Distress do paciente oncológico: prevalência e fatores associados na opinião de
familiares
INTRODUÇÃO
Em resposta ao câncer e seu tratamento, número considerável de pacientes
desenvolve sofrimento emocional. Sintomas físicos, diminuição da
funcionalidade, perda ou afastamento do trabalho, isolamento social, medo,
tristeza, raiva, ansiedade, depressão e incertezas contribuem para este
sofrimento(1-2). Pela sua importância e impacto, o sofrimento emocional que
acomete o paciente com câncer tem sido considerado atualmente como o sexto
sinal vital e deve ser reconhecido, monitorado, documentado e tratado em todas
as fases da doença(3-6).
Mitos relacionados ao câncer, associados à abrangência e popularidade do termo
estresse, levaram a National Comprehensive Cancer Network (NCCN)(7) e a
American Psychosocial Oncology Society(8), a partir de 1997, determinarem o uso
do termo distress para se referir ao sofrimento emocional vivenciado pelo
paciente oncológico, pois este termo caracteriza adequadamente os aspectos
psicossociais durante o tratamento do câncer, é pouco estigmatizado, mais
aceito que outros e pode ser mensurado por auto relato. Além disto, emoções
como medo, raiva, ressentimento, agressividade, depressão, extrapolam a
capacidade de controle (eustress), tornando o estresse negativo (distress) um
problema para o indivíduo com câncer, sobrepondo, substancialmente, sua
capacidade de enfrentamento de situações difíceis(6,9).
O distress é definido, então, como uma "experiência emocional desagradável e
multifatorial, de natureza psicológica (cognitiva, comportamental e emocional),
social ou espiritual, que interfere na capacidade de lidar eficazmente com o
câncer, suas alterações físicas, sintomas e tratamento." É um continuum que vai
desde "sentimentos de vulnerabilidade, tristeza e medos, até problemas
incapacitantes como depressão, ansiedade, pânico, isolamento social e crise
espiritual"(7). Tem sido associado à dor, falta de aderência ao tratamento,
diminuição da qualidade de vida e maior mortalidade(10).
A prevalência de distress em pacientes oncológicos é de aproximadamente 25% a
35%, sendo mais comum em mulheres jovens, com doença avançada e incapacidade
funcional e quando há distúrbios psiquiátricos, como depressão maior (2,10-12).
Em relação aos familiares, que compartilham a trajetória da doença e seu
tratamento, 10% a 30% apresentam algum tipo de estresse(6-7,10,13).
Embora existam muitas pesquisas internacionais sobre o tema, há poucas
nacionais sobre a prevalência e fatores associados ao distress. Pesquisas que
envolvam os familiares na avaliação do distress são ainda mais raras ou
inexistentes, o que justifica a realização deste estudo. Estudo(14) que
utilizou o Termômetro de Distress (TD) associado à Escala Hospitalar de
Ansiedade e Depressão (HAD), encontrou uma alta incidência de distress em 83
pacientes brasilienses com câncer (33,7% pelo HAD e 39,8% pelo TD), aumentando
ainda mais em cuidados paliativos (58%). Problemas físicos (94%), como memória
ou dificuldade para dormir, náusea, vômito, aparência, fadiga e dor, e
problemas emocionais (84,3%), como medo, preocupação e tristeza, foram
relatados como maiores causadores de distress. Este resultado corrobora
pesquisa realizada nos Estados Unidos(1), envolvendo 333 pacientes com câncer
de pulmão, que apontou a fadiga (55,6%), dor (51,4%), nervosismo (48,6%),
problemas para dormir (39,9%), depressão e tristeza (35,4%) como principais
causas do distress. Em relação aos familiares, há estudos internacionais que
avaliam seu distress(15), porém, nenhum estudo nacional ou internacional
utilizou a opinião do familiar para triagem do distress do paciente.
Os poucos estudos existentes reforçam a hipótese que, apesar de haver
instrumentos válidos para sua avaliação, o distress é uma condição pouco
conhecida, diagnosticada e tratada por profissionais de saúde(2,10-11,16-18).
Sendo assim, conhecer a prevalência e os desencadeadores de distress, na ótica
dos familiares, pode contribuir para a triagem do distress de pacientes com
câncer e para a organização de modelos de intervenção, onde os familiares atuem
como peças fundamentais.
