Formação ética dos enfermeiros: qual a realidade Portuguesa?
INTRODUÇÃO
A finalidade deste trabalho de investigação incidiu na reflexão ética sobre a
problemática em torno do Homem enquanto educador, enquanto educando e enquanto
Pessoa, baseada na análise dos fundamentos e atitudes éticas que devem fazer
parte da realidade encontrada no cotidiano dos profissionais de Enfermagem e,
precedentemente, na formação inicial dos mesmos. Com base nestes pressupostos,
pretendemos: conhecer os conteúdos dos programas curriculares do ensino da
Ética e da Deontologia nas Licenciaturas em Enfermagem em Portugal; desenvolver
uma reflexão crítica sobre os conteúdos dos programas curriculares do ensino da
Ética e da Deontologia nas licenciaturas em Enfermagem em Portugal.
REVISÃO DA LITERATURA
Atualmente, em Portugal, estamos perante uma época de transformações políticas
e educacionais que se traduzem e refletem na implementação do 'Processo de
Bolonha'(1).
O chamado Processo de Bolonha iniciou-se informalmente em Maio 1998,
com a declaração de Sorbonne, e arrancou oficialmente com a
Declaração de Bolonha em Junho de 1999, a qual define um conjunto de
etapas e de passos a dar pelos sistemas de ensino superior europeus
no sentido de construir, até ao final da presente década, um espaço
europeu de ensino superior globalmente harmonizado(1).
Portugal foi um dos primeiros a adotar o Processo de Bolonha, no entanto ,no
Brasil, também há indícios que irá adotá-lo.
Há indícios da influência do Processo de Bolonha no Brasil, pois em
2008 o Governo Federal divulgou a intenção de desenvolver uma
política educacional de natureza supranacional com a criação de
quatro universidades públicas federais, comprometidas com a promoção
da inclusão social e da integração regional por meio do conhecimento
e da cooperação solidária(2).
O Processo de Bolonha irá desembocar numa harmonização generalizada
das estruturas educativas, que asseguram as formações superiores numa
Europa de, actualmente, 45 países. Nesse enquadramento, os sistemas
de ensino superior deverão ser dotados de uma organização estrutural
de base idêntica, oferecer cursos e especializações semelhantes e
comparáveis em termos de conteúdos e de duração, e conferir diplomas
de valor reconhecidamente equivalente tanto académica como
profissionalmente. [...] Adopção de um sistema assente essencialmente
em dois ciclos, incluindo: um primeiro ciclo, que em Portugal conduz
ao grau de licenciado, com um papel relevante para o mercado de
trabalho europeu, e com uma duração compreendida entre seis e oito
semestres; e um segundo ciclo, que em Portugal conduz ao grau de
mestre, com uma duração compreendida entre três e quatro semestres
(1).
Na prática diária, verificamos a necessidade emergente de formar profissionais
com competências éticas que, associadas a outras, como as de cariz técnico,
permitam a excelência dos cuidados. Deste modo, propomo-nos enfrentar o desafio
de conhecer a realidade da formação inicial dos enfermeiros na tentativa de
fornecer uma contribuição para suprimir possíveis lacunas que estarão na base
dessa realidade. Chamamos ainda a atenção que em Portugal a formação acadêmica
de profissionais de saúde é totalmente compartimentada, sem comunicação entre
eles, como no modelo de integralidade brasileiro.
Entendemos que seja necessário primeiramente, desconstruir o conceito
de autonomia profissional como ele tem se apresentado até o momento,
e que aponta para saberes e fazeres estanques, autodelimitados, o que
produz uma antinomia absoluta entre dependência e independência
profissional. E, contrariamente à oposição simplificadora entre uma
autonomia sem dependência e um determinismo de dependência sem
autonomia [...] ou seja, como resultante de sua própria complexidade
o contexto da saúde gera dependências profissionais múltiplas, visto
que a noção de autonomia é sempre relativa e relacional. Sendo assim,
cabe-nos pensar em responsabilidades profissionais diferenciadas,
todas, no entanto, voltadas, em um esforço coletivo, para a
preservação da vida e da saúde do ser humano(3).
