais e dos
gestores) e dos usuários. Requer, enfim, compreender a enfermagem no universo
das disciplinas sociais e de saúde, assim como apreender as várias disciplinas
na enfermagem.