Práticas de enfermeiros na gerência do cuidado em enfermagem e saúde: revisão
integrativa
INTRODUÇÃO
O termo gerência do cuidado de enfermagem compreende a articulação entre as
esferas gerencial e assistencial que compõem o trabalho do enfermeiro nos mais
diversos cenários de atuação. Ele tem sido utilizado para caracterizar,
principalmente, as atividades dos enfermeiros visando à realização de melhores
práticas de cuidado nos serviços de saúde e enfermagem por meio do planejamento
das ações de cuidado, da previsão e provisão de recursos necessários para
assistência e da potencialização das interações entre os profissionais da
equipe de saúde visando uma atuação mais articulada(1-3).
A gerência do cuidado de enfermagem mobiliza ações nas relações, interações e
associações entre as pessoas como seres humanos complexos e que vivenciam a
organicidade do sistema de cuidado complexo, constituída por equipes de
enfermagem e saúde com competências/aptidões/potências gerenciais próprias ou
inerentes às atividades profissionais dos enfermeiros. A prática gerencial do
enfermeiro envolve múltiplas ações de gerenciar cuidando e educando, de cuidar
gerenciando e educando, de educar cuidando e gerenciando, construindo
conhecimentos e articulando os diversos serviços hospitalares e para-
hospitalares, em busca da melhor qualidade do cuidado, como direito do cidadão
(4).
Entretanto, muitos enfermeiros ainda consideram gerenciar e cuidar como
atividades dicotômicas e incompatíveis em sua realização e estabelecem uma
diferença entre cuidado direto e cuidado indireto, valorizando e entendendo
como cuidado somente aquilo que depende de sua ação direta junto ao paciente.
Nesse sentido, o cuidado indireto, apesar de ser uma ação voltada à organização
e implementação do cuidado direto, muitas vezes, ainda é pouco compreendido
entre os enfermeiros como uma dimensão complementar do processo de cuidar(1,5).
Entre as possíveis causas dessa dicotomia e da dificuldade de compreensão dos
enfermeiros acerca das ações que envolvem a gerência do cuidado e o cuidar
gerenciando, pode-se destacar a influência do modelo proposto por Florence
Nightingale, no século XIX, e dos preceitos das teorias administrativas que
influenciaram a institucionalização da Enfermagem como profissão.
Florence Nightingale, considerada a primeira administradora hospitalar,
demonstrou, com os resultados do trabalho que ela e sua equipe desenvolveram no
hospital militar da Criméia, a importância do conhecimento acerca das técnicas
e instrumentos administrativos, para a organização do ambiente terapêutico,
mediante a divisão do trabalho desenvolvido pelas nurses (cuidado direto) e
pelas ladies nurses (cuidado indireto) e na sistematização das técnicas e dos
procedimentos de cuidado de enfermagem(1). Essa divisão técnica do trabalho na
enfermagem profissional emergente tem suas raízes na dicotomia entre trabalho
intelectual e trabalho manual, e tem se perpetuado até os dias atuais.
As teorias administrativas, historicamente mais conhecidas e cujos
conhecimentos estão presentes no cotidiano da enfermagem e saúde, advêm das
teorias Científica, Clássica, de Relações Humanas, Burocrática, Comportamental,
de Sistemas e Contingencial. No entanto, elas são utilizadas pela Enfermagem de
forma pouco crítica e reflexiva, determinando, frequentemente, ações
reducionistas, pouco criativas e/ou inovadoras. Entre as principais
características desses modelos destacam-se a fragmentação do trabalho com
separação entre concepção e execução, o controle gerencial do processo de
produção associado à rígida hierarquia, a racionalização da estrutura
administrativa, a impessoalidade nas relações interpessoais e a ênfase em
sistemas de procedimentos e rotinas(6).
A partir da década de 1990, com as novas demandas exigidas pelo exercício de
cuidar do ser humano, o advento do Sistema Único de Saúde e as transformações
no mundo do trabalho, intensifica-se o debate acerca das mudanças necessárias
na gestão/gerência e organização do trabalho em saúde. Nesse contexto, emerge a
necessidade da construção de formas inovadoras e interativas de gerenciar em
enfermagem, que busquem transpor os limites institucionalizados do cuidado
tradicional, geralmente pautado em processos administrativos fundados no
pensamento positivista e determinista(3).
