Adolescência e sexualidade: scripts sexuais a partir das representações sociais
INTRODUÇÃO
Preocupações recorrentes quanto à vivência da adolescência e seus
desdobramentos no processo de desenvolvimento e crescimento, especialmente
aqueles adolescentes em situações de vulnerabilidade expostos a drogas licitas
e ilícitas, à gravidez precoce, à prostituição, à violência e à delinqüência
infanto-juvenil, associada à tímida presença, dessa faixa etária, nas unidades
de saúde tornaram-se inquietações frente à atenção ao atendimento aos
adolescentes, particularmente no que diz respeito às manifestações da
sexualidade, dentre outras. Assim, questiona-se: a condição de adolescente
associada a situações de vulnerabilidade e pouca habilidade de vida refletem
nas manifestações de sexualidade do mesmo?
A partir deste questionamento, entende-se que as necessidades sexuais são
semelhantes e diferentes de outras necessidades básicas; em termos de
sobrevivência de um indivíduo, o sexo não é uma necessidade essencial, assim
como o são os líquidos, a nutrição ou o oxigênio(1).
A sexualidade constitui-se numa dimensão fundamental em todo ciclo de vida de
homens e mulheres, a qual envolve práticas e desejos ligados à satisfação, à
afetividade, ao prazer, aos sentimentos, ao exercício da liberdade e à saúde.
Desta forma, é uma construção histórica, cultural e social, e se transforma
conforme mudam as relações sociais. Mas, infelizmente, em nossa sociedade
ocidental, foi histórica e culturalmente limitada em suas possibilidades de
vivência, devido a tabus, mitos, preconceitos, interdições e relações de poder
(2).
Nas últimas três décadas, algumas mudanças ocorreram no estilo de vida da
população, incluindo seus valores, crenças e tabus, principalmente, aqueles
relacionados à sexualidade. Hoje os profissionais de saúde e a sociedade em
geral estão deixando de controlar a vida sexual dos jovens, transferindo para
eles próprios a responsabilidade por sua conduta sexual(3).
De uma maneira geral, o problema da sexualidade humana diz respeito ao papel da
enfermagem uma vez que muitos problemas e tratamentos de saúde afetarão a
sexualidade e as capacidades sexuais de um paciente, temporária ou
permanentemente, que é afetada por fatores sociais, culturais e religiosos,
além da estrutura física, do funcionamento e da aparência(1).
A Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial de Saúde
(OMS) definem a adolescência como um processo fundamentalmente biológico de
vivências orgânicas, no qual se aceleram o desenvolvimento cognitivo e a
estruturação da personalidade. Abrange a pré-adolescência que compreende a
faixa etária de 10 a 14 anos e a adolescência propriamente dita, dos 15 anos
aos 19 anos.
Sobre os serviços de saúde, afirma-se que inúmeros deles
encontram-se despreparados para o trabalho com adolescentes, para a
atenção às peculiaridades e complexidades das suas necessidades.
Faltam espaços e suporte apropriados às suas demandas, seja no campo
da orientação, proteção ou recuperação da sua saúde sexual e
reprodutiva. Os sentidos do corpo e as desigualdades e diferenças de
distintas ordens são freqüentemente ignoradas, num processo de
homogeneização e simplificação da saúde adolescente(4).
Concorda-se que a Enfermagem tem uma responsabilidade fundamental no trabalho
em saúde com adolescentes, tendo em vista: a busca da eqüidade na realização
das práticas em saúde/enfermagem; o contínuo questionamento das normatizações
sociais hierárquicas e dos valores diferenciais em torno da sexualidade e
reprodução; a ampliação da autonomia e corresponsabilização de adolescentes
homens e mulheres no lidar com a vida, a sexualidade, a maternidade/
paternidade, resgatando-se o seu caráter relacional; e a prevenção de agravos
que trazem sofrimentos à vida(5).
