Parto normal e cesárea: representações sociais de mulheres que os vivenciaram
INTRODUÇÃO
A vivência da gestação e do nascimento são eventos sociais, que marcam alguns
dos momentos mais importantes na vida da mulher, mas que também envolvem o
parceiro e sua família, numa experiência singular e permeada de significados.
Um even-to que faz parte da vida reprodutiva e consiste numa experiência humana
das mais significativas, com forte potencial positivo e enriquecedor(1).
Na antiguidade, o processo de nascimento era compreendido como um evento
natural, de caráter íntimo e privado, compartilhado entre as mulheres e seus
familiares e que possuía diversos significados culturais. Com o desenvolvimento
teórico-prático observado no Renascimento, a obstetrícia passou a ser aceita
como uma disciplina técnica, científica e dominada pelo homem; houve o
incentivo à hospitalização, a intensa medicalização do corpo feminino, que
resultou na perda de autonomia e de protagonismo da mulher, na cena do parto
(1).
O desenvolvimento nas técnicas cirúrgica, anestésica, de hemoterapia e de
antibioticoterapia tornou segura a execução de cesáreas, que passaram a ser
realizadas em larga escala e não somente com a indicação de salvar a vida dos
bebês e ou da própria mulher(1).
No Brasil, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera epidêmica a elevação
das taxas de cesárea, com valores que superam os 15% preconizados(2). Os
Indicadores e Dados Básicos para a Saúde do Brasil fornecem, em seus índices de
cobertura, a proporção de partos cesáreos, cujos valores alcançaram o patamar
de 52,34%, no ano de 2010(3).
A OMS preconiza que o objetivo da assistência ao nascimento é promover o mínimo
possível de intervenção, com segurança, para obter uma mãe e uma criança
saudáveis. Suas recomendações para a assistência ao parto consistem na mudança
de um paradigma, entre elas registram-se: o resgate da valorização da
fisiologia do parto; o incentivo de uma relação de harmonia entre os avanços
tecnológicos e a qualidade das relações humanas; além de destacar o respeito
aos direitos de cidadania(2).
Tendo respaldo na literatura(1-2) e em pesquisas científicas(4) comprovando as
vantagens para o binômio do parto normal em relação à cesárea, este trabalho
tem como objetivo conhecer as representações sociais do parto normal e da
cesárea para mulheres que os vivenciaram.
O estudo das representações sociais, teoria escolhida para embasar esta
pesquisa, torna possível recuperar o conhecimento cotidiano, ou seja,
possibilita descobrir como indivíduos e grupos constroem o seu conhecimento,
com base no conhecimento de suas experiências e dos valores que atribuem às
suas vivências(5).
Assim, partimos da proposição de que as representações sociais referentes ao
parto normal e à cesárea podem descrever valores que interpretam e reconstroem
fatos reais, que orientam as condutas e as comunicações sociais sobre o tema.
Por essa razão, acredita-se que conhecimentos podem advir para o entendimento
da formação e consolidação de conceitos, socialmente veiculados, bem como que
esses conhecimentos possam trazer importantes contribuições a essa discussão,
envolvendo profissionais de saúde, gestores das políticas públicas de saúde e
mulheres que desejam ter um filho, e, ainda, que contribuam para a construção
de estratégias que possam intervir na realidade e que tragam benefícios para as
mulheres, no momento do nascimento.
MÉTODO
Este estudo caracterizou-se como uma pesquisa descritiva de natureza
qualitativa, embasada no referencial teórico das Representações Sociais(5),
para a compreensão do fenômeno parto normal e cesárea, atribuído pelas mulheres
que vivenciaram os dois eventos.
As participantes da pesquisa foram mulheres residentes na área de abrangência
da Estratégia de Saúde da Família dos Centros de Saúde da Cachoeira do Bom
Jesus e Ponta das Canas, ou que utilizavam a Unidade de Educação Infantil,
todos localizados ao norte da parte insular do município de Florianópolis-SC,
Brasil. Para inclusão das participantes, foram observados critérios como:
mulheres que tenham tido ambas as experiências de via de parto, cujos eventos
tenham ocorrido nos últimos 15 anos, sem delimitar a quantidade e/ou a ordem de
seus acontecimentos; e mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Como critério para exclusão considerou-se mulheres que apresentaram óbito fetal
intra-útero ou perinatal de seus filhos e malformações fetais.
A amostra, intencional, totalizou vinte participantes, e foi determinada por
saturação teórica durante a coleta e a análise dos dados. A saturação teórica
foi identificada a partir da não ocorrência de novas informações, pelo
rendimento decrescente durante a análise de conteúdo realizada.
