Vivência da mulher na escolha do Método de Ovulação Billings
INTRODUÇÃO
Na história dos métodos contraceptivos, vários documentos mostram a utilização
de ervas, substâncias ácidas e unguentos, nas condutas para anticoncepção
realizadas por civilizações antigas. Desde os séculos XVIII e XIX a.C., os
egípcios mencionavam em papiros a composição de tampões vaginais, compostos de
goma de acácia, mel e até fezes de crocodilo que, segundo eles, impediam a
concepção(1). Os documentos com registro científico sobre a temática surgiram
no século XVI, na Europa, a partir da introdução e difusão das artes, da
ciência e dos estudos filosóficos, que levaram a novos conhecimentos da
anatomia e da fisiologia do sistema reprodutor feminino(2). Grandes avanços na
medicina e especificamente na área da ginecologia aconteceram nos séculos XIX e
XX, culminando com a criação de diferentes métodos de contracepção e a
utilização em larga escala pela população feminina e masculina(3). Na década de
60, vários fatos marcaram as discussões sobre planejamento familiar no âmbito
mundial, e as estratégias para sua implantação efetiva, dentre eles, a
Conferência Internacional de Teerã, realizada em 1968, comemorando o 20º
aniversário dos Direitos Humanos da ONU, onde 84 países foram unânimes em
aceitar o planejamento familiar como um direito humano fundamental e universal
(4).
No Brasil, até a década de 70, as políticas de saúde da mulher eram
direcionadas apenas para o período gravídico-puerperal. Nesse período, o
Ministério da Saúde, Previdência e Assistência Social, precursor do atual
Ministério da Saúde, articulou algumas propostas à população quanto ao
planejamento familiar, pois o país apresentava altos índices de natalidade.
Somente a partir da década de 80, a anticoncepção teve respaldo, através da
promulgação da nova Constituição Federal(5). Atualmente, mais de cem mil
mulheres em todo o mundo utilizam algum contraceptivo oral. Uma pesquisa feita
pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, em
cinco capitais, Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo e Belo
Horizonte, revela que 84% das mulheres entrevistadas, que utilizam algum
contraceptivo oral, decidiram troca-lo, pois se queixaram de dores de cabeça,
enjoo e, principalmente, aumento de peso(6).
Apesar de uma grande soma de dinheiro ter sido investida no desenvolvimento e
aprimoramento de métodos químicos e mecânicos de anticoncepção, muitos
produtos, como a pílula e o diafragma, por exemplo, possuem alto índice de
efeitos colaterais e insucesso em sua utilização(6-7). Mulheres que buscam
novas alternativas, menos agressivas ao organismo, têm nos métodos naturais uma
opção de controle da fertilidade, como por exemplo, os métodos de ritmo e o da
temperatura. Porém, estes têm gerado grande desconfiança ou restrições para o
casal, dificultando o seu uso. Conscientes desta lacuna, um grupo de doutores e
pesquisadores médicos de Melbourne, na Austrália, desenvolveu, durante 27 anos,
um método simples, mas substancial, no qual as mulheres reconhecem períodos
férteis ou inférteis a partir das características do muco, que podem ver e
sentir no orifício vaginal. A base do método, portanto, é o reconhecimento do
muco(8). Este é produzido pela cérvix, e está sob o controle dos hormônios
reprodutivos. Além disso, estudos científicos mostraram que o muco é essencial
para que ocorra a concepção, como também para demonstrar o estado de
fertilidade, através da sensação e aparência, quando ele se mostra presente. No
primeiro estudo sobre o muco cervical, Smith (1855) descreve que a concepção
tem a maior possibilidade de ocorrer quando o muco está "na condição mais
fluida"(8), Para os autores Seguy e Simmonet (1933), o muco apresentado pela
mulher no momento fértil tem relação com o ápice de produção de estrógeno(8).
