Rede de cuidados a crianças com necessidades especiais de saúde
INTRODUÇÃO
O termo Criança com Necessidade Especial de Saúde representa diversos grupos de
crianças que apresentam demandas de cuidados específicos contínuos e de longa
duração dos setores da saúde, da educação e social, que vão além das exigidas
por outras crianças(1). Destacam-se, nesse grupo, os prematuros, os portadores
de malformações congênitas, de doenças crônicas, vítimas de traumas ou outras
doenças adquiridas ao longo da vida(2). Estudiosos afirmam que mais de 10
milhões de crianças nos Estados Unidos se enquadram nesta definição(3).
Ressalta-se ainda que essa população está aumentando gradativamente em
decorrência do avanço tecnológico e consequente aumento da sobrevivência das
crianças consideradas clinicamente frágeis(4).
Em âmbito mundial, observa-se a valorização dos cuidados direcionados a essa
clientela, em especial no gerenciamento das demandas de cuidados no domicílio
em detrimento da hospitalização e institucionalização(5-6). No entanto, estudos
dirigidos a essa população revelam sentimentos de exaustão, estresse e
ansiedade relatados pelos pais, importantes vivências de isolamento, de
exclusão social, de sobrecarga e, muitas vezes, extenuação física e emocional
em suas atividades de cuidados(1-6). Outra situação encontrada é a dificuldade
dos pais descansarem, considerando que, na maioria das vezes, os outros membros
da família ou amigos não têm o treinamento necessário para executar esse
complexo cuidado. Além disso, a extensa e pesada demanda de cuidados leva
aquelas mães que trabalhavam a deixarem seus empregos, o que reduziu ainda mais
a renda familiar per capita, depositando no pai e nos avós o papel de
provedores financeiros da família(7).
Apesar das transformações ocorridas na dinâmica familiar, a importância da
desospitalização e a valorização do ambiente domiciliar são inquestionáveis
pelo menor risco de infecções e pelo fato do ambiente doméstico oferecer à
criança aconchego familiar e estimulação social(8). Entretanto, para garantir o
acesso e assegurar a continuidade do cuidado no domicílio é necessário que a
alta hospitalar seja planejada e sistematizada e que haja uma reorganização do
sistema para melhor atender a essa nova clientela emergente, por meio de redes
de apoio de profissionais que prestam cuidado no domicílio e na comunidade
(6,9). Nessa perspectiva, pesquisadores reafirmam a importância da alta
hospitalar planejada, sendo fundamental o equilíbrio entre a estabilidade
clínica da criança, a capacidade da família em cuidar e a disponibilidade de
serviços de suporte na comunidade(10-11).
Os Estados Unidos da América utilizam parcerias entre o setor público e o
privado para propiciar apoio às famílias de crianças com necessidades especiais
de saúde na comunidade; isso ocorre por meio dos programas de intervenção, nos
quais as equipes de apoio são responsáveis pela avaliação, desenvolvimento,
implementação e monitoramento de planos assistenciais para cada família,
englobando serviços de educação, fonoaudiologia, terapia ocupacional,
fisioterapia, entre outros(6). Ainda nos Estados Unidos da América existe a
Enfermeira de Comunidade, a qual desempenha a função de articuladora entre os
diversos níveis de atenção à saúde e à família da criança com necessidades
especiais de saúde(12).
Embora os estudos realizados nos Estados Unidos da América e no Reino Unido
(6,12-13) identifiquem uma ampla rede de suporte para essas crianças e suas
famílias, foi observado que, algumas vezes, esses serviços de apoio da
comunidade não estão adequadamente envolvidos no processo de planejamento da
alta hospitalar, sendo o tempo insuficiente para organizar a chegada dessa
criança no domicílio. Tanto os pais quanto os próprios profissionais relataram
uma comunicação deficiente entre o hospital e a comunidade e que os
profissionais da comunidade nem sempre são informados das reinternações,
mudanças ou novos regimes de tratamento.