A coleta de dados ocorreu entre os meses de julho a outubro de 2010, na forma
de entrevistas episódicas, realizadas nos Centros de Saúde, na Unidade de
Educação Infantil ou em domicílio, conforme consentimento da participante, com
auxílio de um roteiro estruturado, elaborado previamente. A entrevista
episódica permite compreender as experiências adquiridas pelos sujeitos, sobre
determinado conteúdo, que estejam armazenadas e possam ser lembradas por meio
de formas de conhecimento narrativo-episódico, que se aproximam das
experiências do sujeito de forma concreta; e semântico, o significado que a
pessoa atribuiu àquela experiência(6).
As entrevistas tiveram duração média de 33 minutos, foram gravadas e
transcritas em sua íntegra, para análise de conteúdo sequencial e temática dos
dados. Realizou-se a exploração do material com leituras exaustivas, em que o
investigador procurou uma estruturação específica, que se manifestou por
repetições temáticas(7). Para a organização da análise, foi mantida uma margem
confortável à direita e à esquerda da transcrição das entrevistas e realizou-se
a divisão do texto em sequências, utilizando-se de critérios semânticos e de
recursos estilísticos (ruptura de ritmos, operadores gramaticais) com a
identificação dos principais temas no texto, ou seja, uma análise sequencial e
temática. A etapa seguinte consistiu no tratamento dos resultados, a inferência
e a interpretação, com posterior agrupamento do temas emergidos, que permitiram
o desvelar das categorias.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o certificado número 635, em 29
de março de 2010. As participantes foram informadas sobre o tema, os objetivos
da pesquisa e a garantia do sigilo e anonimato, sendo consentida sua
participação voluntária, ao assinar um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
Caracterização das participantes
A análise da caracterização das participantes apresenta, no universo de vinte
mulheres entrevistadas, idade variando entre 23 e 46 anos, sendo a faixa etária
predominante dos 30 aos 39 anos. O grau de escolaridade encontra grande
diversidade, desde a não conclusão do ensino fundamental até o curso superior
completo, sendo mais frequente a conclusão do ensino médio. Em relação ao
mercado de trabalho, 80% estavam inseridas exercendo atividades remuneradas,
10% estavam desempregadas e 10% atuavam nas atividades domésticas, sem
remuneração.
Das participantes, 85% eram casadas ou referiram união estável e viviam com a
família, no domicílio. Todas as mulheres residiam em regiões urbanas, próximas
aos Centros de Saúde e Unidade de Educação Infantil. Quanto à vivência da
maternidade, 65% das participantes tiveram duas ou três gestações, foram
identificadas duas gestações gemelares e 90% das mulheres possuíam entre dois e
quatro filhos. A idade dos filhos variou entre 11 meses a 15 anos completos,
com predomínio entre 5 e 15 anos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na análise das entrevistas, sob a ótica da compreensão das representações
sociais, são descritas três categorias temáticas: o vivenciar da maternidade, o
parto normal e a cesárea.
Na primeira categoria temática, o vivenciar da maternidade, emergem,
independentes da via de parto, parto normal ou cesárea, quatro temas
principais: a importância de buscar informações; o vivenciar da parturição
sozinha versus auxílio/apoio no momento do nascimento; a mulher não tem
participação ou opção de escolha sobre a via de parto; e a forma de atendimento
recebido.
As participantes relatam a importância de buscar informações com o intuito de
se preparar para o momento do nascimento, ao procurarem conhecer os tipos de
parto, saber as vantagens do par-to normal e da cesárea, ter informações sobre
a fisiologia do parto normal e de que forma a via de parto pode influenciar na
vida do seu filho. Essa busca de informação faz parte da formação das
representações sociais, a identificação de como estão organizados os
conhecimentos que este grupo possui sobre o objeto social em estudo e que
determina o seu relacionamento com o mundo e com os outros, direcionam e
organizam as condutas e comunicações em sociedade. A formação destas
representações sociais esteve amparada em conversas com familiares, seguida de
informações obtidas na mídia, como internet, revistas e televisão, ou, ainda,
na utilização de livros e no contato com os profissionais da área da saúde.
