Dependência para alimentar-se e consumo alimentar em idosos hospitalizados
INTRODUÇÃO
A alimentação é um fator relevante na gênese da má nutrição, desse modo é
importante avaliar e monitorar o consumo alimentar em idosos, pois o
envelhecimento saudável está associado a uma alimentação adequada à manutenção
do estado nutricional.
Dentre os fatores que se associam, direta ou indiretamente, com a quantidade e
a qualidade dos alimentos consumidos encontram-se os fisiológicos, sociais,
culturais, econômicos e as enfermidades crônicas não transmissíveis(1). Nesse
aspecto, a maior ocorrência de enfermidades, com o passar dos anos, representa,
para a pessoa idosa, fator adicional, de importância considerável na elaboração
de estratégias que visem a orientação nutricional direcionadas ao segmento de
idosos(2).
Com o intuito de melhorar a qualidade de vida dos idosos brasileiros o
Ministério da Saúde laçou em 2009, um manual dirigido aos profissionais da
saúde com orientações sobre alimentação saudável para a pessoa idosa, onde são
apresentadas medidas práticas para o preparo e consumo de alimentos, para
estimular autonomia do idoso e os dez passos para uma alimentação saudável(3).
O consumo alimentar de idosos é um tema pouco investigado(4-5). A maioria dos
estudos focaliza a análise de nutrientes, não levando em consideração o seu
consumo. Embora os estudos sobre o consumo de alimentos(1,4,6) sejam escassos,
considera-se que essa investigação é fundamental, pois as pessoas consomem
alimentos e não nutrientes especificamente, além de que este tipo de
investigação possibilita mais facilmente a elaboração de recomendações
nutricionais mais efetivas para a prática de saúde pública(7).
A falta de autonomia funcional para preparar e comer alimentos é um fator que
pode resultar em desnutrição e merece atenção por parte dos profissionais de
saúde e familiares. Uma baixa/deficiente capacidade funcional pode ser um
indicador de risco nutricional, visto que este se encontra particularmente
associado à ingestão de alimentos(8).
Neste sentido, estudos sobre o consumo alimentar de idosos não devem se
restringir somente a análise qualitativa do que é consumido, sendo necessário
considerar as particularidades do processo do envelhecimento, como a
incapacidade de alimentar-se sozinho. Assim, o objetivo deste estudo foi
verificar a associação entre o consumo alimentar e a dependência para
alimentar-se em idosos hospitalizados.
METODOLOGIA
Estudo transversal, de caráter quantitativo desenvolvido em um hospital geral
localizado na região noroeste do Paraná. A população em estudo foram os idosos
internados na enfermaria da clínica médica e seus respectivos cuidadores, os
quais responderam as questões do questionário quando o idoso não conseguia
fazê-lo. Foram excluídos os idosos em estado grave com risco de morte. Os dados
foram coletados no período de março a junho de 2009, nas primeiras 24hs após a
internação do idoso na enfermaria, por meio de entrevista semiestruturada.
Foram utilizados dois instrumentos para a realização da entrevista. O primeiro
foi um questionário estruturado contendo sete questões abordando aspectos
sócio-demográficos, uma questão relacionada à capacidade para alimentar-se e
três questões referentes ao número de refeições realizadas diariamente, lanches
e quantidade de copos de água ingeridos diariamente.
O segundo instrumento foi um questionário de frequência de consumo alimentar
(QFCA), o qual apresenta uma lista de 80 alimentos e a opção referente à
frequência de consumo, se diário, semanal, mensal e raramente. Este instrumento
foi proposto e validado por Schieri(7), para uso com indivíduos com mais de 12
anos de idade, população adulta e idosa.
A dependência para alimentar-se foi avaliada de acordo com as respostas dadas
às perguntas relacionadas com a capacidade para alimentar-se, sendo os idosos
classificados em independentes ou dependentes quando necessitavam de algum tipo
de ajuda.
Os dados da frequência qualitativa de consumo alimentar foram processados
utilizando o "software" Epi Info 3.5.1. Para este estudo foram considerados os
10 alimentos mais frequentemente consumidos diariamente por grupo alimentar
(energéticos, construtores, reguladores).
O teste qui-quadrado (χ2), ou exato de Fischer, quando aplicável, com nível de
significância de 0,05, foi utilizado para determinar a associação entre o
consumo alimentar e a dependência para alimentar-se.
O desenvolvimento do estudo ocorreu em conformidade com o preconizado pela
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e seu projeto foi apreciado pelo
Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade
Estadual de Maringá, (Protocolo nº 090/2009). Todos os participantes assinaram
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.
