Significado atribuído por trabalhadores da saúde de Belo Horizonte-MG ao
princípio da resolutividade nas ações cotidianas
INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS) instituído com a promulgação da Constituição
Brasileira de 1988 é baseado na assertiva da saúde como direito de todos e
dever do estado. Ele é considerado atualmente um dos maiores sistemas públicos
de saúde do mundo e é chamado de sistema único porque segue os mesmos
princípios em todo o território nacional, sob a responsabilidade dos governos
federal, estadual e municipal, tendo como objetivo comum atividades de
promoção, proteção e recuperação da saúde(1).
Atualmente, o SUS atinge todo o país, graças ao processo de municipalização,
que transferiu recursos e responsabilidades das esferas federal e estadual
diretamente aos municípios(2).
Com a criação do SUS surge um conceito de saúde mais amplo, no qual a saúde
passa a ser considerada como um componente da qualidade de vida, e não apenas,
ausência de doença. Dessa forma, dados relacionados aos fatores sociais,
ambientais, econômicos e educacionais, que podem gerar enfermidades, tornam-se
relevantes durante o contato dos profissionais de saúde com usuários do sistema
(3).
Este sistema possui importância no quadro sanitário brasileiro, não somente
como estrutura de organização da área da saúde ou modelo teórico de atendimento
à clientela, mas especialmente pela mudança que a sua instituição trouxe para o
direcionamento das formas de pensar, conceber e realizar a assistência à saúde
no país(4).
A criação do SUS pode ser considerada uma "carta fundadora" de uma nova ordem
social no âmbito da saúde. Ele é norteado por princípios doutrinários e por
princípios organizativos(1;5) baseados, por sua vez, nos princípios da
universalidade e igualdade, e organizado sob as diretrizes da descentralização,
atendimento integral e participação da comunidade(1).
Universalidade, equidade e integralidade são os princípios doutrinários do SUS
(1).
A universalidade refere-se ao direito de todas as pessoas ao atendimento
independente da cor, religião, local de moradia, situação de emprego ou renda,
ou seja, a saúde é considerada direito de cidadania e dever dos governos
municipal, estadual e federal(5).
O princípio de eqüidade reconhece que todo cidadão é igual perante o SUS que,
por sua vez, deve considerar que cada grupo populacional vive de forma
diferente, possui problemas específicos, com diferenças no modo de viver, de
adoecer e de dispor de oportunidades para satisfazer suas necessidade de vida
(5).
A integralidade preconiza que o atendimento deve ser feito para a saúde do
indivíduo e não só para sua doença. As ações de promoção, prevenção e
reabilitação devem ser focadas no todo indivisível(5).
Os princípios organizativos são definidos como: regionalização e
hierarquização, descentralização, controle social, complementaridade do setor
privado e resolutividade(5).
Regionalização e hierarquização referem-se à forma de organização que deve
permitir um conhecimento maior dos problemas de saúde da população de uma área
delimitada, e favorecer ações de vigilância epidemiológica, sanitária, controle
de vetores, educação em saúde, além das ações de atenção ambulatorial e
hospitalar em todos os níveis de complexidade(5).
A descentralização refere-se à redistribuição das responsabilidades às ações e
aos serviços de saúde entre os vários níveis de governo(5).
O controle social, também entendido como participação dos cidadãos, deve ser
entendido como a garantia constitucional de que a população, por meio de
entidades representativas, deverá participar do processo de formulação das
políticas de saúde e do controle de sua execução, em todos os níveis, desde o
federal até o local(5).
O princípio da resolutividade é definido como a exigência de que, quando um
indivíduo busca atendimento ou quando surge um problema de impacto coletivo
sobre a saúde, o serviço correspondente esteja capacitado para enfrentá-lo e
resolvê-lo até o nível de sua complexidade(5).
A resolutividade é avaliada a partir dos resultados obtidos no atendimento dos
usuários(6). Para um serviço ser resolutivo ele deve ser capaz de modificar
positivamente a condição de saúde de um indivíduo, família ou de um grupo(7),
assim ela deve ocorrer considerando o modelo hierarquizado por níveis de
atenção do SUS(6).
