Educação em enfermagem: avaliação da formação por egressos, empregadores e
docentes
INTRODUÇÃO
A avaliação da formação profissional é um campo de estudo que tem desafiado
pesquisadores a identificar mudanças que devem ser adotadas para aprimorar o
processo de formação. As pesquisas nessa temática, embora desenvolvidas sobre
diferentes focos e com objetivos e metodologias diversas, enfatizam a
importância de se complementar o sistema de avaliação, dos processos
educacionais, na perspectiva de egressos(1-3).
Por outro lado, o descompasso percebido entre teoria e prática, bem como entre
ensino e aprendizagem, tem instigado educadores a desenvolverem pesquisas
envolvendo outros atores que protagonizam esse processo(4-5).
Nesse contexto, uma avaliação mais acurada do cotidiano de trabalho do
enfermeiro recém-formado se configura como um cenário possível de indicar
ajustes que devem ser realizados no processo de formação dessa categoria
profissional.
No presente artigo serão apresentados os resultados da segunda etapa de uma
pesquisa realizada com egressos, empregadores e docentes que teve como desfecho
a construção de um Plano de Ação apresentado à coordenação de um curso de
enfermagem. A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas, sendo que na primeira
foram entrevistados os egressos e seus empregadores e na segunda foi realizado
grupo focal e seminário com docentes do curso. Embora os resultados da primeira
etapa não sejam relatados neste artigo, vale ressaltar que os depoimentos
desses atores, após analisados, serviram de base para a reflexão docente que
culminou na construção do Plano de Ação descrito sinteticamente neste estudo.
O objetivo geral que norteou a pesquisa relatada neste artigo foi "Subsidiar a
avaliação e as transformações, se necessárias, no currículo de um curso de
graduação em Enfermagem".
MÉTODO
Estudo descritivo e exploratório desenvolvido na modalidade de pesquisa-ação
(6), com uma abordagem qualitativa, utilizando a Análise de Conteúdo como
referencial teórico de análise dos dados(7).
A coleta de dados foi realizada em duas etapas, sendo a primeira nos meses de
setembro de 2009 a fevereiro de 2011, com 19 egressos graduados no ano de 2007,
em um curso de Enfermagem de um centro universitário particular na cidade de
São Paulo (SP) - Região Sudeste do Brasil, e com 15 empregadores, desses
egressos, que aceitaram participar do estudo. Esses egressos foram escolhidos
intencionalmente por fazerem parte da primeira turma que vivenciou as
alterações propostas no currículo do curso em conformidade com as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN).
Na segunda etapa da coleta de dados, realizada nos meses de outubro e novembro
de 2011, após a análise do material coletado na primeira etapa, foram
convidados cinco componentes do Núcleo Docente Estruturante (NDE) do Curso de
Enfermagem, cenário deste estudo, sendo um deles a coordenadora do curso. Foram
convidados também os coordenadores dos cursos de Fisioterapia e Nutrição por
terem participado da reformulação do currículo integrado em vigor desde 2010.
Cada docente foi codificado com um número (Docente 1, Docente 2, etc.).
A primeira etapa da coleta de dados foi realizada por meio de entrevista, com
roteiro semiestruturado, agendada em local, data e hora convenientes aos
egressos e empregadores, gravada em fita magnética e transcrita posteriormente.
Os egressos foram questionados quanto à influência da instituição formadora nas
decisões e nas ações profissionais por eles vivenciadas e quanto às facilidades
e dificuldades de atuação, no cotidiano de trabalho, atribuídas ao processo
formativo. Foram ainda solicitados a apresentar sugestões para o aprimoramento
do currículo do curso. Aos empregadores foi pedido que discorressem sobre o
perfil de enfermeiro demandado pela instituição e o perfil atribuído ao egresso
do curso em questão. Foram também solicitados a contribuir, com sugestões, para
a melhor formação acadêmica do enfermeiro.
Na segunda etapa da coleta de dados foi adotada a técnica do Grupo Focal
realizada em dois encontros com duração de 2 horas cada, que tiveram como temas
disparadores do debate os dois relatórios-síntese provenientes da análise das
entrevistas com os egressos e com os empregadores. O conteúdo deste debate
também foi gravado e transcrito para análise.