Após o acompanhamento de centenas de mulheres, John Billings (1953) constatou
que a sensação produzida pelo muco, assim como sua aparência, serviu para que
elas reconhecessem o inicio da fertilidade(8). Na década de 1970, o estudo de
Billings passa a ser cientificamente aceito como um método contraceptivo
eficaz, após informe preliminar com indicação de 97% de eficácia. Estudo
randomizado, realizado em mulheres usuárias do Método da Ovulação Billings
(MOB), em vários países de diversos continentes, contribuiu para o abandono do
uso de medidas de temperatura e de cálculos de ritmo associados ao MOB,
comparando-o favoravelmente com a eficácia de métodos anticoncepcionais
conhecidos, como a pílula e o Dispositivo Intrauterino (DIU)(8).
Diante da necessidade de controle da concepção, o enfermeiro, assim como os
demais profissionais de saúde, deve conhecer os métodos contraceptivos, com o
intuito de informar e instruir as usuárias que desejam - ou precisam - utilizar
métodos que fogem aos parâmetros tradicionais - químicos e mecânicos - ou que,
por algum motivo estão impedidas de fazer seu uso, garantido ao casal o direito
pregado pela constituição federal de planejamento familiar responsável(5).
A oposição ao método advém, principalmente, dos que o confundiram com o método
de ritmo, ou dos que não receberam a informação correta para executá-lo, sendo
assim, a possibilidade de insucesso na sua utilização é alta, atribuindo ao MOB
um falso caráter de ineficaz. Vale ressaltar que por ser um método
comportamental, ele requer um empenho do casal, para que juntos consigam chegar
ao objetivo da anticoncepção.
Para realizar este estudo, ainda com base no que foi acima citado, os autores
foram norteados pelas seguintes inquietações: porque as mulheres escolhem o
Método da Ovulação Billings? Como elas o executam? As usuárias confiam neste
método? Pensando assim, o estudo teve como objetivo central compreender a
percepção da mulher na escolha do método da ovulação Billings e, como objetivos
específicos, descobrir o porquê de sua escolha por esse método; além de avaliar
seu conhecimento durante sua realização.
PERCURSO METODOLÓGICO
Realizou-se um estudo de caso descritivo e exploratório com abordagem
qualitativa, no período entre fevereiro e novembro de 2010, buscando alcançar
os objetivos propostos pelo trabalho. A população do estudo foi estabelecida
durante a coleta de dados sendo utilizado o critério de saturação, ou seja,
quando as informações se tornaram repetitivas, pôde-se considerar o número de
participantes suficiente(9). Foram entrevistadas 10 mulheres na faixa etária
média de 34 anos, que utilizavam exclusivamente o Método da Ovulação Billings,
há no mínimo dois anos, com a finalidade de contracepção e/ ou fertilidade; e
que já possuíam experiências anteriores com outros métodos contraceptivos.
Estes sujeitos do estudo foram obtidos por contato direto com os pesquisadores
e através de informantes, os que concordaram em participar leram e assinaram o
termo de consentimento livre e esclarecido. Ressalta-se que foi resguardado o
anonimato dos informantes e que o estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP), do Centro Universitário UNA, conforme o protocolo 28/2010 e
registro no Ministério da Saúde sob o Sisnep número: 0015.0.391.000-10.
Como estratégia de coleta de dados, utilizou-se a técnica de entrevista
semiestruturada, estas foram gravadas e transcritas na íntegra, para posterior
análise. Os dados obtidos foram organizados segundo a Técnica de Análise
Conteúdo(10), seguindo as seguintes etapas: 1º a pré-análise; 2º a exploração
do material e; 3º o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
Na pré-análise, os dados foram ordenados, transcrevendo as entrevistas de forma
integral e preservando as falas na íntegra(10). Posteriormente, o material
transcrito foi agrupado, submetido a uma análise detalhada e exaustiva e
confrontado com a literatura encontrada. O resultado disso foram núcleos de
sentido, que acarretaram a concretização dos subtemas deste estudo e a
construção de três categorias: Método Billings: o porquê de sua escolha; do
conhecimento à prática; do medo à segurança.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Perfil das Mulheres
O perfil dos sujeitos da pesquisa, a partir dos dados levantados durante as
entrevistas, está apresentado na tabela abaixo:
Tabela_1
A partir de uma breve análise, verifica-se a unanimidade (100%) sobre o estado
civil das participantes (casadas), ressaltando a importância da estabilidade na
relação para a realização do método, mesmo este não sendo um parâmetro de
exclusão para a sua utilização. A idade média das participantes e o tempo médio
de uso do método são, respectivamente, de 34 e 7, 7 anos. Quanto ao grau de
escolaridade, nota-se uma parcela significativa com mais de 15 anos de estudo
(80%), apesar de o nível de escolaridade também não ser fator determinante para
a realização do método.