De modo a contribuir para o processo de construção de novas formas de gerenciar
em enfermagem e, ao mesmo tempo, clarificar as ações e os significados que
envolvem a prática gerencial dos enfermeiros, mais especificamente a gerência
do cuidado de enfermagem que é realizada por esses profissionais, questiona-se:
quais são as principais concepções e ações de gerência do cuidado dos
enfermeiros? Quais são as recomendações para melhores práticas de gerência do
cuidado?
Para responder tais questionamentos, realizou-se este estudo com o objetivo de
evidenciar e analisar as práticas dos enfermeiros na gerência do cuidado
descritas na produção científica nacional e internacional.
METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Este método permite que
pesquisas anteriores sejam sumarizadas e conclusões sejam estabelecidas a
partir da avaliação crítica de diferentes abordagens metodológicas. O seu
objetivo é sintetizar e analisar esses dados para desenvolver uma explicação
mais abrangente de um fenômeno específico a partir da síntese ou análise dos
achados dos estudos, com propósitos teóricos e/ou intervencionistas. As etapas
que conduziram esta revisão integrativa foram: formulação do problema; coleta
de dados; avaliação dos dados; análise e interpretação dos dados; apresentação
dos resultados e conclusões(7-8).
A coleta de dados foi realizada no período de outubro a novembro de 2010, nas
bases de dados Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde
(LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Bases de Dados
Específica da Enfermagem (BDENF) e Cumulative Index to Nursing and Allied
Health Literature (CINAHL) utilizando os seguintes descritores contemplados nos
Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Gerência e Administração, ambos
associados a Cuidado e Enfermagem. Na CINAHL, os termos de busca utilizados
foram: Nursing Management e Nursing Care. A partir da combinação desses
descritores, foram localizadas 788 produções.
Os critérios de inclusão foram: artigos originais publicados entre os anos de
2005 e 2010, disponíveis na íntegra, que abordavam a temática administração/
gestão/gerência do cuidado, dentro de todas as áreas de interesse da
enfermagem; publicados em português, espanhol ou inglês, independente do método
de pesquisa utilizado.
Foram excluídos artigos de revisão de literatura/reflexão, editoriais, resumos
de anais, teses, dissertações, TCCs, boletins epidemiológicos, relatórios de
gestão, documentos oficiais de programas nacionais e internacionais, livros,
publicações que não se enquadraram no recorte temporal estabelecido e estudos
que não respondiam a pergunta de pesquisa estabelecida inicialmente. Estudos
encontrados em mais de uma base de dados foram considerados somente uma vez.
Assim, a amostra final foi constituída por 27 artigos(9-35). Para avaliação dos
dados, elaborou-se um instrumento de coleta das informações visando responder a
questão norteadora desta revisão. A análise e interpretação dos dados foram
realizadas de forma organizada e sintetizada por meio da elaboração de um
quadro sinóptico que compreendeu os seguintes itens: identificação do estudo;
objetivos, ano e periódico de publicação; delineamento do estudo; temática;
participantes da pesquisa; e, principais resultados e recomendações. Os artigos
selecionados foram analisados na íntegra e agrupados por áreas temáticas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos artigos analisados, observou-se que seis foram publicados em revista
específica sobre gerenciamento de enfermagem, o Journal of Nursing Management.
Entre os periódicos brasileiros, destacaram-se a Revista Brasileira de
Enfermagem e a Revista Latino-Americana de Enfermagem, respectivamente com
quatro e três publicações. Em relação ao ano de publicação, constatou-se que,
no período elencado para análise, a produção sobre gerência do cuidado foi
crescente, sendo que o ano de 2009 concentrou oito publicações (29,7%). A
maioria dos estudos foi realizada no Rio de Janeiro, São Paulo e exterior,
representando 18,5% cada. Quanto ao tipo de pesquisa, todos os artigos foram
originais, a maioria de natureza qualitativa (88,8%), tendo como cenário de
estudo o contexto hospitalar (74%).
A partir da análise dos resultados dos estudos, constituíram-se três categorias
temáticas: Concepções sobre gerenciamento de enfermagem e gerenciamento do
cuidado; Ações de gerenciamento do cuidado na prática do enfermeiro; e,
Recomendações para melhores práticas gerenciais do enfermeiro.
