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BrBRCVHe0034-71672014000100071

BrBRCVHe0034-71672014000100071

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2014
Issue0001
Article number00071

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Significados de apoio social de acordo com pessoas submetidas à revascularização do miocárdio: estudo etnográfico INTRODUÇÃO As condições crônicas não transmissíveis, principalmente as doenças cardiovasculares, representam a principal ameaça para o desenvolvimento e para a saúde humana. De acordo com dados estatísticos mundiais, o número anual de mortes por doença cardiovascular aumentará de 17 milhões, em 2008, para 25 milhões em 2030(1). Entre essas doenças destacam-se as doenças isquêmicas do coração e as doenças cerebrovasculares, perfazendo juntas um percentual superior a 60%(1). A ocorrência desses agravos tem sido fortemente associada ao aumento da longevidade (aumento do número de adultos de meia-idade e mais velhos), observado tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento, às condições nutricionais e à exposição a fatores de risco comportamentais(1).

O avanço terapêutico e tecnológico em cardiologia tem possibilitado a sobrevivência de pessoas acometidas pela doença isquêmica do coração. Entre as modalidades de tratamento, a cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) tem sido apontada como benéfica para o alivio dos sintomas, possibilitando o restabelecimento da capacidade física, aumentando a sobrevida e promovendo uma vida com melhor qualidade ao indivíduo(2).

A CRVM traz várias repercussões para a vida do paciente, físicas, psicológicas, sociais e emocionais, requerendo adaptação a uma nova realidade de vida, que implicará enfrentamento de limitações físicas e necessidade de mudança no estilo de vida e, muitas vezes, do papel no núcleo familiar e no trabalho(3).

Entre os fatores que contribuem para o enfrentamento das condições crônicas, entre elas a cardíaca, destaca-se o apoio social apontado como um elemento facilitador no processo de reabilitação, após CRVM, auxiliando os indivíduos diante dessas mudanças repentinas em suas vidas(4).

O apoio social poderá ser benéfico para o processo de reabilitação cardíaca, influenciando na manutenção da saúde, favorecendo comportamentos de maior adesão terapêutica(4), melhor qualidade de vida(5), diminuição do estresse e diminuição dos sintomas de depressão e de ansiedade(6), e de outros sintomas físicos como, falta de ar e angina(7), reatividade cardiovascular (frequência cardíaca e pressão arterial, diminuindo os efeitos deletérios das alterações cardiovasculares durante eventos de estresse)(8) e diminuição da morbimortalidade em pacientes coronarianos(4,6-9).

O apoio social consiste em toda e qualquer informação que leva a pessoa a acreditar que é cuidada, amada, estimada e valorizada, e que pertence a uma rede de comunicação e obrigação mútua; é, também, qualquer informação, falada ou não, envolvendo auxílio material ou não, oferecida por grupos ou indivíduo, com os quais haveria contatos sistemáticos, resultando em efeitos emocionais e/ ou comportamentos positivos(10).

Os estudos sobre apoio social podem ser classificados em estruturais, quando analisam principalmente o número de pessoas que integram a rede social do indivíduo, independente, da ocorrência de eventos estressores; e funcionais quando investigam, principalmente, a disponibilidade e a modalidade do apoio recebido, o nível de satisfação, em relação à situação e a contextos específicos(11).

O termo rede social tem sido empregado para designar redes de relações abrangentes que conectam indivíduos entre si, por meio de interesses comuns (12). As redes sociais podem se constituir em meios importantes de fornecimento de apoio social, por meio das informações compartilhadas, da integração entre os indivíduos que se interconectam e se ajudam mutuamente em momentos de crise (13).

Os aspectos funcionais do apoio social podem, também, ser classificados em instrumental e emocional. O apoio instrumental se refere à ajuda que alguém oferece na resolução de situações práticas, como o apoio financeiro ou material, na realização de atividades diversas do dia a dia. O apoio emocional, demonstrado por meio de gestos e comportamentos, faz com que o outro se sinta amado, estimado e cuidado. Inclui atitudes que demonstrem, por parte de quem oferece o apoio, preocupação sincera e sentimento de auxílio, aliviando sentimentos de incerteza, ansiedade, depressão e estresse(11).