Método Billings: o porquê da escolha
A escolha de um método contraceptivo pelo casal é permeada por diferentes
aspectos, como aceitação física, habilidade em seu manejo, entendimento do
usuário, fatores sócio-culturais, dentre outros. Estes diversos aspectos podem
influenciar de maneira positiva ou negativa, o que não podemos é menosprezar
sua existência, nem tampouco negar que estes são marcadores na construção de um
planejamento familiar seguro e eficaz. Na opção pelo método Billings, várias
influências foram citadas pelas mulheres entrevistadas. A religião foi o fator
principal para escolha deste método.
Eu estava procurando um método natural, por usar o anticoncepcional e
não me adaptar, e também, o conhecimento da palavra e por questões
religiosas. (E1)
Primeiramente por causa da questão religiosa, da Igreja aceitar o
método, para espaçamento entre os filhos. (E6)
Porque é um método permitido pela Igreja. (E7)
A religião como motivação para realização do método esteve presente em metade
das entrevistas realizadas. A importância das religiões na vida das pessoas é
indiscutível. A sexualidade é parte da vida cotidiana de todos os seres humanos
e é um tema abordado de maneira muito diferente entre as diversas religiões.
Algumas doutrinas pregam que o controle da natalidade deve ser realizado de
maneira natural e espontânea, já que o princípio básico descrito nas escrituras
é que cresçamos e multipliquemos. Assim, qualquer que seja a religião, ela
exerce forte influência sobre a sexualidade e o comportamento das pessoas(11).
O método Billings também foi escolhido pelas entrevistadas diante de sua não
adaptação a métodos escolhidos anteriormente.
Eu já utilizei a pílula, e pra mim era horrível, porque eu tinha
muito enjôo, muita cólica, e eu não me adaptei (...) por isso eu
estava em busca de outro método... (E1)
Durante um período eu utilizei o Mirena (DIU) que é um método
contraceptivo interno, não me sentia confortável com esse método
(...) apesar de ser um dos métodos mais seguros e um dos métodos que
hoje mais modernos de poder se evitar a gravidez (...) eu não me
sentia confortável com utilização desse método... (E3)
"Eu já utilizei a pílula, e não me sentia bem, devido a inchaço, mal
estar, enjoo..." (E4)
Já utilizei o método de barreira, a camisinha. Não me adaptei. E o
anticoncepcional oral (...) também não me adaptei. (E5)
Já utilizei anticoncepcional eu me sentia muito mal, tinha enxaqueca,
dor nas pernas (...). Eu tinha aquele sangramento chamado "splot"
durante o ciclo menstrual (...) eu não me sentia bem. (E8)
A escolha do método Billings, na maioria das vezes, se sucede a outras
tentativas de contracepção, como os métodos de barreiras e hormonais. A não
adaptação com os métodos anteriores e seus efeitos colaterais: inchaço, enjôo,
náuseas, desconforto, enxaqueca e dor, levam as mulheres a continuarem na busca
por um método contraceptivo que proporcione bem-estar e conforto. Assim o
Método Billings aparece como uma tentativa para obter sucesso no planejamento
familiar, sem agressão ao corpo ou sacrifícios adicionais que outros métodos
acarretam(8). A escolha pelo MOB acontece também a partir de uma inquietação
pessoal em busca de um método melhor para si.
