Compreensão de enfermeiros de bordo sobre seu papel na equipe multiprofissional
de transporte aeromédico
INTRODUÇÃO
O Transporte Aeromédico é uma modalidade de deslocamento de paciente utilizada
principalmente quando se fala de enfermos em estado crítico e, em muitas
ocasiões, representa a única opção para que o indivíduo receba assistência em
um centro especializado nas suas afecções(1).
Sua origem advém de tempos remotos, principalmente das experiências de guerras
relacionadas à necessidade de remover de maneira rápida os feridos das
batalhas. Sua história teve início no ano de 1870, no campo militar, durante a
Guerra Franco-Prussiana, quando soldados feridos foram retirados usando-se
balões de ar quente. A eclosão da Primeira Guerra Mundial foi o marco histórico
da assistência aos pacientes por meio aéreo, mas o atendimento de enfermagem no
Transporte Aeromédico veio a ser implementado apenas na Segunda Guerra Mundial,
ocasião em que os feridos eram removidos em aviões de carga, com três leitos de
cada lado, assistidos por Flight Nurses, profissionais especializados nesse
tipo de atendimento(2).
Foi na segunda metade do século vinte que o Transporte Aeromédico apresentou um
crescimento vertiginoso, em virtude dos avanços tecnológicos no campo da
aviação e investimentos na capacitação de profissionais para atuarem nessa
especialidade(3).
No Brasil, essa atividade iniciou na década de 1960, ocasião em que a Força
Aérea Brasileira introduziu o resgate com uso de helicópteros, especialmente
para a busca de feridos de acidentes aeronáuticos. No meio civil, este tipo de
atendimento teve início com a Petrobrás, Grupo de Socorro de Emergência do
Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e Grupamento de Rádio Patrulhamento Aéreo
da Polícia Militar de São Paulo(3-4). No início da década de 1990, emergiu a
utilização do Transporte Aeromédico em larga escala, devido à necessidade
apresentada por pacientes críticos na busca por um melhor tratamento e
utilização de equipamentos mais avançados, aliada à globalização, que facilitou
o acesso a esse serviço na área da saúde(4).
A incessante busca pela qualidade reflete diretamente em diversas vertentes dos
prestadores de assistência, e, desta maneira, os serviços de transporte
aeromédico almejam cada vez mais o alcance da excelência. Nesse sentido, o
aumento da frequência de remoção aérea de pacientes em estado crítico inspira a
necessidade de desenvolvimento desta prática, inclusive rumo à busca de
profissionais qualificados e especializados para atuarem na equipe
multiprofissional de bordo, a qual é constituída pelo enfermeiro de bordo, o
médico de bordo e o piloto.
Com relação à participação do enfermeiro nesta equipe, a Associação de
Emergência de Enfermagem (Emergency Nurses Association) e a Associação Nacional
de Enfermeiros de Bordo (National Flight Nurses Association), nos EUA,
consideram fundamental que este profissional seja especificamente capacitado e
com vasta experiência de atuação com pacientes críticos(4).
No Brasil, a prática da enfermagem de bordo é amparada pela Lei nº 7.498/86,
que regulamenta o Exercício Profissional da Enfermagem. Nela, é estabelecido
que é privativo do enfermeiro a organização e direção da assistência direta ao
paciente crítico e onde sejam executadas atividades de maior complexidade
técnica(5).
Esta categoria profissional também encontra bases de cunho legal para sua
atuação nesta especialidade na Portaria GM 2.048 de 5 de novembro de 2002, a
qual determina, entre outros pontos referentes à temática, a capacitação
específica dos profissionais de transporte aeromédico(6).
No entanto, não basta treinamento e respaldo legal para a garantia de uma
atuação eficaz e eficiente deste profissional na especialidade em questão. O
reconhecimento do enfermeiro acerca do papel que desempenha como membro da
equipe multiprofissional de bordo contribui para a ocupação de qualidade de
mais esse espaço de atuação.
Um estudo publicado recentemente destaca que existem lacunas na produção de
conhecimento sobre o tema, salientando que as temáticas pouco abordam sobre a
regulamentação no tocante às atribuições do enfermeiro do enfermeiro de bordo e
recomenda a realização de investigações sobre a efetividade da assistência de
enfermagem no transporte aéreo de pacientes(7).
