Internações sensíveis à atenção primária à saúde em hospital regional do
Distrito Federal
INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS), como conjunto de ações e serviços de saúde
integrados de forma regionalizada e hierarquizada, foi implantado no Brasil na
década de 1990 para assegurar saúde a todos os indivíduos, mediante cumprimento
de princípios e diretrizes como universalidade, integralidade e
descentralização(1). Uma das estratégias para o alcance de tais objetivos é a
consolidação de um modelo de Atenção Primária à Saúde (APS), eficaz e
resolutivo, que responda efetivamente às necessidades de saúde da população em
relação a um grupo extenso de doenças e riscos(2).
Nessa perspectiva, no Brasil há discussões sobre a constituição das redes de
atenção à saúde (RAS), em que a APS, por ser o centro de comunicação dessa
rede, desempenha papel fundamental enquanto ordenadora do cuidado(2). Diversos
estudos realizados demonstram que quanto mais um sistema de saúde é orientado
para a APS, melhores são os níveis de saúde da população e a satisfação dos
usuários, e menores os gastos, o que gera sistemas mais efetivos, equitativos,
eficientes e de maior qualidade(2).
Assim, uma vez reconhecida a importância desse nível de atenção, faz-se
necessária a implantação de processos de avaliação e monitoramento das
estratégias adotadas, de modo a produzir informações que caracterizem o
desempenho da APS e subsidiem a gestão dos serviços de saúde. Nesse sentido,
para avaliação de acesso e efetividade, tem-se o indicador composto das
Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária à Saúde (ICSAP). As
ICSAP, conhecidas internacionalmente comoAmbulatory Care Sensitive Conditions
(ACSC), surgiram em 1980, nos Estados Unidos, do conceito de hospitalizações
potencialmente evitáveis ou condições sensíveis à atenção ambulatorial,
desenvolvido para relacionar problemas com o acesso e a efetividade dos
cuidados primários(3).
Tal indicador considera que a elevada capacidade de resolução pela atenção
primária deveria implicar diminuição dos ingressos hospitalares, pelo
incremento das medidas preventivas, assim como melhoria dos tratamentos
ambulatoriais(4).
A utilização desse indicador no Brasil, pelo Ministério da Saúde (MS), teve
início no ano de 2007, com a formação de um grupo técnico que realizou
levantamento e revisão das listas existentes, tanto nacionais quanto
internacionais, de Condições Sensíveis à Atenção Primária (CSAP). Alguns
critérios nortearam a escolha dos diagnósticos para composição da lista
brasileira: deveriam ser de fácil diagnóstico, possuir evidências científicas
sensíveis à APS e que esse nível de atenção disponibilizasse meios de resolver
a condição e/ou prevenir os fatores que culminariam em internação hospitalar.
Além disso, os grupos de causa analisados não poderiam ser considerados raros e
nem induzidos por aportes financeiros. Após análises e discussões, a lista
brasileira foi construída, levando-se em consideração o contexto de saúde e
perfil epidemiológico do país(5).
Posteriormente, em 2008, por meio da Portaria n° 221, de 17 de abril de 2008,
houve a publicação dos dezenove grupos de diagnósticos que compõem essa lista,
classificados de acordo com a Décima Classificação Internacional de Doenças
(CID-10). Por meio da referida portaria, o MS preconiza que esse indicador seja
utilizado como instrumento de avaliação da atenção primária e/ou da atenção
hospitalar, podendo ser também aplicado para avaliar o desempenho do sistema de
saúde nos âmbitos nacional, estadual e municipal(6). Nesse sentido, o uso
prudente desse indicador pode ajudar a incrementar a capacidade de resolução da
APS ao identificar áreas claramente passíveis de melhorias, evidenciando
problemas de saúde que requerem melhor seguimento e coordenação entre os níveis
assistenciais(7).