O nível primário é qualificado para realizar intervenções com enfoque
preventivo, comunitário e coletivo, ou seja, os principais problemas que
demandam serviços de saúde. Os casos que não puderem ser resolvidos neste nível
são referenciados para o nível secundário, que se destina a desenvolver
atividades assistenciais nas quatro especialidades médicas básicas: clínica
médica, ginecologia e obstetrícia, pediatria e clínica cirúrgica, além de
especialidades estratégicas, nas modalidades de atenção ambulatorial,
internação, urgência e reabilitação. Já os casos mais complexos são destinados
ao nível terciário, que se caracteriza pela maior capacidade resolutiva, nas
modalidades de atendimento ambulatorial, internação e urgência(8).
Supõe-se que, quanto maior a resolutividade de um serviço, mais ele está
voltado e preparado para atender as necessidades de saúde da população, mesmo
que isto signifique encaminhá-lo para outro serviço, para que ocorra a
continuidade do atendimento. Para ser considerada resolutiva, a Unidade de
Saúde deve ser capaz de atender à demandas e encaminhar os casos que necessitem
de atendimento mais especializado para os outros níveis(6).
Deste modo, compreende-se que a resolutividade deve se estender desde a
consulta inicial do usuário no serviço de atenção primária à saúde até a
solução de seu problema em outros níveis de atenção à saúde(6). Mas, como os
profissionais de saúde, que trabalham no SUS, têm percebido a resolutividade no
cotidiano de suas ações?
A fim de responder essa indagação, o objetivo deste estudo é compreender o
significado atribuído pelos profissionais da rede hierarquizada de saúde de
Belo Horizonte-MG ao princípio da resolutividade nas ações cotidianas de saúde.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de caso de caráter qualitativo, fundamentado na
sociologia compreensiva. A utilização da abordagem qualitativa possibilita a
compreensão das experiências vividas por uma população em estudo. A sociologia
compreensiva busca entender o dado social, relativizando-o, pois este,
fundamentado no aqui e agora, possui diversas interpretações e várias
nuanças.Ela propõe a subjetividade como fundante de sentido e defende-a como
constitutiva do social e inerente ao entendimento objetivo, e não se preocupa
com os processos de quantificação, mas em explicar os meandros das relações
sociais consideradas essência e resultado da atividade criadora, efetiva e
racional(9).
O universo das investigações qualitativas são o cotidiano e as experiências do
senso comum, interpretadas e reinterpretadas pelos sujeitos que as vivenciam
(9), uma vez que a sociedade não é apenas um sistema mecânico de relações
econômico-políticas ou sociais, mas um conjunto de relações interativas,
composto por afetos, emoções, sensações que constituem, stricto sensu, o corpo
social(10) No cotidiano da existência das pessoas, as coisas não acontecem com
a formalidade que a organização e o discurso dos teóricos querem que aconteçam,
"o que permite as várias nuanças que ocorrem das macroestruturas às
microestruturas, tentando relativizar as duas"(11).
O estudo de caso se apresenta como estratégia adequada, quando se trata de
questões nas quais estão presentes fenômenos contemporâneos inseridos em
contextos da vida real e podem ser complementados por outras investigações de
caráter exploratório e descritivo. Ele é utilizado como estratégia de pesquisa
nos estudos organizacionais e gerenciais, contribuindo, de forma inigualável,
para a compreensão de fenômenos complexos, nos níveis individuais,
organizacionais, sociais e políticos, permitindo a preservação das
características significativas dos eventos da vida real(12). Buscou-se, neste
estudo, alcançar o nível individual, considerando-se as ações desenvolvidas
pelos trabalhadores em suas atividades específicas e dos gerentes no
desenvolvimento da função gerencial no contexto de algumas unidades que compõem
o setor saúde de Belo Horizonte.