METODOLOGIA
Participantes
Foram convidados a participar do estudo os familiares de pacientes com câncer
atendidos no Ambulatório de Oncologia e Quimioterapia ou internados nas
clínicas médicas e cirúrgicas de um hospital universitário de grande porte,
referência em Oncologia no Norte-Nordeste do Brasil, no período entre junho a
agosto de 2012. Foram considerados elegíveis aqueles que tinham 18 anos ou
mais, capacidade de comunicação e compreensão preservadas e escolaridade igual
ou superior a seis anos. Cento e quarenta (140) atenderam aos critérios de
inclusão e aceitaram participar.
Como familiares, consideraram-se os indivíduos responsáveis por prover cuidados
diretos aos pacientes pelo menos duas vezes por semana, sem vínculo
profissional, com ou sem consanguinidade.
Instrumentos
Os dados do familiar como idade, sexo, estado civil, procedência, escolaridade,
profissão, renda familiar mensal, dentre outros, foram coletados por
entrevista, utilizando-se instrumentos elaborados para este fim. Informações
sobre os pacientes foram coletadas dos prontuários (sexo, idade e local do
tumor). O peso e a altura foram aferidos para o cálculo do Índice de Massa
Corporal (IMC).
O distress foi avaliado por meio do Termômetro de Distress. Esta escala,
validada para o Brasil em 2009, foi adaptada para uso em familiares e aplicada
aos 140 indivíduos para verificar a clareza semântica. Trata-se de um
instrumento de preenchimento simples e rápido, de fácil análise e com alta
eficácia no rastreamento do distress no câncer, em qualquer etapa do
adoecimento. Permite identificar o nível de distress, assim como suas possíveis
causas. Uma figura de um termômetro gradua o distress de 0 a 10, com ponto de
corte 4 (≥ 4 = com distress). Associado à figura, há uma lista com 35 possíveis
causas do distress relacionadas ao diagnóstico, tratamento e outros fatores. Na
versão original, possui alta sensibilidade (82%), especificidade (98%), valores
preditivos positivo (95,8%) e negativo (91,5%) quando comparado à HAD(14).
Procedimentos
Os participantes foram recrutados enquanto aguardavam a consulta de seus
pacientes no ambulatório, ou durante a troca de acompanhantes nos setores de
internação. Aqueles que preencheram os critérios de inclusão e aceitaram
participar foram encaminhados a salas reservadas onde se realizaram entrevistas
únicas e individuais, pela pesquisadora principal e duas acadêmicas de
enfermagem devidamente treinadas. Após explicação dos objetivos do estudo,
riscos e benefícios e procedimentos de coleta, os familiares foram solicitados
a preencher a escala e esclarecidos que nenhum item poderia ser deixado em
branco. Ao finalizar o preenchimento, foi assinado o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido em duas vias.
Todos os aspectos éticos e legais de pesquisa com seres humanos foram
contemplados, conforme Resolução n°196/96, do Conselho Nacional de Saúde do
Ministério da Saúde.
Análise estatística
As variáveis independentes foram a opinião dos familiares sobre a presença e o
nível de distress dos pacientes. Como variáveis dependentes, considerou-se a
idade, o sexo, a escolaridade, a religião e a renda familiar mensal do
familiar. As variáveis dependentes relacionadas ao paciente foram sexo, idade,
local do tumor e IMC e as situações consideradas pelos familiares como problema
para o paciente na última semana.
Os dados foram processados no Excel e analisados pelo software Stata, versão
10.0. Todas as variáveis sofreram análises descritivas e as variáveis contínuas
foram analisadas segundo as medidas de tendência central (média e mediana) e
dispersão (desvio-padrão). Para análise bivariada foram utilizados o teste Q u
i - -quadrado (χ2) e o teste t Student e Mann-Whitney para comparação de
médias. Os fatores associados ao distress (problemas práticos, familiares,
emocionais, espirituais e físicos) foram analisados através do teste Qui-
quadrado com correção de Yates. Para análise multivariada das variáveis que
mostraram p < 0,20 foram utilizados procedimentos de regressão logística
multinomial, para variáveis sociodemográficas dos familiares e pacientes que
interferiam na percepção do distress, e regressão logística stepwise backward,
para análise dos fatores apontados pelos familiares que estavam associados ao
distress. Foram estimadas a razão dos produtos cruzados (Odds ratio) e o
intervalo de confiança de 9 5 % para as variáveis que permaneceram no modelo.