Concepções sobre gerenciamento em enfermagem e o gerenciamento do cuidado
Dos textos analisados, poucos explicitam o conceito de gerência do cuidado
utilizado. Em alguns casos, a noção de gerência apresentada foi construída com
base nos dados empíricos. Nesse sentido, o gerenciamento é apontado como um
processo que compreende trabalhar com pessoas e envolve diversos recursos para
alcançar os objetivos organizacionais, tais como planejar, avaliar, organizar,
liderar e controlar(31). Num estudo realizado numa Central de Material de
Esterilização de um hospital de São Paulo, as enfermeiras relataram que a
gerência era a principal atividade naquele setor e compreendia as seguintes
funções: planejamento, elaboração de instrumentos administrativos e
operacionais, administração de recursos materiais, de pessoal e supervisão(11).
Fica evidente que, ao se pensar em gerenciamento de enfermagem, associam-se as
idéias de previsão, aquisição, transporte, recebimento, armazenamento,
conservação, distribuição e controle(20).
A outra prática do enfermeiro envolve o gerenciamento do cuidado que está em
consonância com as constantes mudanças organizacionais a fim de cumprir as
metas predeterminadas para garantir o cuidado ao paciente. Consiste em um
processo amplo, que abrange ações de cuidado, ações administrativas, quer sejam
burocráticas ou não, ações educativas e pesquisa, todas convergindo para o
benefício do paciente. É intransferível e exige um critério profissional que,
desde o planejamento até a execução, responda aos padrões éticos, jurídicos e
técnico-científicos que só se alcançam com uma formação superior. Compreende na
aplicação de um conceito profissional de planejamento, organização, motivação e
controle da provisão de cuidados. A gestão do cuidado interfere nas variáveis
críticas da atenção de enfermagem: acesso, oportunidade, humanização,
segurança, qualidade e redução de custos(12,15,30).
O gerenciamento centrado no e para o paciente resulta na convergência do
cuidar/gerenciar. Observa-se a existência de uma articulação entre as dimensões
gerencial e assistencial, visando atender as necessidades de cuidado dos
pacientes e, ao mesmo tempo, da equipe de enfermagem e da instituição. A
articulação dessas duas dimensões implica em aprimorar o foco do trabalho
gerencial, pois, no contexto contemporâneo, a dimensão organizacional do
cuidado exige a incorporação nos processos gerenciais de conhecimentos,
atitudes e ações tanto de cunho racional como do sensível para alcançar
resultados efetivos e satisfatórios(15,28).
Ações de gerência do cuidado na prática profissional do enfermeiro
A partir da análise dos estudos incluídos, identificaram-se oito ações de
gerência do cuidado realizadas pelos enfermeiros no seu cotidiano de trabalho:
1) Dimensionar a equipe de enfermagem; 2) Exercer liderança no ambiente de
trabalho; 3) Planejar a assistência de enfermagem; 4) Educar/Capacitar a equipe
de enfermagem; 5) Gerenciar os recursos materiais; 6) Coordenar o processo de
realização do cuidado; 7) Realizar o cuidado e/ou procedimentos mais complexos;
e 8) Avaliar o resultado das ações de enfermagem.
O dimensionamento de pessoal de enfermagem foi a ação de gerência do cuidado
relacionada ao gerenciamento de recursos humanos(10,18- 19, 24, 29, 35). Esta
ação envolve a avaliação, o planejamento e a distribuição do quantitativo
necessário de recursos humanos de enfermagem disponível de acordo com as
necessidades de cuidado dos pacientes e familiares, de modo a zelar pela
qualidade do cuidado(10,16,18,24,29).
O exercício da liderança no ambiente de trabalho foi identificado como um
componente fundamental a gerência do cuidado(9,14,17,23,26,32). A liderança
potencializa a coordenação e articulação das atividades que envolvem a produção
do cuidado em saúde e enfermagem, bem como dos profissionais que a desempenham.
O enfermeiro líder é o principal responsável pelo desenvolvimento e pela
organização de um ambiente que favoreça e potencialize a qualidade dos cuidados
de enfermagem(32). Liderar requer a adoção de uma atitude participativa ao se
relacionar com a equipe e tomar decisões, sem imposição do poder, valorizando o
trabalho em equipe(9).
