Instituição de longa permanência para idosos: um lugar de cuidado para quem não
tem opção?
INTRODUÇÃO
O envelhecimento tem despertado preocupação, principalmente no Brasil, em
relação às mudanças que vem repercutindo na sociedade. Esse acontecimento tem
provocado alterações fundamentais na vida das pessoas, redefinindo relações de
gênero, alterando o perfil das políticas públicas e arranjos e
responsabilidades familiares(1).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de pessoas com 60 anos
ou mais em todo o mundo dobrou desde 1980 e está prevista para chegar a 2
bilhões em 2050(2). Levantamentos estatísticos realizados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2010, 10,8% da
população brasileira possuía 60 anos ou mais - aproximadamente 20.590.599 de
idosos, sendo 9.156.112 (44,5%) homens e 11.434.487 (55,5%) mulheres(3).
A idade traz consigo alterações que podem afetar diretamente a saúde dos
idosos, comprometendo a capacidade física e mental do indivíduo em desempenhar
determinadas atividades de vida diária. Estas alterações podem tornar os idosos
incapazes de cuidarem de si, levando-os a necessitar de ajuda e cuidados,
principalmente dos familiares(4). Contudo, mediante as transformações ocorridas
na sociedade, como inserção da mulher no mercado de trabalho e número menor de
filhos, essas atribuições vêm deixando de ser um domínio exclusivo da esfera
familiar, sendo atendidas por organizações alheias à família.
Ainda, em decorrência do aumento do número de idosos e da longevidade da
população, a que se somam as dificuldades socioeconômicas e culturais que
envolvem os idosos e seus familiares e/ou cuidadores, o comprometimento da
saúde do idoso e da família, a ausência de cuidador no domicílio e os conflitos
familiares, cresce a demanda por instituições de longa permanência para idosos
(ILPI)(5).
As ILPIs são "instituições governamentais ou não governamentais de caráter
residencial, destinadas a serem domicílios coletivos de pessoas com idade igual
ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, em condição de liberdade,
dignidade e cidadania"(6). No Brasil existem 3.548 dessas instituições, nas
quais moram 83.870 idosos. Estas são encontradas em 28,8% dos municípios
brasileiros(7).
As ILPIs apresentam aspectos singulares e determinam, mediante normas
institucionais vigentes e práticas decorrentes de costumes historicamente
institucionalizados, condutas e comportamentos próprios. Na maioria dessas
instituições, as atividades são realizadas num mesmo ambiente e sob uma única
autoridade; a rotina é praticamente igual para todos. São ignoradas diferenças
individuais bem como a história da vida de cada um. Nesse contexto, via de
regra, o idoso vai perdendo sua identidade e sua autonomia, transformando-se
num sujeito passivo, convivendo em um ambiente estranho(8).
Independentemente do sentido negativo e preconceituoso que as pessoas possuem
sobre a ILPI, ela talvez seja a alternativa possível para muitos idosos e suas
famílias. Nesse sentido, é importante compreender melhor o funcionamento de
tais instituições, a concepção que se tem sobre elas, assim como investir nelas
para que se transformem em moradas dignas para os idosos e não um depósito de
desvalidos. Do mesmo modo, pode ser fundamental compreender melhor as histórias
e os contextos de vida dos idosos que nelas residem.
Assim, o presente estudo aproxima-se do universo dos idosos institucionalizados
partindo da seguinte questão: o que significa a instituição de longa
permanência para idosos institucionalizados? Para responder tal questionamento
é objetivo da pesquisa: compreender o significado que a instituição de longa
permanência tem para idosos institucionalizados.
Este estudo torna-se relevante uma vez que pode disponibilizar elementos aos
profissionais de saúde, dentre eles os enfermeiros, para planejarem estratégias
fundamentadas na realidade de vida dos idosos residentes em ILPIs, de modo a
pensarem uma assistência voltada para a melhoria dos cuidados de enfermagem
oferecidos nas ILPIs, considerando-se e respeitando-se a história de vida, os
desejos, os sentimentos, os valores e os hábitos culturais dos idosos. Com
isso, pode contribuir não apenas para a melhoria da qualidade da assistência
prestada a esses idosos, mas também, ajudar os profissionais a compreenderem
que as ILPIs não devem ser apenas um lugar para acolher idosos excluídos e
desamparados, mas também um lugar para viver a velhice com dignidade e
qualidade.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa descritiva, de natureza qualitativa, com abordagem
compreensiva, que busca a "compreensão da realidade humana vivida socialmente"
(9). O estudo foi realizado em uma ILPI de caráter filantrópico de uma capital
da região Nordeste. No estado em que o estudo foi realizado existem 17 ILPIs,
sendo nove na capital e oito em municípios do interior. Destas, 15 são
filantrópicas. Entre os residentes predominam os do sexo feminino (53,7%), e a
taxa de ocupação dessas instituições é de 84,9%(8).
