Percepções maternas sobre o nascimento de um filho prematuro e cuidados após a
alta
INTRODUÇÃO
O nascimento de um filho prematuro tem o potencial de produzir repercussões
emocionais significativas para a mãe. Estudos revelam que as famílias e as
mães, em particular, experimentem sentimentos ambivalentes em relação ao recém-
nascido prematuro devido às suas condições de vulnerabilidade biológica(1-2).
Se por um lado existe a alegria pelo nascimento do filho, por outro lado também
existem sentimentos de sofrimento, frustração e incompetência pela fragilidade
do recém-nascido, que levam a significativas mudanças na dinâmica familiar(1-
2). Quando o filho prematuro permanece hospitalizado por longos períodos após o
nascimento, ocorrem alterações no ritmo natural do nascimento, no funcionamento
familiar e nos relacionamentos pessoais(2).
Alguns estudos já apontaram que existe para as mães uma sobreposição de perdas,
como a perda do filho idealizado e a impossibilidade de estar com o filho em
casa. Agregam-se a essa sensação as cobranças familiares e sociais(3-4). Não é
raro que as mães desenvolvam, pois, neste momento sensações de fracasso,
incapacidade e inferioridade. O nascimento de um filho prematuro efetivamente
rompe com a construção da figura e da identidade materna. Muitas vezes, a
interpretação do papel feminino passa a ser de desprezo, de inadequação. Em
outras palavras, o nascimento prematuro tem o potencial de interferir
negativamente com a autoestima da mulher, tanto em relação à sua capacidade
maternal como em relação à sua feminilidade(4).
O intenso sofrimento psíquico diante da prematuridade, que ameaça em alguns
momentos a vida do filho, pode favorecer o surgimento de quadros depressivos,
estados de ansiedade ou fobias. Esses sentimentos acompanham a mãe desde a
admissão do seu filho em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e se
estendem além da alta hospitalar(5-6). Muitas vezes essa situação é
desconhecida aos profissionais de saúde que lidam com os recém-nascidos nas
UTIN ou em ambulatórios de seguimento. Para alguns autores, esses profissionais
se apegam de forma demasiada ao saber técnico e acabam por negligenciar os
aspectos psicossociais que envolvem a família(7-8). Assim, faz-se necessário a
compreensão apurada da temática, como instrumento subsidiador para ações de
apoio às mães e às famílias nesse momento crítico.
Recém-nascidos prematuros trazem consigo o emblema da fragilidade, da
necessidade de cuidados especiais e de mecanismos de proteção diferenciados.
Assim, são naturais e desejáveis os questionamentos acerca da percepção materna
sobre os cuidados com o seu filho prematuro, suas potencialidades e fraquezas
para lidar com o filho imaturo. Outro aspecto desejável nesse momento é o
estabelecimento de redes de apoio familiar e social, que são fundamentais para
essas mães. Em algumas circunstâncias os ambulatórios de seguimento de recém-
nascidos prematuros e egressos de UTIN representam importantes fontes de apoio
e orientações para as mães e famílias de recém-nascidos prematuros.
Especialmente porque, muitas vezes a permanência prolongada no hospital não é
acompanhada por medidas de suporte às mães, nem mesmo para manutenção do
aleitamento materno(9-10).
As considerações apresentadas não são de cunho regional e mesmo autores
internacionais recomendam que os profissionais envolvidos com os cuidados de
recém-nascidos prematuros devam estar atentos também às necessidades dos pais
para aliviar o estresse e os sentimentos de angústia que a família vivencia
(11). Nesse sentido, faz-se necessário que profissionais conheçam toda a
ebulição de sentimentos que permeia o universo materno após o nascimento de um
filho prematuro e compreendam a percepção das mães acerca do cuidado que seus
filhos demandam nas UTIN e mesmo após a alta hospitalar, quando ainda são mais
vulneráveis que as demais crianças. Nesse sentido, o presente estudo teve como
objetivo conhecer percepções maternas sobre o nascimento do filho prematuro e
os cuidados após a alta.