A história de tal atividade no Brasil justifica a escassez de estudos acerca da
temática, o que demonstra a necessidade de preencher essa lacuna. Ademais, o
transporte aeromédico é um recurso eficaz e valioso capaz de trazer benefícios
para a assistência de pacientes nas regiões mais distantes do país(3).
A partir das considerações até aqui colocadas, justifica-se a realização do
presente estudo, na busca apresentar construtos que possam subsidiar uma
prática consciente e transformadora por parte de enfermeiros de bordo, bem como
colaborar para a visibilidade da enfermagem como peça fundamental no transporte
aeromédico. Assim sendo, a pesquisa norteia-se pelo seguinte questionamento:
Como enfermeiros de bordo caracterizam o seu papel na equipe multiprofissional
de transporte aeromédico?
Para elucidar o problema de pesquisa, traçou-se como objetivo: Identificar a
compreensão de enfermeiros de bordo acerca de seu papel na equipe
multiprofissional de transporte aeromédico.
METODOLOGIA
O estudo foi realizado com base em abordagem qualitativa e descritiva, com a
participação de oito enfermeiros de bordo que prestam serviços a três empresas,
duas privadas e uma pública, de remoção aeromédica, da cidade de Curitiba-PR.
A seleção dos pesquisados deu-se em uma turma de Especialização
Multiprofissional Lato Sensu em Transporte Aeromédico de uma universidade
privada de Curitiba-PR. Usou-se como critérios de inclusão: ser enfermeiro e
ter experiência mínima de um ano na área aeroespacial. Assim, de um total de 28
alunos, doze eram enfermeiros, dentre os quais oito se enquadraram como
sujeitos e aceitaram participar da pesquisa.
A coleta de dados deu-se entre os meses de junho a agosto de 2009 por técnica
de entrevista semiestruturada, gravada em áudio. O instrumento norteador das
entrevistas foi composto por quatro questões abertas que visaram alcançar o
objetivo do estudo.
Os dados foram obtidos após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente sob o protocolo de nº. 3864/09,
CAAE 0060.0.081.000-09 e com assinatura de um termo de consentimento livre e
esclarecido pelos sujeitos com as informações da referida pesquisa.
Após a transcrição das falas obtidas com as entrevistas, os dados foram
submetidos à análise de conteúdo proposta por Bardin(8), obedecendo às etapas
de pré-análise, exploração e tratamento dos resultados. A partir da emersão das
categorias, realizaram-se discussões pautadas na literatura para fundamentar as
reflexões e exemplificadas com trechos das falas dos sujeitos codificados como
EE1, EE2, EE8.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise de conteúdo identificou as seguintes categorias: O enfermeiro gestor
da missão aeromédica; O enfermeiro prestador de assistência ao paciente na
missão aeromédica; e Competências fundamentais do enfermeiro de bordo.
A. O enfermeiro gestor da missão aeromédica
O processo de trabalho do enfermeiro é composto por diferentes subprocessos,
como assistir, administrar/gerenciar, ensinar, pesquisar e participar
politicamente(9). Assim, o gerenciamento faz parte da atuação deste
profissional como elemento fundamental para garantia de uma assistência de
enfermagem de qualidade, já que os subprocessos possuem articulação entre si.
A importância da atividade gerencial do enfermeiro no contexto do transporte
aeromédico é reconhecida pelos pesquisados, principalmente no que concerne ao
planejamento da missão, como ilustrado pelos seguintes trechos:
O enfermeiro vai desempenhar desde a parte da triagem, saber o que o
paciente precisa, pra você montar a aeronave [...] vai deixar o
material de acordo com aquela patologia apresentada pelo paciente. É
preciso fazer uma logística antes da decolagem, normalmente associado
com o médico. EE1
Todo o material, a conferência, a checagem, a troca, a reposição, o
cuidado, a validade, a antissepsia, tudo é função do enfermeiro. EE5
As atribuições desenvolvidas no transporte aeromédico fundamentam-se na
fisiologia do voo, agregando-se à experiência conquistada de cada enfermeiro em
outras instituições de trabalho, que tenham proporcionado conhecimento mínimo
em remoção aeromédica. Essas atividades estão dividas em três etapas: pré-
transporte; transporte propriamente dito e pós-transporte(4). Assim, o
gerenciamento realizado pelo enfermeiro de bordo permeia essas etapas e é
desenvolvido em consonância com os outros membros da equipe, a começar pela
escolha da aeronave a ser utilizada.