Foram sujeitos desse estudo 13 idosos residentes na ILPI acima apontada, sendo
nove do sexo masculino e quatro do feminino. Possuíam idade entre 65 e 90 anos
e o tempo de admissão na ILPI variou entre seis meses e 12 anos; oito possuíam
filhos; dez eram analfabetos; seis eram divorciados, quatro solteiros, dois
viúvos e um casado; oito eram da capital, quatro do interior do Estado em que o
estudo foi realizado e um de outro Estado. Para garantir o anonimato, os
sujeitos receberam pseudônimos escolhidos entre nomes de flores.
A escolha dos sujeitos se deu de forma intencional, obedecendo aos critérios de
inclusão: ter idade mínima de 60 anos, residir na instituição há três meses ou
mais, e apresentar capacidade cognitiva preservada para participar da pesquisa,
sendo essa avaliada pela aplicação do miniexame do estado mental (MEEM), com
pontos de corte propostos por Bertolluci, Brucki, Campacci e Juliano(10). A
amostragem foi determinada pela saturação dos dados.
Os dados foram coletados de 5 de abril a 25 de maio de 2013, no período da
manhã ou da tarde, mediante a assinatura do Termo de Compromisso Livre e
Esclarecido (TCLE) pelos participantes. O instrumento utilizado para a coleta
dos dados foi a entrevista narrativa, com o tópico central: conte para mim a
história da sua vida antes e após chegar na instituição.
A entrevista narrativa é considerada uma forma de entrevista não estruturada,
em profundidade, com características específicas, em que o entrevistador tem
influência mínima. Ela emprega um tipo específico de comunicação cotidiana, o
contar e escutar história, para conseguir o objetivo e se processa por meio de
quatro fases: iniciação, narração central, fase de perguntas e fala conclusiva,
precedida de rigorosa preparação(11).
As entrevistas e todo o material coletado foram transcritos na íntegra, visando
a facilitar a captação de detalhes, como pausas e entonações, para maior
aproximação com o objeto de estudo. Para a análise utilizou-se a análise de
conteúdo, na modalidade análise temática, sob a perspectiva de Bardin(12). Esse
método aparece como uma ferramenta para a compreensão da construção de
significado que os atores sociais exteriorizam no discurso e caracteriza-se por
ser um conjunto de procedimentos para realizar a análise dos dados(12).
Operacionalmente, a análise temática desdobra-se em três etapas: 1) pré-
análise, 2) exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e 3)
interpretação.
Seguiram-se os preceitos da ética em pesquisa constantes da Resolução n° 466/12
do Conselho Nacional de Saúde, a qual estabelece as diretrizes e normas
regulamentadoras para pesquisas envolvendo seres humanos visando a proteção e a
integridade dos sujeitos participantes de pesquisas. O projeto deste estudo foi
submetido à Plataforma Brasil e aprovado segundo parecer de n°
11596412.0.0000.5013, em 19 de março de 2013.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para os idosos desse estudo, o significado da ILPI consiste essencialmente em
um lugar onde possam ser cuidados. Esse significado guarda relação com a
garantia de sua sobrevivência e desdobra-se em três categorias, de modo que a
ILPI seja um lugar em que: 1) suas necessidades básicas sejam atendidas, 2)
haja acesso a serviços e recursos de saúde e 3) possam envelhecer e morrer.
Necessidades básicas atendidas
Quando falam de necessidades, os idosos referem-se a alimentação, higiene,
moradia, repouso e, também, espirituais.