No Brasil, há um pequeno número de pesquisas que enfocam essas crianças e suas
famílias e os estudos disponíveis mostram que as famílias não recebem suporte
adequado, sendo o hospital a única referência de suporte; sugerem que a rede de
assistência em suporte de reabilitação a essas crianças é insuficiente(9,11).
Os estudos que descrevem o acompanhamento reabilitacional desse grupo
específico de crianças estão relacionados especialmente aos pacientes atendidos
em regime de assistência domiciliar, normalmente dependentes de altas
tecnologias, como a ventilação mecânica(14).
A proposta de um estudo que aborde os serviços assistenciais disponíveis a essa
clientela torna-se imprescindível, à medida que permitirá compreender como se
conforma a rede de cuidados, o alcance e as limitações encontradas no
desempenho de seu papel social. Assim, o objetivo desse estudo é caracterizar
as instituições de apoio às crianças com necessidades especiais de saúde no
município de Ribeirão Preto-SP em relação aos indicadores: tempo de fundação,
fontes de recursos, capacidade de atendimento, periodicidade e horário de
atendimento, tipo e enfoque do atendimento, áreas/especialidades e situação da
demanda atual e apreender como se conformam as interações entre as instituições
participantes do estudo e os demais serviços que compõem a rede de cuidados em
saúde.
MÉTODO
Trata-se de um estudo de caráter descritivo exploratório, com abordagem
qualitativa, realizado em um município do interior do estado de São Paulo. Os
critérios de inclusão foram: instituições que prestassem atendimento a crianças
com necessidades especiais de saúde, pertencentes ao município de Ribeirão
Preto-SP. Quanto ao profissional responsável, o critério foi ser responsável
pela instituição há pelo menos um ano.
Considerando o envolvimento de seres humanos na pesquisa, o estudo foi
submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em cumprimento à Resolução 196/
96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, e
aprovado em 29 de junho de 2011, sob o protocolo nº 1375/2011. Ressaltamos que,
para preservar o anonimato, as instituições participantes bem como os
responsáveis foram identificados pela ordem cronológica das entrevistas da
seguinte forma: instituição 1, instituição 2 e assim por diante. Respeitando as
orientações expressas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi
solicitada autorização para que as entrevistas fossem gravadas.
As instituições de apoio foram identificadas segundo o registro das
organizações não governamentais e inscrição dos programas de organizações
governamentais junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, a
partir de um serviço tivemos a indicação de outros ou mesmo a partir das mães
ou responsáveis por essas crianças.
Após essa identificação prévia, dez instituições atenderam à solicitação para
participar do estudo. Inicialmente realizamos contato telefônico e agendamos a
visita conforme a disponibilidade. Para a produção do material empírico
aplicamos o instrumento referente ao perfil das instituições, com base na
Resolução 06/2009, que regulamenta o registro e o cadastro de entidades e sua
renovação(15). Após aplicação do instrumento, passamos à segunda parte da
coleta, quando utilizamos questões abertas para contextualizar, de maneira
qualitativa, o processo de trabalho dessas instituições. As questões desta
etapa enfocaram os aspectos relacionados à articulação da rede, interatividade,
cooperação e comunicação entre os serviços.
Os dados referentes ao perfil foram digitados em banco de dados no programa
Excel®, possibilitando a dinamização da sua organização e sistematização em
forma de quadro. O material empírico produzido a partir das entrevistas foi
digitado e organizado em arquivos individuais, tendo-se percorrido, para a
análise, as eta-pas preconizadas pela técnica de análise temática de conteúdo,
ou seja, pré-análise (leitura do material empírico buscando mapear os sentidos
atribuídos pelos sujeitos às perguntas feitas); análise dos sentidos expressos
e latentes (identificação dos núcleos de sentidos); elaboração das temáticas
(síntese do material empírico) e análise final (discussão das temáticas).
Optamos por não analisar estatisticamente o material empírico, conforme
preconizado originalmente pela técnica, mas tratá-lo de maneira compreensiva
(16).