Em todas as análises utilizou-se o nível de significância de p ≤ 0,05 .
RESULTADOS
Na Tabela_1 é feita a comparação das características sociodemográficas dos 140
familiares participantes segundo opinião que tinham sobre a presença de
distress dos pacientes. Aproximadamente, 72,9% dos familiares consideraram que
seus pacientes tinham distress (TD ≥ 4). A maioria era do sexo feminino
(82,9%), casada (50%), católica (57,1%), com idade entre 30 e 49 anos (54,9%),
escolaridade média de 10,6 anos (DP=3,3) e renda familiar mensal de 1 a 3
salários mínimos (50,7%). Idade, sexo, religião e renda familiar mensal dos
familiares influíram na opinião desses sobre a presença de distress nos
pacientes.
Tabela 1 Características sociodemográficas dos familiares segundo opinião
sobre distress dos pacientes
Variáveis \ Distress Sim (n=102) Não (n=38)Total (N = 140) p 1
n % n % n %
Sexo
Masculino 11 7,8 13 9,3 24 17,1 0,001
Feminino 91 65,0 25 17,8 116 82,9
Idade
< 20 3 2,1 - - 3 2,1
20 - 29 27 19,3 2 1,4 29 20,7 0,000
30 - 39 31 22,1 7 5,0 38 27,1
40 - 49 19 13,6 20 14,3 39 27,8
50 - 59 18 12,8 4 2,8 22 15,7
60 - 69 3 2,1 4 2,8 7 5,0
70 - 79 1 0,7 1 0,7 2 1,4
Estado civil
Solteiro 38 27,1 12 8,6 50 35,7
Casado 50 35,7 20 14,3 70 50,0 0,819
Viúvo 2 1,4 - - 2 1,4
União consensual 5 3,6 3 2,1 8 5,7
Separado/divorciado 7 5,0 3 2,1 10 7,1
Raça
Branco 35 25,0 13 9,3 48 34,2 0,715
Pardo 45 32,1 19 13,6 64 45,7
Negro 22 15,7 6 4,3 28 20,0
Religião
Católica 53 37,8 27 19,3 80 57,1
Protestante 44 31,4 5 3,6 49 35,0 0,003
Espírita 2 1,4 4 2,8 6 4,3
Outra 3 2,1 2 1,4 5 3,6
Procedência
Capital 62 44,3 25 17,8 87 62,1 0,532
Interior PE 37 26,4 13 9,3 50 35,7
Outro Estado 3 2,1 - - 3 2,1
Renda Familiar 2
Sem renda - - 1 0,7 1 0,7
> 1 SM 13 9,3 1 0,7 14 10,0
1 -| 2 SM 36 25,7 7 5,0 43 30,7 0,006
2 -| 3 SM 21 15,0 7 5,0 28 20,0
3 - | 4 SM 7 5,0 10 7,1 17 12,1
4 -| 5 SM 14 10,0 5 3,6 19 13,6
> 5 SM 11 7,8 7 5,0 18 23,0
Anos de estudo
6 - 8 32 22,8 12 8,6 44 31,4
9 - 11 44 31,4 16 11,4 60 42,8 0,15
12 -16 21 15,0 8 5,7 29 20,7
> 16 anos 5 3,6 2 1,4 7 5,0
1Teste t Student ou Teste Mann-Whitnney;
2Em salários mínimos (SM) do Brasil (R$ 622,00)
Em relação aos pacientes, a maioria era do sexo feminino (50,7%), com média de
idade de 59,8 anos (DP = 14,1), variando de 21 a 95 anos e maior prevalência de
cânceres gastrointestinais (29,9%), seguido de câncer de mama (18,6 %). A média
de peso foi de 61,4 kg ± 12,2, com variação de 35 a 104 kg; sendo a maioria
classificado como peso normal (52,9%), com IMC médio de 23,3 ± 4,0 (variação
15,4 a 37,9). Nenhuma destas variáveis mostrou associação significante (Tabela
2).