O apoio social poderá ser avaliado e medido na perspectiva das pessoas que vivenciam condições crônicas e essa compreensão, ao longo do processo saúde e doença, poderá favorecer o processo de reabilitação nos diferentes contextos da atenção à saúde. Nesse sentido, a compreensão do significado de apoio social para o enfrentamento do processo saúde e doença poderá fornecer indicadores para a equipe de saúde sobre a necessidade de incluir intervenções em saúde para este grupo, de modo a favorecer o cuidado à saúde e a qualidade de vida das pessoas que vivenciam condições crônicas. Assim, o objetivo deste estudo foi compreender o significado do apoio social para um grupo de coronariopatas revascularizados.

MÉTODOS Estudo etnográfico fundamentado nos modelos explicativos de doença(12). Neste estudo, considerou-se que os acontecimentos que envolvem o cuidado à saúde necessitam ser investigados com base no contexto social em que vive o sujeito, incluindo suas respostas ao processo saúde e doença, as quais são socialmente organizadas em um sistema cultural, que constitui o sistema de cuidado à saúde (14-16). O método etnográfico permite ao pesquisador inserir-se nesse contexto para desenvolver a investigação com objetivo de compreender o sujeito no contexto em que ele vive(16).

Os sistemas de cuidados à saúde são social e culturalmente construídos e constituem formas da realidade social, compreendida como um sistema de significados simbólicos e normas que orientam o comportamento, a percepção, a compreensão dos indivíduos em relação ao mundo e a comunicação com as pessoas.

Isso ocorre por meio do processo de socialização, no contexto das relações das pessoas com outros grupos sociais e, entre eles, o familiar(14).

Os participantes foram selecionados a partir de uma lista de pessoas admitidas em regime de internação na unidade de pós-operatório de cirurgia cardíaca e torácica de um hospital universitário, no interior do estado de São Paulo, Brasil. Quarenta e seis pessoas foram submetidas à CVRM, em 2009, nesse serviço. Desses, 12 eram moradores de Ribeirão Preto e foram pré-selecionados para o estudo. Ao iniciar o contato com os possíveis participantes, constatou- se que dois haviam falecido, um estava internado e outro não foi localizado mesmo depois de várias tentativas de contato, restando oito sujeitos. Além desses, também, foram incluídas no grupo três mulheres, indicadas por eles, totalizando 11 participantes (cinco homens e seis mulheres).

Após aprovação do comitê de ética em pesquisa do hospital (processo número 1276/2009), foi realizado o trabalho de campo de abril de 2010 a abril de 2011.

Foram utilizadas as técnicas de observação e entrevista, consideradas fundamentais para coleta de dados etnográficos(16). Além da entrevista semiestruturada e da observação direta, foram utilizados o diário de campo e informações sociodemográficas, coletadas durante as observações realizadas no domicílio e complementadas com as informações dos prontuários clínicos dos sujeitos (idade, raça, religião, participação em atividades religiosas, escolaridade, renda mensal, estado civil e composição familiar).

As entrevistas foram iniciadas pela seguinte solicitação ao participante: "Fale sobre o seu problema no coração. Conte-me o que aconteceu com você". A partir dessa solicitação, os participantes relataram a experiência da enfermidade, a compreensão sobre o apoio social e as fontes de apoio social importantes nesse processo. Durante a entrevista, questões foram introduzidas, buscando desvendar o significado de apoio social para esse grupo e esclarecer informações que não estavam claras.

A coleta de dados foi conduzida pelo primeiro autor deste estudo, no domicilio dos participantes e no hospital, durante o retorno médico. Todas as narrativas foram gravadas em áudio e transcritas na integra; o tempo de cada entrevista variou de 35 minutos a 60 minutos. Por meio da técnica de observação, foram coletados dados sobre a dinâmica da vida dos participantes no contexto em que viviam, observando as condições de moradia, as pessoas que moravam na casa, o papel do sujeito no núcleo familiar, as possíveis assistências comunitárias e religiosas e outros sistemas de apoio social. Foram assegurados aos participantes o caráter voluntário da participação na pesquisa e o anonimato de suas identidades e das informações, conforme termo de consentimento livre e esclarecido, assinado por eles. A análise dos dados foi conduzida considerando- se três fases principais: a redução dos dados, apresentação dos dados e delineamento das conclusões e verificação(17). A etapa de redução dos dados consistiu na leitura cuidadosa, identificação das unidades de significado, ressaltando-se os pontos relevantes considerando-se os objetivos do estudo. Em seguida, os dados foram agrupados considerando-se as similaridades e diferenças. Finalmente, delinearam-se as conclusões, buscando-se interpretar as relações e identificar os núcleos temáticos. Em todo o processo, foi considerado o conjunto das narrativas, obtidas nas entrevistas formais e informais, os dados da observação e do diário de campo. Os sujeitos foram nomeados considerando-se a letra S, seguida do número de identificação, o sexo (masculino - M ou feminino F) e a idade. As observações e o diário de campo foram identificados como Notas de Campo (NC).

