Ambiente virtual de aprendizagem no ensino de Enfermagem: relato de experiência
INTRODUÇÃO
As transformações decorrentes do advento das novas Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs), que as sociedades contemporâneas têm experimentado,
ultrapassam as fronteiras de suas especificidades e se configuram como
ferramentas imprescindíveis para o processamento das diferentes formas de
relacionamento entre os indivíduos. Seja no mundo do trabalho, seja no mundo do
entretenimento, por exemplo, podemos dizer que nunca um produto tecnológico
teve tamanha inserção no cotidiano da rede social, como o verificado a partir
das TICs.
Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no
mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os
homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade da
metamorfose de todos os tipos(1).
Dentre os produtos tecnológicos mais utilizados pelo Homem contemporâneo
observamos, sem dúvida alguma, o computador como o ícone desta lógica, pois,
dentre as suas inúmeras utilidades, com ele aumentamos velozmente o
processamento das nossas informações, conseguindo assim o alcance de mecanismos
muito ágeis de comunicação jamais vislumbrados pela humanidade.
O computador constituiu-se no veículo apropriado das TICs, assumindo, por meio
de sua realidade virtual, uma dimensão impressionante sobre o conjunto de todas
as nossas relações. A palavra virtual, "é empregada com freqüência para
significar a pura e simples ausência da realidade supondo uma efetuação
material, uma presença intangível"(1). Esse termo deriva do latim medieval
"virtualis, virtus",significando força, potência. Este "tipo de realidade" é o
que existe em potencial, que está por vir, contudo, não em ato, não em atitude,
e nos indica duas instâncias a serem consideradas para a realidade: a
atualização ' realidade real/concreta e a virtualização, isto é, a passagem do
atual para o virtual(2).
A linguagem na telemática contém os novos espaços de expressão da comunicação
humana que, mediante a escrita digitalizada da informática, permite-nos, dentre
outros aspectos, que a informação desejada possa ocorrer de forma interativa e
rápida. Trata-se, portanto de "um elemento fundamental para a prática de
qualquer profissão, pois, define os parâmetros da prática, identifica as
necessidades e critérios de avaliação"(3).
Este cenário proporcionado pelas TICs, através da informatização das várias
formas de comunicação, nos oferece a opção pedagógica pelo ambiente virtual,
otimizando desse modo, a relação entre o docente de enfermagem e seu aluno, na
medida em que este novo cenário torna viável um repensar sobre nossas práticas
educacionais, possibilitando uma nova maneira de interatividade no cotidiano do
ensino de enfermagem.
Ambiente virtual pode ser conceituado como "sistemas que sintetizam a
funcionalidade de software para Comunicação Mediada por Computador (CMC) e
métodos de entrega de material de cursos online". Os autores identificam-no
através da sigla em inglês V.L.E. (Virtual Learning Environments)(4). Ambientes
virtuais são espaços de aprendizagem que permitem interatividade na práxis
pedagógica(5).
Os recursos tecnológicos dos cenários virtuais ajudam na descentralização do
próprio trabalho pedagógico rompendo com uma tradição pedagógica clássica, onde
a educação é compreendida como transmissão, havendo pouca interatividade entre
professor e aluno, de um modo geral(6).
Logo, diante deste mundo em constante transformação tecnológica nos modos de
informação e de comunicação, parece-nos imperativo que o professor de
enfermagem busque novas estratégias que levem a uma otimização do processo
ensino-aprendizagem, compreendendo, essencialmente e cada vez mais, a interação
com seu aluno como fator decisivo e inerente à própria práxis de seu trabalho.
Concordamos inteiramente com a necessidade premente de uma "adaptação e uma
reconstrução das informações recebidas"(6), pois, o aluno não deve ser
considerado como um mero receptor de idéias; há nele uma visão de mundo em
constante construção, que por si só, impõe-nos sua condição de elemento também
interativo no processo educacional. Para este autor, o emprego de novos
recursos tecnológicos pode ter uma boa condição de enriquecimento e ampliação
do conhecimento, dependendo de como seja seu planejamento e emprego(6).
Portanto, na perspectiva do uso das Novas Tecnologias da Informação e
Comunicação, o objeto do presente artigo é o ambiente virtual como ferramenta
de ensino em enfermagem. Seu objetivo central é apresentar a experiência de seu
emprego no ensino de enfermagem para alunos do 4º semestre do Curso de
Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo '
EEUSP, na disciplina "Educação em Enfermagem: Tendências e Desafios".
RELATO DA EXPERIÊNCIA
A disciplina
A disciplina de Educação em Enfermagem: Tendências e Desafios é ministrada pelo
Departamento de Orientação Profissional da EEUSP e tem como objetivo destacar o
processo educativo como inerente ao trabalho do enfermeiro, analisar as
correntes pedagógicas e sua aplicabilidade na enfermagem, conhecer e aplicar o
planejamento da ação educativa em enfermagem, elaborar um programa de ação
educativa, exercitar a comunicação em situação de ensino-aprendizagem em
enfermagem, estimular a auto-avaliação e o processo de capacitação
profissional, com a integração entre alunos, professores e profissionais.