Os critérios logísticos de escolha do meio de transporte aéreo mais eficaz para
o caso são coerentes com as particularidades do atendimento, levando em conta:
alcance, comunicação no transporte, condições meteorológicas, custo,
disponibilidade de ambulância, equipamentos e materiais, espaço da cabine,
exigências de treinamento de pessoal, exigências especiais para o transporte,
resposta a desastres, segurança no transporte, tempo de resposta e triagem
clínica do caso, com observação da patologia, da evolução clínica e do custo-
benefício do transporte em cada atendimento(10).
Ainda na fase pré-transporte, existe a necessidade de prever e prover os
materiais e equipamentos a serem utilizados na missão, pois a configuração
interna é bastante variável, dependendo do tipo da aeronave(2). Médico e
enfermeiro devem realizar em conjunto a organização dos equipamentos, materiais
e medicamentos, estabelecendo sua disposição na aeronave e definindo a
composição mínima necessária para oferecer uma remoção segura e de qualidade
aos pacientes(4). A atenção com os materiais e equipamentos destinados à missão
é mencionada pelos sujeitos da pesquisa:
O enfermeiro tem que deixar a aeronave toda pronta antes do voo, e
para isso utiliza-se de um check-list para fazer a conferência de
todos os materiais e medicamentos que poderão ser utilizados. (EE6)
... desde a preparação da aeronave de acordo com o tipo do paciente a
ser transportado nessa missão, selecionando assim todos os materiais
que serão e poderão ser utilizados durante o voo, saber como está o
clima, o tipo de aeronave que será utilizado, pois se é um transporte
com trajeto curto vai utilizar um tipo de aeronave... (EE7)
A quantidade dos equipamentos, materiais e medicações utilizadas, bem como suas
seleções, pautam-se no grau de assistência que o paciente requeira, ou seja,
quanto mais grave o paciente, quanto maior a quantidade de problemas que possam
advir de sua patologia, maior a especificidade e o número de equipamentos.
Todos devem estar em perfeitas condições de uso, devendo-se considerar ainda, a
idade, a gravidade do estado e a indicação da remoção do paciente(2).
Uma vez sanada a fase de pré-transporte, o enfermeiro concentra-se nas
necessidades assistenciais do paciente durante o voo. É preciso, contudo,
ressaltar que o transporte propriamente dito compreende todo o trajeto
hospital-aeronave-hospital e a assistência ao cliente(4).
Esta etapa obterá sucesso quanto melhor organizada for a etapa anterior e este
fato é reconhecido pelos enfermeiros de bordo entrevistados:
O transporte ótimo é aquele em que a gente não tem que fazer nada
durante o transporte. A gente faz tudo praticamente. EE3
A finalização da missão aeromédica é efetivada não apenas com a entrega do
paciente à instituição destino, mas sim, a partir do momento em que tanto a
equipe quanto os meios utilizados estão aptos a um novo transporte. Nesta
última etapa, são realizadas a organização e reposição tanto da aeronave quanto
da ambulância (quando utilizada) que deverão estar prontas para uma nova missão
(4).
Nesta fase, cabe ao enfermeiro de bordo repor os materiais utilizados,
registrar dados do paciente, organizar o prontuário, solicitar limpeza da
aeronave, fazer a desinfecção dos materiais, encaminhar materiais para
esterilização e roupas usadas para a lavanderia(4).
Estas atividades são pontuadas pelos participantes da investigação, como pode
ser verificado nas colocações a seguir:
Terminando o transporte o enfermeiro deve realizar a desinfecção da
aeronave, repor os materiais utilizados, deixar tudo em ordem, para
não perder tempo numa próxima missão. EE6
No pós-transporte, o enfermeiro realiza a desinfecção da aeronave,
dos materiais utilizados, repõe os mesmos, de forma que a aeronave
fique pronta para próxima missão. EE7
... ainda tenho o cuidado com a organização dos equipamentos,
materiais, medicamento, relatórios de transportes, escala das equipes
e treinamentos. EE8
Identificou-se o cuidado como foco das atividades gerenciais desempenhadas
antes, durante e após o transporte aeromédico pelos enfermeiros de bordo do
estudo. Isto converge com a questão de que o cuidar e o gerenciar são
subprocessos complementares que constituem o processo de trabalho do
enfermeiro, não sendo viável dicotomizá-los. Assim, o cuidado é reconhecido
como fim, possível e necessário de ser gerenciado(11).