MÉTODOS
Trata-se de estudo descritivo e exploratório, de abordagem qualitativa,
desenvolvido na UTIN e no Ambulatório de Follow-updo Hospital Santa Casa, no
município de Montes Claros, Minas Gerais. O Hospital Santa Casa é considerado o
maior hospital da região Norte de Minas Gerais, oferecendo atendimento público
e privado em diversas especialidades médicas.
Os sujeitos compreenderam 18 mães, sendo oito de recém-nascidos prematuros
ainda internados em UTIN e dez de crianças nascidas prematuramente e egressas
de UTIN, em acompanhamento no ambulatório de seguimento (Ambulatório de Follow-
up).
Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, compreendida
por seis questões norteadoras: 1) Fale sobre o sentimento diante do nascimento
de um filho prematuro; 2) Quais os anseios e temores envolvidos na ocasião do
parto? 3) Fale sobre sua percepção no cuidado ao filho prematuro; 4) Qual é a
sua visão sobre a assistência prestada pela equipe de saúde ao filho prematuro?
5) Fale sobre os anseios e temores relacionados à alta hospitalar; 6) Fale
sobre suas expectativas no cuidado domiciliar. Foi utilizado o critério de
saturação como meio para definição do número de entrevistas(12).
A análise ocorreu mediante as diretrizes de análise de conteúdo de Bardin(13).
Assim, na ordenação dos dados foram realizadas as transcrições das gravações, a
releitura do material e a organização dos depoimentos. Após esta etapa
procedeu-se a classificação dos dados onde houve a identificação das unidades
de registro com uma numeração específica e o agrupamento dessas unidades em
categorias(13).
Todos os aspectos éticos foram respeitados durante a realização do estudo. Os
participantes da pesquisa concordaram com a realização da mesma, mediante
assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. O projeto foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes
Claros (Unimontes) sob parecer nº. 038/2010.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise dos dados permitiu o desvelamento de três categorias: sentimentos
diante do nascimento de um filho prematuro; percepção do cuidado recebido e
relação com a equipe de saúde; e as condições de cuidado após a alta.
A. Sentimentos sobre o nascimento de um filho prematuro
Os sentimentos negativos representam uma das mais importantes e marcantes
sensações vivenciadas pelas mães nos momentos iniciais. Os sujeitos relatam
sentimentos de tristeza, desgosto, angústia e sofrimento como principais
destaques diante do nascimento prematuro e da interrupção precoce da gestação.
... no inicio foi, assim, muito triste, eu ficava só chorando (MH1)
... eu sofri muito de ver ele lá e ter sido prematuro... O fato dele
ser muito pequenininho, não podia levar ele pra casa... Então era
muito sofrimento pra mim. (MA2)
... pra mim foi muito sofrido saber e ter um filho prematuro, fiquei
muito triste e preocupada. Foi um sentimento de muita angústia. (MA5)
Percepções semelhantes foram relatadas por outros autores, que destacam que a
internação de um filho em uma unidade de terapia intensiva é quase sempre um
momento difícil para a família, que pode vivenciar sentimentos de incerteza
quanto ao presente e futuro de seu familiar, sentimentos que envolvem as suas
próprias perspectivas de vida(3-5).
Tristeza e frustração são resultados e situações inesperadas e expectativas não
alcançadas. As mulheres constroem, durante a gestação, um filho imaginário.
Essa construção é gradual e inspira sonhos para a família. Esse processo
implica na expectativa de filhos saudáveis e "prontos". A prematuridade e o
ambiente das Unidades de Terapia Intensiva rompem com esses sonhos maternos e
impõem às mães limitações à sua maternidade(7,14).
Apesar do filho real, não é possível o abraço, o beijo e as carícias no colo.
Não se permite à mulher ser uma mãe completa, já que até a idealização das
funções maternas foi interrompida. As mães experimentam então os sentimentos
vinculados à frustração e ao desalento de ser uma mãe incompleta. Destaca-se
que, para essas mães, é negada a "festa social do nascimento", não havendo,
pois um reconhecimento social da maternidade(14).
Não é possível conceber que tais sentimentos estejam desagregados da percepção
de fragilidade do filho recém-nascido. Segundo alguns autores, o prematuro é
percebido como inacabado e frágil(1,14). Para a mãe, essa fragilidade denota o
risco de perda instantânea, o que pressupõe a angústia e a insegurança,
conforme as falas a seguintes.