... Conheci uma moça na Federal que fazia enfermagem e fazia o
Billings, achei interessante como ela era confiante, em fazer esse
método, sem medo da gravidez, desde então comecei a estudar sobre o
assunto, para provar para mim se ele era seguro, então comecei a
fazer, para testar e não é que deu certo! (E10)
A curiosidade fez com que a mulher buscasse informações para a sua utilização e
confirmasse a eficácia de algo estigmatizado - os métodos comportamentais -
reafirmando o MOB como método seguro e eficaz, após estudo e orientação. Mais
um incentivo deste método é o sentido de admiração e profunda satisfação que
provém de estar em sintonia com os ritmos naturais do corpo(12).
... Estar tranquilo comigo mesma, saber que não estou indo contra
aquilo que eu acredito. Também porque é um método que respeita minha
pessoa, ou seja, não me agride física e psicologicamente, respeita o
funcionamento natural do meu corpo (...) É um método onde não tem
nada de artificial, muito pelo contrário, você se conhece melhor,
respeita sua individualidade, não produz malefícios para sua saúde...
(E7)
Optei por ser um método natural, que não agride meu organismo, por
acreditar que ele é um método seguro, por me sentir bem na realização
do método. (E4)
... Esse método auxilia a mulher a se conhecer, conhecer o próprio
corpo, conhecer seus momentos de fertilidade (...) e reconhecer,
muitas das vezes o meu temperamento. (E3)
Assim as adeptas pelo método buscam uma alternativa segura e que não agrida, ou
atrapalhe o funcionamento natural de seu corpo. Elas procuram obter uma
profunda sintonia consigo mesmas e acreditam que assim poderão alcançar o
autoconhecimento, capaz de promover o bem estar físico, mental e espiritual.
Este conhecimento é transferido para as ações cotidianas, já que o bem-estar
por ele proporcionado reflete no surgimento de mulheres seguras, confiantes e
que dominam uma situação fundamental em suas vidas: o controle de sua
fecundidade.
Método Billings: do conhecimento à prática
Em nossa sociedade, o método Billings é pouco difundido e aceito pelos
usuários. Talvez devido a uma visão equivocada, que o concebe como inseguro e
ineficaz, oferecendo muitos riscos para quem o pratica. O que gera esta
desconfiança é desconhecimento sobre como é realizado ou, em alguns casos, a
sua prática de maneira incorreta. Deste modo, ao longo das entrevistas,
percebemos a necessidade das mulheres de nos revelar, em seus discursos, como
realizam o método, expresso nos seguintes trechos:
Eu observo a presença do muco (...) mais ou menos no décimo quarto
dia do meu do meu período, e ai eu sei que neste dia eu estou
ovulando, então eu tenho uma margem de segurança dois dias antes dois
dias depois (...) e nesse período eu não tenho relação sexual. (E5)
Com a ovulação os hormônios femininos fazem com que a cérvix produza
um tipo de muco, então quando esse muco esta presente, nestes dias,
eu evito ter relação sexual (...) no período pré-ovulatório, são
alternadas as noites que são possíveis ter relações. Assim que eu
identifico o período fértil, eu espero três dias (...) após esses
três dias, todos os dias estão liberados para relações sem medo de
uma futura gravidez (...) esse muco tem um aspecto escorregadio, de
clara de ovo, é um muco distensível, bem característico nesse período
ovulatório... (E4)
... Observando as características do muco cervical, procuro anotar
essas observações e saber quando estou entrando no período fértil
(...) entrando nessa fase, vejo que o muco é mais claro, mais
elástico, se quero evitar uma gravidez entro em abstinência sexual,
contando mais três dias. (E7)
... Pela observação do muco, nos dias que percebo que o muco esta
mais consistente. É o dia que realmente não pode ter relação (...) eu
observo dois dias antes e dois dias depois e evito nesses dois dias
também (...) fora isso, relação normal. (E8)
As alterações produzidas pelo muco cervical é que norteiam as mulheres se estão
ou não no período fértil. Nos discursos acima encontramos algumas informações
confusas, desencontradas, incorretas quanto à realização do método. Para
algumas o muco que sinaliza o período fértil é semelhante a uma clara de ovo, e
um muco distensível, já para outras o muco que indica fertilidade é de aspecto
mais consistente. Outra diferença encontrada nas falas é quanto ao tempo de
abstinência sexual durante o período fértil que para algumas é de dois dias
antes e depois, já para outras é de três dias.