RESULTADOS
Os resultados serão apresentados buscando caracterizar as instituições de apoio
às crianças com necessidades especiais de saúde e descrever a dinâmica do seu
processo de trabalho. Assim, no Quadro_1, são apresentadas algumas
características das 10 instituições.
Quadro 1 - Caracterização das instituições de apoio às crianças com
necessidades especiais de saúde do município de Ribeirão Preto-SP, 2011
Entidade Tempo de N° Total de N° de Áreas / Horário de Fontes de recursos Demanda
fundaçãocadastrados crianças Especialidades atendimento
1 Não 5-10anos 44 21 Saúde, Assistência Manhã Próprios Reprimida
Governamental Social
2 Não Mais de 10 557 24 Saúde, Assistência Manhã e Próprios, doações, repasseReprimida
Governamental anos Social tarde governamental
3 Não Mais de 10 196 102 Saúde, Assistência Manhã e Próprios, doações, repasseReprimida
Governamental anos Social, Educação tarde governamental
4 Não Mais de 10 13 13 Saúde Manhã e Próprios, doações Atendida
Governamental anos tarde
5 Não Mais de 10 21 6 Saúde, AssistênciaIntegral-24 Próprios, doações Reprimida
Governamental anos Social horas
6 Não Mais de 10 48 5 Saúde, AssistênciaIntegral-24 Próprios, doações, repasseReprimida
Governamental anos Social horas governamental
7 Governamental 5-10 anos 700 150 Saúde Manhã e Doações, repasse Reprimida
tarde governamental
8 Não 5-10 anos 87 47 Saúde, Assistência Tarde Próprios, doações, repasseAtendida
Governamental Social governamental
9 Governamental Mais de 10 1300 64 Saúde Manhã e Repasse governamental Reprimida
anos tarde
10 Governamental Mais de 10 344 Não Saúde, Assistência Manhã e Repasse governamental Reprimida
anos informado Social tarde
Em seu conjunto, as instituições atendem cerca de 3310 clientes, dos quais 432
(13%) são crianças. Apesar desse número expressivo, apenas duas instituições
contemplam toda demanda enquanto que as demais atendem acima de suas
capacidades, sendo que a demanda reprimida chega a 200 pacientes. Com relação
ao horário de funcionamento, duas instituições possuem atendimento 24 horas,
considerando sua característica de abrigamento, ou seja, instituições
responsáveis por zelar pela integridade física e emocional de crianças e
adolescentes que, por determinação judicial, foram afastadas de suas famílias
devido a condições inadequadas de convivência.
Diante da demanda reprimida, as instituições alegam dificuldades financeiras,
como mostra o relato:
(...) mas nós não temos condições financeiras para poder fazer o
atendimento de todas (...) nós estamos atendendo um pouco menos da
metade da nossa capacidade por falta de subsídio mesmo, de não ter
condições financeiras de atender mais crianças, porque espaço aqui
tem. (Instituição 5)
Outro fator complicador relaciona-se à necessidade de atenção de longa duração
a essa população, evidenciada pelas dificuldades de alta e de abertura de novas
vagas, como revelam os depoimentos:
Então, nós já tivemos pessoas que vinham quatro vezes por semana, mas
que hoje vem só duas vezes por semana, mas uma terminalidade é muito
difícil, porque são pessoas que ainda necessitam de um acompanhamento
clínico, uma medicação, então, uma pessoa assim você não consegue
desligar. (Instituição 2)
A maioria dos pacientes não é casos novos, são retornos para se dar
um seguimento a médio e a longo prazo(...) é continuado. (Instituição
1)
(...) vai do profissional achar da necessidade da alta, do contrário
continua(...) nós temos casos aqui que tem cinco, seis anos de
atendimento. (Instituição 3)
O acesso e a continuidade do seguimento são totalmente gratuitos, contudo, nas
instituições de abrigo, o Benefício de Prestação Continuada (BPC)I recebido
pela criança é mantido para a instituição. A maioria das instituições
participantes oferece atendimento multidisciplinar, contemplando diversas
especialidades, como serviço social, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia,
terapia ocupacional, medicina, enfermagem, odontologia e pedagogia.