Assim, considerando a adoção das ICSAP como indicador de avaliação da APS no
Brasil, justifica-se a realização de estudos de investigação do comportamento
destas internações em determinado território. Diante do exposto, este estudo
tem como objetivo caracterizar as ICSAP no hospital regional da cidade satélite
de Ceilândia (Distrito Federal), no período compreendido entre os anos de 2008
a 2012.
MÉTODO
Trata-se de estudo descritivo, tipo série de casos, em que foram considerados
os usuários internados por condições sensíveis à atenção primária (CSAP) no
Hospital Regional de Ceilândia (HRC)/DF no período de 2008 a 2012.
A escolha do referido hospital justifica-se por sua localização em Ceilândia,
maior região administrativa do Distrito Federal em termos populacionais, e área
de atuação do campus da Faculdade de Ceilândia/Universidade de Brasília.
Estabeleceu-se o ano de 2012 como limite para análise na série histórica em
função do fechamento do banco de dados no SIH/SUS no início do estudo.
A seleção das ICSAP teve como base a Lista Brasileira publicada pelo Ministério
da Saúde, composta por 19 grupos de causas e 74 diagnósticos, de acordo com a
CID-10.
Os dados foram obtidos no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único
de Saúde. Trata-se de sistema nacional, implantado pelo MS, que utiliza como
instrumento de registro- padrão a Autorização de Internação Hospitalar.
Para análise das ICSAP, optou-se por adotar as seguintes variáveis: (1) grupo
de diagnósticos, (2) 34 faixa etária (<1 ano, 1 a 4 anos, 5 a 14 anos, 15 a 24
anos, 25 a 34 anos, 35 a 44 anos, 45 a 54 anos, 55 a 64 anos e 65 anos ou
mais), (3) sexo (masculino ou feminino), (4) município de origem do paciente,
(5) óbitos e (6) gastos relacionados às internações gerais e por CSAP.
Com vistas à identificação das ICSAP no SIH/SUS, gerou-se um arquivo de
definição (DEF) para tabulação com base nas causas de internações por meio dos
respectivos códigos. As variáveis foram agrupadas de forma a possibilitar a
análise das CSAP sob distintas perspectivas: (1) internações gerais por ano de
ocorrência, (2) ICSAP por ano de ocorrência, (3) grupos diagnósticos por ICSAP,
(4) grupos diagnósticos por ICSAP segundo faixa etária, (5) grupos diagnósticos
por ICSAP segundo sexo, (6) óbitos por CSAP por ano de ocorrência, (7) óbitos
por CSAP segundo grupos diagnósticos, (8) óbitos por CSAP segundo faixa etária,
(9) óbitos por CSAP segundo sexo, (10) valor total gasto em internações gerais,
(11) valor total gasto por ICSAP.
A seguir, o aplicativo Tabwin (Versão 3.5), desenvolvido pelo DATASUS do MS, e
o programa Microsof Excel(r) foram usados para tabulação de dados.
Para processamento e análise dos dados utilizou-se estatística descritiva, e as
variações percentuais foram calculadas da seguinte forma: obteve-se
primeiramente a diferença entre os valores registrados no último (2012) e
primeiro ano (2008), em seguida dividiu-se tal resultado pelo valor registrado
no primeiro ano (2008) e, por último, multiplicou-se o resultado por 100.
Quanto aos aspectos éticos, o estudo foi realizado com dados de saúde de base
não nominal e de domínio público, disponíveis no site do DATASUS, não
incorrendo, portanto, em qualquer risco à população estudada.
RESULTADOS
No período de 2008 a 2012, registrou-se o total de 86.006 internações no HRC.
Entre os anos de 2008 a 2010 observa-se aumento de 6,1% nessas internações e,
em seguida, redução de 4,5%, no período de 2010 a 2012. Levando em consideração
os dados dos cinco anos, verifica-se aumento de 1,2% nas internações
registradas. Do total de internações hospitalares, 15,9% corresponderam a ICSAP
e 84% não ICSAP. Observando-se a trajetória das ICSAP no período, identifica-se
redução de 6,7% na sua frequência nos dois primeiros anos. Nos anos de 2010 a
2011 houve incremento de 1,8% nas internações sensíveis, as quais apresentaram
nova redução, de 1,0% no ano subsequente. Assim, levando-se em consideração
apenas as ICSAP registradas no período de 2008 a 2012, verifica-se aumento
total de 41,8% em seus registros (Figura_1).