Tabela 2 Características sociodemográficas e clínicas dos pacientes segundo
presença de distress, na opinião de familiares
Variáveis \ Distress Sim (n = 102) Não (n=38)Total (N = 140) p1
n % n % n %
Sexo
Masculino 47 33,6 22 15,7 69 49,3 0,46
Feminino 55 39,3 16 11,4 71 50,7
Idade
21-30 4 2,8 1 0,7 5 3,6
31-40 2 1,4 2 1,4 4 2,8
41-50 21 15,0 8 5,7 29 20,7 0,15
51-60 30 21,4 6 4,3 36 25,7
61-70 24 17,1 8 5,7 32 22,8
71-80 17 12,1 7 5,0 24 17,1
>80 4 2,8 6 4,3 10 7,1
Faixa IMC
Muito abaixo do normal 5 3,6 1 0,7 6 4,3
Abaixo do normal 9 6,4 3 2,1 12 8,6
Normal 54 38,6 20 14,3 74 52,9 0,17
Acima do normal 27 19,3 13 9,3 40 28,6
Obesidade I 6 4,3 1 0,7 7 5,0
Obesidade II 1 0,7 - - 1 0,7
Local tumor
Gastrointestinais 37 26,3 5 3,5 42 29,9
Mama 22 15,7 4 2,8 26 18,6
Sanguíneo 7 5,0 5 3,6 12 8,6 0,22
Ovário/Útero/Vagina 7 5,0 5 3,6 12 8,6
Próstata 6 4,3 6 4,3 12 8,6
Outros 21 16,3 10 7 31 23,4
1Teste x2
Dentre os fatores associados ao distress, problemas físicos (100%), emocionais
(85,7%, p = 0,000) e práticos (80%, p = 0,010) foram os mais relatados.
Problemas familiares (29,3 % , p= 0,08) e espirituais (17,1 %, p = 0,07)
apareceram em menor proporção. Os fatores associados ao distress mais relatados
pelos familiares e demonstrados na Tabela_3 foram preocupações (80,4%),
tristeza (74,5%), nervosismo (78,4%), dor e fadiga (67,6%), problemas com
alimentação (57,8%), dificuldades para dormir (57,1%), medo (56,9%) e
existência de plano de saúde (53,6%). Destes fatores citados pelos familiares,
observamos associação positiva entre a opinião sobre a existência de distress
(p < 0,05) com plano de saúde privado, depressão, medo, nervosismo, tristeza e
preocupação, problemas com alimentação, fadiga, além de indigestão, memória/
concentração e náusea.
Tabela 3 Fatores considerados pelos familiares como associados ao distress de
pacientes com câncer
Distress \ Fatores Sim (n = 102) Não (n = 38)Total (N = 140) p 1
n % N % n %
Cuidar de criança 22 21,6 7 18,4 29 20,7 0,862
Cuidar de casa 47 46,1 12 31,6 59 42,1 0,176
Plano de saúde 55 53,9 11 28,9 66 47,1 0,015
Transporte 46 45,1 13 34,2 59 42,1 0,333
Trabalho ou escola 41 40,2 10 26,3 51 36,4 0,187
Filhos 18 17,6 6 15,8 24 17,1 0,994
Companheiro 20 19,6 4 10,5 24 17,1 0,31
Depressão 44 43,1 6 15,8 50 35,7 0,005
Medo 58 56,9 10 26,3 68 48,6 0,002
Nervosismo 80 78,4 9 23,7 89 63,6 <0,001
Tristeza 76 74,5 17 44,7 93 66,4 0,002
Preocupação 82 80,4 19 50 101 72,1 0,001
Perda interesse atividades 39 38,2 9 23,7 48 34,3 0,158
Espiritual 21 20,6 3 7,9 24 17,1 0,129
Aparência 48 47,1 11 28,9 59 42,1 0,082
Tomar banho e vestir 29 28,4 7 18,4 36 25,7 0,323
Respiração 26 25,5 6 15,8 32 22,9 0,323
Urinar 25 24,5 11 28,9 36 25,7 0,751
Constipação 34 33,3 11 28,9 45 32,1 0,771
Diarreia 33 32,4 11 28,9 44 31,4 0,856
Alimentação 59 57,8 13 34,2 72 51,4 0,022
Fadiga 69 67,6 15 39,5 84 60 0,005
Inchado 43 42,2 11 28,9 54 38,6 0,218
Febre 27 26,5 10 26,3 37 26,4 1
Dar volta 37 36,3 15 39,5 52 37,1 0,879
Indigestão 43 42,2 8 21,1 51 36,4 0,035
Memória/Concentração 42 41,2 8 21,1 50 35,7 0,044
Mucosite/Afta 33 32,4 7 18,4 40 28,6 0,158
Náusea 44 43,1 8 21,1 52 37,1 0,027
Nariz seco 26 25,5 4 10,5 30 21,4 0,092
Dor 69 67,6 25 65,8 94 67,1 0,995
Sexual 28 27,5 13 34,2 41 29,3 0,567
Pele seca ou prurido 50 49 20 52,6 70 50 0,849
Dormir 61 59,8 19 50 80 57,1 0,395
Formigamento 38 37,3 10 26,3 48 34,3 0,311
Outros 8 7,8 2 5,3 10 7,1 0,874
1Teste x2 com correção de Yates.