No que se refere à procedência dos clientes, sete instituições oferecem
atendimento somente para a população residente no município de Ribeirão Preto-
SP, enquanto que as demais atendem também a população da região. A instituição
8 presta serviços de consultoria on-line aos interessados na temática de
mielomeningocele e hidrocefalia; essa consultoria abrange todo o Brasil e
também outros países.
Além dos aspectos técnicos de caracterização das instituições, buscando um
olhar direcionado à compreensão das relações estabelecidas, os resultados
sinalizaram para uma integração e articulação deficientes das instituições
entre si e entre os demais serviços especializados que compõem a rede de
cuidados às crianças com necessidades especiais de saúde. Essa afirmativa é
expressa pelo desconhecimento das atividades ofertadas pelas instituições ou
mesmo o desconhecimento de sua existência, delineando um processo de trabalho
isolado e pouco divulgado na sociedade. Nesse sentido, os responsáveis pelas
instituições 3 e 4 relatam:
(...) ou então se eu tenho uma vaga e você tem outra vaga... nós não
ficamos sabendo nunca! Às vezes, abrem ONGs [Organizações Não
Governamentais] novas que oferecem serviços importantes para a
comunidade e nós ficamos sabendo dali a muito tempo(...).
(Instituição 3)
(...) eu acho que o que falta talvez é conhecer um pouco mais o que
cada serviço tem... porque nós conhecemos aquelas mais
tradicionais... como nós temos esse serviço aqui, que nem todo mundo
conhece, existem outros! (Instituição 4)
A responsável pela instituição 9 corrobora os depoimentos acima, manifestando
sua indignação perante a invisibilidade do trabalho desenvolvido por sua
instituição, mesmo tendo sido fundada há muitos anos, com várias estratégias de
divulgação já realizadas:
(...) eu vejo pelo nosso serviço, tem quantos anos... desde 1996...
15 anos... nós já divulgamos há tanto tempo, já saiu em matéria na
TV, no jornal, já dei várias entrevistas... e tem pessoas que às
vezes falam que não sabiam que tinha esse tipo de trabalho. Mas
quando é um munícipe ainda tudo bem... o pior é quando você vai
conversar com alguém, por exemplo dentro de um hospital e não
conhece! (Instituição 9)
Outro aspecto importante que se adiciona à questão do desconhecimento é a
dificuldade de comunicação entre as instituições. Essa comunicação fragmentada
e pouco articulada compromete a qualidade da assistência prestada à medida que
se torna dificultoso o processo de encaminhamento para outros serviços, bem
como a continuidade dos cuidados prestados, o que pode ser observado pela não
apropriação das condutas implementadas nos diversos estabelecimentos nos quais
a criança com necessidade especial de saúde circula. Os relatos a seguir
indicam tais dificuldades:
Nós estamos encontrando dificuldades de conseguir fazer esse
compartilhamento... eu não sei exatamente, a princípio, qual a visão
que as outras instituições têm de nós. (Instituição 8)
(...) nós ficamos sabendo assim... um paciente trata aqui, tem um
comprometimento sistêmico e vem a falecer, a mãe avisa... mas não tem
uma rede de informações. (Instituição 10)
As justificativas apoiam-se na questão da falta de tempo para interagir com o
outro profissional diante da excessiva demanda de trabalho. Um dos
entrevistados relata sua iniciativa em promover uma melhor comunicação entre
seu atendimento médico e a unidade básica de saúde, anexando uma cópia do
atendimento no prontuário da criança; entretanto, no relato abaixo, justifica a
interrupção dessa conduta:
Existe uma falha muito grande nesta questão; durante um bom tempo nós
tentamos deixar uma cópia do atendimento na unidade básica da área de
referência, mas isso demanda um tempo muito grande... não deu certo,
então não prosseguimos nessa intercam bialidade de informações.