RESULTADOS
Em relação às características dos 75 idosos participantes do estudo, verifica-
se na tabela_1 que mais da metade era do sexo masculino, tinha idade entre 60-
69 anos (média de 70,9 anos, dp=7,93) e era casado, sendo que uma parcela
considerável (36,0%) era viúvo. Em relação à escolaridade, 33,3% eram
analfabetos e 58,6% não chegaram a completar o ensino fundamental. A maioria
dos idosos (82,6%) apresentava boa cognição e boa condição de comunicação o que
possibilitou que os mesmos respondessem aos questionários e por fim, 17,3% dos
idosos apresentavam dependência para alimentar-se.
Quanto aos cuidadores, 84,0% deles eram do sexo feminino, média de idade de
51,88 anos (dp=14,8); a maioria tinha baixa escolaridade, sendo que 50,6%
possuía ensino fundamental incompleto, 16,0% tinham o ensino médio completo,
12,0% eram analfabetos e 10,6% tinham o ensino médio incompleto.
A maioria dos acompanhantes tinha algum grau de parentesco com o idoso e, entre
os cuidadores do sexo feminino, 27 (36,0%) ocupavam a posição de esposa, 26
(34,6%) eram filhas, seguidas por netas (4,0%) e irmãs (2,6%). Já entre os 12
cuidadores do sexo masculino, 5 (6,6%) eram filhos, dois esposos e um neto.
Com relação ao consumo alimentar, entre os 10 alimentos do grupo dos
energéticos consumidos diariamente com mais frequência pelos idosos encontra-se
o arroz, pão, açúcar, representando 92%; 79% e 72% respectivamente.
Não foi evidenciada associação entre o consumo alimentar diário, semanal,
mensal e raro com a dependência para alimentar-se em relação aos alimentos
energéticos (Tabela_2). Mas, ao analisar o consumo diário dos alimentos
energéticos verificou-se maior proporção entre os idosos independentes, exceto
pelo consumo diário de macarrão e biscoito doce que apresentaram frequência de
30,8%, e balas e chocolate em pó correspondendo a 15,4% do consumo diário dos
idosos dependentes.
No consumo diário dos alimentos construtores o feijão apresentou maior
frequência entre os idosos correspondendo a 89,3%, seguido do leite (73,3%).
Apesar de não ter encontrado associação entre o consumo e a dependência para
alimentar-se, o leite, frango e o iogurte correspondendo a 84,6%, 15,4% e 7,7%
respectivamente foram os alimentos do consumo diário que apresentaram maior
proporção entre os idosos dependentes. Já entre os independentes, os alimentos
consumidos com maior frequência foram: feijão (91,9%), queijo (24,2%), carne
vermelha sem osso (21,0%), carne com osso (6,4%), de porco (4,8)%, peixes
(4,8%) e ovos (3,2%) (Tabela_3).
Em relação aos alimentos reguladores os mais freqüentes consumidos diariamente
foram: o alho (96,0%), seguido da cebola (94,7%). A cebola e o alho foram os
únicos alimentos a apresentarem associação significativa com a dependência para
alimentar-se, evidenciado estar mais relacionado ao consumo semanal (p=0,00).
O consumo de alimentos reguladores foram citados com menor frequência pelos
idosos dependentes, os quais apresentam consumo diário superior aos idosos
independentes apenas em relação a cenoura (23,2%) e á maçã (15,4%). As frutas
banana, laranja e limão são consumidos diariamente pelos idosos independentes,
porém apenas a banana é consumida por mais da metade deles (Tabela_4).
No que se refere aos hábitos alimentares dos idosos a maioria (78,7%)
realizavam três refeições diárias, 22,7% realizava de dois a três lanches
diário e apenas 18,6% tomavam mais de 8 copos de água por dia. Observou-se que
69,2% dos idosos dependentes e 80,6% dos idosos independentes realizavam três
refeições diárias e a maioria dos idosos dependentes (61,5%) e independentes
(59,7%) realizavam apenas um lanche diariamente.
O consumo de água apresentou associação com a dependência para alimentar-se, o
que se relacionava, principalmente, ao baixo consumo de água, ou seja, dois a
três copos diários (p=0,04). O consumo de dois a três copos de água foi
evidenciado em 69,2% dos idosos dependentes versus 29,0% dos independentes. Uma
minoria dos idosos dependentes (15,4%) consumia mais de oito copos de água
diário, enquanto 19,4%, dos independentes ingeriam mais de oito copos de água
diariamente (Tabela_5).