Vinte e cinco variáveis com p< 0,20 na análise bivariada entraram nos modelos
de regressão logística. Destas, apenas 6 se mantiveram no modelo final. A
Tabela_4 mostra que, enquanto familiares do sexo masculino (OR = 0,025) e com
idades mais avançadas (OR = 0,006 a 0,059) tiveram menor risco de perceber o
distress, indivíduos protestantes tiveram uma chance 12,77 vezes maior de
percebê-lo, comparados aos indivíduos católicos.
Tabela 4 Modelo de regressão logística final para variáveis sociodemográficas
dos familiares
Variáveis OR IC (95%) p
Sexo do familiar1
Masculino 0,025 0,003 - 0,136 0,00
Idade do familiar2
30 - 39 anos 0,059 0,005 - 0,464 0,99
40 - 49 anos 0,007 0 - 0,061 0,01
50 - 59 anos 0,045 0,003 - 0,491 0,00
60 - 69 anos 0,006 0 - 0,122 0,02
70 - 79 anos 0,013 0 - 0,546 0,00
Religião do familiar3
Protestante 12,77 3,373 - 70,264 0,02
Espírita 3,45 0,224 - 60,554 0,000
1Em relação ao sexo feminino;
2Em relação a 20 - 29 anos;
3Em relação à religião católica
No modelo de regressão final relacionado aos fatores associados relatados pelos
familiares (Tabela_5), nervosismo (OR=10,8) foi considerado como o fator que
contribuiu significativamente mais com o risco de distress quando comparado a
problemas como fadiga (OR = 3,38) ou com ter ou não plano de saúde privado (OR
= 2,55).
Tabela 5 Modelo de regressão logística final para fatores associados ao
distress
Variáveis OR IC (95%) p
Fatores associados
Plano de saúde 2,552 0,987 - 6,59 0,05
Nervosismo 10,833 4,27 - 27,42 0,000
Fadiga 3,38 1,32 - 8,282 0,01
DISCUSSÃO
Este estudo é o primeiro a avaliar distress do paciente oncológico a partir da
opinião de seus familiares. Por não existirem estudos similares ao da presente
pesquisa serão apresentados resultados de estudos sobre autoavaliação de
distress de pacientes. Todos os 140 familiares entrevistados concluíram o
instrumento e a alta taxa de resposta aumenta a validade dos nossos resultados.
O TD foi utilizado em familiares e se mostrou bastante útil por sua rapidez,
simplicidade e quantidade de informações. Além disso, grande quantidade de
estudos(3-4,10,14,17-19) apontam o valor do TD na identificação do distress e
justificam a sua recomendação na triagem de rotina pela National Comprehensive
Cancer Network(7).
Familiares mulheres, jovens, com baixa renda e protestantes foram mais
propensas a relatar níveis mais elevados de distress nos pacientes. Sabe-se que
pacientes mulheres, jovens e com renda inferior apresentam piores escores de
distress (p=0,01) (1,20), e esse perfil assemelha-se ao dos familiares do
presente estudo. É possível que o grande desgaste físico e emocional causado
pelo cuidado intensivo a um ente querido com uma doença grave, associado ao
acúmulo de funções e preocupações enfrentado pelas mulheres durante o dia,
possa fazer com que jovens do sexo feminino apresentem maior desgaste e
sofrimento emocional e o projetem em seus pacientes. Assim, o perfil ser
mulher, jovem e de baixa renda, pode influenciar na percepção do distress dos
que estão ao redor e contribuir para que estas apresentem comportamentos e
percepções diferentes de homens e daquelas com idades mais avançadas.