A minha vida aqui é boa, graças a Deus. Aqui eu tenho tudo: tenho
cama, tenho dormida, tenho comida, tenho banho, tenho repouso, tenho
passeio, tudo isso eu tenho aqui. (Cravo)
Aqui a gente come bem, a gente dorme bem, a gente toma remédio bem, a
gente respeita bem e é respeitado. (Narciso)
Esse fato parece produzir neles bons sentimentos de realização pessoal,
satisfação e contentamento, levando-os a considerar que têm uma vida boa na
instituição. O contexto institucional, para os residentes, pode simbolizar a
possibilidade do cuidado, como forma de manutenção da vida, otimização de seu
bem-estar e, algumas vezes, a única opção que o idoso tem de moradia(13). Esses
resultados são corroborados por estudo realizado em 2009, em que, as
representações dos idosos sobre cuidado estavam relacionadas à necessidade de
ser alimentado, de ter higiene, tratamento médico, remédio, lazer,
religiosidade, ser respeitado, receber cuidados no viver, adoecer e morrer(14).
Para muitos idosos, ter um local para morar com alimentação, banho e repouso é
algo gratificante. Em muitos relatos essa condição é o grande foco. É como se
eles justificassem o fato de estarem institucionalizados por terem essas
necessidades humanas atendidas, e isso fosse o bastante para explicar, e às
vezes até convencê-los, de que isso é algo bom na vida deles.
Esse contentamento com o "básico" pode estar relacionado à história de vida
desses idosos, vinculada a um contexto socioeconômico e familiar desfavorável,
de grandes dificuldades e limitações. A baixa condição socioeconômica é uma
realidade na vida dos sujeitos deste estudo, que passaram toda uma vida tendo
como meta ter comida, casa e repouso, para si e para os seus.
Além disso, a importância do atendimento dessas necessidades se torna bem mais
visível e indispensável quando o idoso apresenta algum tipo de dependência,
seja natural ou patológica. Essa condição de dependência, para alguns, é uma
realidade; além da necessidade de alimentação, repouso e higiene, eles precisam
da ajuda de outras pessoas para realizar as atividades de vida diária. Nas
ILPIs eles recebem auxílio dos profissionais que atuam na instituição, o que
pode ser considerado algo bom ou seu oposto, a depender da perspectiva e até da
característica pessoal do idoso, como se pode observar nos depoimentos a
seguir:
Me sinto bem. As meninas cuidam de mim, dão banho em mim [...]. Aqui
tudo é bom, não falta comida aqui. Eu acho bom aqui, não tem nada
ruim. (Rosa)
Agora pra mim é mais difícil porque eu só me viro pela mão do povo.
Eu pra ir pra essa cadeira venho pela mão do povo, pra eu ir tomar um
banho tenho que esperar pelo povo, se eu quero ir pra cama tenho que
cuidar, eu pra sair dessa cadeira pra ir pra cama tenho que chamar,
gritar por uma pessoa. (Monsenhor)
Povo, aqui, no depoimento de Monsenhor é o cuidador e/ ou pessoa que o ajuda em
suas necessidades básicas. A perda da independência e, consequentemente, a
necessidade de ser cuidado por outros, leva os idosos a necessitar da
instituição de longa permanência, sobretudo quando não possuem alternativa,
como é o caso de Rosa e Monsenhor. A fala de Rosa transmite contentamento; já a
de Monsenhor transmite revolta. Cada idoso irá tirar de uma mesma situação
significados diferentes, que podem ser positivos ou não, de acordo com sua
história de vida. Em alguns casos a institucionalização, além de atender às
necessidades dos idosos, é referida como um lugar melhor do que a própria casa:
Parece que eu estou na casa do meu pai, morando aqui. (Amarílis)
Observa-se no depoimento de Amarílis que a vida na ILPI é melhor do que a vida
que ela tinha antes da institucionalização. Essa idosa faz parte de uma minoria
na instituição que aprecia morar na ILPI pelo referencial de vida anterior. A
história de vida de Amarílis pode explicar esse sentimento, pois ela começou a
trabalhar ainda muito jovem como empregada doméstica e passou grande parte de
sua vida servindo aos outros, sem nunca ter construído sua própria casa e
família nuclear. Hoje, com a institucionalização, ela tem um lugar para morar,
onde tem suas necessidades atendidas e, talvez, em seu modo de conceber as
coisas em vez de servir é servida, levando-a até mesmo a desejar ali viver
permanentemente:
Depois que eu cheguei, eu gostei muito daqui. Até agora ainda não
estou arrependida. Gosto muita das pessoas daqui, as pessoas são
legais. [...] Eu não tenho nem vontade de sair daqui. (Amarílis)
A experiência vivida no mundo externo é usada como referência para demonstrar
como a vida no interior da instituição é desejada. Nesses casos, "o pouco do
mundo externo que é dado pelo estabelecimento é considerado pelo internado como
o todo, e uma existência estável, relativamente satisfatória, é construída com
o máximo de satisfações possíveis"(15).