(Instituição 1)
No entanto, os profissionais mencionam estratégias formais facilitadoras da
integração e comunicação, dentre elas o estabelecimento de um convênio entre
uma instituição assistencial e uma universidade do município. Os convênios
entre serviços e universidades objetivam a complementação e aprimoramento da
assistência prestada à população, bem como o ensino e a pesquisa e, portanto,
agregam melhorias a todos os envolvidos nesse processo, inclusive à população
atendida. Nessa perspectiva, a responsável pela instituição 9 relata:
(...) a nossa instituição tem um convênio grande com as
Universidades... nós acabamos ficando muito próximos e, quando tem
criança que necessita de uma avaliação mais aprofundada, é ele
[docente da universidade] quem nos ajuda, isso facilita e eu até já
conto com ele para o município todo, para ele me ajudar e ele já se
colocou à disposição. (Instituição 9)
A partir dos relatos, identificamos também estratégias informais de integração
entre os serviços. Assim, à medida que um mesmo profissional transita por
diferentes cenários, torna-se o elo entre as instituições, possibilitando
trocas de informações e cooperação recíproca, como mostram os relatos:
(...) tem uma enfermeira nossa que é de outra instituição também...
muitas vezes nós ficamos sabendo da internação... ela nos comunica.
(Instituição 4)
(...) como eu trabalho na rede pública, então algumas coisas eu tenho
uma facilidade de agilizar... um pouco. (Instituição 4)
(...) se é o caso da psicologia... eu conheço a psicóloga que
trabalha em tal instituição, então eu já vou direto! (Instituição 3)
Na tentativa de manter a continuidade do cuidado, o responsável pela
instituição relata como se organiza diante de um atendimento ou hospitalização
de uma criança institucionalizada, revelando preocupação e cuidado com aquelas
que estão sob sua responsabilidade:
(...) ela tem uma consulta agendada no ambulatório... ela vai e faz
essa consulta e aí nós levamos tudo, a pasta, a medicação que ela
está tomando e tudo mais... geralmente, sempre que possível, fica um
funcionário lá fazendo esse acompanhamento enquanto ele [a criança]
está institucionalizado fora para não ficar essa questão
desvinculada. (Instituição 5)
DISCUSSÃO
A participação expressiva de oito instituições de caráter não governamental
representa o grau de organização da sociedade civil do município estudado, que,
ao reunir pacientes, familiares, voluntários e profissionais de saúde em torno
de objetivos comuns, estabelece uma rede formal de cooperação entre si(17).
Nesse sentido, essas instituições têm o potencial de ativar e estreitar as
redes sociais, rompendo o isolamento social e melhorando as condições de vida
das crianças com necessidades especiais de saúde e suas famílias(9).
Considerando a condição e a natureza dos cuidados exigidos pelas crianças com
necessidades especiais de saúde, observa-se a necessidade de serviços de saúde
e sociais para além dos requeridos por qualquer outra criança e, em geral, por
um período de tempo indeterminado(1), em coerência, portanto, com a
justificativa elaborada pelas instituições em relação à demanda reprimida.
O apoio social que essas instituições proporcionam é potencializado quando a
rede é forte e integrada. Nesse sentido, para que a assistência prestada seja
integradora e integral são necessárias coordenação e cooperação entre os
serviços assistenciais visando a criação de uma rede de cuidados capaz de
consolidar os princípios de universalidade, integralidade e equidade(18),
princípios esses que fundamentam o Sistema Único de Saúde. No Brasil, a
legislação prevê a instituição das Redes de Atenção à Saúde, que se constituem
em arranjos organizativos formados por ações e serviços de saúde com diferentes
configurações tecnológicas e missões assistenciais, articulados de forma
complementar(19).