Fonte: SIH/SUS
Variação no número de Internações Totais e Internações por Condições Sensíveis
à Atenção Primária no Hospital Regional de Ceilândia, Distrito Federal, Brasil,
2008-2012
No período dos cinco anos estudados, 98,6% das internações por CSAP foram de
indivíduos residentes na região administrativa de Brasília (DF), seguida dos
municípios de Águas Lindas de Goiás (GO) e Santo Antônio do Descoberto (GO).
Considerando-se a participação proporcional dos dezenove grupos de ICSAP e
comparando-se os anos de 2008 e 2012, os grupos que apresentaram maior
incremento em sua participação nas internações foram: angina pectoris (566%),
doenças pulmonares (421%), asma (191%), doenças cerebrovasculares (147%),
epilepsias (137,7%), doenças imunizáveis/ condições evitáveis (120%),
deficiências nutricionais (100%), hipertensão (87,4%), anemia (66,6%) e
infecções de ouvido, nariz e garganta (34,3%) (Tabela_1).
Tabela 1 Número e distribuição percentual de Internações por Condições
Sensíveis à Atenção Primária, segundo grupos de causas, no Hospital Regional de
Ceilândia, Distrito Federal, Brasil, 2008-2012
Ano de internação Variação
Grupos de Causas Sensíveis à Atenção Primária 2008 2012 2012/
(CSAP) 2008
n % n % %
Angina pectoris 3 0,1 20 0,6 566
Doenças pulmonares 112 5,1 584 18,6 421
Asma 99 4,5 289 9,2 191
Doenças cerebrovasculares 207 9,4 513 16,4 147
Epilepsias 61 2,8 145 4,6 137,7
Doenças imunizáveis/condições evitáveis 5 0,2 11 0,3 120
Deficiências nutricionais 61 2,8 122 3,9 100
Hipertensão 95 4,3 178 5,7 87,4
Anemia 3 0,1 5 0,1 66,6
Infecções de ouvido, nariz e garganta 35 1,6 47 1,5 34,3
Insuficiência cardíaca 137 6,2 138 4,4 0,7
Pneumonias bacterianas 171 7,7 172 5,5 0,6
Gastroenterites infecciosas e complicações 260 11,8 246 7,8 -5,4
Infecção no rim e trato urinário 257 11,6 228 7,3 -11,3
Doença inflamatória dos órgãos pélvicos feminino 63 2,8 52 1,6 -17,5
Diabetes mellitus 232 10,5 169 5,4 -27,1
Doenças relacionadas ao pré-natal e parto 123 5,6 78 2,5 -36,6
Infecção de pele e tecido subcutâneo 171 7,7 106 3,4 -38
Úlcera gastrointestinal 115 5,2 31 1,0 -73
Total 2.210 100 3.134 100 41,8
Fonte: SIH/SUS
Em sentido contrário, os sete grupos que reduziram sua participação foram:
úlcera gastrointestinal (-73%), infecção de pele e tecido subcutâneo (-38%),
doenças relacionadas ao pré-natal e parto (-36,6%), diabetes mellitus(-27,1%),
doença inflamatória dos órgãos pélvicos femininos (-17,5%), infecção no rim e
trato urinário (-11,3%) e as gastroenterites (-5,4%) (Tabela_1).
Na análise das ICSAP quanto à faixa etária, observa-se maior número de
pacientes internados na faixa etária de >65 anos (32,5%), seguida das faixas de
>1 a < 4 (10,1%), >55 a <64 (9,5%) e <1 ano (8,5%). A faixa de >15 a <24 anos
obteve a menor participação entre as demais, com registros de 852 (6,2%)
internações nos cinco anos analisados.