As características sociodemográficas relacionadas ao paciente, incluindo idade
e local do tumor, não influíram na avaliação dos familiares sobre o distress
dos pacientes. No entanto, quando se trata de auto relato de distress,
pacientes mais jovens têm sido associados ao distress por razões como
preocupações com o início da carreira profissional, dificuldades de conciliar
família e trabalho, dificuldades no emprego e preocupações financeiras(1). Em
estudos recentes(10), variáveis clínicas como tipo de câncer, peso e IMC não se
mostraram relacionadas ao distress ou à depressão.
Mais de 70% dos pacientes foram descritos por seus familiares como tendo
distress em níveis clínicos (≥ 4), e esta prevalência foi muito superior à
apontada em estudos com pacientes que autoavaliaram o seu distress, nos quais a
frequência variou entre 30% e 50%(2,10-11,15-16). Os fatores supracitados
(projeção do próprio estresse no outro) pode ser o responsável por este nível
tão elevado.
Neste estudo, os familiares também relacionaram o distress a sintomas físicos
(fadiga, dor, problemas com alimentação e para dormir), a problemas na vida
prática (plano de saúde) e as questões emocionais (preocupações, tristeza,
nervosismo e medo) e, em menor importância, a relações familiares e questões
espirituais. Estudos com auto relato de pacientes também encontraram relação
entre o distress e sintomas físicos (94%, OR=1,12, p = 0,005) e emocionais
(84,3%, OR=1,53, p = 0,000)(1,14).
A análise de regressão logística permitiu avaliar os fatores mais importantes
descritos pelos familiares como relacionados ao distress de seus pacientes e
nervosismo foi o fator emocional que mais se mostrou independentemente
relacionado (OR=10,88) e fadiga (OR = 3,38), o fator físico mais importante.
Maiores níveis de distress do paciente, relatado pelos familiares, relacionados
a problemas emocionais e físicos já eram esperados, uma vez que a experiência
da doença, especialmente o câncer, e os sintomas que a acompanham trazem
angústias que resultam em desgastes físicos e emocionais, causando grande
impacto na vida diária do indivíduo e família(21).
Respostas fisiológicas ao distress caracterizam-se por maior liberação de
cortisol pelo eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal e podem se manifestar como
nervosismo e outros problemas emocionais. Cortisol pode ser responsável por
alterações do humor e de respostas comportamentais, além de estados
psicológicos negativos(22). Desta forma, a indicação pelos familiares do
nervosismo como importante fator causal de distress de pacientes oncológicos
pode ser considerado uma medida de boa acurácia na avaliação destes pacientes.
Não se encontrou estudo em que familiares tenham avaliado a presença de fadiga
nos pacientes, mas a relação de fadiga com distress foi analisada em vários
estudos, de auto relato de pacientes. Carlson(23) observou que 48,5% dos
pacientes com distress apresentaram fadiga (p<0,001), seguido de dor (26,4%),
depressão (24,0%) e ansiedade (24,0%). Yan e Selick(24) verificaram que fadiga,
dor e perda de peso eram os sintomas mais relatados por pacientes deprimidos ou
com distress, e que estes sintomas respondiam por 44% da variância total da
qualidade de vida relacionado à saúde. Isto coloca a fadiga no patamar de uma
das mais significativas consequências do câncer e seu tratamento e um dos
fatores mais importante na exacerbação do distress. Em 2007, estudo transversal
com 333 pacientes ambulatoriais com câncer observou que, dos pacientes que
relataram distress, 65,4% tinham fadiga, 64,9% dor e 62,4% ansiedade e
nervosismo e estes fatores representaram 29,8% da variância do nível de
distress(1).
Apesar de "possuir plano de saúde privado" ter permanecido no modelo de
regressão final e ter demonstrado ser fator causal para a percepção do distress
(OR = 2,552), o intervalo de confiança para este fator variou entre 0,987 e
6,59, ultrapassando o valor da nulidade e não nos fornecendo segurança
suficiente para estimar a verdadeira relação "possuir plano de saúde privado"
versus distress.