![](/img/revistas/reben/v65n6/a11tab05.jpg)
DISCUSSÃO
O fato de ter sido identificado que a maioria dos idosos em estudo é do sexo
masculino, com baixa escolaridade, um percentual significativo de viúvos e
serem cuidados por pessoas também idosas, constitui um indicativo da
problemática que envolve a alimentação desse grupo etário. Culturalmente, as
mulheres são as responsáveis pelo preparo das refeições, o que pode estar
influenciado no consumo e hábitos alimentares dos idosos, especialmente os
viúvos.
As mulheres, mais especificamente, as esposas, são responsáveis pela função de
cuidar como identificado por vários autores(9-11) e verificado no presente
estudo. A existência de cuidadores idosos também corroboram com os resultados
de outros estudos que demonstram que idosos estão cuidando de outros idosos(9-
10).
A presença de cuidadores idosos coloca em risco a saúde destes(10), e demonstra
a necessidade de atenção para a própria saúde e qualidade de vida(11). As
cuidadoras que vivenciam sobrecarga com atividades domésticas e o cuidado com o
idoso podem começar a apresentar estresse, fadiga e maior risco para doenças
físicas e emocionais e até depressão(11). Estes fatos levam á reflexão sobre a
falta de assistência relacionada à alimentação em nosso meio. Em países
desenvolvidos, existem programas, com o propósito de poupar o cuidador de
cozinhar todos os dias, nomeada "alimentação sobre rodas", que produz e
distribui refeições programadas(9).
Outro aspecto importante a ser considerado é o grau de escolaridade do
cuidador, visto que este pode interferir na aprendizagem e, por conseguinte na
qualidade da assistência prestada ao idoso(11). Dessa forma, há necessidade de
uma orientação nutricional de fácil entendimento, visto a baixa escolaridade e
número elevado de cuidadores idosos, já que uma orientação nutricional adequada
é eficaz para uma melhor qualidade de vida.
Considerando que o consumo alimentar de idosos e as particularidades do
envelhecimento como a capacidade para alimentar-se constituem assuntos pouco
considerados em nosso meio, se faz necessário investigar a existência da
associação entre estes fatores, de modo a planejar uma orientação nutricional
adequada do ponto de vista da viabilidade econômica e que facilite a rotina e o
trabalho dos cuidadores.
No que se refere ao consumo alimentar, pesquisas realizadas em grandes centros
urbanos têm apontado uma evolução nos padrões de consumo alimentar, com
diminuição no consumo de alimentos básicos e tradicionais como arroz e feijão,
aumento de até 400% no consumo de produtos industrializados, consumo excessivo
de açúcar e insuficiente de frutas e hortaliças e aumento no teor da dieta em
gorduras em geral e gordura saturada(12). E isto, com certeza tem reflexos no
consumo de alimentos de toda a população, inclusive entre os idosos conforme
observado.
No grupo dos alimentos energéticos, os consumidos com maior frequência foram o
arroz, pão e açúcar, semelhante ao encontrado em outros estudos(1,6,13) que
identificaram que o arroz e o pão são consumidos diariamente, com diferenciação
por região, onde o arroz foi menos consumido na região de maior poder
aquisitivo e o pão na região de menor poder aquisitivo(1).
O consumo diário de macarrão, biscoito doce e chocolate em pó, por idosos
dependentes, pode estar relacionado a uma maior facilidade de preparo e menor
esforço na mastigação, já que os tipos de preparações melhor aceitas por idosos
dependentes são as sopas e papas.
Cabe salientar que em circunstâncias desfavoráveis como isolamento, solidão e
comprometimento da capacidade funcional relacionada à alimentação, o consumo de
produtos industrializados e de fácil preparo como doces, massas, bolachas e
biscoitos são frequentes(14).
No grupo dos alimentos construtores os consumidos com maior frequência
diariamente foram o feijão e o leite. Outras leguminosas, no entanto, não são
consumidas com frequência pelos idosos, o que diminui a contribuição de
proteínas de boa qualidade, o aporte de vitaminas, minerais e fibras(4). Em
estudo realizado em São Paulo, verificou-se que 70% ou mais dos idosos consomem
feijão, carnes de boi, aves, leite e substitutos e ovos, porém o feijão e o
leite são consumidos diariamente(1). Estudo realizado com mulheres idosas,
também encontrou consumo diário de leite entre as idosas, sendo que
diariamente, 48% delas consumiam leite desnatado e 29% leite integral(6).