No que se refere à análise particular das ICSAP segundo grupos de causa e faixa
etária, observa-se que, nos cinco anos analisados, os idosos com idade >65 anos
tiveram como principais causas de internação as doenças cerebrovasculares 32,7%
(n = 1.456), doenças pulmonares 22,8% (n = 1.015) e insuficiência cardíaca 10%
(n = 447). As doenças pulmonares, angina e epilepsias obtiveram maior aumento
percentual. Os grupos das úlceras gastrointestinais e diabetes
mellitusapresentaram maior redução nos anos analisados.
Na faixa etária >1 a < 4 anos, os grupos de causas de internações mais
frequentes foram: pneumonias bacterianas 24,8% (n = 343), gastroenterites
infecciosas 24% (n = 333) e asma 14,2% (n = 196). Porém, houve maiores aumentos
percentuais nos grupos das doenças pulmonares, asma e doenças
cerebrovasculares. Houve redução apenas no grupo infecções de ouvido, nariz e
garganta.
A faixa etária entre 55 anos a <64 apresentou como principais causas as doenças
cerebrovasculares 21,9% (n = 287), diabetes mellitus 14,2% (n = 186) e
insuficiência cardíaca 11,2% (n = 147). Os maiores aumentos percentuais foram
registrados nos grupos angina, hipertensão e deficiências nutricionais, e as
maiores reduções nas infecções de pele e tecido subcutâneo, úlcera
gastrointestinal e diabetes mellitus.
As crianças menores de um ano internaram mais por pneumonias bacterianas 23,65%
(n = 276), doenças pulmonares 19,4% (n = 227) e gastroenterites infecciosas
12,9% (n = 151). Porém, os grupos que apresentaram maior variação percentual
positiva foram doenças cerebrovasculares, asma e infecções de ouvido, nariz e
garganta. As deficiências nutricionais constituíram o grupo de causa que
apresentou maior redução (-66,6%).
A faixa etária de 15 a 24 anos internou mais por doenças relacionadas ao pré-
natal ou parto 35,3% (n = 301), infecção no rim e trato urinário 17,2% (n =
147) e doenças cerebrovasculares 11,8% (n = 101). Os grupos das pneumonias
bacterianas, deficiências nutricionais e asma apresentaram maior aumento
percentual. As gastroenterites infecciosas e suas complicações obtiveram maior
redução no período analisado.
Em todos os anos analisados predominaram ICSAP de pacientes do sexo feminino
(55,4%) em relação ao masculino (44,6%). As frequências de internações
femininas representaram 53,4% em 2008, 52,9% em 2012 e apresentaram aumento
percentual de 40,3%, entre 2008 e 2012. As internações masculinas, por sua vez,
obtiveram representação de 46,6% em 2008, 47,1% em 2012 e apresentaram aumento
percentual de 43,5%, no período de 2008 a 2012.
Ao analisar os grupos de diagnósticos por ICSAP segundo o sexo, observa-se que
os três que mais ocasionaram internações entre as mulheres foram doenças
cerebrovasculares 17,4% (n = 1.318), doenças pulmonares 12% (n = 915) e
infecção no rim e trato urinário 11,1% (n = 845). Os grupos de doenças
pulmonares, anginapectoris, anemia e asma apresentaram maiores aumentos
percentuais. As úlceras gastrointestinais, doenças relacionadas ao pré-natal e
parto e infecção de pele e tecido subcutâneo obtiveram as maiores reduções
(Tabela_2).