Contrariando nossas expectativas e achados da literatura(1,18), a dor, apesar
de relatada pelos familiares como presente em grande parte da amostra (67,1%),
não se mostrou associada ao distress (p = 0,995). Acreditávamos, também, ser a
perda de peso um importante fator de distress, tanto para pacientes quanto para
familiares(25) e, embora problemas com alimentação tenham se mostrado
associados ao distress na análise bivariada (p = 0,022), o peso e o IMC
aferidos dos pacientes não mostraram qualquer relação com a presença de
distress. Este fato pode ter acontecido por termos avaliado apenas o IMC e peso
atuais dos pacientes e não o quanto este paciente perdeu de peso ao longo da
doença e o impacto desta perda ponderal no status funcional, na qualidade de
vida e no distress.
Os altos níveis de distress dos pacientes associados a sintomas físicos e
emocionais relatado pelos familiares deste estudo fortalece a importância da
avaliação do distress no acompanhamento de rotina dos pacientes oncológicos,
visando detecção e tratamento precoces. Abordagem multidisciplinar do distress,
que inclua a família, talvez contribua para minimizar a prevalência e a
magnitude do distress, diminuir o impacto da doença e do tratamento sobre os
pacientes e familiares.
Embora não tenhamos avaliado o distress do familiar, apenas sua percepção sobre
o distress do seu paciente, é possível que os familiares também apresentassem
altos níveis de distress, visto que os problemas que envolvem o paciente afetam
diretamente sua família. Maior acolhimento, apoio e acompanhamento do binômio
paciente-família, com serviços de suporte e participação efetiva de vários
profissionais podem contribuir para melhorar a qualidade de vida de todos.
Na perspectiva de atenção à díade paciente-família foi feita uma meta-análise
com 29 estudos(16) que indicou intervenções que podem ser utilizadas para
redução do distress de pacientes e de seus cuidadores familiares como ações
educacionais, treinamento de habilidades e aconselhamento terapêutico,
incluindo incentivo ao trabalho em equipe e apoio mútuo, promoção de
comunicação aberta, incentivo ao autocuidado do cuidador e fornecimento de
informações. O cuidado às necessidades mentais e físicas dos familiares pode
resultar em melhor cuidado ao paciente e, consequentemente, familiares mais
compreensivos, bem preparados e confiantes. A implementação destas intervenções
em amostras brasileiras são importantes passos para futuras pesquisas.
Apesar dos achados positivos dessa pesquisa, algumas limitações foram
observadas. A amostra foi de conveniência, oriundos de uma única instituição e
os familiares conviviam com pacientes com cânceres bastante heterogêneos.
Apesar da boa escolaridade da amostra, algumas questões não eram bem
compreendidas pelos familiares, necessitando de ajuda das pesquisadoras.
Amostra maior e dados clínicos mais detalhados dos pacientes (tempo de
diagnóstico, estadiamento, fase do tratamento, Karnofsky Performance Status)
poderão confirmar a não relação observada no presente estudo entre variáveis
clínicas e sociodemográficas dos pacientes e o nível de distress relatado pelos
familiares. Por último, a avaliação concomitante do distress dos pacientes por
auto relato e pela observação dos familiares permitirá observações mais
acuradas.
CONCLUSÃO
Na opinião dos familiares, há alta prevalência de pacientes com câncer com
distress de magnitude significativa, relacionado a sintomas físicos (fadiga), a
problemas emocionais (nervosismo) e à vida prática (plano de saúde). Familiares
mulheres, jovens, com baixa renda e da religião protestante se mostraram mais
propensas a perceber o distress dos pacientes.
A opinião dos familiares sobre o distress dos pacientes é pouco considerada na
avaliação de rotina, mas pode ser de grande auxílio para a minimização do
sofrimento dos pacientes. Familiares bem orientados sobre como avaliar o
distress, bem como prevenir seus estímulos desencadeadores, podem contribuir
para a avaliação de rotina do paciente oncológico. Além disto, se bem
instrumentalizados, estes familiares podem funcionar como parceiros da
assistência à saúde através de ações para o controle do distress do paciente,
resultando em melhor qualidade de vida para o binômio doente com câncer-
família.