Em vista desses aspectos, definiu-se como objetivo geral para este trabalho o
de apreender as representações sociais de adolescentes sobre sexualidade, a
partir de suas experiências pessoais.
MÉTODOS
Trata-se de estudo descritivo, com abordagem metodológica qualitativa,
fundamentado na Teoria das Representações Sociais(6). A pesquisa foi realizada
no município de Jandaíra, no Rio Grande do Norte (RN), especificamente na
Unidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Projetou-se como população do
estudo os alunos regularmente matriculados na EJA, da zona urbana, com faixa
etária de 15 a 19 anos. Acrescenta-se que a faixa etária dos sujeitos da
pesquisa atende, de um lado, às recomendações da OPAS e OMS (10 a 19 anos), e
do outro aquela estabelecida pelo EJA (15 a 19 anos), cuja matrícula é deferida
a partir dos 15 anos.
A princípio, foram captados dezessete adolescentes desejosos de participar da
pesquisa, mas, devido a alguns contratempos, como a dificuldade no
relacionamento entre pais e filhos e a ausência destes no ambiente escolar,
referido pelos professores, esse número foi reduzido.
Ao invés de uma reunião com os pais no âmbito escolar, optou-se pela busca, de
casa em casa, das assinaturas para liberação da participação dos adolescentes
na investigação. Acresça-se a estas dificuldades que, além da evasão escolar,
característica da EJA, há alunos que a frequentam esporadicamente e/ou aqueles
que passam na escola e se dirigem às ruas, sem permanecer em sala de aula.
Diante dessa realidade, o número de alunos ficou bem abaixo do esperado,
compondo-se a uma amostra com treze sujeitos, sendo seis do sexo masculino e
sete do sexo feminino.
Dessa forma, concorda-se que, em particularidades como estas, a definição dos
sujeitos se deu pela constituição de um grupo metodologicamente representativo
do universo considerado ideal, contrastado pelos fatores intervenientes que
determinam o tamanho do mesmo. Portanto, a delimitação do número decorre da
caracterização consistente desse universo e de como se articula o objeto
teoricamente(7).
Para efeito desse estudo, utilizou-se como técnica de coleta de dados, no
primeiro momento, a entrevista semiestruturada, guiada por um conjunto de
questões sobre a sexualidade e sua relação com o ato sexual propriamente dito;
diálogos entre pais e filhos sobre essa temática; qual a abordagem na escola
sobre sexualidade e quanto ao uso de métodos contraceptivos; entre outros. No
segundo momento, realizou-se um grupo focal. Dentre as várias proposições para
trabalhar com grupos de adolescentes, optou-se por aquela que significa uma
ruptura com o transcurso natural da adolescência, a gravidez precoce.
Entende-se que o adolescente, ao situar-se nesse campo transicional participa
ativamente do processo, emitindo conteúdos discursivos e/ou não verbais sobre o
que sabe e não sabe a respeito da sua própria sexualidade. Dessa forma, adquire
importante significado na apreensão das representações sociais, pois é um meio
de expressão e comunicação na área intermediária entre realidade interna e
externa, e ainda, possibilita o relacionar-se com a vivência do mesmo e o drama
que nele se desenvolve(8-10).
Assim, trabalhamos com a dramatização de uma história - o Estudo de Caso da
História de Camila(5). Nele é abordado o início de um namoro que culminou em
uma possível relação sexual. Para realização do primeiro ato, foram convidados
três adolescentes voluntários para interpretação dos personagens da história de
Camila. No segundo ato, todos os integrantes do grupo focal participaram da
discussão.
Menciona-se que a substância operante da representação social na construção da
realidade é o significado que ela dá ao objeto(11). Alcançar a representação
social é, pois, em si, um exercício de interpretação: a pesquisa visa
exatamente a coleta de indícios e a sua sistematização pelo(a) pesquisador(a),
a partir dos referenciais do próprio grupo e de vários recursos. Portanto, a
coleção de dados que se obtém e se processa, ainda não é a representação social
- ela surge da costura que só o olhar do pesquisador(a) pode fazer, numa
perspectiva holística e integradora, uma vez que a representação social é uma
forma de expressão criativa dos sujeitos, situada na interface do psicológico e
do social(11).