Ele nasceu com um quilo e setenta (gramas). Quando passou umas duas
semanas depois eu perguntei quanto que ele estava pesando. Ele estava
pesando novecentos e poucas (gramas). Eu pensei: agora que ele não
vai viver mesmo... (MH4).
Eu senti, assim, uma espécie de... uma insegurança, sabe? Porque eu
tenho a impressão, assim, que CTI é a antessala do cemitério, não é?
Dá aquele medo ali... (MA3).
Menino prematuro é muito sensível. Vai ter que ter um tempo só pra
ele, não vai poder chorar muito, que menino prematuro os órgãos não
estão bem constituídos ainda. (MH5).
Eu senti muito, muito mal, assim, achando que ele não ia sobreviver,
só isso. Cheguei lá e na hora que eu vi eu assustei que ele era muito
pequenininho (MH6).
Na linguagem das mães é possível perceber que a fragilidade biológica dos
filhos prematuros imprime a sensação de morte iminente, o que também é uma
situação estressante e ansiogênica. Outros autores descrevem que essa situação
leva as mães a viverem um "aparente estado de luto"(3).
Sensação de impotência
Diante do fenômeno discutido, a sensação de impotência representou outro
aspecto salientado pelas mães.
Eu chegava ali, eu ficava torcendo para que aquilo ali passasse logo
e via as experiências das outras mães que tanto tempo estavam ali e
ficava perguntando pra mim: será quanto tempo você vai ficar aqui?
(MA3).
Tem dia que você chega tem uma notícia muito boa, aí tem dia que você
chega tem uma razoável, tem dia que você chega que não tem uma
(notícia) tão boa. Aí você vai pra casa chorando...Ah, é difícil
demais ver aquilo (MH3).
Aceitar, às vezes agente aceita não é porque quer, é porque é o
jeito. (MH8).
Se pudesse voltaria, com ele para barriga... (silêncio e lágrimas)...
Se pudesse fazer uma coisa dessa... você tem um filho muito frágil,
como se você pudesse fazer alguma coisa e ao mesmo tempo você não
pode fazer nada (MH6).
Esse aspecto já foi apontado por outros autores(4), que destacam ainda que além
do desapontamento, o nascimento de um filho prematuro produz um sentimento de
incapacidade para as mães. Essa percepção é mais notável para os momentos
vivenciados durante a passagem do filho pela UTIN(15).
O ambiente da UTIN é estranho para a maioria das pessoas que não atuam nele.
Não se trata de mais uma enfermaria pediátrica, mas de um centro de grande
densidade tecnológica, onde o cuidar biológico está atrelado à utilização de
máquinas e equipamentos desconhecidos para a maioria dos leigos. As visitas das
mães às UTIN são impactantes não apenas pela visão do filho prematuro, mas
também pelo desconcertante ambiente, onde elas não sabem como se comportar, o
que podem ou não fazer. Muitas não ousam tocar o filho com receio de
comprometer a dinâmica dos equipamentos a ele ligados. Também essa situação
consolida para as mães a sensação de impotência.
Em algumas situações, durante uma gestação sabidamente de risco, as mães podem
ter suas angústias antecipadas e trabalhadas sob o aspecto psicológico.
Entretanto, quase sempre o nascimento de um filho é um evento social festivo.
Sua antecipação, especialmente, quando vinculada ao risco de morte da criança
recém-nascida, é sempre uma situação inesperada.
Em outras circunstâncias, não existe sequer o pensamento sobre a possibilidade
do nascimento prematuro, isto é, a prematuridade emerge de um contexto
absolutamente inesperado para as mães, que se sentem completamente perdidas.
Esse é um fato que exacerba a sensação de impotência e que pode desestabilizar
algumas mães, conforme os discursos seguintes:
Eu levei um susto, eu entrei em desespero, eu não queria mais vir
aqui... (MH1)
Foi de repente e eu não esperava. O médico falou que tinha que nascer
ou então ele ia morrer... Nem sei o que me deu na hora, que eu não
lembro de nada. De uma hora para outra eu já estava aqui visitando
ele, todo cheio de aparelho e eu não podia fazer nada. Dá uma
sensação muito ruim... (MH8).