Passa-se, na categoria a seguir, a discorrer sobre o enfermeiro de bordo no
processo cuidativo propriamente dito.
B. O enfermeiro prestador de assistência ao paciente na missão aeromédica
A preocupação com o cuidado ao paciente a ser transportado é tida pelos
enfermeiros de bordo desde o momento do planejamento da aeronave até a chegada
do mesmo no serviço destino. Os sujeitos da pesquisa salientaram a importância
de se conhecer o indivíduo no concernente ao seu caso clínico para analisar a
viabilidade ou não do voo, como percebido no seguinte trecho:
Chegando ao hospital de origem você vai conversar com a enfermagem,
saber o que o paciente tem, fazer parte junto para saber se ele está
estável, verificar os dados vitais para decidir se é recomendado
mesmo o voo. EE1
A necessidade de uma avaliação minuciosa, assim como a estabilização do
paciente são, certamente, prioridades da equipe de remoção, que deve estar
familiarizada com os principais distúrbios respiratórios, cardiovasculares,
metabólicos e neurológicos que podem atuar como fatores negativos durante o
transporte(10).
Faz-se, a este ponto, uma aproximação com a Sistematização da Assistência de
Enfermagem (SAE) como instrumento a ser utilizado no cenário do Transporte
Aeromédico. A SAE é uma atividade privativa do enfermeiro, conforme dispõe o
Art. 11 da Lei n°. 7.498 de 25 de junho de 1986, referente ao Exercício
Profissional da Enfermagem e a Resolução 358/2009 do COFEN de 15 de outubro de
2009, que permite realizar a identificação das situações de saúde e doença,
subsidiando a prescrição e a implementação das ações de assistência de
enfermagem(5;12).
As características deste tipo de serviço requerem a realização da SAE com
especificidades que diferem das demais ambiências de inserção do enfermeiro,
tendo início no pré-voo, continuando durante o voo e tendo sua finalização na
entrega no paciente em seu destino. Ainda que os pesquisados não tenham
mencionado a SAE em todas as suas etapas como sendo de execução no seu
cotidiano, a fala anterior nos remete a uma de suas fases, o histórico de
enfermagem, conceituado como o levantamento de dados do ser humano que são
significativos para que o enfermeiro identifique seus problemas e,
consequentemente, planeje a assistência a ser prestada(13).
A importância desta fase da SAE fica também evidenciada na seguinte colocação
dos enfermeiros participantes do estudo:
A falta de informação sobre o caso clínico "real" do paciente
atrapalha o planejamento e andamento da remoção. EE8
Assim, mesmo que fragmentada, a SAE permite a avaliação do paciente pelo
enfermeiro antes da remoção, o que possibilita o planejamento da assistência,
oferece informações sobre a evolução clínica durante a remoção e pode servir
como fonte de dados para o hospital de destino, facilitando o estabelecimento
do plano de cuidados e prognóstico(2).
Outro aspecto salientado pelos sujeitos se refere à enfermagem como elemento
facilitador para a humanização durante o Transporte Aeromédico, como visto
nestas falas:
Eu vejo assim: que hoje o enfermeiro na nossa equipe tem uma função
bastante importante que é uma visão humana, [...] o produto final é a
satisfação do nosso cliente. EE2
O olhar do enfermeiro é muito diferente do médico, é muito diferente
do piloto. O enfermeiro tem um foco muito humano, muito maior do que
qualquer um desses profissionais, eu acho que isso também faz muito a
diferença do atendimento. EE4
Tais colocações encontram afinidade com o fato da enfermagem ser uma profissão
que alia ciência e arte e, portanto, além dos aspectos técnicos, caracteriza-se
pela expressão estética(4). Assim, a arte na Enfermagem é a forma como o
conhecimento, o julgamento e a habilidade são utilizados na área clínica(14).
Na Enfermagem, o padrão de conhecimento estético corresponde à sua arte, a qual
é expressiva, subjetiva e tem visibilidade no ato de cuidar, relacionando-se à
prática profissional expressa na relação enfermeiro-cliente(15).