Apesar da importância da liderança, ocupar o posto de líder no contexto
organizacional nem sempre é um objetivo visado pelos enfermeiros. Há quatro
caminhos que conduzem o enfermeiro à liderança: caminho dos ideais, plano de
carreira, caminho do acaso e caminho temporário. No caminho dos ideais, o
enfermeiro escolhe conscientemente tornar-se um líder e procura se qualificar
profissionalmente e pessoalmente para tal. No caminho plano de carreira, os
enfermeiros buscam a liderança visando aos benefícios que poderão advir dessa
função, tais como salários mais elevados, maior visibilidade na organização e
jornada de trabalho mais flexível. No caminho do acaso, a escolha pela
liderança não é planejada e, na maioria das vezes, nem mesmo desejada, pois ela
advém da pressão externa de colegas ou superiores para assumir o cargo ou a
função de líder. O caminho temporário é quando o enfermeiro assume a função de
líder ao substituir por um tempo determinado algum colega para ajudá-lo e/ou
para experimentar como é ser líder, mas ciente de que a experiência tem um
tempo certo para terminar. O plano de carreira e o acaso são os caminhos que
conduzem com maior frequência os enfermeiros à liderança(13).
O planejamento da assistência de enfermagem como uma ação de gerência do
cuidado ocorre por meio de um exercício contínuo de fazer escolhas e elaborar
planos para realizar ou colocar uma determinada ação em prática
(14,18,19,25,28). Ele envolve a avaliação das condições de saúde dos pacientes
e, desse modo, o direcionamento das ações terapêuticas que serão empreendidas,
bem como a delegação de atividades para equipe de enfermagem, organização dos
diferentes procedimentos aos quais o paciente é submetido e previsão/provisão
dos materiais e recursos que são necessários(18-19,25). Para um planejamento
eficaz, recomenda-se que o enfermeiro utilize indicadores, informações
epidemiológicas e gerenciais para embasar suas ações e decisões(28). A
Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) é um exemplo da prática de
planejamento do enfermeiro, por meio da qual ele articula a dimensão
assistencial e gerencial do seu trabalho(14).
A ação de educar/capacitar a equipe de enfermagem é uma prática gerencial que
assume características diferentes conforme as particularidades do contexto de
atuação(19,22,25). Ao capacitar as equipes sob sua responsabilidade, o
enfermeiro atua como facilitador da aquisição de saber, atualização
profissional e capacidade de auto-organização, o que contribui para a
realização de melhores práticas de cuidado(18-19,25).
A gerência dos recursos materiais foi considerada como uma ação gerencial do
enfermeiro que envolve planejamento, supervisão e avaliação a fim de assegurar
a quantidade e qualidade dos materiais necessários para que os profissionais
realizem suas atividades sem riscos para si próprios e para os pacientes, além
de garantir uma assistência contínua de qualidade e a um menor custo(9,19,35).
Quanto à atividade de coordenar a realização do cuidado, essa ação provém da
participação do enfermeiro em todas as etapas da produção do cuidado,
orientando, controlando, supervisionando, garantindo os recursos necessários às
intervenções, articulando, interligando e encaminhando todas as ações
assistenciais realizados pelo conjunto dos profissionais de saúde e enfermagem
nos serviços de saúde(18-19,25).
O enfermeiro também gerencia o cuidado ao prestar assistência aos pacientes e
familiares e realizar os procedimentos mais complexos que lhe são privativos,
visando sempre à humanização da assistência, de forma a respaldar a sua atuação
dentro dos princípios éticos, utilizando a melhor tecnologia possível,
correspondente ao avanço científico, valorizando a qualidade de vida do ser
humano(9,17-18).
Avaliar o resultado das ações de enfermagem foi evidenciada como uma prática de
gerência do cuidado na medida em que possibilita ponderar se os efeitos obtidos
são realmente os desejados e planejados inicialmente e se estão em consonância
com a visão, a missão, os valores da organização e, principalmente, se atendem
satisfatoriamente às demandas e necessidades dos pacientes. A partir do
processo avaliativo, pode-se elaborar estratégias para redirecionar as ações de
enfermagem ou mesmo solucionar intercorrências gerenciais e assistenciais que
emergem durante o trabalho(9,28).
A partir da descrição das principais ações de gerência do cuidado realizadas
pelos enfermeiros, pode-se concluir que gerenciar o cuidado é um processo que
se materializa por meio de um conjunto de práticas/atividades que são
interdependentes e complementares entre si. A ênfase no dimensionamento de
pessoal pode ser explicada por ser essa a principal atribuição gerencial que
recai sobre os enfermeiros nos serviços de saúde e uma condição sine qua nom
para que todo o processo de cuidar em saúde e enfermagem seja possível.