Sentimentos de culpa
Segundo Fraga e Pedro, o sentimento de culpa diante do nascimento de rum filho
prematuro origina-se da necessidade humana de racionalizar ou encontrar causas
racionais para o fato(5). Alguns registros da escuta realizada neste estudo
mostraram que a sensação de culpa também permeia o universo das mães
entrevistadas.
"Eu fico sentindo que foi minha culpa. Você carrega aquela culpa para
o resto da vida... Culpa de, por exemplo, ver o filho recebendo
agulhada, tirando sangue, sofrendo ali e eu não poder fazer nada."
(MH5).
A gente se sente culpada de não ter feito as coisas certas. Eu... não
deu para ir no pré-natal e se eu tivesse ido, talvez ele ainda
'estava' aqui na barriga (MH7).
Realmente a gente se sente culpada por isso. Eu sempre mim pergunto o
que eu fiz de errado pra que meu filho nascesse assim (MA7).
...quando eu ia dormir ou quando chegava pra ver meu filho e olhava
pra ele naquela situação, me perguntava se a culpa era minha (MH2)
Essa percepção de culpa seguramente acentua os sentimentos negativos da mãe em
relação ao momento em que está vivendo. Diante da interrupção precoce de uma
gestação é desejável que a equipe de saúde desconstrua essa percepção entre as
mães. Para alguns autores, todos esses sentimentos negativos vivenciados em
conjunto com o sentimento de culpa e impotência exacerbam o medo real de perder
o filho recém-nascido e podem comprometer a afetividade entre pais e filhos
(1,14).
B. Percepção sobre os cuidados recebidos e a relação com a equipe de saúde
A sobrevida de recém-nascidos prematuros e de muito baixo peso já não
representa uma situação anômala e ocasional. A tecnologia utilizada nas UTIN
tem conseguido significativo sucesso para crianças que até alguns anos atrás
não alcançariam sobrevida. Com esses resultados as equipes de saúde em terapia
intensiva têm sido solicitadas a se voltarem também para as famílias dos
prematuros. O novo desafio não é apenas prover o melhor cuidado disponível para
os recém-nascidos prematuros, mas também auxiliar as mães no processo de
compreensão do momento e dos sentimentos acerca de sua maternidade(16-18).
É importante, pois, que os profissionais de saúde percebam todo turbilhão de
sentimentos que permeiam as atitudes das mães e familiares e que trabalhem na
perspectiva de aliviar as situações estressantes. Quando os profissionais
reconhecem esse momento crítico das mães, suas atitudes podem agir
terapeuticamente sobre a família(19).
Para as mães participantes desta pesquisa registrou-se uma percepção positiva
sobre a equipe da UTIN e do ambulatório de seguimento, com discursos que
denotam sensação de amparo por parte dos profissionais.
Eles todos são muito bons, eles cuidam direitinho, a gente fica até
mais aliviada...(MH2).
Todos eles tratam a gente, assim, super bem, explica pra gente como é
que está sendo o tratamento dela... a assistência é muito boa (MH1).
Eles têm a melhor maneira de me dar resposta sem me ferir, porque tem
umas (pessoas) que chegam, já vão dando respostas com brutalidade...
Tem que ter paciência. Achei muito bom os cuidados daqui ( MH5).
Algumas mães chegam a expressar literalmente o quanto os profissionais de saúde
influenciaram em aliviar a ansiedade e promover sentimentos de esperança e
otimismo:
Qualquer médico que tenha um pouquinho de humanidade, ele conversa,
ele fala e te dá esperança, ele te ajuda a enfrentar a situação com
as palavras dele, uma palavra amiga... ( MA6).
O que eles tentaram salvar, salvaram a minha vida como mãe e a vida
do meu filho (MH6).
Tem certas horas que o necessário é simplesmente uma palavra amiga
mesmo, de uma pessoa positiva e o que eles tentam fazer é isso, ser
positivos com você, dar força, para você não ficar rendida ao terror,
àquela coisa ruim, ao sofrimento (MH5).
As enfermeiras ajudam muito, apoiava, explicava as coisas e acalmava,
porque eu chorava muito. Quanto eu chegava no hospital sempre tinha
alguém pra me acalmar (MA5).