Assim, trinta e dois sujeitos, entre gestores e profissionais de saúde,
pertencentes a cinco cenários de Belo Horizonte, foram os informantes desta
pesquisa.
Os cenários foram um Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM), um Pronto
Atendimento Médico (PAM), uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e duas
Unidades Básicas de Saúde (UBS), sendo que uma delas está designada como Centro
de Saúde (CS), para diferenciação dos respondentes.
Um dos critérios preliminares de escolha dos sujeitos foi ter no mínimo dez
anos de trabalho em qualquer setor da rede, pois, se ainda não eram
trabalhadores na implementação do SUS, em Belo Horizonte em 1993, estavam se
graduando em um momento de transição.
Os profissionais foram convidados a participar da pesquisa em seu setor de
trabalho podendo, inclusive, indicar outros colegas. Receberam a informação
sobre o objetivo da pesquisa e sobre os procedimentos, ficando livres para
aceitar ou se recusar a participar. Ao aceitarem, assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, conforme reza a Resolução 196/96. O
anonimato foi assegurado.
Os profissionais foram identificados de acordo com as iniciais de sua categoria
profissional: AE (auxiliar de enfermagem), TE (técnico de enfermagem), E
(enfermeiro), M (médico), AS (assistente social), TO (terapeuta ocupacional) e
G (gerente) no caso de gerentes, além do ACS (agente comunitário de saúde),
seguidas da sigla do local onde atuam. Ressalta-se que o projeto foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, sob o número ETIC 590/05.
Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas,
com gestores e trabalhadores de saúde dos cenários do estudo. A entrevista
individual foi fundamentada em um roteiro básico de perguntas, a partir das
seguintes questões norteadoras: O que você compreende por integralidade,
equidade e resolutividade em saúde? Como você pensa que esses princípios estão
inseridos em sua prática cotidiana? Como você percebe o trabalho em equipe em
seu setor? Como você vê a intersetorialidade em seu trabalho?
Para fins deste artigo, foram considerados apenas os dados sobre a
resolutividade. Os dados primários foram tratados e analisados por meio da
técnica de análise de conteúdo.
RESULTADOS
Da transcrição das entrevistas e após a organização e análise dos dados foram
identificadas quatro categorias de análise que deram sentido ao significado
atribuído pelos profissionais da rede hierarquizada de saúde de Belo Horizonte
ao princípio da resolutividade: compreendendo a resolutividade, o foco da
resolutividade, os dificultadores da resolutividade, e identificando a não-
resolutividade.
A. Compreendendo a resolutividade
Essa categoria refere-se aos significados expressos pelos informantes sobre a
resolutividade.
Percebe-se que os profissionais conceituam a resolutividade como a resolução de
problemas dos pacientes, utilizando-se da consulta como um momento de escuta,
de direcionamento, diálogo e de apoio.
É você tentar resolver da melhor maneira possível o problema do
outro, escutando, ouvindo, é tentar resolver ali da melhor maneira
possível, ou agendando uma consulta, ou conversando, dando uma
palavra de apoio, ou tirando as dúvidas. E UBS
Acho que resolutividade é a gente pelo menos dar direção para um
problema que aparece. E2 UBS
É função da enfermagem acolher os pacientes e solucionar as necessidades neles
detectadas e por isso, esses profissionais desempenham um papel fundamental
para a efetivação de um serviço de saúde com qualidade sendo, necessário que
eles se posicionem de forma crítica frente às políticas de saúde, ajustando
medidas administrativas às soluções de problemas de sua competência(13).
Os profissionais de saúde compreendem, também, que um serviço resolutivo é
aquele capaz de encaminhar os pacientes quando eles não conseguem atender uma
determinada demanda. Porém, é ressaltado que para haver resolutividade, o
sistema de referência e contra referência precisa funcionar de forma
apropriada.