A Enfermagem é uma profissão que centraliza a sua ação nas pessoas, devendo
basear-se num discurso ético que encara a sua atividade como um bem para a
sociedade. Esta se centra na relação interpessoal entre um enfermeiro e uma
pessoa ou um grupo de pessoas. Collière referia que a prática de cuidados é
encarada como sendo essencial para o crescimento e para a realização do ser
humano(4). Desta forma, o cuidado humano está imbuído dos valores de defesa da
vida, os quais colocam, em primeiro lugar, a liberdade, o respeito e a
responsabilidade.
Uma das principais finalidades do ensino em Enfermagem consiste na preparação
dos estudantes para um mundo marcado por complexos dilemas éticos, suscitados
pela atividade científica e tecnológica.
O documento Recomendações relativas ao ensino da Ética e Deontologia no curso
de Enfermagem salienta que: "o percurso de formação inicial deve responder às
competências do enfermeiro de Cuidados Gerais, designadamente às do domínio da
prática profissional, ética e legal"(5).
O perfil de competências do enfermeiro de cuidados gerais foi publicado em 2003
em concordância com o perfil de competências proposto pelo International
Council of Nurses (ICN), o que facilita a comparação com a Enfermagem Européia.
Assim, a Ordem dos Enfermeiros define que: "O exercício profissional de
Enfermagem centra-se na relação interpessoal entre um enfermeiro e uma pessoa,
ou entre um enfermeiro e um grupo de pessoas (família ou comunidades)"(6).
As Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais, definidas pela Ordem dos
Enfermeiros(6), estão divididas em três domínios: "Prática profissional, ética
e legal", "Prestação e gestão de cuidados" e "Desenvolvimento profissional".
Esses domínios estão estruturados em subdomínios. Neste trabalho centrar-nos-
emos no domínio da "Prática profissional, ética e legal", particularmente no
subdomínio da "Prática segundo a ética".
Assim, no espaço das competências definidas pelo Conselho de Enfermagem da
Ordem dos Enfermeiros para o domínio da "Prática profissional, ética e legal",
o licenciado em Enfermagem tem de possuir as competências do subdomínio da
Responsabilidade, ou seja, aceita a responsabilidade e responde pelas suas
ações e pelos juízos profissionais que elabora.
Desde o seu surgimento, até aos nossos dias, a Enfermagem tem sido fundada em
bases sólidas e em valores que trespassam o tecnicismo e o conhecimento
científico. Surge, enquanto área epistemológica independente no séc. XIX, com
F. Nightingale, e desde logo com a necessidade de enraizamento de seus atos na
humanização e na hospitalidade, tão insistentemente já focadas pelos Irmãos de
São João de Deus.
A Postilla Religiosa e Arte de Enfermeiros foi o primeiro manual de formação em
cuidados de Enfermagem de que há notícia em Portugal(7). Nessa obra, há
questões de Enfermagem que convergem para os princípios éticos, nomeadamente as
regras da competência, que estabelecem o caminho para a excelência do cuidado,
os padrões de excelência de cada ato de cuidar e as questões deontológicas(8),
afirmando que é preciso equacionar as regras gerais e as decisões éticas/morais
tomadas na prática.
Quanto aos pressupostos da educação ética no ensino superior destacamos no
artigo 1º da Declaração Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI: Visão
e Ação, proclamada pela UNESCO, afirmando que o ensino superior para o próximo
século tem como missão: "Educar e formar pessoas altamente qualificadas,
cidadãs e cidadãos responsáveis, capazes de atender às necessidades de todos os
aspectos da atividade humana"(9).
Ainda no que se refere à educação superior, realçamos as Guidelines for quality
Provision in cross border Higher Education que têm o intuito de recomendar
linhas orientadoras para os governos, as instituições de ensino superior e
outros corpos ligados ao ensino. Esse documento refere que "os estabelecimentos
de ensino devem satisfazer as novas necessidades educativas, profissionais e
sociais de uma sociedade de conhecimentos mundial e dar resposta à evolução
dela resultante"(10).
A necessidade de formação foi vista como a base de transformação da educação,
sustentando a convicção de que para alterar a educação e a saúde seria
necessário transformar a formação dos profissionais.