Optou-se pela análise de edição onde o pesquisador age como intérprete, que lê
os dados em busca de segmentos significativos. Desta forma, os segmentos são
identificados e revistos, desenvolvendo-se um esquema de classificação e
códigos correspondentes, podendo ser usados para distribuir e organizar os
dados. Por fim procuram-se os padrões e as estruturas que conectam as
categorias temáticas(12).
A busca das representações sociais a partir da análise de edição justifica-se
pelo fato de que ambas remetem à compreensão de aspectos pouco aclarados do
objeto de pesquisa, quer conceituais, quer práticos, que permeiam a
cotidianidade dos sujeitos psicossociais, na revitalização do conhecimento
produzido na interface da reificação da ciência e do senso comum. Neste
sentido, os processos sociocognitivos e as dimensões constituintes das
representações sociais dão esta clarificação do objeto, pois oferecem, como
ponto de partida para a problematização, a pluralidade dos significados e
imagens construídas sobre o objeto em apreensão, particularmente, a sexualidade
na adolescência e suas habilidades de vida.
Ressalta-se que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEP/UFRN) sob o protocolo de
número 089/08, CAAE 101.0.051.000.08.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A utilização da Técnica de análise de edição na perspectiva teórica das
representações sociais possibilitou a identificação, frente aos dados
levantados junto aos sujeitos da pesquisa, de três dimensões: Dimensão 01 - O
saber comum sobre a sexualidade; dimensão 02 - O saber compartilhado sobre a
sexualidade; Dimensão 03 - Tomada de posição frente à sexualidade. Ressalta-se
de antemão, que não está em questão separar temas em compartimentos estanques,
mas captar as formas pelas quais se dá esta abordagem e as transformações que
opera.
Dimensão 01 - O saber comum sobre a sexualidade
O saber comum sobre a sexualidade diz respeito à informação, ou seja, "a
organização dos conhecimentos que um grupo possui a respeito de um objeto
social"(7). O conceito de sexualidade para os adolescentes do estudo diz
respeito às manifestações diretamente ao ato sexual, evidenciado nessas falas:
Sexualidade acho que é assim a pessoa fazer sexo (Demeter)
Eu acho assim se o cara faz sexualidade e acontecer alguma coisa, ele
tem que assumir (Adonis)
Acho que é ter relação sexual um rapaz e uma moça tem um com o outro,
é isso? (Hera)
As representações sobre sexualidade limitaram-se a relação sexual entre duas
pessoas do sexo oposto(13). A questão da sexualidade está direcionada aos atos
sexuais ou ao relacionamento a dois(14). E, ainda os adolescentes mostraram-se
bastantes confusos quanto à concepção da sexualidade, compreendem-na a partir
dos aspectos relativos ao prazer e à reprodução, com uma limitação da visão
multidimensional dos fatores que a envolvem.
Dimensão 02 - O saber compartilhado sobre a sexualidade
Quanto ao saber compartilhado sobre sexualidade esse se reporta ao campo
representacional, o qual "remete à idéia de imagem, de modelo social, ao
conteúdo concreto e limitado das proposições acerca de um aspecto preciso do
objeto da representação"(7).
No contexto do adolescer, verificou-se no transcurso das conversas sobre
sexualidade que as informações compartilhadas geralmente ocorrem entre os pares
(amigos, sexo oposto e namorados), na família e na escola. Apresenta-se a
seguir subcategorias desses diálogos inter-grupais imbricados nos contextos
pertencentes aos adolescentes, família e escola.
Diálogo sobre sexualidade no contexto do grupo de pertencimento dos
adolescentes
Sabe-se que na adolescência ocorre a busca de identidade e geralmente os
adolescentes procuram as pessoas fora da família para servir como referência na
formação de personalidade e conseqüentemente atitudes. Desta forma a influência
dos pares adquiriu caráter fundamental na vivência no processo de adolescer.