Acho que é quando você consegue ver o caso andando, sabe? Quando você
por exemplo, é...um exemplo... você tem um caso aqui do CERSAM e você
encaminha pra UPA e UPA te dá a contra referência de uma maneira
segura, de uma maneira com relatório que te mostra que não tinha nada
daquilo, por exemplo, era uma suspeita de uma infecção não tem,
então, o quadro ta limpo, era só uma psicose mesmo. TO CERSAM
O sistema de referência e contra referência deve realizar uma articulação com
os três níveis de atenção. Ele é considerado um dos pontos mais importantes
para viabilizar a implantação do SUS(14).
Quando o usuário tem uma demanda que o serviço não consegue atender, ele deve
ser encaminhado para outro de referência, que atenda um maior grau de
complexidade. Após atender a demanda do paciente, a unidade de referência deve
contra referenciar o usuário novamente para o de menor grau(15). Desta maneira
os profissionais percebem que, de alguma forma, as demandas dos pacientes sendo
atendidas, o serviço estaria sendo resolutivo.
Constata-se também que profissionais consideram que nem sempre os pacientes
saem com a resposta que desejam, uma vez que a demanda nem sempre é tratada no
serviço onde procuram o atendimento. Afirmam que embora isso aconteça, o
serviço é resolutivo no que corresponde ao seu nível de atenção, embora para a
população seja o inverso.
O paciente não sai sem uma resposta, mas não quer dizer que seja uma
resposta que o paciente quer, porque eu fico com a responsabilidade
de dizer não. AS UPA
Aqui a gente tem uma triagem, assim se o paciente é classificado como
azul ele já é encaminhado para o centro de saúde. A função nossa não
é resolver o que o paciente quer. Às vezes é um caso que não tem
necessidade de ficar na UPA, pode resolver no centro de saúde. AS UPA
Porém, na visão dos gerentes, para ser resolutivo um serviço precisa encaminhar
pouco e ser capaz de corresponder às expectativas dos usuários. Explicita-se
que a satisfação e a capacidade de assistir são os resultados em um sistema
produtivo.
É oferecer a resposta de acordo com a necessidade e expectativa do
usuário. G UPA
É a gente ser resolutivo. Isso num âmbito maior. No âmbito da saúde
é a gente encaminhar pouco. A gente procurar resolver os problemas
de saúde todos aqui dentro da unidade. G UBS
Aqui no dia-a-dia a gente tem a prática de estar procurando resolver
tudo aqui mesmo, buscando até ajuda em outros setores para a gente
tentar manter o paciente aqui mesmo, tentar resolver o problema dele
aqui dentro do centro de saúde. G UBS
No processo de trabalho, o gerente deve adequar determinados mecanismos
próprios da unidade, que propiciem o desenvolvimento da execução da prática
gerencial, visando à garantia dos princípios do SUS. Ele elabora pensamentos e
a sua idealização se projeta no modo como organiza o trabalho para produção de
bens e serviços, e na direção do atendimento das necessidades geradas por uma
determinada sociedade(16).
Porém, constata-se que a compreensão dos gerentes sobre resolutividade, diverge
da de outros membros da equipe de saúde. Tal realidade sugere que a garantia
dos princípios do SUS tem dependido de quem acolhe cada paciente.
B. O foco da resolutividade
Os serviços de saúde só têm conseguido ser resolutivos no que se refere à
queixa principal dos pacientes e desde que focada no tipo de atendimento
prestado na unidade. Mas, cabe ressaltar que nem todos os pacientes têm
conseguido ser atendidos e ter suas demandas supridas no mesmo dia que procuram
atendimento.
Os profissionais conseguem visualizar, também, que ora a demanda não é
específica para aquele nível de atendimento, ora não são problemas de saúde
física e, como conseqüência o atendimento tem que ser priorizado ou organizado
após a escuta dos sintomas.