Ainda em relação aos alimentos construtores, apesar de não ter sido encontrado
associação entre o consumo dos mesmos e a dependência para alimentar-se, é
provável que o elevado consumo de frango identificado no presente estudo esteja
relacionado ao menor custo, facilidade na utilização em sopas e preparações que
facilitam a mastigação e deglutição como, por exemplo, carne desfiada. O mesmo
ocorre com o leite que é utilizado na forma de papas, vitaminas e que são
alimentos de fácil preparo e aquisição.
Em relação as frutas e hortaliças a Organização Mundial da Saúde recomenda o
consumo de cinco ou mais porções diárias, visando prevenir e minimizar a
prevalência mundial das doenças crônicas não transmissíveis(15). Entre os
alimentos reguladores o alho e a cebola foram os mais citados e isto se deve a
utilização dos mesmos como tempero no preparo dos alimentos.
No estudo realizado com idosas em Recife-PE, verificou-se que o consumo de
frutas e verduras não foi satisfatório, apesar de mais da metade (61% e 66%
respectivamente) consumirem diariamente esses alimentos (4). Em estudo com 283
idosos de três regiões do município de São Paulo, 85% deles referiram consumir
frutas e verduras, porém ao avaliar o consumo diário observou-se que esta
prática é maior em regiões de melhor nível socioeconômico(1), fato esse também
observado em idosos de baixa renda da cidade de São Paulo, onde o consumo
inadequado de frutas e verduras esteve associado a menores faixas de renda(5).
No presente estudo, o consumo de frutas e hortaliças foi referido com menor
frequência pelos idosos dependentes, o que pode estar associado ao fato de o
idoso ser dependente de terceiros tanto para adquirir como para consumir esses
alimentos. Além da dificuldade para alimentar-se sozinho, preparar e adquirir
esses alimentos, outros fatores associados ao baixo consumo dos mesmos entre os
idosos são a escolaridade, inapetência e a presença de doenças crônicas(16).
Apesar das frutas banana, laranja e limão estarem presentes no consumo diário
dos idosos independentes, apenas a banana é consumida por mais da metade deles.
No estudo realizado com idosos do sexo feminino as frutas: banana, laranja e
mamão, embora mais citadas, não apresentaram consumo superior a 40% entre as
idosas(6).
Na terceira idade para uma alimentação saudável, se faz necessário realizar
três refeições diárias, intercaladas por lanches, além da ingestão de pelo
menos dois litros de água por dia(3). A realização destes hábitos no presente
estudo não corrobora aos encontrados em outros estudos(4,6), onde o maior
percentual de idosos realizava três refeições diárias, faziam de dois a três
lanches diários e ingeriam mais de oito copos de água por dia.
A água constitui elemento importante para o funcionamento do intestino, mantém
a boca úmida, o corpo hidratado(3), além de que com o processo de
envelhecimento, a quantidade de atividade física, a função renal, as medicações
e os mecanismos homeostáticos reduzem a sensação de sede e atuam na constipação
(17). Outro fator a ser considerado é que o cuidador não deve contabilizar a
ingestão de álcool, café e chás na ingestão hídrica do idoso, devido ao efeito
diurético dos mesmos, o que poderá contribuir para um maior declínio de água
corporal total(18).
Dessa forma, e especialmente considerando a associação estatisticamente
significativa entre o consumo de água e á dependência para alimentar-se, é
necessário atenção do cuidador para estimular e favorecer o consumo de água
entre os idosos dependentes e dos profissionais de saúde para sensibilizar os
idosos quanto a importância e os benefícios deste consumo.
CONCLUSÃO
Os resultados encontrados mostram associação entre consumo alimentar e
dependência para alimentar-se em relação ao grupo de alimentos reguladores
referente ao alho e cebola e ao baixo consumo de água dos idosos. Apesar de
esses alimentos serem utilizados como tempero e, por conseguinte, não
apresentarem grande impacto no consumo alimentar e estado nutricional do idoso,
constitui preocupação e indica a necessidade de ações mais efetivas referente
ao baixo consumo de água nos idosos, oferecendo água ao longo do dia e não
substituí-la por bebidas açucaradas e produtos industrializados.
É preciso ainda uma atenção mais cuidadosa em relação a alimentação dos idosos
dependentes, pois estes apresentam características peculiares que interferem na
ingestão alimentar e quando associada a deficiência na oferta de alimentos pode
repercutir negativamente no estado nutricional dos mesmos.
Como os idosos dependentes relataram menor consumo alimentar diário e hábitos
alimentares inadequados sugere-se a necessidade de orientação nutricional aos
cuidadores, pois a alimentação constitui fator fundamental para a promoção e
recuperação da saúde em todas as fases da vida, sendo imprescindível para uma
melhor qualidade de vida nos idosos.