A minha mãe... Minha mãe teve oito filhos, tudo normal, sozinha, só
ela, ela fez o parto dela mesmo, então a gente conversava bastante
[...] e eu me informava, assim, pelas revistas, ou pela televisão, ou
entrava na internet para saber sobre o parto, a cesárea [...]. (P10)
A preparação da gestante. Tem que ir mais preparada, tem os cursos de
gestantes, os encontros que a gente faz no posto de saúde, isso
também ajuda a gente bastante. (P12)
Conversar com alguém não, eu gostava de pesquisar, pesquisava em
livro, com meu próprio médico, mas eu pesquisava mesmo era em livros,
revistas, eu comprava aquelas revistas de gestante e bebê. (P4)
O governo brasileiro preconiza uma assistência humanizada à mulher no processo
de nascimento(1) e para contribuir com este aspecto, estudos apontam a
necessidade de acesso das mulheres a um conhecimento que tenha embasamento
científico, que forneça à mulher maior segurança, participação no controle
decisório e autonomia no momento do nascimento(8); um embasamento teórico que
contribua para a reflexão da assistência recebida ainda que, nas relações entre
os profissionais de saúde e as parturientes, estejam envolvidos aspectos
complexos, que vão além do poder de argumentação da mulher. A participação das
mulheres em práticas educativas permite a construção de uma relação de
confiança com os profissionais de saúde envolvidos, favorece o vivenciar de uma
gestação mais tranquila e promove a formação do vínculo mãe-bebe, com uma
melhor aceitação da gravidez(9).
O vivenciar da parturição sozinha versus auxílio / apoio no momento do
nascimento, foi identificado pela ausência de um acompanhante da rede de apoio
da mulher, descrito em alguns momentos como uma opção, em outros pela
indisponibilidade familiar ou impedimento institucional. A ausência de
acompanhante por impedimento institucional esteve associada ao sentimento de
solidão, porém esta ausência justifica-se, neste estudo, pela aprovação, em 07
de abril de 2005, da Lei n. 11.108, que garante a parturientes o direito à
presença de um acompanhante(10). Portanto, promulgada em data posterior à
experiência de nascimento de algumas das mulheres entrevistadas.
Porque eu fiquei sozinha numa sala sentindo a maior dor, fiquei mais
de uma hora lá naquela contração e não tinha ninguém ali para segurar
a mão, para falar: "calma, já estamos indo, calma". [...]Eu fiquei
sozinha lá e meu marido não pôde entrar. (P3)
As mulheres ressaltam a importância do auxílio / apoio no momento do
nascimento, com a presença de um acompanhante, podendo ser um familiar ou
companheiro, para propiciar tranquilidade e calma, simplesmente estar ao lado,
fornecer carinho, atenção e controlar a ansiedade. Estudos afirmam que os
maiores níveis de satisfação com parto foram encontrados na presença de um
acompanhante, principalmente quando a escolha deste foi realizada pela mulher
(11).
Poder apertar a mão de alguém que você ama é tudo. Então ele me
dizendo assim: "Já vai acabar logo, já vai passar, o nosso bebê já
vai nascer". Foi muito bom. [risos]. (P10)
No tema, a mulher não tem participação ou opção de escolha sobre a via de
parto, parto normal ou cesárea, observa-se que a decisão cabe aos profissionais
de saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde, um fator de inclusão para a
participação das mulheres nesta pesquisa, as quais referiram que a realização
das cesáreas, teve uma indicação médica. As recomendações da OMS, sobre a
assistência ao parto normal, afirmam: "deve existir uma razão válida, para
interferir no processo natural"(2), contudo existem posturas contrastantes na
assistência obstétrica brasileira. Uma pesquisa realizada em maternidades
públicas e privadas no estado de Santa Catarina, Brasil, afirma que as
gestantes estão culturalmente conscientes de que não têm o direito à opção
programada pela cesárea eletiva no Sistema Único de Saúde, em face da
normatização das políticas públicas, uma contradição à condição social de
possuir um plano de saúde, no atendimento prestado pela Saúde Suplementar, o
que torna possível a escolha da via de parto(12).
Os meus três filhos foram sem opção de escolha. Eu acho que eles
avaliam se tu podes ter um parto normal ou se tu vais ter que fazer
cesárea. Eu acho que é eles quem decidem, na realidade. Porque se tu
podes ter um parto normal, tranquilo. Os meus três partos foram sem
opção de escolha mesmo. (P5)
A avaliação negativa da forma de atendimento recebido pelos profissionais de
saúde, independente da via de parto, de maneira rude e agressiva, com
indiferença, indica que a mulher não encontra o apoio desejado. Alguns estudos
identificam a insatisfação das mulheres com a experiência do nascimento, devido
à má atenção da equipe(13). Em contraposição, a avaliação positiva do
atendimento prestado, realizado de forma calma e atenciosa, com orientação e
cuidado, em atitudes carinhosas, que auxiliam e promovem apoio e conforto,
repercutem em tranquilidade, segurança e confiança no atendimento,
identificados tanto no parto normal, como na cesárea.