Mesmo com esta percepção da abordagem estética da profissão, os enfermeiros não
deixam de enfatizar o conhecimento científico como essencial à sua prática no
Transporte Aeromédico, como pontuam as falas a seguir:
[...] o preparo deste profissional é muito importante, tem uma série
de coisas que o enfermeiro toma a frente, como a busca pelo
posicionamento do paciente dentro da aeronave, se o paciente vai
estar com a cabeceira elevada ou não, por exemplo. Isso exige
conhecimento específico. EE4
[...] todo o conhecimento técnico é fundamental, com alguns cursos,
algum estudo a mais, principalmente pós-graduação que hoje existe,
pra você aprimorar ainda mais isto, então acaba facilitando muito a
vida do enfermeiro nessa questão do Transporte Aeromédico. EE3
Portanto, muitos são os conhecimentos requeridos do enfermeiro de bordo e estes
sustentam habilidades e atitudes articuladas na prática cuidativa.
C. Competências fundamentais do enfermeiro de bordo
Competências podem ser compreendidas como mobilização de conhecimentos,
habilidades e atitudes no âmbito laboral(16). Os enfermeiros de bordo referiram
como sendo as principais competências deles requeridas: a comunicação e o
trabalho em equipe.
Comunicação
Na remoção aeromédica, um aspecto importante é o relacionamento com o público e
com diferentes profissionais. O enfermeiro de bordo tem contato com várias
pessoas durante a transferência do paciente a ele confiado em situações
adversas, devendo estabelecer um contato tranquilo e seguro, como também o
sigilo profissional necessário a cada caso(4).
O depoimento aqui utilizado como exemplo ilustra esta questão e coaduna com a
literatura:
[...] é bastante importante você chegar ao hospital e trazer muitas
informações: olha, o paciente, o nosso cliente, nos passou essas
informações, nós coletamos outras informações do hospital onde ele
estava, isso vai se somando [...] Então é assim, eu sou um dos elos
que é formado pelo médico, enfermeiro, piloto, as pessoas que nos
auxiliam em pista também, então unindo todos esses elos, nós possamos
chegar a uma forma mais concreta de trazer essa satisfação tanto para
a gente, quanto para o nosso paciente. EE2
A equipe de transporte deve obter o maior número de informações sobre o
paciente, para poder avaliá-lo e prepará-lo para remoção. Após sua avaliação, a
equipe informa o hospital de destino sobre os elementos necessários para a
recepção do aerorremovido. O hospital envia uma ambulância no horário previsto
para pouso da aeronave no aeroporto e esta transporta o paciente à instituição.
Ao chegar ao hospital, o enfermeiro de bordo realiza a passagem de informações
sobre o paciente e a entrega do relatório de enfermagem ao enfermeiro
responsável pelo paciente transportado(2).
A comunicação é um importante instrumento gerencial, cria uma linguagem única
que expressa os conceitos de várias disciplinas. Portanto, a comunicação gera
interação dos saberes e, simbolicamente, por meio da linguagem, questionam-se e
trocam-se informações que contribuem para formação de um projeto comum(17).
Nesse sentido, o enfermeiro mostra-se como articulador entre os diferentes
profissionais, uma vez que a comunicação é uma competência construída desde a
sua formação acadêmica, considerando seus papéis como elementos constituintes
da equipe multiprofissional e a falha da mesma entre os envolvidos no
transporte aeromédico pode dificultar o percurso do atendimento do cliente.
A comunicação é considerada uma ferramenta poderosa, um elo de ligação entre as
diferentes disciplinas, uma vez que as diferentes técnicas possibilitam
contribuição da dimensão de trabalho, de forma a melhorar os serviços
prestados, mas sem abolir as especificidades de cada profissional(17;18).
Trabalho em Equipe
O trabalho em equipe é uma modalidade de trabalho coletivo que consiste na
relação recíproca entre as intervenções técnicas e a interação dos agentes, de
forma a construir um projeto assistencial comum, formando assim a integração do
mesmo(18).
No Transporte Aeromédico, a sintonia do trabalho em equipe, com cada membro
exercendo funções participativas a bordo a fim de garantir um consenso nas
situações rotineiras e/ou emergenciais(10) é mencionado pelos pesquisados como
facilitador em sua atuação:
O que poderia pontuar de facilidade é ter um bom relacionamento com a
equipe, ter um [...] o entrosamento com a equipe facilita muito o
atendimento. EE5
[...] a parte que facilita eu acho que é essa sintonia [...] não
existe o degrau entre o médico e o enfermeiro, todo mundo tem que
estar orientado de todas as coisas EE4
Costumo dizer que a equipe em transporte passa a ser uma pessoa só.