Às vezes o paciente apresenta uma demanda que não vai ser
resolvida aqui na UPA, e sim no centro de saúde ou hospital Odilon
Berens ou João XXIII. AS UPA
[...] muitas queixas da comunidade são queixas sociais que não é
problema da UPA [...] mas esse paciente é referenciado para o posto
para atendimento psicológico, acompanhamento. E2 UPA
[...] pela manhã é distribuída uma senha para quem chega, então você
vai chamando por ordem e ouvindo cada um, ali você vai vendo a
prioridade, quem tem realmente que esta passando no dia, você marca
pro dia,o agudo. E UBS
O fato do processo de trabalho em saúde ainda estar focado em ações curativas,
tem desencadeado a existência de filas de usuários, desde a madrugada, em busca
de "uma ficha" para atendimento médico. Nesse casos, parece haver, a importação
da lógica dos serviços de emergência e de urgência ao trabalho da atenção
primária à saúde que deveria buscar integrar ações curativas com as de promoção
e de prevenção à saúde(17).
No entanto, quando o foco é respeitado, ou seja, quando a queixa do paciente é
relacionada com o foco de atendimento da unidade, os profissionais entendem que
o atendimento é resolutivo.
Na urgência nós temos uma resolutividade imediata, consegue resolver
o problema de forma imediata. E UPA
É resoluto também na consulta, o paciente que precisa de atendimento
rápido, como uma cólica renal E2
Mas acho que a resolutividade aqui por exemplo é agente atender um
paciente em crise, a gente tirar esse paciente da crise, né? E
fazer um projeto de reinserção social. Isso eu acho que é um
atendimento com resolutividade. M CERSAM
C. Dificultadores da resolutividade
Algumas "barreiras" são descritas como dificultadores para a resolutividade,
como informações deficientes, demandas elevadas, déficits de infra-estrutura e
a dependência de sistemas de contra-referência.
Os profissionais de saúde afirmam que os pacientes desconhecem as finalidades
dos níveis de atenção à saúde, por não existir informações adequadas sobre as
mesmas, e isso faz com que procurem atendimentos, que poderiam ser realizados
em unidades básicas, em serviços de maior complexidade.
A procura acontece porque não tem uma propaganda falando da
finalidade da UPA e do posto. As pessoas não sabem o que é UPA. E2
UPA
Muitas vezes a procura é pela consulta e não pelo atendimento de
urgência. E2 UPA
Essa realidade ocasiona um aumento da demanda em alguns serviços, o que
dificulta a resolutividade.
Os pacientes sentem alguma coisa e procuram o PA, então a demanda é
muito grande. E2 UPA
[...] a unidade é um lugar onde todo esse pessoal recorre para
resolver o que precisa. ACS UBS
Tipo assim, as coisas são muito pouco resolutivas, sabe. Eu não sei
se a demanda é muito grande para os profissionais estarem atendendo
tudo a tempo e a hora. TE UPA
Apesar de amparado pelo SUS, sistema único de saúde, não temos
condição de atender toda esta demanda. AS UPA
Não dá para resolver tudo aqui porque a equipe é uma só. Então fica
difícil atender a população inteira da área de abrangência da
comunidade. O UBS
Em um estudo realizado em uma unidade de emergência de pacientes adultos, de um
hospital geral de Pernambuco, identificou-se que 74,5% dos atendimentos
realizados no serviço eram por queixas típicas da atenção básica, não se
caracterizando, portanto, como urgência. Essa realidade ocasiona um aumento na
demanda e prejudica a assistência aos casos graves e agudos, pois acarreta
acúmulo de tarefas, contribuindo também para o aumento dos custos de
atendimento e sobrecarga para os profissionais da equipe de saúde(18).
Constata-se deste modo, que usuários procuram os serviços hospitalares de
urgência como uma das alternativas de acesso, pois entendem que eles reúnem um
somatório de recursos, como consultas, remédios, procedimentos de enfermagem,
exames laboratoriais e internações, que os tornam mais resolutivos(19).
A infra-estrutura das unidades de atendimento também é percebida pelos
profissionais como ponto dificultador para a resolução das demandas, por gerar
um aumento no tempo de espera pelo atendimento.