Para análise dos dados, tanto do conteúdo das entrevistas com egressos e
empregadores como do debate docente propiciado pelo Grupo Focal, utilizou-se a
técnica de análise temática, que pressupõe três momentos: pré-análise,
exploração do material e interpretação dos conteúdos(7).
Após tratamento e análise dos discursos docentes, foi realizado um seminário,
em março de 2012, que contou com a participação de cinco componentes do NDE e
da coordenadora do Curso de Enfermagem. Nesse encontro, foi construído um Plano
de Ação que, posteriormente, foi apresentado à diretoria acadêmica da
instituição de ensino para subsidiar possíveis transformações no currículo do
curso.
O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de
ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Os participantes foram ouvidos após
aprovação, da pesquisa, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo, bem como do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
O Grupo Focal contou com a participação de cinco docentes, sendo três
componentes do NDE do curso e os coordenadores dos cursos de graduação em
fisioterapia e nutrição. Destes, quatro eram do sexo feminino e um masculino,
com a faixa etária predominante de 40 a 50 anos. Quatro componentes do grupo
estavam no exercício da docência na instituição de ensino, cenário deste
estudo, há mais de dez anos e um há menos de um ano, todos com título de doutor
na área de atuação. Destes, quatro são docentes em tempo integral e um em tempo
parcial.
A análise dos discursos dos docentes, produzidos no debate promovido durante os
encontros para do Grupo Focal, possibilitou a composição de quatro categorias
com suas respectivas Unidades de Significado (US). Destaca-se que nesses
encontros foram utilizados dois relatórios-síntese contendo a representação dos
egressos e empregadores, coletados na primeira etapa da pesquisa.
Categoria 1 - Perfil dos egressos e dos empregadores
Nesta categoria foi analisado o perfil dos egressos e empregadores a partir dos
relatórios- síntese apresentados aos docentes durante o Grupo Focal.
US 1 - Gestor comprometido com o "status quo"
As US que fazem referência ao perfil dos gestores retratam um profissional
comprometido com o "status quo" e com formação anterior à consolidação do
Sistema Único de Saúde (SUS). Os docentes consideraram a influência desse
perfil ao ponderarem que os gestores expressavam uma visão restrita para o
contexto da própria área de atuação, ao apontar as competências requeridas aos
egressos, que privilegiava a habilidade técnica.
[...] porque cada um vai olhar para sua própria realidade, restrita à
instituição onde está trabalhando, preocupado em manter o "status
quo". A formação desses gestores é anterior ao Sistema Único de Saúde
(SUS), em sua maioria. Eles foram formados em uma lógica que dizia,
"eu preciso ter uma boa capacitação técnica!". (Docente 5)
US 2 - Egresso imaturo, influenciável e disciplinado
Os docentes relacionaram a imaturidade dos alunos, cuja faixa etária prevalente
era de 21 a 25 anos, ao fato de serem influenciáveis quanto à escolha
profissional, como mencionado na fala:
[...] os alunos têm motivos diferentes para fazer enfermagem: ou é
porque a mãe quer, ou porque um irmão fez e então ele resolve fazer
também, ou mesmo por influência de amigos. (Docente 1)
Por outro lado, os egressos foram considerados disciplinados e respeitosos
pelos docentes, quando se reportaram à fala dos enfermeiros que acompanham o
Ensino Clínico.
[... ] o próprio profissional que recebe os estagiários lá no campo
diz: "gosto do aluno que vem da sua faculdade porque eles são mais
disciplinados, sabem se dirigir ao superior...". (Docente 2)
Categoria 2 - Avaliação do currículo
O currículo vivenciado pelos egressos, sujeitos desta pesquisa, era baseado no
modelo tradicional, embora privilegiasse o ensino clínico em contextos diversos
da prática, principalmente, referente ao estágio curricular supervisionado.