Para a correta utilização do método, é importante verificar que os primeiros
dias inférteis são os dias antes de ocorrer qualquer mudança no padrão básico
de infertilidade. Tais dias podem ser secos, sem qualquer sinal de muco, ou
mesmo que ele ocorra, será quase seco, pegajoso ou espesso, constante, dia após
dia, indicando infertilidade(8,12). Uma mudança nesse padrão indica possível
fertilidade. Relações sexuais poderão ocorrer em noites alternadas, apenas
nesta fase do ciclo. Se o padrão básico de infertilidade muda em algum aspecto,
mesmo que mínimo, é aconselhável que durante esta fase não haja relações
sexuais, mantendo uma margem de três dias após a mudança, para verificação se
realmente o muco é fértil ou não(8,12). Quando surge uma sensação de
lubrificação ou verifica-se o aparecimento do muco claro - ou filamentoso -
esse será considerado o dia ápice de fertilidade. Esse dia coincide, de perto,
com o dia da ovulação. Caso a mulher utilize o método como contraceptivo, deve-
se evitar a relação sexual neste dia e nos outros três consecutivos. Caso ela o
utilize como método de fertilidade, este dia, mais os três seguintes são
indicados para o coito(8).Os trechos a seguir evidenciam a correta utilização
do método:
Após a menstruação os dias inférteis são os dias antes de qualquer
mudança, por isso nesse período pré-ovulatório as relações sexuais
serão permitidas em dias alternados, para que o líquido seminal e as
secreções vaginais não confundam a mulher que observa, qualquer
mudança do padrão básico de infertilidade (...) indica uma possível
fertilidade (...) se o muco aparece espera-se 3 dias para verificar
se o padrão de infertilidade volta, se voltar o período ovulatório já
aconteceu (...) se voltar o muco tem que se usar novamente a regra
dos 3 dias, e esperar para ver se volta o padrão de infertilidade,
que é o marcador da passagem da ovulação. (E10)
Eu observo o muco cervical, presente em forma de clara de ovo,
elástico, no período mais fértil, logo após minha menstruação... Fico
bem atenta ao primeiro sinal do muco, alternando as noites de
relação, quando percebo o muco, conto três dias se desaparecer e
voltar a ficar seca é porque a ovulação já foi, e não terei chance de
engravidar, se depois de três dias não passar, espero até acabar o
muco, para ter certeza, que a ovulação já foi. (E9)
Por se tratar de um método comportamental é fundamental saber corretamente a
técnica, para que não haja enganos conseqüentes da prática incorreta e
insucesso nos objetivos desejados. Neste momento, a procura de profissionais de
saúde ou de pessoas capacitadas para ensinar o método corretamente torna-se
fundamental. Deste modo, quando a técnica do MOB é corretamente praticada pelas
mulheres, o conhecimento propiciado por seu exercício traz inúmeros benefícios
para a mulher. Isto se revela nos trechos abaixo:
... Você passa a conhecer o seu corpo e com isso você pode estar
prevenindo contra doenças (...) como já aconteceu comigo, observando
no muco eu vi que estava diferente e busquei um médico, e realmente e
estava com problema (...) eu acho importante também, você ensinar as
suas filhas adolescentes, para que possa conhecer o seu corpo... (E1)
... Eu coloco mais um ponto positivo no método, no conhecimento do
ciclo e do corpo, porque através da mudança do meu muco, eu vi aqui
alguma coisa estava errada, procurei a ginecologista, e através de
exames de imagem, verificou-se mesmo uma patologia, e que foi tratada
posteriormente (...) se eu utilizasse algum outro método
contraceptivo, não daria pra eu perceber... (E4)
O autoconhecimento propicia ao indivíduo a autonomia e a emancipação,
necessárias para cuidar de si e de sua família. Ele está associado ao exame
crítico e ao respeito com o corpo, além de melhorar a qualidade de vida,
garantindo componentes essenciais da condição humana à mulher, quer seja
físico, psicológico, social, cultural ou espiritual(13). O autoconhecimento,
proporcionado pela prática do MOB, promove a saúde e responsabilização do
indivíduo nesse processo, ao invés de tratar a saúde apenas como ausência de
doença, vai de encontro com os princípios pregados pelo SUS, opondo-se à
medicalização da vida social e incorporando ao indivíduo valores como
solidariedade, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria(14-15).