Os relatos deixam claro que as famílias apresentam demandas específicas de
cuidado além do amparo tecnológico ao filho recém-nascido. As mães expressam de
forma transparente que o conforto recebido dos profissionais de saúde é parte
inerente do tratamento, uma extensão natural do cuidado do filho à família.
Isso é registrado pelas famílias através das explicações, do acolhimento e do
apoio nos momentos mais críticos do tratamento. Outros trabalhos já destacaram
esse aspecto, pontuando que muitas mães de crianças prematuras superam seus
medos a partir de uma maior interação com os profissionais de saúde(1,20).
Depreende-se de tais considerações que a comunicação e as relações
interpessoais com as famílias de recém-nascidos prematuros devem ser tão
valorizadas quanto o cuidado tecnológico nas UTIN (1,11,19-20).
C. Perspectivas de cuidados com o recém-nascido prematuro em casa
Na presente categoria três subcategorias foram desveladas: a) insegurança no
cuidados com o filho prematuro; b) necessidade de apoio familiar e; c) força na
espiritualidade.
Insegurança no cuidados com o filho prematuro
Vieira e Melo lembram que, apesar da alta hospitalar ser um dos momentos mais
desejados pela família de crianças prematuras, existe a ansiedade e insegurança
acerca do cuidar em domicílio, sem a presença da equipe de saúde(16). Nas
entrevistas com as mães que ainda estavam em acompanhamento nas UTIN o receio
de cuidar do filho prematuro foi salientado de forma mais destacada.
Só que eu tenho muito medo. Medo de não saber cuidar direito e de
machucar ela (MH1).
Eu tenho que dar conta, mas eu tenho medo de não ser uma mãe já
preparada (MH8).
Ele deve pedir um bocado de exigência... Deve ser desse jeito. Deve
ser difícil no começo (MH4).
Aí se eu tiver fazendo alguma coisa, se ela começar a chorar eu vou
ter que largar tudo para cuidar dela (MH5).
A percepção de que o filho prematuro demanda cuidados redobrados não é irreal.
Existe, por exemplo, a demanda de maior atenção aos cuidados alimentares pelo
risco de aspiração e refluxo gastroesofágico, mais comuns nesse grupo de
crianças. O próprio manuseio da criança nas primeiras semanas é mais delicado
devido a sua natural hipotonia muscular. Muitas crianças recebem alta em uso de
vários medicamentos, fato que também implica em maior atenção e dedicação por
parte dos cuidadores. A literatura registra que, mesmo as mães que receberam
orientações ao longo da internação dos filhos, sentem-se inseguras e com
dificuldades nos momentos iniciais(21).
Necessidade do apoio familiar
A construção de redes intrafamiliares de apoio é fundamental para assegurar às
mães maior segurança e tranqüilidade nos momentos mais difíceis. Esse aspecto
foi apontado pelas mães cujos filhos ainda estavam nas UTIN e corroboradas
pelas mães cujos filhos estavam em acompanhamento ambulatorial.
Acho que eu vou precisar muito de minha mãe em casa; de uma boa
madrinha, das vizinhas (MH7).
Tem minha avó e tem minha tia que moram lá também, então, assim, lá
em casa, o que mais tem é gente pra cuidar, então eu não preocupo com
isso (MH1).
Minha mãe me ajudou. Minha mãe me ajudou muito e, assim, ela me
explicou o jeito de pegar... como é que eu ia segurar para dar
banho...Tudo! Aí lá foi mais tranqüilo (...) Porque também em casa,
com as pessoas orientando e olhando é mais fácil (MA10).
Efetivamente, muitas mães sentem-se inseguras em relação aos cuidados iniciais
com os filhos prematuros em casa(21). Algumas registram esse aspecto de forma
bem objetiva, conforme os relatos seguintes:
Achei que o banho, a mamadeira, que qualquer coisinha já era uma
coisa de outro mundo... Em casa não tinha segurança nenhuma (para)
dar o banho, a mamadeira... Tinha medo (MA9)
Achei que não ia conseguir dar o remédio, que eu tinha medo de dar o
remédio e ele engasgar... Até para pegar eu achava que eu ia machucar
ele e para dá o banho... Tudo eu sentia insegurança (MA3)
Eu tinha muito medo e insegurança na hora do banho e de trocar.