RESULTADOS Participantes do estudo A idade dos participantes variou de 49 a 73 anos. O tempo transcorrido da cirurgia, até a data do primeiro contato, variou de um mês e meio a 27 meses.

Sete dos onze participantes eram casados mais de 20 anos e oito tinham o ensino fundamental incompleto. Apenas um participante tinha ensino superior completo. Dois participantes, no período do trabalho de campo, continuavam afastados oficialmente pelo Sistema de Seguridade Brasileiro. Dos 11 participantes, dois voltaram a trabalhar formalmente após a cirurgia. Os participantes recebiam de um a cinco salários mínimos.

Foram identificados dois núcleos temáticos principais: Significado de apoio social: os familiares como apoio essencial, emocional e instrumental e O sofrimento do paciente e da família e o apoio na crença religiosa.

Os familiares e amigos: apoio social essencial, emocional e instrumental Os participantes mencionaram a relação de dependência estabelecida após o evento cardíaco. Para o enfrentamento desse processo, os familiares e amigos foram considerados a principal fonte de apoio social. Embora os participantes se reportassem a apenas um dos membros da família com maior frequência, o sistema familiar como um todo, incluindo a família estendida e amigos, também, foi incluído como fonte de apoio social. Essa percepção se confirma para além das falas, observando-se na proximidade das casas e na rotina de convivência nesses espaços de interação.

Nos domicílios, foi observado que, dos sete participantes casados, apenas dois moravam somente com o cônjuge, os outros viviam com os filhos, netos e com o sogro (NC: observação no domicílio; S1, S5, S8, S10 e S11). Durante as visitas, observaram-se edificações recentes nos fundos dos quintais, construídas para servir como moradia para os pais, segundo relato dos filhos. Os participantes mostraram as moradias, assinalando os remanejamentos realizados pelos filhos para atender às necessidades deles (NC: observação no domicílio; NC, S1, S10 e S11). Assim, após a descoberta da necessidade da cirurgia, três participantes passaram a morar com os filhos (um participante mudou-se para a casa da filha, e os outros dois tiveram os filhos mudando-se para as suas casas). Outro participante, apesar de morar com a esposa, após a cirurgia mudou-se de cidade para morar perto do filho (NC: observação no domicílio).

Embora o apoio social, também, tenha emanado das redes sociais, de relações do trabalho, de grupos religiosos e da comunidade, representada por vizinhos, os membros da família foram apontados pelos participantes como principais articuladores nessas relações: [...] Os vizinhos, eu nem sabia que tinha tantos vizinhos, vieram aqui me oferecer carro, o que eu precisasse... (S11, F, 62).

[...] Todo mundo conversava família, vizinhos, porque eu tenho muita gente amiga... e todo mundo rezando e colocando a mão na minha cabeça [...] e eles não me deixavam sozinhos todo dia alguém ia me ver...

(S3, F, 71).

Para os participantes, o apoio social esteve relacionado ao auxílio direto dos familiares, tanto instrumental (a realização de atividades domésticas e de autocuidado), como emocional (quando focalizaram o enfrentamento da doença e da cirurgia considerado como um momento de ameaça e ruptura).

O apoio emocional foi demonstrado pela presença física de membros da família, durante todo o processo de adoecimento e de reabilitação após a alta hospitalar (NC: observação no domicílio), por meio de palavras de conforto, confiança, esperança: [...] O apoio foi isso, a família te ajudar na recuperação. Eu não ficava sozinho, eles me apoiaram em tudo! Você tem o principal, que é isso (S8, M, 49).

No período de hospitalização, os participantes relataram ter vivenciado, concretamente, a condição de doente, com a rotina alterada e a restrição ao ambiente de um quarto de hospital. Nesse contexto, enfatizaram a importância do apoio emocional como uma forma de se sentirem mais seguros e confiantes para enfrentar a doença e a cirurgia: [...] O apoio é uma visita. da pessoa chegar aqui, e falar: se precisar de alguma coisa você me avisa, você me procura, você manda alguém me avisar. isso é um apoio, não é? E eu precisei muito disso , porque a gente ficava muito triste. Às vezes, a minha esposa sentava na cama e ficava comigo, para eu não ficar sozinho (S6, M, 61).