[...]elas tentaram passar para mim toda a segurança. Fica tranquila
que a gente está aqui para te ajudar, fica segura que a gente sabe o
que a gente está fazendo, faz a tua parte, mãezinha, que a gente vai
fazer a nossa. Eles explicavam assim, sabe, não fica trancando,
respira fundo quando sentir contração. Eles foram muito especiais no
momento do parto normal. (P1)
Na segunda categoria temática, o parto normal, englobam-se os temas centrais de
suas representações sociais: ambivalência de sentimentos, percepção positiva do
parto normal e hospitalização. A ambivalência de sentimentos apresenta as
dificuldades enfrentadas no trabalho de parto em contraposição com as
facilidades da recuperação.
A gente sofre um pouquinho mais [risos], mas o parto normal é bem
melhor. (P11)
As dificuldades enfrentadas no trabalho de parto remetem à lembrança da dor,
uma palavra recorrente na fala das mulheres quando se referem ao parto normal.
É possível perceber a existência de uma concepção sobre a dor no trabalho de
parto, mesmo antes de vivenciá-la, e que a espera gera dúvidas e conflitos
entre a dor esperada e a dor percebida.
Aí eu falei: - Mãe, como é que a senhora falava para mim, ah... que
morre de dor! Que dor? Que dor é esta? Eu já estava a ponto de ganhar
e não tinha sentido dor! Porque eu só fui sentir dor mesmo,
praticamente quando ela já estava saindo. (P4)
Algumas mulheres relataram uma dor intensa, que aumenta gradativamente, uma dor
fora do normal, tipo dor de dente, inevitável, que você não pode calcular, mas
dói bastante, uma dor irritante, insuportável, a pior dor que tem. Com o
intuito de cessar as dores, elas desejam o nascimento rápido do bebê ou a
realização da cesárea, pois a dor intensa gera angústia e ansiedade.
Mas eu jamais imaginaria que seria tanta dor, a dor a gente não
sente! Ver é uma coisa e sentir é outra completamente diferente. (P8)
Nessa mistura de sensações, outras mulheres descreveram a dor no trabalho de
parto de forma mais branda. Começa com uma dor leve, são fisgadinhas de dor,
uma dor que esquenta e se intensifica somente nos momentos finais, mas que são
controláveis, uma dor que não é tudo aquilo que falam. Uma dor rápida, que
passa com o nascimento do bebê e que, depois, vem acompanhada de um sentimento
de paz, de alívio; o corpo relaxa, não restam forças para mais nada, uma dor
esquecida, não há mais lembranças da dor.
[...] daí começou a doer, doer, mas a dor é assim, ela é momentânea,
passa e tudo certo, uma dor bem suportável, dá para aguentar. A gente
fala depois que passa: - Não dói tanto assim [...]. (P1)
A percepção da dor extrapola os limites da fisiologia do corpo, advém de um
contexto cultural, e somente as mulheres que vivenciaram podem descrever(12). A
dor, muitas vezes, é percebida como um aspecto intrínseco da parturição.
Estudos mostram que o alívio da sensação dolorosa pode ocorrer com apenas o uso
de métodos não farmacológicos, como a presença de um acompanhante, a mudança de
posição, a cadeira de balanço, a acupressão, as massagens e o banho de aspersão
(14).
Os aspectos positivos da ambivalência são descritos na recuperação do parto
normal, ela é mais simples, rápida, fácil e tranquila. A recuperação é melhor,
a mulher sente-se a mesma depois do parto normal, com independência para
caminhar, realizar cuidados de higiene pessoal e atividades domésticas, cuidar
do bebê, além de uma recuperação mais rápida do seu próprio corpo. Estudos com
mulheres que vivenciaram o parto normal descrevem essas características como de
satisfação, preferência ou vantagens associadas ao parto normal(8,14-15).
Assim, muito rápida a recuperação, tu consegues estar bem depois de
um parto normal [...]. (P20)
Como tema central, a percepção positiva do parto normal, as atitudes podem ser
identificadas como uma das dimensões da representação social, ao verificar os
julgamentos que os sujeitos emitem sobre o objeto de pesquisa(5), como:
O parto normal é melhor! (P4)
Descrevem, ainda, percepções positivas sobre o parto normal como sendo este
mais tranquilo, rápido, simples e prático. Não necessita de muitos
profissionais ou instrumentação, a melhor experiência, o parto ideal, na
verdade, para a mulher e o bebê.