Percebe-se que não há um consenso sobre o tempo máximo que os pacientes podem
permanecer na unidade de pronto-atendimento, aguardando a resolução de seus
problemas, e que a demora do atendimento acaba gerando reclamações.
Temos um problema sério aqui, é do paciente ficar por 15 dias e sendo
que ele deveria permanecer no máximo 16hs, não é? E UPA
Aqui a proposta é para o paciente ficar 24h e aí ele fica mais pela
própria estrutura que nós não conseguimos atender nesse prazo. AS UPA
Um atendente chega e fala para ele avisar na portaria que o
atendimento está demorando de 3 a 4horas para as pessoas não
reclamarem se quiserem esperar. TE4 UPA
Além desses fatores intervenientes, também foi identificado que existem
dificuldades relacionadas a encaminhamentos e transferências, e por este motivo
a resolutividade não é alcançada.
Mas o que é fora, a gente tem dificuldade de estar resolvendo, como
por exemplo a consulta especializada, a parte especializada a gente
tem dificuldade: canal, periodontia, endodontia, cirurgia.
Encaminhamento nosso fica aí anos e anos esperando para ser chamado."
O UBS
Tem coisas que a gente não consegue vaga, por exemplo: necrose,
ferida, sabe, essas coisas são super difíceis pra nós conserguirmos
vaga [...] Não sei porquê, mas os hospitais do SUS não estão
querendo trabalhar para o SUS. E3 UPA
Essas dificuldades têm um impacto direto na resolutividade, pois esta envolve
aspectos relativos à demanda, à satisfação do cliente, às tecnologias dos
serviços de saúde, à existência de um sistema de referência preestabelecido, à
acessibilidade dos serviços, à formação dos recursos humanos, às necessidades
de saúde da população, à adesão ao tratamento, aos aspectos culturais e sócio-
econômicos da clientela, entre outros(6).
Sabendo que nenhuma organização reúne a totalidade dos recursos e competência
necessária para a solução dos problemas de saúde de uma população, e que
existem barreiras de acesso entre os diversos níveis de atenção à saúde, para
que sejam dadas respostas às necessidades de saúde dos usuários é necessário
compartilhar experiências pessoais com a comunidade, com os profissionais de
saúde da equipe local e as autoridades competentes, para a integração de
serviços, em favor de um interesse comum: a integralidade em saúde(17).
D. Identificando a não resolutividade
Os profissionais referem alguns indicadores da não resolutividade, tais como a
incidência elevada de retorno e o fato dos serviços ainda não conseguirem focar
em seu nível de atuação.
Eu acho que... a gente vê que não é tão resolutivo quando você vê um
caso simples voltando, é quando você vê um caso que foi encaminhado
indevidamente pro CERSAM, eu acho que não fica muito resolutivo. Um
bate e volta na rede, fica... eu acho que não é tão resolutivo não.
TO CERSAM
A partir do momento que você conseguir tirar o PSF do papel e colocar
ele realmente na prática isso vai ajudar e muito. Porque você atende
um paciente hoje com um caso agudo e amanhã ele retorna. Por quê?
Porque você não está não está trabalhando com aquela... como posso
falar? A prevenção, né? E3 UBS
Percebe-se na fala, de alguns dos entrevistados, uma preocupação na avaliação
dos motivos do retorno do paciente, já que eles podem estar relacionados com o
atendimento ou encaminhamentos indevidos.
Os níveis de atenção do SUS possuem complexidades crescentes, e para que esse
sistema seja resolutivo os casos só deverão ser encaminhados para um nível de
complexidade maior quando forem esgotadas todas as possibilidades de
atendimento do nível primário. Nota-se, que os profissionais colocam que o
principal problema é a pouca resolutividade dos níveis cuja função é de
prevenção, o que tem gerado encaminhamentos indevidos e retornos constantes dos
pacientes.
A demanda excedente e/ou a falta de resolutividade de alguns atendimentos
prestados, em diferentes pontos do sistema, faz com que usuários tenham que
procurar outros serviços ou submeter-se a mais de um atendimento para obter a
satisfação de suas necessidades(19).