Formação em ética em Enfermagem
A Ordem dos Enfermeiros Portugueses refere que a formação inicial em Enfermagem
deverá garantir a aquisição de competências profissionais de acordo com o
quadro legal (11), Regulamento do Exercício para a Prática de Enfermagem(12) e
o quadro de referência da profissão (os Padrões de Qualidade dos Cuidados de
Enfermagem: enquadramento conceptual e enunciados descritivos(8) e as
Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais)(6), aprovado pela Ordem dos
Enfermeiros em 2002.
Convém não só referenciar a importância da legislação, mas também salientar que
as referências político-pedagógicas portuguesas, como o Plano Nacional de
Educação, as orientações da educação e a proposta pedagógica nos currículos das
licenciaturas em Enfermagem devem efetivar todas as recomendações relativas à
educação em Enfermagem, nomeadamente as recomendações emanadas pela Ordem dos
Enfermeiros. De igual modo, o ensino de Enfermagem no Brasil parece adotar
legalmente melhorias pedagógicas, orientando-se, em nosso entender, para uma
visão emancipatória das comunidades que nos documentos portugueses não é tão
visível(3,13).
A aplicação e o seguimento destas políticas exercem um papel de destaque na
proposta pedagógica nos currículos de Enfermagem, uma vez que os enfermeiros
serão prevenidos para a aquisição e desenvolvimento das competências éticas de
forma a enfrentar os problemas reais e atuais na atividade profissional diária.
Segundo a Ordem dos Enfermeiros, a formação inicial em Enfermagem deverá
garantir a aquisição de competências profissionais em conformidade com o quadro
de referência da profissão, aprovado pela Ordem dos Enfermeiros em 2002,
habilitando para o exercício autónomo e possibilitando o desenvolvimento
subseqüente de competências(5).
MÉTODO
Esta investigação sobre o ensino da Ética e Deontologia nas licenciaturas em
Enfermagem em Portugal é um estudo do tipo descritivo, exploratório, que
implicou uma pesquisa aprofundada dos planos de estudos das disciplinas e/ou
unidades curriculares e seus respectivos conteúdos programáticos, que tenham
como finalidade esse ensino.
Para este estudo, foram considerados vários documentos: documentos legislativos
portugueses, como o Decreto-Lei n.º 247/2009 que atualiza e regulamenta a
Carreira de Enfermagem(11), o Regulamento do Exercício Profissional dos
Enfermeiro com o Código Deontológico do Enfermeiro(12) e os domínios das
competências do enfermeiro de cuidados gerais regulamentados pelo Conselho de
Enfermagem, especificamente, no domínio "Prática profissional, ética e legal",
subdomínio "Prática segundo a ética"(6).
Para a realização deste trabalho no enquadramento conceitual, efetivou-se a
consulta e a leitura de obras completas e de vários textos, visando à
compreensão e à interpretação das obras dos autores escolhidos. Também foram
feitas consultas e leituras de documentos e outras obras literárias e
científicas que abrangiam a temática em estudo. A consulta incluiu, ainda, os
planos de estudo de todos os estabelecimentos de ensino de Enfermagem em
Portugal, em vigor até a data da coleta dos dados(14).
No levantamento dos estabelecimentos de ensino e sua oferta formativa no que
respeita à Ética e Deontologia, utilizou-se uma metodologia mista, não só de
tipo quantitativo. Para a análise documental dos programas curriculares e
conteúdos programáticos fez se uso de estratégia de tipo qualitativo, por meio
da análise de conteúdo segundo Bardin(15). A análise do conteúdo foi feita com
base em três categorias temáticas: Ética, Bioética e Deontologia, criadas à luz
do documento Recomendações Relativas ao Ensino da Ética e Deontologia no Curso
de Enfermagem(6).
Todos os conteúdos programáticos foram submetidos a análise crítica à medida
que iam sendo recolhidos. Tendo por base o objetivo do estudo, procedeu-se à
análise dos documentos já referidos. Dessa análise resultou a definição de três
categorias: Ética, Deontologia e Bioética. De acordo com o Conselho
Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, o ensino destas três categorias torna-
se peremptório na sociedade hodierna.