Que eu tenho convicção que o melhor para o bebê e a gestante é o
parto normal. É melhor! (P4)
A maioria das mulheres deste estudo, embora todas tenham vivenciado a cesárea,
declararam sua preferência pelo parto normal, juntamente com o desejo, a
expectativa de vivenciá-lo e o incentivo dos familiares, ao aconselhar o parto
normal como a melhor alternativa. Os sentimentos positivos são descritos em
palavras como lindo, maravilhoso, gratificante, algo mágico, encantado, cheio
de prazer e alegria.
Eu sabia assim como era o parto normal e até quando eu fiquei grávida
do meu filho, eu falava: - Não, esse eu quero ter parto normal, eu
quero saber como é que é? Eu quero ter essa experiência também! Eu
acho que eu aconselharia todo mundo a fazer parto normal, é a melhor
coisa que tem, é muito mais gratificante! (P1)
Porque para mim o parto normal foi tão prazeroso, se você não se
cuida, você vai se privar deste prazer, de ver aquela coisinha ali
nascendo e na hora a médica levantar ali e te mostrar a carinha ali e
você saber que acabou de sair você [...]. (P4)
Depois de um parto normal, o que mudou foi a minha experiência eu
acho, eu falo assim, a minha irmã está grávida agora, minha irmã mais
nova, aí eu falo que o parto normal é maravilhoso né, você sente
aquela emoção, tudo, acho que mudou a minha experiência, depois de um
parto normal. (P2)
As participantes descreveram que o parto normal é visto como a ordem natural
das coisas, um evento mais saudável, em que o bebê nasce espontaneamente,
significa dar a vida a um ser humano. O parto normal possibilita adotar uma
postura ativa, movimentar o seu corpo, receber massagens, realizar o banho
terapêutico, exercícios com a bola e o cavalinho. Ressaltam o protagonismo da
mulher, considerando que é ela quem vai dar à luz. Os profissionais estão
presentes somente para auxiliar, ela participa e vê o nascimento do seu filho,
sente e sabe o que está acontecendo, tanto a mulher como a criança se ajudam.
Parto normal é a forma natural, eu acho que é a forma mais natural
possível de ter filho. (P19)
Eu posso dizer que dela, eu senti mais as coisas, de poder participar
da força, de fazer a força pra ter ela, pegar no colo, aquela coisa,
de ver. Então, por isso que eu acho que o par-to normal é melhor,
porque a gente está ali, participando do parto. (P17)
Nesse sentido, o parto normal é considerado um evento natural na vida da mulher
(10). Estudos reafirmam a preferência feminina pelo parto normal, associada à
qualidade da relação com o bebê, à vivência do protagonismo, maior satisfação
com a cena do parto(8), evitar as complicações da cesárea(14), menor sensação
dolorosa(15) e a melhor recuperação no pós-parto(8,14-15), com a alta
hospitalar e o retorno as suas atividades diárias mais cedo(15).
As participantes descrevem que o parto normal proporciona o contato mais íntimo
que alguém possa imaginar ter com o seu bebê, uma maior liberdade e interação
ao ter o seu filho pertinho de você.
E aquela sensação de ter o contato com a criança assim que nasceu, de
já estar no seu colo, o contato na hora... só o parto normal pode dar
isso... e isso é muito bom! (P3)
Comportamentos de reconhecimento e aproximação podem ser percebidos no contato
pele a pele entre mãe e bebê, logo após o nascimento, num processo de
identificação, agora concreto e sem barreiras físicas. Para isso, as mães
utilizam-se dos sistemas sensoriais e observam as repercussões em seus bebês,
estabelecidos no toque da pele, na fala e no reconhecimento de suas vozes, o
ato de cheirar os seus bebês e a troca de olhares, quase como uma revelação
(16).
Com a participação das mulheres no parto normal, floresce um sentimento
maternal, uma cumplicidade entre mãe e bebê, que a faz considerar-se mais
mulher e sentir-se realmente mãe. Esse dado evoca a discussão de que "mãe de
verdade é aquela que sente dor", no que diz respeito à natureza da dor de parto
e à capacidade de superá-la. Um componente natural e essencial da maternidade
que, embora represente sofrimento, as mulheres expressam desejo de vivenciar e
sentem-se capazes de tolerar(17). O parto normal como uma experiência maior que
a experiência física, centrada na sua mente, que lhe dá força para lidar com o
nascimento(14).