Outro aspecto interessante é que nove artigos associam, direta ou
indiretamente, as ações de gerência do cuidado realizada por enfermeiros à
qualidade do cuidado de enfermagem e saúde. É atribuição do enfermeiro otimizar
os recursos existentes, proporcionar, na medida do possível, melhores condições
de trabalho para os profissionais e, consequentemente, zelar por uma
assistência mais eficaz, segura e com mais qualidade ao paciente e sua família
(14,16,18-19,25,32,34-35). Porém, avaliar a qualidade e os resultados das
intervenções de enfermagem foi uma atividade pouco citada pelos estudos
analisados, o que instiga uma reflexão sobre como os enfermeiros poderão zelar
pela qualidade/excelência do cuidado prestado aos pacientes/usuários dos
serviços de saúde se eles não realizarem processos avaliativos que identifiquem
pontos positivos e/ou avanços obtidos e, principalmente, pontos negativos que
requerem intervenções.
Recomendações para melhores práticas gerenciais dos enfermeiros
As recomendações identificadas nos artigos incluídos neste estudo convergem
para um ponto em comum: a necessidade de rever o processo de formação do
enfermeiro para a gerência do cuidado em saúde e enfermagem(10,14-15,21,35),
com o objetivo de refletir e questionar o descompasso entre a formação e a
prática do enfermeiro e a dicotomia entre assistência e gerência do cuidado,
bem como ampliar as reflexões sobre a tríade cuidar-gerenciar-educar.
O descompasso entre o processo de formação e a prática do enfermeiro resulta em
tensões, desmotivação e conflitos. As escolas de enfermagem têm privilegiado a
formação de enfermeiros altamente preparados para prestar o cuidado
individualizado com bases científicas; no entanto, na prática, a função
esperada desse profissional, na maioria das vezes, é a gerência dos serviços
que, não raro, se limita ao controle de material e de pessoal em detrimento do
gerenciamento do cuidado.
Além disso, a distribuição e a relação dos conteúdos (técnicos x
administrativos) na grade curricular têm se mostrado inadequadas, uma vez que a
disciplina teórica de administração é abordada de forma segmentada entre os
semestres letivos e a prática da administração em enfermagem está concentrada
no final do curso(10,15). Dessa forma, abre-se uma discussão em torno da
necessidade de se reestruturar o ensino de enfermagem, de modo a fortalecer a
competência administrativa do enfermeiro ao longo do curso e, consequentemente,
desenvolver uma assistência mais qualificada que o aproxime da gerência do
cuidado.
Nesse sentido, é importante que a reestruturação do ensino de enfermagem ocorra
com base nas Diretrizes Curriculares, já que estas contemplam competências e
habilidades necessárias ao exercício da profissão e aderentes aos princípios do
SUS(21). Essa reestruturação pode preparar os futuros enfermeiros para
acompanhar as mudanças sociais, políticas e epidemiológicas que têm ocorrido
nos diferentes cenários de realização do cuidado de saúde e enfermagem.
É necessário, ainda, que a formação e a práxis do enfermeiro transitem entre as
dimensões cuidadora, gerencial, educadora e de investigação científica do
processo de trabalho da enfermagem para que ele assuma seu papel de articulador
no sistema, nos serviços e na assistência à saúde, na perpectiva da
integralidade, da integração ensino e serviço, atendendo as demandas da
população e construindo caminhos para a operacionalização do SUS. Por
conseguinte, a docência deve estar sintonizada com esse contexto histórico e
social e se reunir com seus parceiros para reorientar o Projeto Pedagógico do
Curso, adequando-o aos modelos pedagógico, assistencial e gerencial
preconizados(14).
Assim, destaca-se a necessidade de despertar novas abordagens gerenciais do
cuidado de enfermagem que estejam associadas à ideia de avançar para novos
espaços de atuação profissional e superar práticas assistencialistas,
ultrapassar normas, rotinas inflexíveis e implementar modelos mais
horizontalizados de tomada de decisões; ir além do cuidado pontual e
unidimensional, adotando novas abordagens de intervenção na saúde, por meio da
educação e promoção da saúde. Ademais, é preciso propor aos graduandos de
enfermagem experiências diversificadas que possibilitem a interação, associação
e trabalho em equipe, especialmente para o aprendizado da habilidade de
liderança da equipe de enfermagem, tendo em vista atingir aptidões integradoras
e sistêmicas nos diferentes cenários da prática do enfermeiro(27,35).