Atendendo aos objetivos deste estudo e tendo por base as Recomendações
relativas ao ensino da Ética e da Deontologia, documento emanado pelo Conselho
de Enfermagem da Ordem dos Enfermeiros, decidimos agrupar o ensino da Ética e
Deontologia nas três categorias já referidas, com suas subcategorias que
passamos a enunciar (Quadro_1).
Procedimentos de seleção
Neste estudo, a população é constituída por todos os estabelecimentos (Escolas
Superiores de Saúde, Institutos Politécnicos e Universidades) portugueses,
públicos e privados, que oferecem a licenciatura em Enfermagem. A primeira
limitação com que nos confrontamos foi a pouca adesão dos estabelecimentos de
ensino de Enfermagem à participação neste estudo: das 42 solicitações, apenas
22 participaram.
Numa fase exploratória, fizemos a recolha de informação relativa ao número de
estabelecimentos portugueses que lecionam a licenciatura em Enfermagem, no ano
letivo de 2007/2008. A informação foi obtida através do site de acesso ao
Ensino Superior. A partir desta listagem, acedemos aos planos de estudos das
licenciaturas em Enfermagem, que estão expostos em Diário da República, na
Série I, em formato eletrónico.
Em seguida, procedeu-se à consulta dos planos de estudo, recolhidos nas
portarias em vigor que regulamentam as licenciaturas em Enfermagem, publicados
em Diário da República, relativos a todos os estabelecimentos, perfazendo um
total de 42 planos de estudo. Neste caso, a fonte utilizada foi a pesquisa de
documentos oficiais, documentos emitidos por uma "autoridade
pública" (Diário da República); trata-se de documentos que não receberam,
até à data, qualquer tipo de tratamento analítico.
Posteriormente, demos continuidade à análise inicial de todos os planos de
estudo, para verificar qual a tipologia e denominação dada às unidades
curriculares nas vertentes da Ética, Deontologia e Bioética.
No ofício enviado, além de enunciar os objetivos da investigação, explicitava-
se o âmbito do estudo, comprometendo-nos ao tratamento sigiloso dos dados e à
confidencialidade do estabelecimento, como é exigido no Código Deontológico do
Investigador. Assim, desta recolha de informação, nos 22 estabelecimentos de
ensino, efetuamos a compilação de 24 programas curriculares com os respectivos
conteúdos programáticos. Salientamos que todos os estabelecimentos de ensino
enviaram os conteúdos programáticos/programas curriculares relativos ao ano
lectivo de 2006/2007, evitando incoerência entre o fornecido e o lecionado.
Para realizar esta análise, procedemos à codificação dos estabelecimentos de
modo a manter o seu anonimato. Assim, atribuímos a cada estabelecimento um
número, precedido de uma letra. A letra B designa os estabelecimentos onde o
Processo de Bolonha já se encontra implementado. O conjunto das letras PB, para
a designação dos estabelecimentos de ensino que têm em vigor o antigo regime;
neste estudo, foi considerado como de pré-Bolonha.
RESULTADOS
Em Portugal, a licenciatura em Enfermagem estrutura-se em quatro anos letivos.
Verificamos que, dos 22 estabelecimentos estudados, 8 são estabelecimentos
privados e 14 estabelecimentos públicos.
Ao longo da investigação, dentro da categoria Ética, foram analisadas três
subcategorias, nomeadamente, a Ética Principialista, a Ética das virtudes e a
Axiologia. Na subcategoria da Ética Principialista, incluímos os Princípios
Éticos, os Fundamentos da Ética e as Teorias da Ética.
O gráfico_1 permite constatar que a subcategoria que mais se repete é a Ética
Principialista, na qual estão incluídos os Fundamentos. A subcategoria da
Axiologia ocorre em 13 unidades curriculares. A subcategoria Ética das virtudes
é a que menos se repete, sendo lecionada em apenas 8 unidades curriculares.
Verificamos, também, que essas subcategorias são lecionadas não apenas na
unidade curricular designada "Ética", mas também "Bioética", "Enfermagem:
Profissão, Carreira e Deontologia", "Enfermagem", "Epistemologia de Enfermagem"
e "Bioética e Deontologia".