US 1 - Estrutura curricular
A avaliação que o egresso fez do currículo do curso foi referendada por um dos
docentes, durante o Grupo Focal, ao se expressar:
Eu achei interessante quando eles (os egressos) falam que deveria
começar a formação em Saúde Coletiva desde o início do curso, acho
que vai ajudar bastante a gente. é a questão do currículo estruturado
por níveis de complexidade que essa matriz nova já vem atendendo ...
da Atenção Básica, vai para nível secundário chegando no nível
terciário. (Docente 1)
US 2 - Formação de valores
A formação de valores teve o reconhecimento dos empregadores como um
diferencial positivo observado nos egressos. Os docentes validaram a opção de
se enfatizar este aspecto durante a graduação.
[...] quando eles (os empregadores) falam "ênfase na formação de
valores" é essa questão do respeito ao próximo, de delimitar os
espaços ... os estudantes são mais respeitosos com o professor e são
incentivados a levar esse tipo de comportamento para o seu local de
trabalho. (Docente 2)
A estrutura do curso privilegia, com base na filosofia institucional, o enfoque
das dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no estudante atitudes e
valores orientados para a solidariedade e valorização do ser humano.
Categoria 3 - Aspectos intervenientes do processo formativo
Nesta categoria se destacaram aspectos que interferem na formação do enfermeiro
que na maioria das vezes não tem sido contemplado no planejamento das ações
educativas relacionadas ao currículo adotado pela Instituição de Ensino.
US 1 - Interação ensino-serviço
A prática inserida precocemente na formação impactou positivamente a avaliação
dos egressos, embora as condições de alguns campos de Ensino Clínico tenham
sido consideradas pouco favoráveis. Na opinião dos docentes, os enfermeiros das
unidades assistenciais que recebiam os estudantes para o Estágio Curricular
Supervisionado nem sempre desempenhavam o papel de educador. Essa defasagem foi
considerada pelo docente ao mencionar que:
O enfermeiro que recebe o aluno teria que atuar ativamente durante o
estágio curricular supervisionado, junto do docente que acompanha os
estudantes. Deveria também acompanhar o aluno em seu desenvolvimento,
dar suporte para ele e participar da avaliação. Eles querem o
profissional pronto ao final da graduação, mas querem se eximir de
qualquer responsabilidade na formação do aluno. (Docente 5)
US 2 - Complexidade do processo de formação
Apesar do processo de trabalho dos enfermeiros ser predominantemente gerencial,
suas ações devem garantir uma assistência de qualidade aos clientes e não pode
ser desconsiderado pelos que planejam e executam um programa de ensino. Existe
também uma variedade crescente de funções e atribuições desenvolvidas pelos
enfermeiros nas diversas frentes de trabalho que se abrem continuamente. Ao
refletir sobre este aspecto, um dos docentes comenta:
[... ] Pensando ainda na diversidade de áreas ... qual é a carga
horária em cada área específica que o egresso teve para desenvolver
dentro da graduação? é muito pouco! Ele tem uma vivência inicial de
cada área de atuação, mas ele não tem a experiência da vivência
profissional de quem já está no mercado. (Docente 4)
Categoria 4 - Sugestões para aprimoramento do currículo
Os docentes fizeram sugestões durante o processo reflexivo promovido durante o
Grupo Focal que foram consideradas relevantes para melhorar o currículo do
curso e consequentemente o processo de formação do enfermeiro.
US 1- Ampliar a formação para além da competência técnico-científica
Com base no discurso de um dos empregadores, os docentes que participaram do
Grupo Focal reforçaram a ideia de que a formação do profissional enfermeiro, no
contexto atual, deve ir além das competências técnicas ou mesmo das habilidades
relacionadas à liderança e gerenciamento.