Nos Estados Unidos, a liderança do enfermeiro tem sido um foco de preocupação e
investimento constante da Associação Americana de Faculdades de Enfermagem. Em
2000, essa Associação, juntamente com gerentes e educadores de enfermagem,
projetou a função de Clinical Nurse Leader (CNL), que é um profissional
responsável pela liderança da prática clínica. Trata-se de um enfermeiro com
mestrado em Ciências de Enfermagem, com foco no desenvolvimento de habilidades
clínicas e de liderança para atuar na gestão de sistemas de cuidados de saúde
ao nível da unidade clínica, cuja função principal é primar pela qualidade do
cuidado e segurança dos resultados das práticas de saúde e enfermagem(22-23,25-
26).
Entre as ações desse profissional, destacam-se: advogar em prol do paciente,
coordenar e planejar as intervenções/cuidados de saúde e enfermagem
identificando quando outros profissionais são necessários para responder às
questões do paciente e da família, supervisionar e orientar enfermeiros menos
experientes e auxiliar o paciente a utilizar eficientemente no sistema de
saúde. Essas ações visam minimizar as lacunas de comunicação e informação entre
o paciente, a família e a equipe de saúde e enfermagem visando à melhoria da
qualidade do cuidado e segurança dos resultados das práticas de saúde e
enfermagem(22-23,25-26,32-33).
O exercício da liderança está relacionado, também, com a formação de novos
líderes. A partir do momento em que os enfermeiros líderes passam a promover o
conhecimento da liderança em enfermagem, eles passam a atribuir significados a
essa área. Percebe-se, com isso, a importância dos enfermeiros líderes como
formadores de novas lideranças. Disso decorre a necessidade de requisitos
educacionais para desenvolver uma liderança de enfermagem cada vez mais
competente(22).
Diante da análise apresentada, acredita-se que a revisão do processo de
formação do enfermeiro para a gerência do cuidado em saúde e enfermagem tende a
desencadear mudanças significativas na sua atuação profissional e na
reorganização do trabalho em enfermagem nos serviços de saúde. A reestruturação
do ensino, realizada de forma não segmentada, pode contribuir para uma melhor
compreensão da gerência do cuidado como fruto da articulação das dimensões
assistencial, gerencial, educativa e investigativa, as quais são
interdependentes e complementares na prática do enfermeiro nos serviços de
saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise da produção científica nacional e internacional sobre as
práticas dos enfermeiros na gerência do cuidado em enfermagem e saúde,
constatou-se que a gerência do cuidado é uma atribuição do enfermeiro
diretamente relacionada à busca pela qualidade assistencial e de melhores
condições de trabalho para os profissionais. Para tanto, o enfermeiro atua na
realização do cuidado, na gerência de recursos humanos e materiais, na
liderança, no planejamento da assistência, na capacitação da equipe de
enfermagem, na coordenação da produção do cuidado e na avaliação das ações de
enfermagem.
As recomendações para melhores práticas gerenciais estão centradas no processo
de formação dos futuros enfermeiros e indicam a necessidade de oportunizar que
os estudantes compreendam na teoria e vislumbrem e vivenciem na prática as
possibilidades de articulação entre gerência e cuidado na prática profissional
do enfermeiro. Destaca-se que também são necessários novos estudos e ações
inovadoras visando à capacitação e ao desenvolvimento das potencialidades dos
enfermeiros que já atuam nos serviços de saúde, os quais são coparticipes do
processo de formação dos acadêmicos de enfermagem.
Acredita-se que este estudo contribui com a superação das tensões existentes
entre as dimensões gerencial e assistencial da atuação do enfermeiro ao
clarificar algumas ações do enfermeiro que remetem às convergências entre essas
duas esferas, as quais se entrelaçam/fundem na gerência do cuidado das ações de
enfermagem e de saúde de maneira mais ampla. São necessários novos estudos que
avancem nessa compreensão e confiram maior visibilidade à atuação dos
enfermeiros, considerando a complexidade organizacional, as incertezas e as
transformações políticas/sociais/econômicas inerentes aos serviços de saúde e à
produção do cuidado em enfermagem e saúde.