Tabela 2 Variação percentual das Internações por Condições Sensíveis à Atenção
Primária, segundo sexo, no Hospital Regional de Ceilândia, Distrito Federal,
Brasil, 2008-2012
Grupos de Causas Sensíveis à Atenção Primária Sexo Masculino Sexo Feminino
(CSAP) 2008 2012 Variação % 2012/2008 2012 Variação % 2012/
2008 2008
Angina pectoris 1 12 1100,0 2 8 300,0
Doenças pulmonares 65 269 313,0 47 315 570,2
Asma 45 156 246,6 54 133 179,6
Doenças cerebrovasculares 111 260 134,2 96 253 163,5
Epilepsias 37 90 143,2 24 55 129,1
Doenças imunizáveis/condições evitáveis 3 6 100 2 5 150,0
Deficiências nutricionais 40 85 112,5 21 37 76,1
Hipertensão 40 76 90,0 55 102 85,4
Anemia 2 1 -50,0 1 4 300,0
Infecções de ouvido, nariz e garganta 18 30 66,6 17 17 0
Insuficiência cardíaca 71 62 -12,6 66 76 15,1
Pneumonias bacterianas 90 95 5,5 81 77 - 4,9
Gastroenterites infecciosas e complicações 143 115 -19,5 117 131 11,9
Infecção no rim e trato urinário 81 79 -2,4 176 149 -15,3
Doença inflamatória dos órgãos pélvicos feminino - - - 63 52 -17,4
Diabetes mellitus 102 66 -35,2 130 103 -20,7
Doenças relacionadas ao pré-natal e parto 7 5 -28,5 116 73 -37,0
Infecção de pele e tecido subcutâneo 97 52 -46,3 74 54 -27,0
Úlcera gastrointestinal 76 18 -76,3 39 13 -66,6
Total 1029 1477 43,5 1181 1657 40,3
Fonte: SIH/SUS
Entre o sexo masculino, os principais diagnósticos relacionados às ICSAP foram
as doenças cerebrovasculares 20,2% (n = 1.232), doenças pulmonares 12,4% (n =
755) e pneumonias bacterianas 8,9% (n = 541). Os grupos de causas com maior
aumento percentual foram angina pectoris, doenças pulmonares e asma.
Apresentaram maior redução: úlcera gastrointestinal, anemia e infecção de pele
e tecido subcutâneo (Tabela_2).
Ao analisar os óbitos, observa-se um total de 568 no período estudado (2008-
2012). Desses, 5,4% (n = 31) ocorreram em 2008; 15,7% (n = 81) em 2009; 26,9%
(n = 153) em 2010; 25% (n = 142) em 2011 e 27,1% (n = 154) em 2012.
As doenças cerebrovasculares constituíram o principal grupo de causa dos
óbitos, com destaque em 2008 (35,5%; n = 11), 2009 (40,4%; n = 36) e 2011
(26,8%; n = 38), seguidas por diabetes mellitus (22,6%; n = 7) e úlcera
gastrointestinal (9,7%; n = 3) em 2008, insuficiência cardíaca (28,1%; n = 25)
e doenças pulmonares (10,1%; n = 9) em 2009 e por insuficiência cardíaca
(17,6%; n=25) e deficiência nutricional (11,3%; n = 16) em 2011.
Porém, em 2010, o grupo das deficiências nutricionais, que representou 25,5% (n
= 39) dos óbitos, superou os registros referentes a doenças cerebrovasculares
(24,8%; n = 38) e insuficiência cardíaca (12,4%; n = 19). Em 2012, os óbitos
referentes à insuficiência cardíaca obtiveram representação mais expressiva,
com 18,8% (n=29), seguidos por aqueles referentes a deficiências nutricionais
(15,6%; n=24) e doenças cerebrovasculares (13,6%; n=21)
Quanto à idade, nos cinco anos estudados, 60,7% (n = 345) dos óbitos foram de
indivíduos com 65 anos ou mais; 13,7% (n = 78) entre sujeitos de 55 a 64 anos e
11,1% (n = 63) entre aqueles com idade entre 45 e 54 anos. Na primeira faixa
etária (65 anos ou mais), os óbitos decorreram principalmente de doenças
cerebrovasculares (29,3%; n = 101), insuficiência cardíaca (18,8%; n = 65) e
doenças pulmonares (9,6%; n = 36). Os grupos que apresentaram maior aumento
percentual entre 2008 e 2012 foram insuficiência cardíaca (1800%), pneumonias
bacterianas (600%) e deficiências nutricionais (300%).