A coordenação representa o principal instrumento de articulação e integração
entre os vários sujeitos e instituições envolvidos no cuidado; no entanto, se
as ligações não forem efetivas, essas organizações podem se tornar
fragmentadas, fracionadas e isoladas, com consequente declínio de sua
performance. Assim, para o estabelecimento de uma rede coordenada, é essencial
uma ação comunicativa, implicando em relações interpessoais de
interdependência, as quais garantem o acesso e a continuidade do cuidado,
evitam procedimentos desnecessários ou mesmo sua duplicação e, por fim,
agilizam o atendimento(20).
Um estudo realizado no Reino Unido com o objetivo de descrever qualitativamente
o papel do enfermeiro e dos demais profissionais de saúde que atuam com
crianças com necessidades especiais de saúde na comunidade identificou que um
sistema de comunicação efetivo e eficiente entre as instituições,
profissionais, crianças, familiares e cuidadores é fundamental para prover um
cuidado de qualidade. Para tanto, relatam uma estratégia de compartilhamento de
informações, em que a criança leva consigo um "passaporte", contendo dados
detalhados sobre sua condição clínica, bem como preferências alimentares e de
posição para realização de exercícios de fisioterapia. Todos os profissionais
que dela cuidam contribuem com informações, evitando a repetição de perguntas
(5).
No Rio de Janeiro, Brasil, foi realizada uma investigação com o objetivo de
identificar a rede social de cuidados às crianças com necessidades especiais de
saúde, a partir dos profissionais de enfermagem de um hospital pediátrico e das
unidades do Programa Médico de Família, bem como a partir de familiares dessas
crianças. Os resultados indicaram que a enfermagem tem papel fundamental na
articulação dessa rede social de cuidados. No ambiente hospitalar, é possível
identificar as ações do cuidado de enfermagem diante do processo de treinamento
dos familiares para o cuidado domiciliar, o qual é direcionado para a
realização de procedimentos, todavia, sem avaliar a pertinência e
aplicabilidade dessa técnica no domicílio. Nesse sentido, os autores criticam o
ato depositário de informações e apostam na valorização da integralidade dos
serviços de saúde e na necessidade de reorganização do sistema para promoção de
redes sociais menos desgastantes para os familiares(9).
Outros pesquisadores também encontraram em seus resultados uma (des)articulação
da rede de cuidados em saúde das crianças com necessidades especiais de saúde,
afirmando que as pessoas que compõem essa rede de cuidados (profissionais de
saúde do nível primário, secundário, terciário e quaternário, além dos
familiares cuidadores e das outras pessoas da comunidade) cuidam dessas
crianças ora de modo articulado, ora desarticulado, sendo a mãe a principal
integradora da rede(11).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dado o crescimento emergente desse grupo de crianças faz-se necessária a
reorganização dos serviços de apoio existentes em busca de uma assistência
qualificada e integradora, minimizando as dificuldades apontadas pelas
instituições em relação à comunicação e cooperação mútuas. Além disso, é
indispensável a implantação de novos serviços de suporte como forma de apoiar
essas famílias na continuidade do cuidado domiciliar.
Por se tratar de um estudo no qual exploramos o processo de trabalho de apenas
algumas instituições que compõem a rede de cuidados às crianças com
necessidades especiais de saúde do município de Ribeirão Preto - SP, tem-se,
como fator limitante, a impossibilidade de generalizar os resultados. No
entanto, eles podem se constituir em subsídios para pensar a integração entre
os serviços. Outra questão importante é o desenvolvimento de novas
investigações que discutam a integração dos serviços a partir da efetiva
participação das famílias, pois elas podem indicar problemas e soluções
vivenciados em seu cotidiano.
A enfermagem possui um papel fundamental no cuidado às crianças com
necessidades especiais de saúde e suas famílias, tendo o compromisso de ampará-
las no processo de transição para o domicílio e posterior acompanhamento. Nesse
sentido, o enfermeiro precisa identificar as fontes de apoio e suporte social
disponíveis na comunidade para promover uma assistência articulada e integral a
essa população.