Num estudo(7) sobre a psicanálise observou-se que dentre os sujeitos
pesquisados, a posição assumida pelos adolescentes (estudantes e alunos de
escolas técnicas) encerra uma equação simbólica entre a idade em que se
formulam os problemas da autonomia individual e a ajuda que a psicanálise
propõe, cujas respostas dos sujeitos revelaram uma atitude favorável. Dessa
constatação, contrariamente observou que os adultos não querem tomar posição ou
não tem idéias claras sobre a temática. Portanto, o indivíduo é observado e
compreendido através de traços próprios da tipologia dominante, exercendo-se
por vezes uma pressão coletiva para fazer coincidir o comportamento real com as
categorias geralmente admitidas(7).
Nesse contexto, observou-se, conforme falas abaixo transcritas, um compartilhar
maior de vivencias e experiências entre a temática e a categoria em que se está
inserido, uma vez que dos 13 participantes da pesquisa, 05 referiram conversar
ou trocar informações sobre sexualidade com outros adolescentes do mesmo sexo,
03 com o namorado, 03 com adolescentes do sexo oposto e 02 com familiares:
Converso com minhas amigas (Hebe)
Converso com amigos (Hermes)
Com minha namorada quando agente fica só, só ficar mesmo (Helio)
Converso só com as meninas (Adonis)
Com minha irmã de 26 anos (Atena)
Dessa forma, os resultados desse estudo corrobora com as idéias dos autores
(13), onde os amigos foram apontados pela maioria dos adolescentes como o grupo
em que se sentem mais à vontade para conversar sobre sexualidade.
Diálogo sobre sexualidade no contexto da família
Esse contexto foi fortemente marcado pela ausência de diálogo familiar sobre
sexualidade, onze adolescentes referiram não conversar com os pais sobre
sexualidade, seguem abaixo algumas falas:
Converso com ela não, eu tenho vergonha de fala sobre isso (Hermes)
Minha mãe ainda não conversou sobre isso não (Hércules)
Na fala de Hermes, o fator vergonha é o grande inibidor do diálogo com a
família, inferindo-nos a pensar sobre o relacionamento entre pais e filhos e as
restrições existentes sobre alguns assuntos, como, por exemplo, a própria
sexualidade. Nessa perspectiva um estudo(15) aponta que o diálogo entre pais e
filhos adolescentes é restrito, podendo estar associada à possibilidade das
atitudes repressoras dos pais. Tendo em vista que tabus e preconceitos impedem
o indivíduo, de até mesmo, buscar aprender.
Dessa forma a dificuldade em procurar os pais para esclarecer dúvidas sobre
assuntos relacionados à sexualidade pode está pautado na proibição do sexo,
ausência de diálogo, tons de ameaça, impedindo a fluidez da conversa em
família. Neste sentido os pais embasados pela crença que a conversa sobre sexo
serve como indução ao inicio da atividade sexual, protelam o diálogo sobre
sexualidade(14-15).
A fala de Hércules chama-nos atenção por remeter-se a idéia de espera, uma vez
que enfatiza o termo "ainda", aguardando que a iniciativa de conversar sobre
sexualidade em algum momento de sua vida parta dela, sua mãe.
Apenas duas participantes relataram conversas sobre sexualidade com a mãe, cujo
conteúdo dos diálogos reporta-se, especificamente, à condição reprodutiva,
guiados pelos cuidados ao evitar gravidez, nas condições de solteira e casada.
Tal posição, conforme as falas abaixo, leva a seguinte indicação, métodos
contraceptivos e camisinha para solteiras, anticoncepcional para as casadas:
[...] como todas as mães diz ... a mulher é fazer de tudo para não
pegar um bucho, porque se pegar fora de casa... Ela já falou para mim
assim... casal casado e aqueles ficantes... Comprimido só presta
quando é casado mesmo, que tem relações todos os dias, mas a
camisinha já ...é para quem não tem relações todos os dias (Hestia)
Diálogo sobre sexualidade no contexto da escola
A importância de trazer a discussão da sexualidade para o universo escolar
perpassa a idéia de experiência que se desenha exclusivamente no espaço privado
ou individual do adolescente, quando na verdade, revela uma trajetória social.