Achava que meu filho ia 'quebrar'. Ficava como muito medo, meu Deus
(MA1)
Frequentemente, os profissionais de saúde que atuam nos hospitais não indagam
sobre a rede de apoio familiar e não estimulam a construção de apoio para o
cuidado com a criança prematura no domicílio. Nesse sentido, o Ambulatório de
Seguimento representa um importante apoio para as famílias. A assistência
multiprofissional naturalmente agrega informações sobre o cuidado em casa. É
desejável que a integração da rede de apoio busque integrar os saberes da
família, dos vizinhos e da comunidade em geral, valorizando aspectos positivos
das informações colhidas. Assim ele promove um cuidado real e tem oportunidade
de adequar comportamentos equivocados, respeitando valores culturais,
convicções e expectativas da família e da comunidade(16).
Vários autores destacam a importância da rede social para amparar as mães de
crianças prematuras(6,16,21). Existe para essas famílias uma situação real que
inspira receios diversos: o cuidar do recém-nascido frágil. A troca de
experiências, o compartilhamento de dificuldades pode, de fato, propiciar para
essas mães o aflorar de sentimentos mais positivos à sua maternidade
fragilizada.
Força na espiritualidade
No presente estudo as mães destacaram o papel da espiritualidade no conforto à
estressante situação que experimentavam:
No outro dia a gente chegou lá, ela já estava tudo normal. Graças a
Deus! Eu peço muito a Deus, que se for um caso de vir a acontecer pra
'mim' estar preparada. Porque é muito difícil...(MA10).
Assim, não só o meu bebê, mas tem vários bebês lá e é uma lição de
vida que agente tem. Agente pode dizer que é uma lição, porque você
tem que ter fé, força e muita, é, assim, muita fé (MA4).
Eu chorava pedindo a Deus para cuidar dele, que eu tive muito medo de
perder ele, muito medo. (...) assim, que Deus já tinha preparado para
mim, sabe, assim, Deus já tinha me mostrado que tudo ia dá certo.
Deus é maravilhoso que deu tudo certinho (MA8).
A necessidade de adaptação da mãe e da família à difícil condição instalada
pelo nascimento de um filho prematuro sofre influência de diversos fatores.
Embora o vínculo com os aspectos espirituais sejam raramente e superficialmente
apontados em estudos semelhantes, é compreensível que essa dimensão esteja
presente para muitas mães, especialmente em um país de grande religiosidade,
como o Brasil. A expressão "Graças a Deus" permeou o discurso de 16 entre as 18
mães entrevistadas. É compreensível que diante dos sentimentos de insegurança,
culpa e tristeza vivenciados, as crenças e práticas religiosas sejam
importantes auxiliares para o enfrentamento e dos questionamentos, quase sempre
não explícitos, sobre o viver e o morrer.
Em um estudo com familiares de crianças gravemente enfermas, destacou-se que
essas famílias buscam através da fé atribuir significados às experiências
vividas e expressam, através de suas crenças religiosas a esperança de
resultados positivos(22). A necessidade de que o profissional de saúde, e
particularmente o enfermeiro, esteja receptivo e compreensível a esse olhar já
foi apontado em outros aspectos do cuidar pediátrico, em crianças com câncer
(23) e em crianças com insuficiência renal crônica(24). É importante que também
os profissionais que lidam com as famílias de recém-nascidos prematuros
compreendam o papel da religião e da espiritualidade da família no processo de
cuidar e tenham atitudes acolhedoras e desprovidas de preconceitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O nascimento de um filho prematuro representa uma experiência crítica para mães
e familiares e deve merecer, por parte das equipes de saúde, máximo zelo
possível com maximização dos cuidados destinados à recuperação da saúde do
bebê, mas também com valorização dos cuidados à família fragilizada. Os
resultados e análises registrados neste estudo podem fornecer importantes
subsídios para a mudança de práticas e melhor compreensão dos sentimentos
maternos em serviços de terapia intensiva, maternidades e ambulatórios de
seguimento para recém-nascidos prematuros ou de baixo peso.