Ministrada a 80 alunos do 4º semestre do Curso de Graduação em Enfermagem, a
disciplina tem carga horária total de 60 horas (30 horas de aulas presenciais e
30 horas de aulas virtuais).
A abordagem adotada na disciplina foi a pedagogia crítica ou sócio-cultural,
que considera o educando como sujeito elaborador do conhecimento, inserido em
um contexto histórico. A expressão mais difundida da perspectiva sócio-cultural
é a de Paulo Freire, que considera a construção do saber a partir da realidade
vivida pelos sujeitos, onde o conhecimento é elaborado mediante a relação
teórica-prática para superar a dicotomia entre o educando e o objeto de
aprendizagem. Este concepção educativa é problematizadora, pois envolve a
análise, discussão e re-construção dos saberes a partir do diálogo em uma
relação horizontal professor-aluno que não se restrinja às situações formais de
ensino-aprendizagem ao contrário da concepção tradicional de educação, chamada
por Freire de bancária(7).
A educação elaborada a partir dos saberes prévios do educando possibilita a
constituição da aprendizagem significativa por meio do comportamento crítico-
reflexivo de modo que o conhecimento terá aplicabilidade e relevância na vida
do educando(8).
A plataforma, as aulas e os tutores
Buscou-se empregar o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) por consistir em
uma ferramenta que otimiza o ensino-aprendizagem e a comunicação entre alunos e
docentes, possibilitando maior exercício de autonomia e desenvolvimento de
novas habilidades. O Moodle (Modular Object-Oriented Dynamic Learning
Environment) foi a plataforma escolhida para o desenvolvimento da disciplina
por ser um software livre, o qual permite a interação, participação e
cooperação dos alunos para a construção do conhecimento, permitindo a
aprendizagem colaborativa. Contribui com a disseminação do uso da tecnologia na
educação, devido às vantagens oferecidas no que diz respeito, principalmente, a
flexibilidade e ao custo para implantação e para utilização (9). Este AVA
possibilitou a disponibilização dos temas e material de apoio para o
desenvolvimento das aulas presenciais e a realização das tarefas das aulas
virtuais.
A interface da disciplina foi organizada de acordo com o cronograma elaborado
previamente. Inicialmente encontra-se, na abertura da disciplina, o programa, o
cronograma, um tutorial do Moodle, para auxiliar as atividades dos alunos, um
vídeo motivacional e um fórum permanente para esclarecimento de dúvidas.
Foi utilizada a rota de aprendizagem, que teve por finalidade estruturar o
caminho a ser trilhado pelo aluno no decorrer da aula estabelecendo uma
comunicação tridimensional entre aluno/professor/conhecimento. Esta estratégia
serve como uma ponte, ligando o que o professor deseja e precisa ensinar com
aquilo que o aluno precisa aprender(10).
Figura_1
O material de apoio das aulas presenciais foi composto de textos em PDF para
leitura complementar. As aulas virtuais continham vídeos motivacionais e/ou
ligados aos temas das aulas, textos, apresentação de situações-problema, fóruns
de discussão e a ferramenta Tarefa para envio das tarefas propostas.
No primeiro encontro presencial, os alunos foram orientados sobre o uso da
plataforma e sua organização. Também foi solicitado para que se dividissem em
grupos de 9 ou 10 alunos, para realização das atividades futuras no decorrer da
disciplina. Os alunos deveriam atribuir o nome de um animal para designar seus
grupos e esclarecer o porque da escolha desse nome, postando o perfil do grupo,
no Moodle, juntamente com uma foto do animal escolhido. Cada grupo foi
acompanhado ao longo da disciplina por um tutor, que corrigia as tarefas
online, realizava a devolutiva para as atividades e principalmente orientava no
planejamento e execução da simulação de uma ação educativa.
Neste contexto, o sistema tutorial compreende, um conjunto de ações educativas
que contribuem para desenvolver e potencializar as capacidades básicas dos
alunos, orientando-os a obterem crescimento intelectual e autonomia, e para
ajudá-los a tomar decisões em vista de seus desempenhos e suas circunstâncias
de participação como aluno educacional(5).
Ao tutor, é atribuída a função de orientar o processo de aprendizagem dos
alunos, assegurando o cumprimento dos objetivos de ensino. Ele deve propor
atividades e auxiliar na sua resolução, sugerindo, quando necessário, fontes
adicionais de informação educacional(11). Mantém uma relação individualizada e
contínua com o aluno no sistema e viabiliza a articulação necessária entre as
atividades a serem desenvolvidas e os objetivos propostos. Ele assume papel
relevante, atuando como intérprete do curso junto ao aluno, esclarecendo suas
dúvidas, estimulando-o a prosseguir e, ao mesmo tempo, participando da
avaliação da aprendizagem educacional(5).
Ao final da disciplina, os alunos desenvolveram um plano de aula e apresentaram
uma simulação de ação educativa a partir de situações-problema propostas a cada
grupo, estratégia essa utilizada como avaliação da aprendizagem de cada grupo.