Outros pacientes que se encontravam internados na mesma enfermaria e que vivenciavam situação semelhante também foram identificados como fonte de apoio emocional. Mesmo depois da alta hospitalar, alguns participantes mantiveram contato com aqueles internados no mesmo período.

De acordo com observações e relatos dos participantes e familiares, não houve qualquer tipo de apoio contínuo por parte dos profissionais de saúde após alta hospitalar cirurgia (NC: observação durante o retorno ambulatorial). O cuidado e o apoio oferecidos se restringiram ao período de hospitalização durante a internação e consultas no retorno médico e consistiram em informações e detalhes sobre o problema cardíaco e a cirurgia (NC: observação durante o retorno ambulatorial). Alguns participantes criticaram o apoio recebido da equipe de enfermagem durante a hospitalização, ressaltando que não se sentiram cuidados: [...] Uma noite eu passei a noite inteira sentada antes da cirurgia e, eles viram a minha cama, viram que estava vazia, e nada fizeram..., não me procuram... E se eu tivesse pulado da janela? [...] (S4, F, 66).

Outros participantes relataram que se sentiram privilegiados por ter um membro da família os acompanhando durante o período de hospitalização. Os cônjuges e os filhos foram identificados como as principais fontes de apoio instrumental para o participante, tanto no hospital como em suas casas, após a alta. No domicílio, observaram-se os familiares auxiliando o participante em atividades como: preparo das refeições, medicações e, no hospital, no acompanhamento às consultas médicas (NC: observação no domicílio). Observou-se que durante os retornos médicos, os pacientes sempre compareciam acompanhados por algum familiar, principalmente o cônjuge ou os filhos que se mantinham próximos, demonstrando atenção (NC: observação durante o retorno ambulatorial): [...] Na primeira semana foi minha filha que me ajudou a tomar banho (...). Ela também comprou uma caixinha, tudo separadinho, para guardar os remédios que eu tinha que tomar; até hoje a caixinha esta . você pega ali de manhã e vai dando sequência porque são 10 comprimidos! Então não tem jeito de errar. (S1, M, 66).

[...] Nos primeiros 15 dias, a minha nora ficou aqui comigo também, ela fazia minha comida, media a minha glicemia, e me ajudava a aplicar a insulina... (S10, F, 61).

O sofrimento do paciente e da família e o apoio na crença religiosa Outra fonte de apoio social importante para todos, pacientes e familiares, em todo o processo de adoecimento foi a crença religiosa. Todos os participantes citaram que ter é fundamental durante o processo de descoberta e enfrentamento da doença. Diante da necessidade de operar, de tomar a decisão pela CRVM, e durante o processo de reabilitação, os participantes referiram que a crença em Deus proporcionou confiança para vivenciar essa situação. Embora alguns fossem de diferentes religiões (católicos, espíritas e evangélicos), a crença em Deus, que acolhe nesses momentos e apoio foi frequente nos depoimentos: [...] Eu creio que Deus estava passando comigo naquele vale, e eu comecei agradecer e, no outro dia, eu agradeci o dia inteiro. me recuperei e fiquei ótima, mas foi por Deus, (...) a senhora (outra paciente que estava internada) que estava do meu lado morreu. (S10, F, 57).

[...] Tem que ter em Deus mesmo, porque a cirurgia é uma cama elástica, você sobe nela e ela te leva pra Deus, Deus se é para você ficar , ele segura senão, ele te manda de novo! A cirurgia ela é de alto risco! (S11, F, 62).

A ocorrência da enfermidade foi associada pelos participantes a várias situações descritas como tristes e estressantes e que levaram ao sofrimento, como uma provação, um desígnio de Deus: [...] Eu não estava sentindo nada. Eu sempre fui ao médico, sempre fiz os exames e estava sempre tudo bem. O doutor disse que foi o diabete, mas sabe o que eu acho que é mesmo? Uma provação de Deus.

(S11, F, 62).

A experiência da doença foi vivenciada por pacientes e familiares, e afetou a todos. Neste contexto, o apoio recebido por meio da crença religiosa, dos membros da família e de outras pessoas próximas acolhe a todos os que estão sofrendo. Assim, todos se sentiram protegidos e seguros: [...] Na minha família todos são evangélicos, então todos foram e oraram... Foi muito apoio, eu fiquei com muitas pessoas em volta e fiquei assim, pequenininha. (S10, F, 57).

[...] Vieram me ver, os amigos, a vizinha... e todos fizeram orações para mim..., isso é muito importante, ajuda muito... (S3, F, 71).