O modelo assistencial do sistema de saúde brasileiro deveria funcionar como uma
pirâmide, com fluxos ascendentes e descendentes de usuários. Na base desta
pirâmide estariam as unidades de saúde, ou seja, a atenção primária visando
atender os grupos populacionais e funcionando como uma "porta de entrada" para
os níveis superiores de maior complexidade tecnológicas. Porém, a ineficiência
do atendimento primário à saúde (unidades básicas), torna os prontos socorros e
hospitais a porta de entrada para a assistência à saúde da população, além da
centralização deste modelo no atendimento médico, que possui pouca ou nenhuma
prática de prevenção de doenças e promoção de saúde(20).
Deste modo, percebe-se que rede básica, pode inicialmente contribuir ou não
para uma melhor performance da assistência especializada. Pois uma maior
resolutividade da assistência prestada no nível primário pode reduzir a demanda
por consultas especializadas e exames, especialmente os de maior complexidade,
reservando os recursos públicos para garantir os procedimentos realmente
necessários(20).
Fazer encaminhamentos para a rede secundária e terciária sem haver esgotado as
possibilidades diagnósticas na rede básica, revela um modo de operar o trabalho
em saúde, em que falta solidariedade com o serviço e responsabilização no
cuidado ao usuário(20).
A resolutividade na rede básica deve estar ligada não somente ao recurso
instrumental e ao conhecimento técnico dos profissionais, mas também à ação
acolhedora, ao vínculo que se estabelece com o usuário e ao significado que se
dá na relação profissional/usuário(20).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar o significado atribuído pelos profissionais da rede hierarquizada
de saúde de Belo Horizonte ' MG ao princípio da resolutividade nas ações
cotidianas de saúde, identificou-se que existe a preocupação da resolutividade
como a resolução de problemas dos pacientes, utilizando-se a consulta como um
momento de escuta, de direcionamento, diálogo e de apoio; e a compreensão de
que um serviço resolutivo é aquele capaz de encaminhar os pacientes quando eles
não conseguem atender uma determinada demanda.
No entanto, os profissionais ressaltam que, para haver resolutividade, o
sistema de referência e contrarreferência precisa funcionar de forma apropriada
e que os profissionais consideram que nem sempre os pacientes saem com a
resposta que desejam, mas para eles isso não representa que não houve
resolutividade, embora para a população seja o inverso, e para os gerentes
também, uma vez que para esses, um serviço resolutivo precisa encaminhar pouco
e ser capaz de corresponder às expectativas dos usuários.
Outro aspecto levantado é que os serviços de saúde só têm conseguido ser
resolutivos no que se refere à queixa principal dos pacientes e, isso só tem
sido alcançado, quando essa queixa é centrada no tipo de atendimento prestado
na unidade.
Tal realidade tem favorecido a não resolutividade, uma vez que as demandas dos
pacientes não têm sido supridas.
Constatou-se que alguns fatores têm contribuído para a não resolutividade como
informações deficientes sobre a finalidade de cada um dos níveis de atenção à
saúde, que por sua vez geram demandas elevadas nos níveis de maior
complexidade, já que a população compreende que nesses serviços suas queixas
serão resolvidas.
Déficits de infraestrutura e a dependência de sistemas de contrarreferência
também foram apontados como fatores que dificultam a resolutividade.
Diante do exposto, percebe-se que apesar do serviço, no qual as pessoas buscam
atendimento, ter a missão de resolver os problemas de acordo com seu nível de
complexidade, isso nem sempre tem ocorrido, havendo a necessidade de uma
reorganização da infraestrutura disponível, capacitação de recursos humanos,
educação da população e divulgação efetiva da rede hierarquizada por parte dos
órgãos competentes.
Além disso, constatou-se divergências de opiniões entre os profissionais
ouvidos sobre o que é resolutividade, fato que pode comprometer a concretização
desse princípio organizativo do SUS.