![](/img/revistas/reben/v65n4/a15gra1.jpg)
A categoria Deontologia, na qual incluímos a subcategoria de Código
Deontológico (em Enfermagem), está patente em 21 estabelecimentos. (Gráfico_2)
[/img/revistas/reben/v65n4/a15gra2.jpg]
[/img/revistas/reben/v65n4/a15gra3.jpg]
O ensino da categoria Bioética está presente em todos os estabelecimentos que
fazem parte deste estudo. Tal como se verificou com as outras categorias, as
designações atribuídas às disciplinas/unidades curriculares nem sempre
correspondem à categoria nomeada, ou seja, a categoria de Bioética é muitas
vezes lecionada na unidade curricular de "Ética", "Ética e Deontologia" e
"Bioética e Deontologia".
Verificamos que há variabilidade de nomes para definir as unidades
curriculares, assim como os conteúdos nelas inseridos. Também existe uma grande
discrepância na carga letiva atribuída nas diferentes áreas curriculares.
Em termos globais, a categoria Ética é abordada nos 22 estabelecimentos
estudados. No entanto, há grande variedade entre os estabelecimentos. Nos
cursos de Enfermagem adaptados ao Processo de Bolonha, esta categoria é
lecionada exclusivamente no 1º ano curricular (Gráfico_4).
[/img/revistas/reben/v65n4/a15gra4.jpg]
DISCUSSÃO
À data de realização deste estudo, apenas existiam três outros estudos sobre
este assunto, em Portugal. A discussão dos dados por nós obtidos serão, pois,
confrontados com os obtidos nesses estudos, bem como com os de alguns estudos
brasileiros.
Dos 22 estabelecimentos estudados, apenas 5 deles contemplam todas as
subcategorias das categorias analisadas: dois (PB6 e PB7) no processo de pré-
Bolonha e três (B5, B7, B8) estabelecimentos com a adequação ao Processo de
Bolonha apresentam, nos seus conteúdos programáticos/programas curriculares,
todas as categorias analisadas nesta investigação, nomeadamente, a Ética, a
Deontologia e a Bioética, ou seja, apenas cinco estabelecimentos seguem todas
as recomendações preconizadas pela Ordem dos Enfermeiros.
A categoria analítica mais repetida ao longo da licenciatura em Enfermagem é a
Bioética: em 33 disciplinas/unidades curriculares dos 22 estabelecimentos. A
Ética está presente em 23 disciplinas/unidades curriculares e a Deontologia em
21 disciplinas/unidades curriculares, divididos entre os estabelecimentos em
regime de pré-Bolonha e com a adequação ao Processo de Bolonha.
Em termos globais, a categoria Ética é abordada nos 22 estabelecimentos, em 24
disciplinas/unidades curriculares distribuídas entre o 1º e o 3º ano, com
prevalência no 1º ano, independentemente de ser adaptado ou não ao Processo de
Bolonha. Enquanto nos estabelecimentos onde a licenciatura em Enfermagem já
está adaptada ao Processo de Bolonha é exclusivamente lecionada no 1º ano,
naqueles em regime pré-Bolonha prevalece no 1º e 2º anos.
A categoria Deontologia está presente em 21 estabelecimentos, apenas um não a
contemplando. O ensino desta categoria acontece, sobretudo, no 1.º e no 4.º ano
da licenciatura nos estabelecimentos com regime pré-Bolonha. Nos que se
encontram adequados ao Processo de Bolonha, é lecionada apenas no 1º ano.
A categoria Bioética é lecionada em todos estabelecimentos, em 34 disciplinas/
unidades curriculares, sendo semestral em 33 destas disciplinas/unidades e
anual apenas numa (pré-Bolonha). Sendo lecionadas entre o 1.º e o 4.º ano, a
predominância ocorre entre o 1.º e o 3.º ano.
As designações atribuídas às disciplinas/unidades curriculares nem sempre
correspondem à categoria nomeada. Os conteúdos programáticos/programas
curriculares correspondentes à categoria de Bioética são muitas vezes
lecionados em disciplinas ou unidades curriculares de Ética, Ética e
Deontologia, assim como em Bioética e em Deontologia.