No parto normal é ser mais mãe ainda, porque a gente sofre junto com
o bebê pra ele nascer e ajuda ele a nascer. Então, é uma cumplicidade
entre o bebê e a mãe, a gente se sente mais mãe depois do parto
normal, a gente se sente mais mulher. (P10)
Dentre as dificuldades enfrentadas no parto normal, encontram-se a evolução do
trabalho de parto, com a presença de sofrimento e a demora em sua evolução.
Também são identificadas algumas complicações no pós-parto, entre elas a
inflamação dos pontos, febre, hemorroidas e problemas relacionados à placenta.
Emergem sentimentos negativos como medo do parto e do desconhecido, medo de
tentar um parto normal e não conseguir, medo de acontecer algo ruim com o bebê.
Com isso, elevam-se a ansiedade, o nervosismo e o desespero, que resultam numa
experiência não muito boa. O fornecimento de informações adequadas no pré-natal
e durante a assistência obstétrica recebida, proporciona segurança às mulheres
atendidas, no momento do nascimento(8).
Não imaginava que seria tão difícil. Aquela hora ali a mulher tem que
ser forte mesmo, porque não é na hora que você está tendo o bebê, são
as contrações que são bem fortes. (P18)
Na hospitalização, uma experiência vivenciada por todas as mulheres
entrevistadas, recorrente em suas falas, foi a administração de comprimidos ou
soro, com o objetivo de induzir o parto ou acelerar suas contrações. Esses
procedimentos foram compreendidos pelas mulheres como rotineiros e dentro da
normalidade, muitas vezes com o próprio entendimento de que seus corpos
estariam impossibilitados de desencadear o trabalho de parto de forma
espontânea ou ignorando a real necessidade de tal intervenção. Dessa forma, as
próprias mulheres deixam de ver o parto como um evento fisiológico, o qual
necessita de uma assistência especializada e do respaldo de uma instituição
hospitalar.
Ai eu internei, passaram os procedimentos, foi aplicado medicação
para acelerar as contrações, porque eu não tenho contração. Quando eu
tenho as contrações já é quando o neném já está praticamente saindo,
quando eu tenho contração forte mesmo. (P4)
A terceira categoria temática deste estudo, a cesárea, mostra as representações
sociais a partir de temas centrais, como: a ambivalência de sentimentos, a
cesárea é mais complicada, a cesárea como solução de um problema e a
preferência pela cesárea. O tema ambivalência de sentimentos na cesárea destaca
em seus aspectos positivos, a facilidade de sua realização, uma forma mais
rápida e cômoda, um momento agradável e tranquilo, tendo ênfase sobre a
ausência de sofrimento. Entretanto, as mulheres afirmam que é um engano a opção
pela cesárea para livrar-se da dor. Elas mencionaram muitas dificuldades na
recuperação da cesárea, uma vez que a sensação dolorosa leva à dependência de
outras pessoas na manutenção de suas atividades diárias, as necessidades de
cuidado corporal, dificuldades para caminhar e manter a postura, ou cuidar e
amamentar o seu bebê.
Estudos apresentam a comparação das mulheres sobre a dor e sua relação com a
via de parto. No parto normal a dor está presente em todo o momento, porém
tolerável(15-18) e permite o retorno a suas atividades normais mais cedo(18),
enquanto que, na cesárea, a dor está ausente inicialmente, mas aparece como uma
consequência operatória(15), sendo mais persistente e incapacitante(18).
A dor que tu sentes depois, na recuperação, é completamente pior, tu
dependes muito das outras pessoas numa cesárea. Já é mais complicado,
se tu vens para casa, tu não consegues fazer nada, não dá para ficar
pegando o neném no colo toda hora, porque dói. (P1)
No tema a cesárea é mais complicada, observa-se uma afirmação que novamente
pode ser compreendida, como a dimensão de atitude das representações sociais,
frente à cesárea(5):
A cesárea é mais complicada. (P15)
Ela é vista como um procedimento complicado, associado a eventos negativos
desde o princípio, bem como um resultado das complicações da gravidez. Alguns
sentimentos negativos também foram identificados, entre os quais está o temor,
o nervosismo, o receio de complicações, a aversão e o trauma do procedimento.