DISCUSSÃO As representações sobre saúde-doença são construídas a partir de um conjunto de valores e conhecimentos que são próprios de cada sociedade e de cada cultura (14). Estão incluídos nesses conhecimentos e valores, padrões de sinais e sintomas, que possibilitam uma diversidade de explicações para a doença e que caracterizam a compreensão popular da doença em suas diversas formas(14). Foi com essa perspectiva que se buscou compreender os significados atribuídos ao apoio social na perspectiva de pacientes em reabilitação que vivenciam a experiência da enfermidade cardíaca. O apoio social principalmente dos membros da família foi apresentado pelo grupo investigado como uma importante estratégia de enfrentamento dessa experiência que, percebida de forma abrupta e intensa, interrompeu a rotina diária de forma inesperada e modificou o curso da vida.

Nesta pesquisa, o tratamento cirúrgico tornou claro aos sujeitos que a vida havia sido interrompida e foi nesse contexto, diante do risco de morte e em um ambiente hostil, como é o caso dos hospitais, que eles perceberam o apoio de familiares e de pessoas próximas como fundamental. Assim, neste estudo, os relatos dos participantes mostraram a constatação da coronariopatia, da necessidade da CRVM e do apoio social diante da ruptura que se instalou.

Ruptura essa que foi, também, percebida de forma contínua na vivência diária da experiência da enfermidade pela percepção das limitações e exigências de mudanças no estilo de vida impostas pela nova condição. Assim como relatado por outros autores, cujos estudos focalizaram a experiência de pacientes submetidos à CRVM(3), nesta investigação, os sentimentos de tristeza e invalidez, o medo de morrer e a revolta também fizeram parte dessa experiência da descoberta da doença e da necessidade da cirurgia.

Uma revisão de pesquisas qualitativas sobre a experiência de pacientes revascularizados identificou que os pacientes experimentaram solidão e dificuldade em compartilhar e explicar para os outros a experiência de quase morte e do medo de morrer e que as relações de apoio, de familiares e amigos, foram fundamentais para a recuperação, após a cirurgia(18).

A constatação da enfermidade traz a impossibilidade de exercer o trabalho e papéis sociais com capacidade plena, o que resulta em sentimentos de perda de autonomia e tristeza, fazendo com que o indivíduo se sinta desvalorizado.

Estar doente aparece no sentido oposto à condição de normalidade(3); situação essa também relatada nas narrativas dos participantes deste estudo ao falarem sobre a experiência da doença coronariana. A experiência da enfermidade envolveu a perda da identidade da condição de "normal", situação que foi compartilhada pelos familiares e pessoas muito próximas, que foram identificadas como as mais importantes fontes de apoio. Essa situação foi relatada, neste estudo, desde que os primeiros sinais e sintomas foram percebidos.

Assim, voltar a morar com filhos em busca de apoio pode se tornar uma necessidade principalmente entre aqueles que dispõem de poucos recursos econômicos. Membros de famílias brasileiras de classes econômicas mais pobres, frequentemente, moram juntos e aumentam o número de cômodos da casa para abrigar outros membros e em situações de dificuldades, como no caso de uma enfermidade(19). Nesse contexto, pacientes e familiares apoiam-se mutuamente na tentativa de resolver problemas financeiros e, outras vezes, de ordem afetiva (19).

Uma pesquisa sobre as facilidades e os obstáculos vivenciados por paciente submetidos à CVRM, após a alta hospitalar, na perspectiva dos pacientes e dos profissionais de saúde, concluiu que o apoio social proveniente da equipe de saúde por meio de contatos telefônicos após a alta, atuou como elemento facilitador no processo de reabilitação, assim como o apoio fornecido diretamente pelos familiares(20). Identificou-se nesse estudo, que o oferecimento de apoio por parte dos profissionais de saúde foi pontual. Eles ofereceram somente o apoio instrumental, durante o período de hospitalização e, muitas vezes, delegaram até mesmo esse tipo de apoio aos familiares, segundo os participantes. Nesse contexto, a família, mesmo no período de hospitalização, apareceu como principal fonte de apoio, realizando, muitas vezes, atividades que seriam da equipe de enfermagem.

Na perspectiva do paciente, a equipe de profissionais, que deveria estar próxima cuidando, esteve distante, e os membros da família estiveram próximos, fazendo com que se sentisse cuidado, amado, e valorizado, ou seja, apoiado por eles(10).