Quando confiamos e estamos acostumados à dupla de voo, tudo flui
melhor, não é preciso falar, simplesmente olhar. EE8
O trabalho em equipe trata-se de uma prática fundamental para o sucesso da
assistência à saúde, a qual, por ser um processo dinâmico e complexo, necessita
de reflexões interdisciplinares para sua compreensão e sustentação de uma nova
prática(19). Desde os filósofos gregos, a ideia de interdisciplinaridade visa à
criação do homem integral, buscando unir os conhecimentos que vão se
fragmentando para construção de um saber que dê conta da totalidade, de uma
perspectiva pluralista e heterogênea, com olhar diferenciado(19).
No campo da saúde, muitas vezes cria-se uma visão corporativa, disciplinar e
unidimensional de forma a não explicar o processo saúde-doença com base na
totalidade do indivíduo. Porém, ao estabelece-se a relação de
interdisciplinaridade, tem-se a possibilidade de contextualizar o conhecimento
de forma a enfrentar melhor as complexidades, já que envolvem mudanças. Assim,
o trabalho em equipe permite intervenções que abordem várias dimensões da vida
social(19).
Ainda que o crescimento dos conhecimentos e formas de intervenção culminem em
uma especialização excessiva e, por conseguinte, na visão reducionista do ser
humano em diversos outros cenários de assistência à saúde, no Transporte
Aeromédico não há espaço para essa mentalidade linear de atuação profissional
(17).
É fato que a dificuldade de se criar um trabalho interdisciplinar possivelmente
faça parte de todos profissionais da equipe de saúde, visto que implica na
especificidade das atribuições de cada profissão, do seu saber e até que ponto
se deve aprofundar no trabalho em conjunto, de forma cooperativa(17).
Entretanto, os enfermeiros de bordo entrevistados possuem um discurso que
caminha para a percepção da necessidade de uma prática multiprofissional e
interdisciplinar, como percebido nesta fala:
[...] o trabalho é um trabalho muito conscientizado da importância de
cada um, e que cada um faz um trabalho singular dentro daquela
equipe, pra que tudo funcione direito, e se a gente buscar o trabalho
individualizado não funciona, todo mundo sabe que é fundamental o
trabalho de cada um, mas que todo mundo tem seu papel fundamentado
naquele processo. Então ninguém trabalha sozinha, mas todo mundo sabe
a função do outro. Não existe peso maior ou outro tipo de palavra que
caracterize qualquer um dos profissionais, todo mundo tem o seu
valor. EE4
Nota-se que os participantes do estudo mostram-se cônscios de suas
responsabilidades e atribuições, porém buscam articulá-las aos saberes dos
demais membros da equipe em prol de uma assistência ao paciente em sua
totalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista o objetivo proposto, foi possível identificar a compreensão que
enfermeiros de bordo possuem acerca de seu papel na equipe multiprofissional de
transporte aeromédico.
Os achados desta investigação permitem afirmar que o enfermeiro do Transporte
Aeromédico destaca-se como elemento que atua com uma visão hologramática da
equipe no atendimento à totalidade das necessidades de saúde do indivíduo. Sua
prática profissional deve ultrapassar as bases mecânicas, agregando a expressão
e a subjetividade na realização do cuidado.
Neste campo de ação, a interdisciplinaridade é componente fundamental. Contudo,
a discussão sobre a interdisciplinaridade na área da saúde, principalmente na
enfermagem, ainda é incipiente diante da jornada que conduz ao rompimento do
paradigma reducionista vigente.
Deste modo, o enfermeiro, como membro da equipe multiprofissional de saúde que
transporta pacientes por meio de aeronaves, defronta-se com demandas e desafios
que requerem deste profissional competências que o respaldem em situações
adversas e independência nas tomadas de decisões, além de alto grau de
conhecimento, atitudes e habilidades específicas para exercer esta função.
O transporte aeromédico é uma das mais significativas aquisições da aviação. De
origem militar, para soldados feridos em combate, teve nas guerras períodos
marcantes de impulso tecnológico. O que foi aprendido nos campos de guerra e
transposto para a medicina civil permite a utilização crescente deste recurso.
Diante disto, espera-se que os conhecimentos produzidos com esta pesquisa,
ainda que embrionários, instiguem enfermeiros de bordo à reflexão de sua
prática e sirvam de subsídios para outros estudos que abarquem esta temática.