A cesárea já é mais complicada, é bem difícil a cesárea, a
recuperação e tudo também. Na cesárea tu podes pegar uma infecção
hospitalar, como eu peguei, então a cesárea é muito complicado, eu já
tinha aquele medo, entendeu? A cesárea foi um trauma pra mim. (P15)
A compreensão da cesárea como uma cirurgia é relatada pelas mulheres desde o
preparo do ambiente, os cuidados necessários com a anestesia, o grande número
de pessoas presentes ao seu redor, a instrumentação cirúrgica, a incisão
cirúrgica e todo o trabalho sendo realizado por uma equipe, tendo o
profissional médico como a figura principal. Elas a descrevem como um
procedimento cirúrgico que deve ser evitado, pois tem maior gravidade, ao
envolver riscos como desenvolver uma infecção, uma hemorragia ou sofrer um
choque anafilático. Por todos esses motivos, as mulheres relatam que a cesárea
deve possuir uma indicação ou justificativa para sua realização.
É, eu acho que a cesárea é uma cirurgia, no caso, se a pessoa não
precisar fazer, melhor assim. (P17)
Ah, eu acho que a cesárea é a mesma coisa que você estivesse
internada e fosse operada, entende? Que tivesse que cuidar, andar
devagar, cuidar dos pontos pra não arrebentar e cuidar de tudo,
assim, eu acho que é isso. (P11)
As mulheres descrevem as complicações mais presentes, entre elas a cefaleia
pós-raquianestesia, assim como os efeitos adversos da anestesia: angústia,
falta de ar, vômitos e dor no local da punção. Dentre as complicações
cirúrgicas descritas, estão a inflamação dos pontos, hemorragia, infecção
puerperal ou a necessidade de submeter-se a uma nova cirurgia.
A infecção e as complicações... É tudo o que eu passei, como a
cefaleia, que eu tive que voltar para a sala de cirurgia, para eles
injetarem sangue, um sangue na minha espinha, porque eu sentia uma
dor de cabeça muito grande, não conseguia nem levantar da cama, eu
era uma pessoa enorme! (P01)
Na cesárea, a mulheres relataram que não participam do nascimento, elas não
sentem o seu bebê, não sabem o que está acontecendo, estão impossibilitadas de
ver o nascimento de seus filhos, seja pelo procedimento cirúrgico com os campos
operatórios, ou pelo procedimento anestésico, que as deixavam sonolentas.
Eu acho que na cesárea, como você fica anestesiada, tu não sente
nada. O problema da cesárea é que a gente não vê nada, tanto que
quando o meu bebê nasceu, eu não vi se ele estava sujo, se estava
limpo, como é que estava? Então, tu fica deitada ali e tu não tem
noção de nada. (P03)
A cesárea é percebida como a solução de um problema, uma necessidade, não por
opção ou estética, mas quando a mulher ou a criança apresentam complicações e
não existe outra solução.
Eu pensava na cesárea como a solução de um problema, entendeu? Não
pensava como o parto normal que é aquela coisa natural, eu já pensava
como a solução de um problema que tenha no parto, tanto com a mãe ou
com o neném, porque vai ter que ser daquela maneira mesmo. (P2)
Os temas centrais da categoria de representações sociais da cesárea, nomeados
como a cesárea é mais complicada e a cesárea como a solução de um problema,
fazem parte de um conhecimento de domínio das mulheres entrevistadas, que se
assemelham ao conhecimento científico. Os estudos controlados endossam esse
conhecimento ao afirmarem que a cesárea é classificada como uma cirurgia de
grande porte, que pode trazer benefícios para a mãe e para o feto, como também
podem implicar riscos significativos. Assim, para se manter os riscos em nível
mínimo, devem ser evitadas cirurgias desnecessárias e observada atenção
rigorosa às técnicas anestésicas e cirúrgicas(4).
A preferência pela cesárea, apesar de não ser expressiva na frequência de
aparição na fala das mulheres entrevistadas, é importante pelo seu significado,
ainda que apresentem contradições. Uma das entrevistadas declarou sua
preferência pela cesárea, baseada na possibilidade de planejar o nascimento de
seu filho, embora em seu relato tenha destacado as percepções positivas
vivenciadas no parto normal. Outras duas mulheres referiram a dor e o medo em
experiências prévias com o parto normal, na preferência pela cesárea, não
obstante, afirmaram que o parto normal é melhor, sugerem essa via de parto às
mulheres e reiteram que é preciso aguardar o desencadear do trabalho de parto,
para submeter-se a uma cesárea.