Dessa forma, considera-se a escola por um lado, como local de interações e
relações socioeconômicas e culturais e, por outro, espaço para promoção da
saúde, com enfoque de ações educativas, de construção da cidadania envolvendo
os sujeitos que a compõem: adolescentes, estudantes, professores, funcionários,
familiares e profissionais de saúde(5).
No que se refere a educação sexual no ambiente escolar, reconhece-se a
importância de articular a sexualidade com a promoção da saúde, pois viabiliza
a realização de ações preventivas das Doenças Sexualmente Transmissíveis e
AIDS, de reflexão sobre a violência sexual e a gravidez precoce, bem como a
discussão sobre a própria sexualidade, ampliando a percepção do adolescente
sobre o auto cuidado e o auto conhecimento(16).
No entanto, essas discussões no contexto escolar, apresentam-se escassas como
observa-se nas falas a seguir:
Conversam algumas vezes... Assim, eles falam o que precisa usar
quando faz sexo... Na matéria de Ciência..." (Hebe)
Conversam. Eles falam que caso agente quiser fazer é para usar
camisinha para evitar doenças nesse meio de mundo ai... ensinando
assim as doenças, uma vez eles mostraram umas feias que só... ai
distribuíram camisinhas (Hera)
Sobre sexualidade teve uma de religião sobre opção do sexo, sobre
gays (Demeter)
[...] Só teve uma aula ... agente ta estudando sobre ficar... Ela
utilizou um trabalho...o que é ficar para você? (Hestia)
Destaca-se que os conteúdos sobre sexualidade foram abordados de maneira
superficial, gerando lacunas na construção de conhecimentos, limitados
enfaticamente na importância do uso da camisinha na prevenção de doenças.
Ao indagarmos sobre dúvidas na temática sexualidade, destacou-se uma diferença
entre os sexos masculino e feminino: os meninos, 50% referiram ter dúvidas e a
outra metade não admitiu tê-las, já entre as meninas 71% referiram ter dúvidas
sobre sexualidade. Somente as adolescentes do sexo feminino compartilharam-nas
durante a entrevista:
O que é sexualidade? Eu não sei realmente o significado de
sexualidade (Atena)
Quando perde a virgindade o que acontece? Geralmente quando perde a
honra, tenho medo assim se pega filho, assim num instante... Só essas
duas que vive atormentando meu pensamento, fico assim
pensando...porque geralmente as meninas de hoje tem medo de perder e
se pega menino, embora tenha muitas que pegam porque quer (Afrodite)
Essas falam demonstram a falta de conhecimento do adolescente sobre a própria
sexualidade, e o que de fato a envolve, demonstrando seu enfrentamento em meio
as experiências vividas e dúvidas. Isto nos remete a forma como é feita a
abordagem da sexualidade no âmbito escolar, que ainda acontece de forma
incipiente uma vez que é notória a ocorrência de dúvidas, mitos, e ideias
preestabelecidas(17).
Dimensão 03: tomada de posição frente à sexualidade
A tomada de posição frente à sexualidade, configura-se como a atitude que
"termina por focalizar a orientação global em relação ao objeto da
representação social"(7). Entende-se que no contexto do adolescer muitas serão
as decisões tomadas, dessa forma, procurou-se apreender as atitudes desses
adolescentes, a partir de sua compreensão, especialmente quanto ao uso de
contraceptivos e o uso da camisinha na prevenção de DSTs e AIDS. Segue abaixo a
seguintes subcategorias: sexualidade e contraceptivos; DSTs e AIDS; sexualidade
e autocuidado.