O empregador fala da demanda "por um profissional com conhecimento
técnico adequado, motivado a adquirir novos conhecimentos e
desenvolver habilidades para enfrentar mudanças com agilidade e
decisões assertivas, criativas, inovadoras, agregando valor econômico
à empresa e social ao indivíduo". Nesta fala o empregador aponta as
características de como deve ser a formação. (Docente 1)
[...] a formação deve promover o senso de missão na área da saúde, a
responsabilidade social e pessoal, que são aspectos que os egressos
precisariam levar ao serem inseridos no mercado de trabalho. (Docente
4)
US 2 - Estratégias ativas de Ensino
A utilização de metodologias ativas e inovadoras de ensino pode ser uma
estratégia eficaz para se conseguir melhores resultados na aprendizagem
significativa. Durante o processo reflexivo, os docentes se sentiram desafiados
a se apropriarem de novas abordagens pedagógicas para a condução do ensino. Os
discursos relatados a seguir retratam esse desafio.
Se a gente lembrar que essa matriz é a de 2007 eu penso que, talvez,
uma minoria dos professores utilizava metodologias inovadoras. No
começo da matriz de 2007, ainda era muito difícil mudar essa
consciência de que existem estratégias mais adequadas ... de que
existem estratégias novas que facilitam o aprendizado e o ensino.
(Docente 3)
[...] o grande desafio da educação é dar as ferramentas para que o
aluno possa continuar no processo formativo. Porque como Paulo Freire
fala, "a formação é a obra de uma vida, ninguém se educa e para de se
educar ...". A gente está aprendendo o tempo todo. Usar ferramentas
eficazes de aprendizado, essa é a função da escola. (Docente 1)
US 3 - Capacitação docente
Aos docentes tem sido atribuída a responsabilidade pelo ato pedagógico, bem
como a busca por capacitação para o exercício competente desta ação. O
compromisso dos docentes pelo próprio aprendizado motiva o aluno a se aplicar
ao processo de aprender, como é retratado no depoimento.
Precisa começar com a formação dos professores, trabalhar a questão
pedagógica, otimizar as aulas para que o aluno se envolva mais.
(Docente 2)
A escola está em um processo de transformação, mas ainda temos os
nossos professores com os paradigmas antigos e não é fácil promover a
transformação na instituição sem investir no docente. (Docente 5)
Plano de Ação
Descrito sinteticamente na sequência, o Plano de Ação foi construído tomando
como base a análise do material coletado durante o processo reflexivo no Grupo
Focal. Nesse plano, os docentes elencaram seis propostas a serem implementadas
no currículo do curso visando melhorias efetivas no processo de formação do
enfermeiro.
A primeira proposta consistiu em promover a "flexibilização curricular"
possibilitando a entrada de alunos em qualquer módulo do currículo e facultando
a eles escolher as disciplinas a serem cursadas em todos os semestres do curso.
Esse aspecto deveria concomitantemente oferecer os módulos do primeiro e
segundo semestres, tendo os conteúdos direcionados para o desenvolvimento de
competências gerais, comuns aos cursos de Enfermagem, Fisioterapia e Nutrição,
e ofertar módulos optativos oferecidos na modalidade presencial e à distância.
O "redimensionamento dos conteúdos" também foi incluído e sugeriu equalizar a
distribuição dos conteúdos das grandes áreas, com base nas competências
apontada no perfil do egresso definido no Projeto Pedagógico do Curso. Deveria
se garantir a presença e a visibilidade de temas transversais, por exemplo,
segurança do paciente, ética, humanização, administração e liderança. Esses
temas são considerados como seivas que nutrem os demais. Os conteúdos que
embasam o raciocínio clínico do estudante deveriam ser repensados.
A "educação permanente" deve ser incorporada conceitualmente no processo de
formação, ao se ampliar o diálogo com gestores dos serviços de saúde, por meio
de reuniões sistemáticas para identificar lacunas, suprir demandas e fortalecer
vínculos sociais. A pesquisa com egressos deveria ser oficializada como
mecanismo para propiciar crescimento acadêmico. Deveriam ainda organizar
programas de capacitação envolvendo profissionais da ativa e estudantes,
realizando o planejamento de atualizações contínuas, com base nos problemas
cotidianos dos serviços de saúde, considerando o contexto social e político.