Na segunda faixa etária (55 a 64 anos), constituíram as principais causas de
óbitos: insuficiência cardíaca (25,6%; n = 20), deficiências nutricionais/
doenças cerebrovasculares (17,9%; n = 4) e hipertensão (7,7%; n = 6). Na
terceira (45 a 54 anos), os óbitos decorreram de deficiências nutricionais
(30,1%; n = 19), doenças cerebrovasculares (28,6%; n = 18) e diabetes mellitus
(11,4%; n = 5).
Quanto ao sexo, entre 2008 e 2012, 52,6% (n= 252) dos óbitos ocorreram no sexo
feminino e 47,4% (n = 227) no masculino. Os diagnósticos mais frequentes entre
as mulheres foram doenças cerebrovasculares (14%; n = 67), insuficiência
cardíaca (8,8%; n=42), deficiências nutricionais (6,9%; n = 33) e hipertensão
(5,0%; n = 24). Entre os homens, as doenças cerebrovasculares permaneceram em
posição de destaque, com 12,9% (n = 62) do total de óbitos, seguidas pelos
grupos deficiências nutricionais (8,5%; n=41), insuficiência cardíaca (7,7%; n
= 37) e diabetesmellitus (4,4%; n = 21).
Entre 2008 e 2012, no Hospital Regional de Ceilândia, as ICSAP custaram ao SUS,
adotando-se como base de cálculo os valores de remuneração da AIH, 6,622
milhões de reais. Esse valor corresponde a 13% dos gastos totais em internações
hospitalares registradas, os quais perfazem o valor de 50,982 milhões de reais.
No período estudado, houve crescimento de 81,6% em relação aos gastos com
ICSAP, os quais passaram de R$ 913.413,59 em 2008 para R$ 1.659.189,61 em 2012.
DISCUSSÃO
Observa-se, no período estudado, aumento do número de ICSAP no HRC, fato também
constatado em alguns estados, como Minas Gerais(8), São Paulo(9) e Espírito
Santo(10). Investigações apontaram ainda para a tendência de redução ou
estabilização nas ICSAP. Alfradique et al. (2009), utilizando dados do Brasil
no período entre 2000 a 2006, assinalaram diminuição de 15,8% nas taxas de
hospitalização no SUS por ICSAP(5). Outros estudos encontraram resultados
semelhantes(9-10).
Pesquisa realizada com dados do DF, utilizando a mesma metodologia, referiu que
as ICSAP foram responsáveis por 19,5% das internações(11). O resultado mostrou
que as taxas de ICSAP no DF foram inferiores quando comparadas às brasileiras,
ainda que os estudos tenham sido realizados em períodos distintos. Essa
tendência de redução ou estabilização de internações hospitalares pode ser
justificada pela transferência de procedimentos anteriormente realizados apenas
em regime de internação para a atenção ambulatorial e de hospital-dia. Por
outro lado, pode significar melhoria no acesso e na efetividade da APS.
Ao observar as causas de ICSAP, verificou-se que foram contemplados grupos
relacionados às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), a exemplo das
cerebrovasculares, que figuraram também entre as principais causas de óbitos no
período estudado, além da presença de doenças infecciosas. Isto expressa a
atual e complexa situação epidemiológica brasileira, permeada pela persistência
de doenças infecciosas, típicas de países em desenvolvimento, e pelo
crescimento das DCNT relacionado ao processo de envelhecimento populacional.
Esses achados são convergentes com resultados de outros estudos em que
gastroenterites infecciosas(5,11-12), pneumonias bacterianas(13), angina,
insuficiência cardíaca e doenças cerebrovasculares(14-15)constituíram-se como
as principais causas de internação por CSAP.
Em virtude da magnitude das DCNT, as quais correspondem a cerca de 70% das
causas de mortes, elaborou-se, no Brasil, o Plano de Ações Estratégicas para o
período de 20112022, no qual foram destacadas as ações de promoção à saúde e
fortalecimento da APS(16). Ainda com relação à situação epidemiológica
brasileira, a posição das doenças infecciosas requer atenção, visto que tais
internações podem estar relacionadas às precárias condições de vida, o que, por
sua vez, pode ser explicado pela teoria da determinação social. Homar e
Casanova (2003) reforçaram a importância desses fatores e os relacionaram a
maiores taxas de ICSAP(4).