Estes resultados vêm reafirmar o já mencionado no estudo de Neves e Barcelos
(16), que constatou que não existe nenhum padrão de organização e/ou
estruturação do ensino da Ética. Também não se verificou a aplicação de
orientações supra-instituicionais. No entanto, o estudo de Reis(14) dá sinais
de algumas mudanças aliadas à adaptação ao Processo de Bolonha. Neste mesmo
estudo somente em estabelecimentos adaptados ao Processo de Bolonha verificamos
a presença das três categorias.
Somente 12 estabelecimentos de ensino tinham expresso os princípios éticos nos
conteúdos lecionados/programas curriculares. No entanto, esta importância é,
também, confirmada pelo estudo de Rocha(19), onde se defende que a inserção dos
princípios éticos no currículo de Enfermagem é crucial na formação para a
tomada de decisão ética. A denominação dada às unidades curriculares é muito
diversificada; no entanto, nos estabelecimentos de ensino adaptados ao Processo
de Bolonha, tende a existir alguma uniformidade.
Também verificamos a existência de uma variedade de terminologias dadas às
disciplinas/unidades curriculares, que têm como finalidade o ensino da Ética, o
que indica que é preciso recaucionar, de forma a uniformizar as definições e
conteúdos programáticos/programas curriculares. Esta diversidade foi já focada
num estudo de Franco(18) que apontou haver pouca clarificação na terminologia
empregue e na definição das disciplinas/unidades curriculares. Estes fatos têm
dificultado a comparação de dados entre estabelecimentos.
No que respeita ao ensino graduado de Enfermagem no Brasil, a literatura indica
para diferenças consideráveis quanto à lecionação destas áreas na organização
curricular dos cursos, face a Portugal. Assim, o ensino da ética, no Brasil,
tende a ser distribuído ao longo do curso em vez de ser centrado em um momento
único da formação dos enfermeiros; há um enfoque na interdisciplinaridade que
não é explícito nos documentos portugueses e, certamente difícil de acontecer
na prática, com exceção dos estágios onde tal pode tentar ser realizado por
alguns docentes(19).
Alguma literatura brasileira aponta para algo que também detetamos em nosso
estudo: uma falta de fundamentação na formação dos enfermeiros no que respeita
às questões éticas, bioéticas e deontológicas,e que desenvolveremos de seguida
(19-20).
CONCLUSÃO
Perante estes resultados, é nossa intenção ressaltar a importância de seguir,
na formação superior de enfermeiros, as orientações preconizadas no documento
Recomendações Relativas ao Ensino da Ética e Deontologia no Curso de Enfermagem
editadas pela Ordem dos Enfermeiros. Este documento indica, como já referido,
temas de interesse para o ensino da Ética, Deontologia e Bioética. Não refere
que devem ser lecionados no primeiro ou em outro ano letivo, mas preconiza que
primeiro deve ser a Ética, a Deontologia e posteriormente a Bioética. Do nosso
ponto de vista, a lecionação de Bioética, seguida da Deontologia talvez não
fosse pior. Mas sem dúvida que o ideal seria uma integração interdisciplinar,
supervisionada por um ccordenador com formação específica nestas áreas(13,19).
O principal problema que encontramos no nosso estudo (mencionado nos estudos
brasileiros já referidos) é, por um lado, uma falta de fundamentação sobretudo
filosófica que se encontram nos curricula por nós estudados, e, por outro lado,
uma pluralidade de pseudo-fundamentação, em alguns casos estudados, sem a
profundidade exigida. Por nossa parte, defendemos que deverá haver, em
Portugal, uma base de fundamentação comum a todos os programas destas áreas,
nomeadamente o pensamento de Jean Watson(14) e a filosofia personalista(de
Emmanuel Mounier(14), além de outros autores que cada instituição poderá dotar.
Aprender a aprender exige percebermos quais são as nossas crenças e
pressupostos teóricos que subjazem os princípios bioéticos, em vez de os
recitar como um mantra. Sem tal aprofundamento, as incertezas com que os
enfermeiros se encontram no seu quotidiano decorrerão dessa falta de
fundamentação(19-20).