Com o passar do tempo a institucionalização se apresenta como algo definitivo
na vida de alguns idosos, e eles passam a não mais se ver fora desse contexto.
O pouco que é oferecido na ILPI é fonte de reconhecimento e agradecimento por
parte dos idosos, os quais incorporam isso como realização e como certeza de
que estão melhores do que quando entraram na instituição.
A instituição de fato parece atender às necessidades básicas desses idosos,
contudo, a permanência deles nesse lugar muitas vezes se dá por falta de opção.
O sentimento de ter uma boa assistência, de ser bem cuidado, pode expressar
"conformismo à situação, frente à inexistência de outra possibilidade de ser
cuidado e, nas entrelinhas, evidencia-se o descontentamento com a situação
vivenciada"(16).
Morando aqui eu me sinto bom, mas não é desse jeito que eu quero.
Mas, não tem outro jeito, porque eu com família, o salário que eu
tenho não tem condições. O salário de aposentado não está com nada.
Como eu vou comer? Onde eu vou morar? (Tango)
O depoimento de Tango indica, ao mesmo tempo, conformismo e pragmatismo. A
aceitação da condição, ainda que não considerada desejável, provavelmente se dá
pelo reconhecimento das dificuldades presentes no seu contexto social. Sem
casa, sem família, com uma renda que não atende às condições mínimas de
subsistência, o que fazer senão aceitar essa realidade?
Essa acomodação acontece quando os idosos passam a aceitar a sua condição e a
optar por interagir com a situação em que se encontram(17). A concordância com
a situação e a falta de opção leva o idoso a ver a instituição como um lugar
não idealizado, mas necessário no momento(18).
Vale lembrar que essa circunstância "não é necessariamente uma atitude
pessimista: é apenas a aceitação de uma situação que o idoso não se vê com
condições de modificar"(17). Muitos aprendem a conviver com a realidade sem se
deixar abater pelas adversidades. A vida ensinou-lhes o que é possível ou não,
e eles entendem isto, ainda que às vezes com revolta. Em geral, têm compreensão
do inevitável e não fazem disto um drama.
Diante das alterações do processo de envelhecimento, da presença de doenças
crônicas, das diversas necessidades do ser humano, da falta de perspectiva
quanto a mudanças em sua vida, muitos idosos recorrem à fé e à esperança.
A minha vida aqui é boa, graças a Deus. [...] Aqui eu estou bem,
graças a Deus, até aqui eu estou bem. (Cravo)
Eu estou aqui até quando Deus quiser. (Delfim)
Os idosos buscam na fé a confiança, a tranquilidade e a certeza de que as
situações nas quais estão inseridos seguirão um rumo guiado por uma força
maior. Vários idosos institucionalizados mencionam o "nome de Deus, Jesus e
outras entidades espirituais, de acordo com sua crença, para agradecer pela
ajuda recebida ou solicitá-la, numa demonstração tanto de sua religiosidade
como de espiritualidade"(14).
Outro fato importante, observado nos depoimentos dos idosos, é a relação que
eles, mesmo que inconscientemente, fazem da ILPI como instituição total,
descrevendo características dessa modalidade de atendimento.
Quando chega uma pessoa pra me perguntar, aí eu sempre digo que aqui é uma
beleza, aqui é bom. A comida na hora, o café na hora, o almoço na hora, o café
da noite na hora, o banho na hora, a troca da fralda é na hora, era o que eu ia
falar pra pessoa. O quarto é limpinho, tudo limpo. Não tem nada que eu não
goste aqui. Aqui eu gosto de tudo. (Gardênia)
O cuidado dirigido a esses idosos na ILPI está atrelado ao atendimento de suas
necessidades e as normas e regras, especialmente no que diz respeito ao
cumprimento de horários. Essas regras e normas são incorporadas à rotina de
alguns idosos, que passam a vivenciá-las de forma natural, em que as regras e
normas do indivíduo são substituídas pelas regras e normas da instituição. Esse
fato gera um efeito prejudicial para a manutenção da individualidade dos
residentes, uma vez que praticamente são "obrigados" a seguir o que se
determina. Esse comportamento passivo de indivíduos institucionalizados é comum
em instituições denominadas de totais(15).