Sexualidade e métodos contraceptivos
No que concerne a sexualidade, contracepção e adolescência muitas são as
discussões sociais que permeiam essa vivência, haja vista as muitas implicações
advindas desta fase da vida. A exemplificar a não permissão social para o
inicio das relações sexuais e a ocorrência natural dessas.
"A sexualidade não se circunscreve às situações românticas ou amorosas. A
conjugação amor/sexo não é uma necessidade biológica, nem um imperativo social,
mas, apenas, uma das possíveis soluções histórico-culturais para o problema da
articulação entre reprodução biológica e vinculação social"(20).
Neste sentido a escolha, bem como a forma do uso dos métodos contraceptivos,
também é socialmente construída, visto que seu uso está atrelado a diversas
formas de como o individuo tem acesso à informação e ao próprio método, como a
sociedade aceita o seu uso, os tabus advindos das práticas por outros
vivenciados.
Sei, tem que usar sempre camisinha e a mulher tem que tomar remédio
para evitar (Hércules).
Para evitar doenças... homem você já sabe. Fica com uma, fica com
outra, e aí preferia a camisinha para evitar alguma coisa. Porque eu
tenho medo, as coisas de hoje em dia, as doenças feias do mundo, Deus
me livre, eu vejo os comentários da mulher na televisão dizendo
aqueles negócios. Dizendo que, se tivesse usado camisinha, não tinha
sido contaminada com as doenças, se elas tivesse usado (Hera)
Concorda-se que os adolescentes requerem um suporte de vários setores sociais
através de políticas, recursos e processos de trabalho intersetoriais,
interdisciplinares e participativos, em que se disponibilize uma atenção
integral, específica às suas necessidades com ações desenvolvidas em diferentes
espaços(4). Visto que estão vislumbrando a possibilidade de reprodução e
experiências novas no âmbito da sexualidade.
Doenças sexualmente transmissíveis e o uso da camisinha
Sobre o conhecimento das doenças sexualmente transmissíveis, apenas dois
adolescentes não souberam responder, destacando-se como a mais citada, a AIDS e
a gonorreia. Constatou-se mediante as falas dos adolescentes que a associação
da AIDS esteja atrelada aos mecanismos midiáticos de divulgação do uso do
preservativo por ocasião de grandes festas populares e pela ação das campanhas
ministeriais. Enquanto a gonorréia pode ser um fato mais freqüente na realidade
local.
Apreendi sozinho, vendo DVD (Helio)
Eu assisto TV... em programas educativos quando passa eu assisto
(Hermes)
Sexualidade e autocuidado
As meninas reconhecem a necessidade de realizar exame ginecológico, mas se
privam de fazê-lo por medo e/ou vergonha de realizá-lo. Tal conduta contribui
para a condição de vulnerabilidade das adolescentes frente às limitações
psicológicas advindas dos valores e tabus da sociedade, circunscritos na esfera
do senso comum.
[...] eu tava com essa dor no útero e quando fez, ficou dando uma
dorzinha, fiquei meia balanceada, achando que foi alguma doença
(Afrodite)
Em uma relação heterossexual não é a mulher que "veste a camisinha", mas sim o
homem(20). E se essa iniciativa partir da mulher, principalmente no modelo
monogâmico, esta terá que pedir consentimento ao parceiro que de modo geral, é
contrário ao uso (além de pôr em questão a monogamia e confiança da relação)
(20).
Representação Social, Sexualidade e Adolescência
Afirma-se que a psicanálise na sociedade está ligada a toda série de fenômenos
da sexualidade, suscitando uma conscientização do seu caráter 'tabu' e de suas
repercussões sobre a personalidade; ela está associada, portanto, em seu
conjunto, ao comportamento sexual do indivíduo(5). Dessa forma, após o
aparecimento da psicanálise acentuaram-se as interdições concernentes a vida
sexual.