[...] se por acaso eu engravidasse novamente, eu iria pensar
seriamente em fazer uma cesárea. Não que eu possa te dizer que a
cesárea seria melhor, porque eu acho que o parto foi muito mais
simples, entendeu? Mas o fato de eu ter sofrido tanto, de ter passado
tanto tempo lá, entendeu? Me levaria a pensar em fazer uma cesárea
já, antes de passar por tudo aquilo... que olha, foi... foi terrível.
(P17)
Destaca-se, neste estudo, sob a ótica das mulheres, que a justificativa da
preferência pela cesárea para livrar-se da dor é uma ilusão, pois a dor está
presente no pós-operatório e resulta em dificuldades vivenciadas em sua
recuperação. Para que a mulher possa lidar com a dor no trabalho de parto e
tenha o alívio da sensação dolorosa, o fornecimento de suporte físico e
emocional podem auxiliar nesse processo, com a presença do acompanhante, a
concentração da parturiente e utilização de técnicas de respiração, a
possibilidade de caminhar ou receber massagem, a utilização da água durante o
trabalho de parto, seja no banho de aspersão ou imersão, e o uso mínimo de
medicamentos(14). Outra importante discussão pertinente à dor no trabalho de
parto, é que ela se caracteriza através de aspectos fisiológicos, psicológicos
e socioculturais, e que as mulheres descrevem o limiar de dor de forma
distinta, também observados neste estudo. Uma alternativa a ser considerada
para lidar com a dor no trabalho de parto é a analgesia de parto, por via
epidural(17), uma aliada das mulheres e que descaracteriza a construção desta
representação, do pedido de uma cesárea eletiva pelas mulheres, para fugir da
dor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo das representações sociais do parto normal e da cesárea para mulheres
que os vivenciaram, mostra, em seus resultados, aspectos positivos e negativos
relacionados a cada via de parto, bem como a vivência da maternidade nos dias
atuais. Em outras palavras, as mulheres conseguem perceber os benefícios do
parto normal em relação à cesárea, tendo consciência das dificuldades
enfrentadas no parto normal, como também os riscos atribuídos ao procedimento
cirúrgico.
Ao compreendermos as representações sociais como um conhecimento elaborado
socialmente, com a finalidade de construir uma realidade social, que regula
nossa relação com o mundo, direciona nossas condutas e comunicações em
sociedade, pode-se deduzir que o conhecimento identificado assemelhou-se ao
conhecimento científico e que, por sua vez, estando em poder das mulheres, pode
resultar em maior autonomia frente ao parto normal e sua evolução, quando for
possível o diálogo entre as mulheres e os profissionais de saúde.
Ao refletir sobre a assistência prestada às mulheres no momento do nascimento,
apreende-se que, para uma vivência mais positiva e satisfatória, não importando
a via de parto, esta seria beneficiada com a busca de informações pelas
mulheres, durante o pré-natal, além de receber informações durante a
assistência e os procedimentos realizados. A garantia do direito à presença de
acompanhante, ao promover apoio e conforto no momento do nascimento. A
utilização de métodos não farmacológicos para o alívio da dor durante o
trabalho de parto e a redução dos níveis de dor, na recuperação pós-operatória
da cesárea. E principalmente, a atenção dos profissionais de saúde, ao prestar
uma assistência de qualidade, com a garantia dos direitos de cidadania.
As falas relatadas neste estudo apontam que não se pode associar as elevadas
taxas de cesárea, encontradas na atualidade da assistência obstétrica
brasileira, a uma solicitação ou desejo das mulheres. Mostram, ainda, que a
vivência do parto normal é um desafio para as mulheres, mas que os sentimentos
positivos descritos superam essas dificuldades. De outro modo, a cesárea,
apesar de ser mais rápida e cômoda, ao propiciar um momento agradável e
tranquilo, não está associada a sentimentos positivos, mas, sim, aos benefícios
físicos de sua realização.
Como contribuição aos profissionais de saúde envolvidos na assistência ao parto
e nascimento, a compreensão do significado atribuído pelas mulheres que
vivenciaram o parto normal e a cesárea pode trazer repercussões e mudanças na
prática assistencial, direcionando a assistência para a real necessidade das
mulheres atendidas. Com isso, as mulheres teriam experiências mais positivas do
evento do nascimento de seus filhos, elevar-se-iam os níveis de satisfação e
garantiríamos a implementação da humanização da assistência ao parto e
nascimento.
Finalmente, é importante ressaltar que, para o bem-estar mater-no e fetal, as
representações sociais do parto normal e da cesárea incluem aspectos físicos,
emocionais e socioculturais envolvidos, que precisam ser respeitados na
individualidade e integralidade de cada ser humano, como a preferência por uma
ou outra via de parto.