Porém, pensar nas ILPIs como um local negativo por ter regras e horários, como
se esse fato só acontecesse lá, é algo muito limitado e ingênuo. Todos os
lugares sociais têm normas e regras. O que se discute aqui é o fato de esses
idosos nem sempre optarem por esses lugares e por se submeterem a tais regras.
Além disso, é um lugar no qual ficam praticamente "encarcerados", de onde saem
somente quando levados por outros e a depender do desejo de outros. Para esses
idosos não há liberdade de ir e vir.
Nesse sentido, as ILPIs, ao mesmo tempo em que desempenham as funções básicas
de guarda, proteção e alimentação, abrigando pessoas idosas que não têm
condições ou capacidade de se manter, ou que não podem contar com o apoio de
seus familiares, tornam a participação social e familiar desses indivíduos
limitada ou até impossibilitada, além de enquadrar os sujeitos de modo a
promover o que Goffmam chama de mortificação do eu, que é caracterizada pelo
impedimento do idoso de ter controle da sua própria vida, prevalecendo
adaptação e obediência a normas administrativas que incluem disciplina em
horários para dormir, levantar e comer, uso de uniforme padronizado e aceitação
de dividir o quarto com pessoas estranhas, além da perda de acesso a objetos
pessoais(15).
Isto talvez seja uma das coisas mais cruéis para os idosos institucionalizados:
deixar tudo para trás e ter de construir uma nova vida em uma fase em que,
teoricamente, deveriam desfrutar o que foi conquistado em toda a vida.
Acesso a serviços e recursos de saúde
Os idosos, sujeitos desse estudo, referiram que a institucionalização
proporciona garantia de acesso aos recursos de saúde. Esse acesso é um fator
significativo e essencial para os idosos. Alguns idosos do estudo relatam essa
necessidade de assistência por apresentarem algum problema de saúde específico,
sendo essa condição a grande motivação para terem ido residir em uma ILPI,
atribuindo a esse fato o significado dessa fase da vida.
Eu que quis vir para cá porque eu estava com o pé doente. (Amarílis)
Eu vim para cá por causa da minha perna. Eu cheguei aqui aleijado.
Cheguei que não podia nem andar. (Lírio)
Como se observa nos depoimentos acima, os idosos encontraram na instituição a
condição que necessitavam para o cuidado à sua saúde. A presença de
enfermidades constitui um agravante para a inserção do idoso em uma ILPI, já
que nesta é possível receber cuidados relacionados às suas necessidades básicas
e também aqueles que envolvem a promoção, recuperação e reabilitação da saúde.
Diante da ausência de políticas públicas que forneçam assistência à saúde de
qualidade, a ILPI termina por ser vista, em alguns casos e por algumas pessoas,
como hospital, o que vai de encontro ao caráter social que elas possuem.
Para alguns idosos participantes deste estudo, a institucionalização promoveu a
melhoria das condições de saúde e a resolução dos problemas relativos à saúde/
doença, como se pode observar nos depoimentos abaixo:
Eu vim para cá porque eu adoeci. Depois que eu cheguei aqui no
abrigo, melhorou. Eu estou com mais saúde. (Tango)
Minha vida era muito mal. Só vivia doente. Depois que eu vim parar
aqui, melhorei. Melhorei muito. (Angélica)
Uma vez que ocorre melhora no quadro clínico do idoso, isso gera satisfação em
residir neste ambiente, especialmente porque a ILPI pode ser a única opção para
esses idosos que não tem acesso aos serviços de saúde.
Eu estou bem aqui, estou bem. Se eu sair daqui e voltar pra casa, aí
vai ser um trabalho pra eu arranjar uma pessoa. Eu não tenho carro.
Eu vou ter que arrumar todo dia pra me levar pra fazer fisioterapia.
E aqui não, aqui eu tenho tudo em casa, né? (Jacinto)
A segurança no atendimento e nas pessoas que fazem parte da equipe da ILPI são
fatos que levam o idoso a encontrar um contentamento na institucionalização; no
entanto, isso se deve ao fato de ter seu problema de saúde/doença atendido e,
provavelmente, por não dispor de outra alternativa fora dela. Nessa direção, a
ILPI representa "uma ambiente seguro, com as condições necessárias para viver.