A "valorização da prática" foi proposta visando ao desenvolvimento de ações
conjuntas com a rede de serviços e o incentivo à implementação de projetos em
novos cenários de prática, como escolas, creches e igrejas. Deveria também
possibilitar a integralização das horas dedicadas a projetos de extensão à
carga horária prevista no currículo do curso. E, ainda, aplicar conceitos
teóricos em cenários simulados de prática.
A adoção de "metodologias ativas" visa à capacitação docente com abordagem
teórico-prática utilizando estratégias que reúnam recursos para vivenciar as
potencialidades dessas metodologias; à otimização da utilização do espaço
virtual, promovendo a interatividade e incentivando as iniciativas e projetos
dos alunos; à implementação da utilização de portfólios como ferramenta
pedagógica; e à adoção da avaliação formativa como estratégia de ensino que
privilegia o protagonismo dos atores envolvidos.
Para alcançar a "autonomia do estudante", sugeriu-se promover a formação de
pequenos grupos de estudo com tutoria para trabalhar projetos
interdisciplinares, incentivando as atividades extraclasse com fins sociais,
por exemplo, ações de voluntariado e participação em "feiras de saúde"
promovidas pela instituição de ensino. Deve-se também desmitificar a crença de
que o enfermeiro não comete erros, levando o aluno a refletir sobre a falha de
maneira processual e a trabalhar a proposição de situações-problema,
estimulando o discente a buscar, por iniciativa própria, os conteúdos
pertinentes para a solução dos problemas que devem ser abordados.
DISCUSSÃO
No que diz respeito aos limites do método escolhido para orientar a condução
deste estudo, registra-se que poderia ter sido incluída também a perspectiva
dos usuários dos serviços de saúde que, por receberem os cuidados prestados,
poderiam apontar com mais propriedade as competências que devem ser priorizadas
na formação profissional do enfermeiro. Contudo, esta pesquisa agregou
conhecimentos considerados essenciais à formação do enfermeiro, elencados no
Plano de Ação proposto.
Referente à flexibilização curricular, os participantes deste estudo
concordaram que ela constitui um desafio a ser enfrentado pelos educadores com
determinação, uma vez que possibilita ao estudante um envolvimento maior e
aponta caminhos para uma formação protagonizada pelo seu ator principal. Quando
o estudante se responsabiliza pela condução de seu percurso acadêmico, ele
confere singularidade ao seu processo de formação, gerando assim um aprendizado
significativo. Um dos caminhos que se coloca com bastante ênfase é o da
educação à distância, que utiliza tecnologias da informação e comunicação. No
entanto, tem se constatado inabilidade dos docentes ao utilizarem essas
ferramentas(8-9).
Para o redimensionamento dos conteúdos, os egressos sugeriram uma carga horária
maior para o desenvolvimento de competências gerenciais e de liderança,
enquanto os empregadores argumentaram que preferiam receber um profissional
despreparado tecnicamente, mas que demonstrasse competências ético-políticas
embasadas em valores humanísticos. Em estudo que objetivou investigar o ensino
da humanização nas disciplinas que compõem os currículos de Enfermagem da
cidade de São Paulo (Brasil), a análise do currículo de 13 escolas levou à
observação de intencionalidade ambígua no conteúdo descritivo de 588
disciplinas oferecidas, destacando que apenas 3% demonstravam coerência
conceitual relacionada à humanização(10).
Vale ressaltar que o conceito de humanização adotado foi o de "encontro entre
sujeitos no e pelo ato de cuidar" significando o encontro de subjetividades.
Destacando que o papel social do enfermeiro se concretiza na assistência, mas
este papel não pode ser confundido em sua subjetividade sob risco de que essa
atividade não seja humanizada(10).
Em estudo que analisou os conhecimentos, habilidades e atitudes de egressos
relativos ao processo de trabalho em gestão, os aspectos relacionais e de
gerenciamento de conflitos foram apontados como defasagem principal. Sugeriu-
se, então, propiciar situações de aprendizagem que estimulassem o estudante a
buscar conhecimentos para embasar seu exercício profissional(1).