Esse estudo não teve como objetivo avaliar os profissionais de saúde em relação ao apoio social oferecido. Entretanto, no trabalho de campo, durante a coleta dos dados, foi possível observar a importância da família como fonte de apoio, o que não ocorreu com a equipe de profissionais, pouco envolvida com o paciente. Para o paciente, o sofrimento é uma experiência única, mas para a equipe, a situação de estresse, de dor, de ruptura percebida pelo paciente pode fazer parte da rotina. Os membros da família compartilham a experiência da enfermidade a cada momento com o paciente. A equipe vivencia o dia a dia da unidade de internação, do ambulatório, do centro cirúrgico, da unidade de terapia intensiva, entre outros locais por onde passam pacientes com doença arterial coronariana. Um dia a dia dirigido por regras rígidas que caracterizam "o mundo real" e, muitas vezes, hostil na perspectiva de pacientes e familiares. O apoio social implica necessidade de tempo, dedicação, compaixão e empatia pelo outro.

As explicações para a enfermidade relacionadas à tristeza, ao estresse e ao desígnio Divino, possivelmente, contribuem para a valorização do apoio recebido em forma de orações, pelos familiares e amigos. Coloca-se assim, a figura de um Deus e a como o centro, explicando a enfermidade e alcançando o alívio para o medo da morte e para ansiedade pela ameaça diante do desconhecido. Diante de situações de doenças graves, recorre-se a Deus e, em geral, no contexto de uma religião. De algum modo, esse tipo de apoio possibilita compreender a enfermidade na dimensão do sagrado. A crença na dimensão do sagrado parece estar incorporada à experiência da enfermidade que, em momentos de desamparo suscitado pela possibilidade da morte, leva o grupo a encontrar em Deus um alívio para a angústia, incertezas, sensação de impotência, medo e sofrimento (3).

A religião, compreendida neste estudo como um sistema de significados simbólicos, fornece aos indivíduos alternativas para a explicação da enfermidade, ajudando-os a enfrentar situações de sofrimento que, muitas vezes, parecem insuperáveis e inexplicáveis(16). Nesse contexto, a recuperação após o procedimento cirúrgico é recebida como uma dádiva divina, levando à ressignificação da vida, como um renascimento, uma nova chance concedida por Deus.

O apoio social foi considerado como relevante no processo de reabilitação nos relatos dos participantes deste estudo, quando afirmaram que o apoio social interferiu positivamente na vivencia da experiência da enfermidade, fato esse, que também é reportado na literatura, especialmente em relação às doenças coronarianas. Estudos mostraram que o apoio social serviu como uma estratégia que favoreceu mudanças de comportamentos, inclusão em programas de reabilitação e, ainda, redução da mortalidade(5-7). O apoio emocional favorece a geração de atitudes positivas, reforçando a confiança dos sujeitos(11). O apoio instrumental possibilita a prática de comportamentos saudáveis, alívio em situações estressantes, diminuição dos fatores de risco(4).

Uma importante intervenção que pode ser oferecida pelos enfermeiros consiste no acolhimento dos pacientes e familiares durante a internação por meio da demonstração de interesse e escuta. Acolhimento que pode ter seguimento após a alta por meio de telefone, por exemplo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O significado do apoio foi relacionado ao auxílio direto dos familiares e amigos, tanto instrumental (realização de atividades domésticas e de autocuidado) quanto emocional e religioso (focalização no enfrentamento da doença e da cirurgia e nas explicações para a enfermidade e cirurgia, um momento de ameaça e ruptura). Para os participantes, o apoio consistiu em uma ajuda multidimensional, envolvendo aspectos, físicos, sociais, emocionais e espirituais de suas vidas. O apoio representou toda a ajuda e estímulo, que foi fundamental para que os participantes pudessem enfrentar a nova etapa da vida, facilitando o processo de reabilitação e manutenção do estado de saúde.

Embora esse estudo tenha limitações pelo fato de ter investigado um grupo social específico, ele fornece contribuições para que os profissionais de saúde reflitam sobre o apoio oferecido às pessoas submetidas à revascularização do miocárdio, auxiliando-os a identificar as fontes de apoio social para pacientes e familiares e a elaborar estratégias de acompanhamento e incentivo às mudanças no estilo de vida e outras medidas dirigidas ao controle da doença e de outras comorbidades.

É fundamental que o profissional de saúde reconheça as principais fontes de apoio, explorando ao máximo os benefícios que elas podem proporcionar, a fim de auxiliar o paciente a se readaptar à nova condição de vida.


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