Acreditam também que é o melhor lar que podem ter, por isso gostam, e se não
gostam, aprendem a conviver neste ambiente onde será seu cenário pelo resto da
vida"(18). Contudo, mesmo havendo a possibilidade desse acesso, nem sempre ele
se coloca como algo que gera satisfação:
Depois que eu me acidentei eu vim pra cá. Já fazia mais de mês que eu
estava doente em casa, aí vim sofrer disso por aqui. Minha vida aqui
não é boa, não. Eu acho boa porque foi onde eu achei a minha vista,
quando eu cheguei por aqui havia perdido uma. Tinha perdido um olho.
Cheguei aqui, me operei, era catarata, aí operei os dois e fiquei bom
da minha vista [...]. Eu não tenho prazer de viver aqui, só vivo aqui
porque estou esperando uma operação. (Lírio)
A entrada na instituição de longa permanência, seja por qual razão for, pode
ser difícil e dolorosa, "uma vez que o idoso ingressante deve abandonar uma
história de vida, com seus hábitos, rede social de apoio e cotidiano para
(re)construir outra, às vezes, com total rejeição às circunstâncias atuais"
(19).
Um lugar para envelhecer e morrer
O envelhecer e a morte para os idosos possuem um sentido particular apontado,
principalmente, pela intensidade e qualidade da vida que se tem ou teve. Para
alguns idosos entrevistados nesse estudo, a ILPI é um bom lugar para o idoso
viver, conforme se vê abaixo:
Para o velho não tem lugar melhor do que esse. (Crisântemo)
Morar em um abrigo é bom [...]. Eu estou bem até aqui. (Cravo)
Morar aqui significa estar sossegada. [...] Eu penso que daqui eu não
saio, não. Quero ficar aqui até o fim da minha vida. (Angélica)
Ao dar significado à sua própria vida, os idosos estabelecem um modelo de
caráter prático que corresponde àquele vivenciado em seu momento atual, em que
estão presentes a alegria, o contentamento e a serenidade, dando um sentindo
positivo à institucionalização.
Um fato que torna a ILPI um local bom para morar é a relação que se desenvolve
com os profissionais que nela trabalham e a convivência com os outros idosos,
além da proteção que a instituição pode proporcionar:
Eu ia falar que aqui é bom de morar, é muito bom de morar. [...] E
bom porque as pessoas tratam a gente bem, e a gente tem muitos amigos
aqui. (Amarílis)
Aqui eu me sinto bem, porque eu sempre trato todo mundo bem. As
pessoas que vivem aqui gostam muito de mim, gostam de cuidar de mim.
(Antúrio)
É possível perceber, pelos relatos acima, que o relacionamento construído pelos
idosos na ILPI torna-se favorável para eles se sentirem em um "contexto
familiar", encontrando proteção tanto nos profissionais como nos outros
residentes.
Mas o fato de se sentirem seguros e até agradecidos não impede que tenham
outros sentimentos negativos quanto à fase que estão vivendo, para alguns,
improdutiva. Para esses, seu papel na sociedade já não existe mais, fazendo com
que se sintam à margem. Não raro essa circunstância gera um sentimento
negativo, pessimista e, algumas vezes, apatia.
Eu me sinto inútil. Porque eu não posso andar, não posso ajudar em
alguma coisa. Não posso fazer nada. Já estou envelhecendo, eu me
sinto velho. (Jacinto)
A institucionalização pode gerar na vida do idoso um estágio de depressão, em
que eles não sentem mais vontade de viver, percebem que a vida chegou a uma
fase em que não há mais o que se fazer(20). Em alguns casos observam-se
sentimentos de revolta, tristeza, angústia e frustração. Um agravante disso é o
grande período que eles ficam ociosos.
Como os idosos não têm atividades de lazer e não têm nenhuma obrigação de
realizar tarefas na ILPI, eles passam a maior parte do tempo sem fazer "nada".
A rotina na instituição é realizada em função das refeições, do banho e da hora
de dormir. Nos intervalos geralmente ficam em seus quartos, nas áreas externas
ou na sala de televisão; normalmente ficam sozinhos ou conversando com outros
residentes. Alguns podem até ser considerados um "peso" para a família e para a
sociedade, já que são dependentes social e economicamente. Isso pode ser
visualizado nos depoimentos abaixo, os quais exprimem a "naturalização" da
velhice nas ILPIs.