Outro benefício trazido pelo método Billings é a flexibilidade e segurança que
ele propicia às mulheres, que possuem ciclos irregulares.
Eu olho pelo muco à medida que eu vou observando esse muco eu vou
vendo meu período fértil e que não é o meu período fértil (...)
Principalmente porque o meu ciclo não é regular (...) então nesse
caso a tabelinha não funcionava (...) e o método Billings, ele pra
mim foi o ideal. (E1)
Por ser um método observacional, o Billings, atende a qualquer tipo de padrão
de fertilidade, mesmo os irregulares(8), reafirmando sua aplicabilidade em
todas as variações da fisiologia reprodutiva da mulher, tanto a normal quanto a
patológica, assim como em ciclos regulares, irregulares e anovulatórios(16). É
importante ressaltar que a utilização do método também reflete na vida do
casal, que passa a ter cumplicidade nas decisões quanto ao planejamento
familiar.
É um método também que aproxima o casal (...) que os dois fazem
juntos (...) os dois podem se conhecer. (E4)
Eu falo que no meu meio de trabalho às vezes as mulheres ficam com
medo (...) aí eu falo (...). Se você usar certinho (Método Billings),
tiver um marido que compreenda, ele funciona. (E6)
O relacionamento conjugal se torna mais aberto ao diálogo e ao
respeito. (E7)
O relato das mulheres evidencia a importância do parceiro na realização do
método, tornando-o corresponsável da verificação do estado de fertilidade do
casal, e aproximando-o, cada vez mais, de sua parceira, pois passam a tomar
decisões em conjunto. Não é vão que a Constituição Federal Brasileira, de 1988
(art.226, § 7º), trata a contracepção e a escolha reprodutiva como um direito
de mulheres e de homens(5,17), dispondo aos cidadãos, leis que os amparem na
escolha de métodos contraceptivos e a assistência para a concepção, em
situações de infertilidade(5). Billings (2007), também trata o planejamento
familiar como responsabilidade do casal, e que a fertilidade do marido e da
esposa são um vínculo especial, uma doação íntima e exclusiva de ambos(8). O
relato a seguir evidencia que, através do conhecimento de seu corpo, torna-se
possível aumentar a margem de dias permitidos para relações sexuais, diminuindo
o período de abstinência.
... Então assim, já falei (...) às vezes as pessoas ficam meio
inseguras, meio "cabrera", acham que não funciona muito (...) à
medida que você vai tendo a segurança (...) à medida que você conhece
o seu corpo mesmo, você pode arriscar mais, dar mais margem. (E6)
A abstinência sexual é algo temido pelos casais, fato que acaba contribuindo
ainda mais para que ocorra uma queda na taxa dos usuários do Método da
Ovulação. No entanto, estudo(18) apresenta que, a partir do uso do método, o
índice de atividade sexual aumentou entre os casais. Este dado não condiz com o
que afirma o senso comum, de que usuários de métodos naturais de planejamento
familiar têm as relações sexuais diminuídas, devido à exigência da abstinência
periódica. Além dos benefícios para a saúde do corpo da mulher e seu
autoconhecimento, o casal passa a conviver com a possibilidade do aumento da
atividade sexual(18). Contudo, vale ressalvar que cientificamente a margem de
dias, citada pela entrevistada (E6), abre espaço para o risco de o método
falhar. É por este motivo que Billings (2007) enfatiza a utilização metódica
das regras, para que sua eficácia seja garantida.