O sexo feminino mostrou-se o mais representativo, considerando as internações
sensíveis em todos os anos analisados, mantendo semelhança com estudos
realizados em outras regiões(8,14) A maior participação feminina nas
internações pode estar relacionada à ineficiência da APS frente aos problemas
por elas apresentados, fato que acarreta complicações no estado de saúde e nas
potenciais internações hospitalares(14). Outro fator que pode estar relacionado
a esse cenário diz respeito à própria organização do sistema de saúde que, ao
longo dos anos, priorizou políticas e serviços de saúde voltados para mulheres
e crianças(17). Dessa forma, as mulheres, tradicionalmente, procuram mais os
serviços de saúde quando comparadas aos homens, os quais associam essa procura
a sentimentos de fragilidade(17).
Vale destacar que os diagnósticos de sífilis congênita e síndrome da rubéola
congênita integram o grupo ICSAP das doenças relacionadas ao parto e pré-natal.
Assim, considerando que nas internações obstétricas há dois internados para uma
mesma AIH, a parturiente e o recém-nato, é possível que o sexo masculino esteja
contemplado neste grupo diagnóstico. Entretanto, se o recém-nascido permanecer
internado por um período superior a 72 horas, o hospital gera uma AIH
específica para o mesmo(18).
No presente estudo, os idosos (idade superior a 65 anos) ocuparam lugar de
destaque entre as ICSAP, tendo como principais diagnósticos doenças
cerebrovasculares, doenças pulmonares e insuficiência cardíaca. Esse panorama
pode ser decorrente do aumento da expectativa de vida e envelhecimento
progressivo, com consequente mudança do padrão de adoecimento da população
(16,19). Além disso, o acesso dificultado aos serviços da APS, possivelmente
relacionado às dificuldades de transporte e ao elevado grau de dependência,
acaba por gerar potenciais complicações no estado de saúde, resultando em
atendimento hospitalar.
Ainda com relação a faixa etária e frequência de ICSAP, as gastroenterites
infecciosas constituíram as complicações mais frequentes entre crianças de 1 a
4 anos. Esse perfil pode decorrer do fato da região administrativa de Ceilândia
ainda possuir 16,3% de seus habitantes utilizando fossas sépticas ou
rudimentares, 20% sem acesso à rede de água pluvial e 7,5% dos domicílios com
esgoto a céu aberto em suas cercanias(20). Nesse sentido, investigações têm
demonstrado que reduções ocorridas nas ICSAP podem estar relacionadas a
melhorias no acesso e na qualidade dos cuidados prestados na APS(6,9,12-13).
Reforçando esta questão, estudo sinaliza para a relação entre o aumento destas
internações e a baixa cobertura de ESF(8).
Em relação às diminuições nas variações percentuais apresentadas, verifica-se
presença de grupos de causas que receberam reforço de incentivos por parte do
Ministério da Saúde, apresentando consequente redução nas internações
hospitalares, a exemplo da Rede Cegonha, das atualizações para o manejo do
diabetesmellitus e da melhoria do pré-natal de baixo risco. As demais causas
podem estar relacionadas a múltiplos determinantes, como os fatores sociais
que, na frequência de internações, permanecem ocultos, podendo refletir uma
limitação das ICSAP como indicador da avaliação da APS.
Destaca-se ainda que o Distrito Federal possui baixa cobertura populacional em
relação à ESF. Em 2008, apenas 5,53% dos habitantes possuíam a cobertura desse
serviço de saúde, subindo para 17,85% em 2012, e para 28,9% em 2014(21). Dados
da Pesquisa por Amostra de Domicílios (2013) revelaram que 83% da população de
Ceilândia (DF), região administrativa em que o HRC está localizado, não
possuíam plano de saúde, 88,55% utilizavam o hospital público e, destes, 87,55%
buscavam atendimento no hospital da própria região administrativa. Em
contrapartida, cerca de 91,13% da população utilizavam os serviços dos centros
de saúde e, entre eles, 98,6% também recorriam aos centros da própria R.A(20).