Avaliação da disciplina
A simulação da ação educativa foi avaliada em 360 graus, ou seja, cada grupo
foi avaliado pelos tutores, pelos pares (outros grupos) e se auto-avaliaram;
todos utilizaram um instrumento que abrangia o planejamento da apresentação, a
forma de comunicação (objetividade e clareza), pertinência do conteúdo com o
tema, a qualidade do recurso didático, adequação das estratégias aos objetivos
da ação, domínio do grupo sobre o tema, interação entre os membros do grupo,
criatividade, utilização do tempo previsto, que foi de 40 minutos, e a
articulação da ação educativa com o conteúdo apresentado ao longo da
disciplina. A participação nas atividades virtuais também foi avaliada por meio
de tarefas propostas pelos tutores, bem como o plano da atividade educativa.
Foi solicitado aos alunos que preenchessem um instrumento para avaliar a
disciplina e a experiência do ensino aprendizagem por meio de um AVA; dos 80
alunos matriculados na disciplina, 48 responderam ao instrumento. Um dos
tópicos dessa avaliação tratava especificamente do Moodle como ambiente virtual
de aprendizagem, abrangendo a carga horária virtual oferecida, as orientações
para execução de tarefas, as situações-problema, as orientações, interação e
devolutivas dos tutores, o tempo proposto para execução das atividades, o
desempenho do aluno, o cumprimento dos prazos propostos, a contribuição das
atividades propostas para o aprendizado e o uso do Moodle como AVA. Para
mensurar as avaliações, foi proposto um modelo tipo escala de Likert, com
quatro categorias (Ótimo, Bom, Regular e Ruim).
Foram analisados alguns itens referentes ao AVA adotado na disciplina, onde
constatou-se que: em relação à carga horária da disciplina oferecida 45,83% dos
alunos referiram que foi ótima e 43,75% boa; orientações fornecidas para a
execução e devolução das tarefas - 25,0% ótima e 54,17% boa; situações-problema
(casos) para o desencadeamento das tarefas 31,25% acharam ótimas e 52.08% boas;
orientações dos tutores para a execução das tarefas - 33,33% ótima e 39,58%
boa; interação do tutor com seu grupo de alunos - 37,50% ótima e 37,50% boa;
devolutiva dos tutores para as tarefas postadas - 31,25% ótima e 50,0% boa;
tempo proposto para execução e devolução das tarefas - 27,08% ótimo e 50,00%
bom; o próprio desempenho do aluno na realização das tarefas postadas - 33,33%
ótimo e 56,25% bom; devolução das tarefas propostas nos prazos solicitados -
52,0% ótima e 41,67% bom; contribuição das atividades propostas para a
aprendizagem - 31,25% ótimo e 56,25% bom e uso do Moodle como ambiente virtual
de aprendizagem - 37,50% ótimo e 41,67% bom.
Os alunos também foram questionados sobre sua opinião acerca do oferecimento de
uma disciplina semi-presencial com uso de ambiente virtual de aprendizagem para
a formação do enfermeiro, onde destacaram a sua relevância pela possibilidade
de estudarem em horários alternativos e a importância de desenvolverem a
habilidade de trabalhar em grupo, devido às diversificadas tarefas que podem
ser propostas, competência esta necessária ao profissional de enfermagem. Os
docentes e tutores avaliaram a disciplina como desafiadora, tendo em vista que
exigiu muita dedicação para elaboração do material, grande disponibilidade de
tempo para a organização da plataforma e feedback para os alunos nas atividades
virtuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o uso da plataforma Moodle como AVA na perspectiva teórico-metodológica da
abordagem sócio-cultural para aprendizagem da educação em saúde, os tutores
tiveram a função de mediar a construção do conhecimento do aluno e não apenas
transmitir conteúdos e informação sobre a temática. Tal estratégia possibilitou
uma participação discente ativa, despertando a habilidade reflexiva e
problematizadora. Dessa forma, o AVA, por meio da mobilização, construção e
síntese dos conteúdos trabalhados e das vivências explicitadas, mostrou-se uma
estratégia importante e válida para a construção coletiva do conhecimento.
A proposta de ensino semipresencial na formação acadêmica de alunos de
enfermagem representou um desafio para estudantes e tutores sendo que, para
estes, a condução das aulas virtuais gerou novos desafios em suas práticas
pedagógicas. O envolvimento dos alunos nas atividades virtuais superou as
expectativas dos tutores quando comparado ao modelo tradicional de aulas
presenciais. A presença do tutor e o vínculo estabelecido contribuíram para o
desenvolvimento dos estudantes ao longo das tarefas propostas. Os estudantes
mostraram-se comprometidos com sua aprendizagem e no alcance dos resultados
alcançados solicitando, frequentemente, as devolutivas dos tutores na busca de
aprimoramento de seus saberes.
A inovadora estratégia do uso de AVA no ensino de graduação em enfermagem na
EEUSP revelou a necessidade de potencialização de seu uso em outras disciplinas
da grade curricular do curso, bem como a continuidade dos novos estudos nessa
área de conhecimento.