Para alguns estudiosos(5,19), a objetivação e ancoragem são processos
sociocognitivos, intrinsecamente ligados e não são seqüenciais, embora
freqüentemente destacado em separado para simples compreensão didática.
Neste estudo, destaca-se como os adolescentes articulam os conteúdos e as
informações que dão compreensão à sexualidade. Ancoram a sexualidade como o ato
sexual em si, entre pessoas do sexo oposto. Descartando qualquer outro tipo de
comportamento referente as manifestações diversas de sexualidade, inferindo-se
um ocultamento ou silenciamento sobre a homossexualidade. Em ambas as
perspectivas, ancoram posições contrárias na dimensão do que é dito e do não
dito decorrentes de traços culturais, revelando a funcionalidade desse
processo, permitindo compreender a forma como os adolescentes expressam e
constituem suas relações sociais através da comunicação verbal e não verbal(5).
A objetivação apreendida sobre a sexualidade, a partir da experiência e
compreensão dos adolescentes sobre a temática, assenta-se no modo como a
sociedade estabelece as informações e o posicionamento dos sujeitos
biopsicossociais, independente de sexo, idade, etnia ou classe social.
Entendido como papéis sociais e sexuais a sempre desempenhados, quer no espaço
público, quer privado sobre quais condições e situações são permitidas falar e
manifestar a sexualidade. Nesse sentido, optamos pelo constructo do script
social e sexual.
O conceito de script é essencialmente uma metáfora para conceptualizar a
produção de comportamentos no interior da vida social, enquanto os scripts
sexuais são esquemas (socialmente construídos) de atribuição de significação de
orientação (direção) da ação. Esses scripts sexuais constituem um caso
particular dos scripts sociais(19).
Do ponto de vista das suas funções o conceito de scripts aproxima-se do
conceito de representação social(6). Observando as semelhanças com as
representações sociais, os scripts referem-se a modalidades de conhecimento
prático, socialmente elaboradas e partilhadas, constituindo, simultaneamente
sistemas de interpretação e de categorização do real e modelos ou guias de
ação.
Neste sentido as representações sociais dos adolescentes sobre sua sexualidade
e como a vivencia, pode ser apreendida através do esquema figurativo, uma vez
que se apóiam sobre um pensamento social imbricado no nível mais profundo e
determinante da realidade, porque ambos os enfoques são complementares na
perspectiva dos processos sociocognitivos. Ou seja, ancoram a sexualidade como
ato sexual, objetivado através dos scripts social e sexual, que confere aos
adolescentes um saber prático sobre si e as manifestações da sexualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destaca-se que estudar representações sociais no grupo investigado se, de um
lado existe uma dificuldade na sua apreensão pela limitação do conhecimento
teórico do assunto, do outro o pensamento ingênuo sobre o mesmo se coloca como
uma possibilidade capaz de sua apreensão, pois é no manejo da vida cotidiana
que os sujeitos biopsicossociais dão sentido e orientação aos objetos de
compartilhamento social.
Assim, a maneira como o individuo vivencia sua sexualidade está norteada pelo
sexo feminino ou masculino, fator este gerador de atitudes, estabelecendo um
domínio público da sua opção e escolha sexual, quando solteira, quando casada.
Corresponde, dessa maneira, ao script social e sexual de sua condição.
A compreensão dessa estrutura foi facilitada pela adoção da teoria das
representações sociais, que ajuda a compreender o que as pessoas pensam, porque
pensam e quais os desdobramentos deste pensar sobre um determinado assunto,
particularmente aqueles considerados tabus.
Esta visão foi constatada nas três principais dimensões da pesquisa: dimensão 1
- o saber comum sobre a sexualidade; dimensão 2 - O saber compartilhado sobre a
sexualidade; dimensão 3 - tomada de posição frente a sexualidade. As dimensões
identificadas remetem a regras e práticas; à condição de quando falar, usar
métodos contraceptivos e obter informações sobre a sua sexualidade; bem como,
ao sentido e à orientação que atribuem ao ato sexual na esfera do pertencimento
social.
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