A educação permanente, que é favorecida na interação ensino-serviço e
possibilita a adequação do ensino às condições reais encontradas no mundo do
trabalho, é outro fator que deveria ser considerado na formação do futuro
enfermeiro. Para que a educação permanente seja efetiva, tornam-se necessários
investimentos e comprometimento dos dois setores, ensino e serviço, o que só
deve ser estabelecido se, nas interações intersubjetivas, os atores envolvidos
considerarem o ser humano em sua integralidade(15).
No currículo vivenciado pelos egressos deste estudo, a prática na Atenção
Primária e em hospitais era inserida a partir do terceiro semestre do curso
como forma de promover um aprendizado significativo. Vale salientar que, além
dessa prática inicial, os egressos participantes desta pesquisa vivenciaram o
Estágio Curricular Supervisionado nos dois últimos semestres do curso. O
desempenho dos egressos impactou positivamente na avaliação dos gestores
empregadores. No entanto, segundo os docentes, com base no depoimento dos
egressos, os enfermeiros das unidades de serviço nem sempre desempenharam o
papel de educador esperado deles.
Em revisão bibliográfica sobre o Estágio Curricular Supervisionado,
identificou-se que os enfermeiros experimentaram sentimentos de desconforto ao
se confrontarem com alunos e professores que, por vezes, questionavam o fazer e
o saber desses profissionais. Com base nos estudos analisados, defendeu-se que
o Estágio Curricular Supervisionado traz o aprendizado mútuo para os envolvidos
como vantagem. Além de constituir um laboratório vivo e dinâmico, esse estágio
promove a interação do estudante com os membros da equipe de saúde, levando-o a
desenvolver responsabilidade, ética, liderança, capacidade de comunicação e
tomada de decisão(11).
Por outro lado, para que o estudante chegue ao Estágio Curricular
Supervisionado habilitado para o desempenho das atividades requeridas,
recomenda-se que ele desenvolva a prática utilizando simuladores como recurso
para aprendizagem, uma vez que a escola tem o dever de promover o respeito
integral ao ser humano, oportunizando experiências clínicas simuladas para
enriquecimento do currículo(12).
A utilização de metodologias ativas e inovadoras de ensino, como a
problematização, são estratégias eficazes que podem gerar aprendizagem
significativa. O cenário real para exercício do cuidado é o principal espaço
para a formação ética, além de contribuir para o desenvolvimento do raciocínio
clínico(4-13-14).
O planejamento de determinada temática utilizando o ambiente virtual é outra
estratégia que merece destaque, pois proporciona a construção de tópicos
organizados, objetivos, claros, detalhados e ricos em relação à temática
proposta, mas sua aplicação requer um tempo maior para planejamento, elaboração
prévia com um programador técnico e adequações desse recurso tecnológico ao
contexto educacional de enfermagem. Pesquisa realizada em 2011 constatou que,
no Brasil, apenas 35 cursos de graduação em Enfermagem ofereciam disciplinas
relacionadas à informática em sua grade curricular(15-16).
No que tange à construção da autonomia do estudante, os docentes, participantes
deste estudo, reconheceram dificuldades em estabelecer limites de segurança
para o paciente, quando o estudante inicia a prática assistencial. No entanto,
propuseram a aplicação de recursos metodológicos diversos e o estabelecimento
de redes de relacionamentos que propiciassem, ao estudante, liberdade para
agir, com comprometimento e responsabilidade a despeito de, por vezes, se
sentir inseguro durante esse processo. Outra pesquisa propõe a metateoria
curricular neossistêmica que busca trazer novas perspectivas para se trabalhar
a autonomia do estudante, o ensino significativo, contextualizado e globalizado
do enfermeiro(17-18).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação do processo educativo envolvendo egressos, empregadores e docentes
possibilitou refletir sobre as especificidades para a formação do enfermeiro no
contexto atual, bem como realinhar o currículo às demandas apontadas pelos
participantes. O Plano de Ação construído coletivamente, contendo propostas de
mudanças consideradas essenciais, forneceu subsídios concretos para melhorar o
currículo do curso, cenário deste estudo.
Como citar este artigo:
Meira MDD, Kurcgant P. Nursing education: training evaluation by graduates,
employers and teachers. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69(1):10-5.