Esses dados remetem a algumas reflexões, pois pelo fato de a maioria (91,13%)
da população da região administrativa da Ceilândia utilizar os serviços da APS,
chama atenção o incremento (41,8%) de ICSAP no período estudado, índice que
proporcionalmente não acompanhou o crescimento populacional de 5,45% registrado
ao ano(20).
Além disso, pode-se cogitar a possibilidade de que, apesar da população ter
acesso a esses serviços primários, eles não se mostram efetivos. Além do
acesso, as variações apresentadas no panorama de ICSAP podem estar relacionadas
ao processo de trabalho das equipes de saúde e aos determinantes sociais, visto
que as condições de vida e trabalho afetam diretamente o processo saúde-doença
da população, além dos possíveis problemas relativos à qualidade da informação,
podendo gerar subestimações ou sobrestimações de internações(22). O
aprofundamento de cada um desses fatores torna-se campo fecundo para a
realização de novos estudos, conduzidos segundo abordagem quantiqualitativa,
com o objetivo de não responsabilizar apenas a APS pela ocorrência destas
internações.
Ao analisar a produção hospitalar, os dados do presente artigo revelam
participação das ICSAP em 13% do total gasto com internações. Outras pesquisas
analisaram a magnitude desses gastos: estudo realizado na macrorregião de
Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) indicou que no ano de 2009, quando as ICSAP
representaram 20,8% das internações na primeira localidade e 28,1% na segunda,
o montante foi de R$ 5.046.548,54 em Juazeiro e R$ 7.374.369,06 em Petrolina
(23). Tais dados demonstram o volume de recursos utilizado para financiar
internações potencialmente evitáveis mediante uma APS acessível e resolutiva.
CONCLUSÃO
O presente estudo permitiu conhecer o comportamento das internações gerais e
por ICSAP no HRC, bem como compará-las no período estudado. Os resultados
encontrados recomendam especial atenção à população idosa, sobretudo na
prevenção das doenças crônicas não transmissíveis, implementando estratégias
para o atendimento das necessidades de saúde dessa população, como a internação
domiciliar, assim como maior atenção ao controle das pneumonias bacterianas,
gastroenterites infecciosas e complicações em crianças.
Por estar baseado em dados secundários, este estudo esteve sujeito a limitações
referentes aos registros nos bancos de dados(22). Além disso, apesar de o SIH/
SUS apresentar-se como grande base de dados, nele são registradas apenas as
internações realizadas no âmbito do SUS, as quais, embora majoritárias,
expressam apenas parte da realidade nacional.
Quanto à enfermagem, ainda que o trabalho na APS pressuponha ação
interdisciplinar e em equipe para a integralidade das ações, o conjunto desses
profissionais pode desempenhar papel fundamental na redução das ICSAP. Essa
possibilidade decorre tanto do quantitativo de pessoal de enfermagem, aí
incluídos os ACS, quanto da sistematização da sua assistência, a qual deveria
priorizar ações de promoção da saúde, prevenção de doenças e controle de
patologias que integram a Lista Brasileira de ICSAP.
Dessa forma, os resultados poderão auxiliar os gestores na implementação de
ações que objetivem maior resolubilidade da atenção primária, com consequente
redução de gastos em procedimentos de média e alta complexidade e maior
efetividade no gerenciamento dos serviços de saúde. Além disso, o uso das ICSAP
como indicador possui grande potencial para contribuir com a discussão da
efetivação dos princípios e diretrizes do SUS, entre eles, universalidade,
integralidade e equidade.
Como citar este artigo:
Sousa NP, Rehem TCMSB, Santos WS, Santos CE. Hospitalizations sensitive to
primary health care at a regional hospital in the Federal District. Rev Bras
Enferm [Internet]. 2016;69(1):106-13.