Método Billings: do medo à segurança
O sentimento de medo e insegurança na realização do método Billings geralmente
aparece em algum momento da vida das mulheres. Isso ocorre, provavelmente, pelo
fato de ser um método que exige da mulher um conhecimento de seu padrão de
fertilidade. A verificação deste padrão - bastante influenciado pelo meio
externo e estilo de vida de cada mulher- pode tornar-se confusa, impedindo as
usuárias de conseguir identificar seu muco com clareza, gerando insegurança.
... Senti-me insegura, porque a característica do muco, às vezes,
muda muito. Então eu não conseguia identificar realmente, se era o
período ovulatório, a pessoa tem que estar muito ciente das
oscilações do nosso corpo, no período ovulatório. (E5)
... Tinha mês que eu não percebia o muco (...) então eu ficava (...)
será que eu não ovulei (...) será que eu não percebi? (...) ai eu
ficava mais atenta. (E6)
Quanto maior forem as orientações recebidas, de fontes confiáveis, maior será a
capacidade da mulher de reconhecer as características dos períodos de seu
ciclo. A educação em saúde pregada por Paulo Freire cita que para serem
eficazes, as ações devem ser direcionadas às necessidades individuais da pessoa
(19). Apropriando das informações trabalhadas, o indivíduo muda seu
comportamento. Contudo, quanto mais informações tiverem, mais assumem atitudes
responsáveis(19-20). O medo de algo novo faz com que muitos, por não conhecerem
o método, sintam insegurança, e fiquem receosos para a prática do mesmo. Outra
justificativa para a insegurança da mulher é a falta de treinamento ou
acompanhamento durante o inicio da prática do método, desencadeando a incerteza
da eficácia do método, o que gera dúvida e receio.
Insegura? No inicio sim (...) Mas hoje é tranqüilo. (E7)
... Como eu nunca procurei uma orientação específica, faço o método
somente pelo o que eu li no site, eu senti um pouco de insegurança
(...) me faltou essa segurança por parte de uma pessoa que realmente
entenda do método. (E8)
A falta de orientação e a busca em fontes impróprias - sites, revistas ou
livros sem fundamentação científica - alimenta a insegurança das mulheres, faz
com que o método torne-se potencialmente perigoso e incerto, repleto de
lacunas. A opção ideal para esclarecer os princípios do método é pesquisar em
uma literatura confiável, garantindo sua eficácia. É desejável que o casal seja
acompanhado pelo mesmo instrutor. Isso gera vínculo e promove a adesão do casal
(12).
Algumas mulheres reconhecem que quando o método falha a causa é comportamental,
pois, conscientemente, tiveram relações em períodos e assim engravidaram.
Sim, engravidei. Não porque o método não funcionasse, mas é porque eu
fugi da regra e permiti que isso acontecesse... (E2)
Gostaria de enfatizar que eu engravidei realizando o método (...) Não
foi por falha do método, mas por falha pessoal minha, por não
procurar uma orientação adequada. (E8)
Além das falhas comportamentais, algumas mulheres se culpam por não ter buscado
orientações corretas sobre o método. Este reconhecimento de falha pessoal é
primordial. Caso contrário, as usuárias podem cair no que diz o senso comum
sobre a falsa ineficácia e insegurança do método Billings. No entanto, vencidas
as etapas iniciais do processo, observamos que quando a mulher é bem instruída
e acompanhada por um profissional, com o passar do tempo e com a experiência,
ela adquire confiança e certifica-se de sua eficácia como um método
contraceptivo.