Isso faz parte da pessoa mesmo, que chega na idade, aí vai parar nos
abrigos [...] Envelhecer é ficar aqui mesmo. É porque é o jeito eu
ficar aqui, porque eu não tenho ninguém por mim. Aí pronto, até
quando Deus quiser. (Gardênia)
E porque eu fiquei velho aqui. Pra mim está certo, que chegou a minha
hora de eu ficar velho, e foi aqui mesmo. Se fosse em outro canto, eu
estava em outro canto. Estava com nada na minha casa. E agora não
teve jeito, eu tenho que ficar velho aqui. (Lírio)
Para Gardênia e Lírio, o fato de estar em uma instituição de longa permanência
para idosos é uma condição natural por terem envelhecido. É como se fosse mais
uma etapa a ser cumprida durante o percurso da vida e, assim, aceitam a
condição que estão vivenciando.
A ILPI, além de ser o lugar possível para envelhecer, é também para um lugar
para morrer. A vida na ILPI é o tempo que se tem para esperar a morte chegar, a
qual, para alguns, é algo que está próximo, conforme se pode notar nos relatos
abaixo:
Eu tenho gosto, se Deus permitir, de morrer em uma casa que nem essa
daqui, mas na casa de filho e na casa de filha, eu não quero.
(Narciso)
Agora, tenho que esperar chegar a hora de morrer, aqui. (Lírio)
Para esses idosos a ILPI, também, nada mais é do que um lugar para aguardar a
morte. Talvez isso seja reforçado pelo fato de ser comum, na ILPI, presenciarem
a morte de outro idoso residente. De fato, para eles, a morte é algo próximo.
Diferentemente do que acontece com idosos não institucionalizados, os idosos
deste estudo convivem com a possibilidade de morte de residentes
cotidianamente. Assim, com a morte tão próxima, a chegada desse momento é
esperada.
Essa perspectiva sobre a morte, apontada pelos idosos entrevistados neste
estudo, pode estar relacionada ao cansaço pela vida que levam e/ou levaram e
pela falta de perspectiva no amanhã. Contudo, "ser idoso não deveria ser
sinônimo de morte, mas sim de fechamento de um ciclo, de dever cumprido e de
realizações durante todo o processo de vida"(20). Idealmente, a velhice deveria
ser encarada como o início de um novo tempo, possibilidade de viver a vida como
sempre se desejou.
Para muitos idosos, a realidade de exclusão esteve presente no transcurso de
toda a sua vida e se exacerbou ainda mais na velhice. Estas condições ocasionam
repercussões ainda piores, ao se pensar que na única fase em que estes
acreditavam obter a dignidade e respeito, tornam-se vítimas, principalmente
quando são institucionalizados.
CONCLUSÃO
Nesse estudo, o significado que a instituição de longa permanência tem para
idosos institucionalizados está relacionado ao fato de ter um lugar para ser
cuidado. Para os idosos desse estudo, a ILPI se colocou como um lugar ambíguo,
pois, ao mesmo tempo em que acolhe e abriga, aprisiona e mortifica.
Para compreender o idoso institucionalizado é preciso conhecer sua história de
vida. A partir do conhecimento do contexto familiar, social, econômico, das
experiências, desejos e anseios dessa população é que podemos atender às suas
necessidades de cuidado de forma completa.
O presente trabalho favorece uma reflexão sobre a institucionalização no âmbito
das necessidades dos idosos, das percepções que eles trazem sobre si e sobre
como eles veem a institucionalização e a ILPI. Nesse sentido, poderá contribuir
para a assistência gerontológica aos idosos institucionalizados e para a
prática da Enfermagem.
O atendimento de qualidade, respeitando a individualidade e a heterogeneidade
de cada ser humano, é um desafio para as instituições de residência coletiva,
em especial as que abrigam idosos. Neste contexto, a enfermagem tende a
contribuir com a sua assistência de maneira valiosa, tendo em vista a natureza
da profissão, o cuidado, e a convivência diária que possui com os idosos em seu
trabalho.
Os enfermeiros, como profissionais comprometidos com o cuidado aos seres
humanos, têm a necessidade de refletir e produzir conhecimentos em prol da
melhoria contínua de suas práticas, bem como a adequação destas aos contextos
variados, buscando a integração e as vivências coletivas para os idosos
institucionalizados, considerando as diferentes posturas diante da vida. É
necessário considerar os idosos como verdadeiros atores de sua própria vida e
que, como sujeitos, todas as questões relativas a eles sejam encaradas a partir
de suas perspectivas e com a participação deles.