Indico, e hoje, ensino gratuitamente, pra mulheres que querem
aprender, porque confio nesse método, e para minha vida foi uma ótima
escolha. (E9)
Quando comecei a fazer o método, foi uma experiência, porque queria
saber se era eficaz, e hoje falo com convicção que se respeitado as
regras impostas pelo método, e se observando, qualquer mulher pode
fazê-lo, pode conseguir uma gravidez, ou evitar, sem nenhum
dispositivo químico ou de barreira (...) a consciência, e o
conhecimento tira todo o medo. (E10)
O tempo de prática, a correção dos erros iniciais e o conhecimento da técnica
transmitem confiança às mulheres, e elas passam a recomendar e ensinar o
Billings a outras pessoas. Assim o comportamento muda, as atitudes frente às
regras são respeitadas. O medo dá lugar à convicção, a insegurança abre espaço
para a segurança. Neste momento, o método passa a ser uma ótima escolha para a
vida reprodutiva da mulher, respeitando as individualidades e as peculiaridades
de cada ser.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No conjunto das percepções foi possível compreender a vivência da mulher que
utiliza o Método da Ovulação Billings. O conhecimento da própria fertilidade, o
sentimento durante a sua realização, trazem inúmeros benefícios para a mulher,
e para o casal, além de não apresentar efeitos secundários, nem complicações
decorrentes do seu uso.
Apesar da efetividade do MOB, ser demonstrada por vários estudos, e aplicada em
diversos países, sua utilização e divulgação é pouco difundida. Isso reflete,
possivelmente, a ausência de divulgação dos métodos naturais de planejamento
familiar, tanto pelos órgãos governamentais como pelos próprios profissionais
da saúde, não sendo clara a razão de tal desinteresse.
Na opção pelo MOB, a religião/crença, foi citada como fatores principais para
nortear a escolha do método contraceptivo, demonstrando que além do bem-estar
físico, as mulheres buscam um método que lhe garantam um bem-estar psico-
espiritual, que seja aceito pela denominação religiosa ao qual fazem parte,
pois se sentem satisfeitas quando estão em sintonia, cumprindo os preceitos
daquilo que acreditam. A naturalidade do método também foi citada como fator de
escolha, pois tomar posse de sua própria fecundidade, sem afetar o
funcionamento do seu corpo, leva ao aumento da auto-imagem, tranquilidade e
sensação prazerosa do controle do próprio corpo, sem sujeitar-se ao outro.
Algumas mulheres nas entrevistas citam a realização do MOB por observação do
muco cervical, porém não realizaram as regras corretamente, erro atribuído pela
utilização do método sem consulta prévia a literatura, profissional de saúde ou
instrutora experiente. Um outro grupo realiza corretamente o MOB conforme
descrição de seus descobridores, relatam que procuraram ajuda a pessoas
experientes, e recorreram a literatura, antes do início da realização, cada uma
com descrição de realização usando de sua própria linguagem e singularidade
nessa definição, flexibilidade permitida pelo MOB, onde a mulher diante da
descoberta de sua fertilidade, com suas próprias palavras define, seu padrão
básico de fertilidade, seu dia ápice, e seus dias após morte ovular, mas
estruturada pela pesquisa científica já realizada. Quando a regra do método
Billings é reconhecida e aplicada corretamente, este conhecimento proporciona
para as usuárias inúmeras vantagens físicas e psíquicas, conforme relatos nas
entrevistas, e todas as entrevistadas recomendam o uso do método.
Acredita-se, portanto que é necessário contar com profissionais capacitados, a
fim de oferecer informações e acompanhamentos de qualidade, aos que tiverem
interesse pelo MOB, orientando sobre seus benefícios e limitações, garantindo
uma prática correta. Isso provavelmente aumentará a confiança da população no
método, e por consequência, o número de usuários em um método, já comprovado
por pesquisas em diversos países e certificado pela OMS, que é seguro, natural
e eficaz.