Atuação do enfermeiro na Atenção Primária no Serviço Nacional de Saúde da
Inglaterra
INTRODUÇÃO
Em países com sistemas universais de saúde, como a Inglaterra, observa-se a
ampliação da atuação do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde (APS). No
Serviço Nacional de Saúde inglês (National Health Service-NHS), desde os anos
1990, vem ocorrendo ampliação das funções dos profissionais de saúde não-
médicos, principalmente as de responsabilidade do enfermeiro, com a
transferência gradativa de algumas funções antes exercidas pelos médicos
àqueles profissionais. Os enfermeiros da APS passaram a atuar no tratamento de
pacientes com doenças de menor gravidade e acompanhamento de condições crônicas
como asma, diabetes e cardiopatias, por exemplo, guiadas por protocolos de
cuidados(1).
O NHS é universal, com ampla cobertura e acesso gratuito aos cidadãos,
financiado pelo Estado por meio de recursos fiscais. O acesso se inicia pelo
registro dos usuários nas GP practices/surgeries (unidade de atenção primária
em que um grupo de médicos trabalha em conjunto, de forma associada ou
contratada), nas clínicas dos médicos generalistas (General Practitioner -
GPs), que possuem a função de porta de entrada e filtro no sistema (gatekeeper)
e são responsáveis por uma lista de pessoas cadastradas na unidade de atenção
primária usualmente por referência geográfica(2-3).
A GP practice é o ponto principal de prestação de cuidados de APS na Inglaterra
(4). Inclui serviços como consultas médicas, tanto de demanda espontânea quanto
de seguimento de condições crônicas, exames de Papanicolau, contraceptivos,
procedimentos cirúrgicos simples e imunizações. Há ainda unidades de APS que
atendem a situações específicas: usuários de drogas, saúde mental, ou grupos
vulneráveis, como moradores de rua(5).
Frente à crescente demanda por cuidados em saúde, por maior prevalência de
enfermidades crônicas, uma das soluções encontradas na Inglaterra foi a
ampliação das funções dos enfermeiros nos cuidados diretos aos pacientes. No
Brasil, entretanto, as funções do enfermeiro na atenção básica ainda são
restritas, com predomínio de atividades técnicas e burocráticas, em tempos de
cobertura e acesso universal de saúde(6). O conhecimento de realidades
distintas da brasileira, nas quais o enfermeiro tem uma função clínica
ampliada, motivou esta pesquisa e levou à observação analítica dessa realidade,
esperando-se contribuir para o necessário debate sobre a Enfermagem no país.
O objetivo deste estudo foi analisar a ampliação das funções do enfermeiro na
atenção primária no Serviço Nacional de Saúde inglês e as repercussões para a
prática profissional.
MÉTODO
Trata-se de um estudo de caso(7), auxiliado por revisão de literatura e análise
documental, cuja coleta de dados empíricos ocorreu em unidades de APS (GP
practices) em Londres, na Inglaterra, a partir de entrevistas com enfermeiros,
considerados informantes-chave.
A revisão de literatura(8-9) proporcionou síntese de conhecimento e
incorporação da aplicabilidade do resultado de estudos na prática cotidiana. As
perguntas norteadoras do estudo foram: "Quais as funções do enfermeiro na
atenção primária em saúde no Serviço Nacional de Saúde inglês descritas na
produção científica? Quais as repercussões da ampliação da atuação do
enfermeiro na atenção primária em saúde no Serviço Nacional de Saúde inglês?".
Buscou-se artigos nas bases de dados online PUBMED e BIREME, com os
descritores: a) National Health Service; b) Primary Health Care; c) Nursing.
Como critérios de inclusão, foram considerados os artigos publicados entre 2008
e 2014, nos idiomas português, inglês e espanhol, indexados na Biblioteca
Virtual em Saúde, disponíveis online na íntegra. Foram excluídos estudos que
abordassem o trabalho do enfermeiro em outros níveis de atenção que não a
primária e em outros países que não a Inglaterra. Na busca, 22 artigos
atenderam aos critérios de inclusão e fizeram parte deste estudo. Em relação
aos documentos incluídos, foram todos obtidos online, nos sites do serviço
nacional de saúde inglês, do conselho nacional de enfermagem inglês e na
Associação Nacional de Enfermagem Inglesa.
A coleta de dados empíricos ocorreu em seis unidades distintas de atenção
primária, na região de saúde de Hackney, pertencentes a três Clinical
Commisioning Groups -CCGs (NHS City and Hackney CCG, NHS Haringey CCG e NHS
Tower Hamlets CCG), nas regiões leste e norte da cidade de Londres, no período
de 30 de julho a 17 de agosto de 2014. As unidades foram elencadas e os
sujeitos de pesquisa foram recrutados de modo intencional, por meio da unidade
de saúde global do centro de atenção primária e saúde pública da Universidade
de Londres, por intermédio de contato pessoal da supervisora do estágio de pós-
doutorado desta pesquisadora, da qual essa atividade fez parte, junto à Escola
Nacional de Saúde Pública.
As entrevistas foram agendadas com um mês de antecedência, via contato formal,
por mensagem eletrônica. Foram realizadas entrevistas gravadas, com duração
média de uma hora cada uma, com sete enfermeiras de diferentes funções
(generalistas ou clínicas), em suas salas de trabalho nas unidades de atenção
primária, seguindo um roteiro estruturado previamente estabelecido, com 30
questões abertas. Foram, ainda, entrevistadas duas enfermeiras de serviços que
orientam a prática profissional, sendo uma da associação nacional de enfermagem
(Royal College of Nursing-RCN) e outra professora de curso de mestrado em
atenção primária da City of London University.
Tanto os dados dos artigos da revisão de literatura, quanto os das entrevistas
com as enfermeiras, foram investigados por meio de análise temática, iniciando
com mapeamento horizontal do material. O passo seguinte foi a leitura exaustiva
e repetida dos textos para a apreensão das estruturas de relevância. Esse
procedimento, seguido de leitura transversal, permitiu elaborar uma
classificação dos temas. A partir das estruturas emergentes desta análise,
reagruparam-se os temas relevantes para discussão(10).
Os resultados foram organizados em duas unidades temáticas. A primeira,
denominada atividades do enfermeiro na atenção primária no serviço nacional de
saúde Inglês, abrange as carreiras e funções do enfermeiro, o manejo e a gestão
de casos em condições crônicas e a prescrição de medicamentos. A segunda,
denominada aspectos favoráveis e desfavoráveis da ampliação de funções do
enfermeiro, reporta e discute a ampliação das funções do enfermeiro e suas
repercussões na atenção primária e na prática profissional.
O estudo seguiu os preceitos éticos internacionais e as diretrizes da Resolução
CNS 466/12 e foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos da
UNIOESTE, sob parecer número 699.803. Os sujeitos entrevistados assinaram Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. Para manter o anonimato dos sujeitos,
foram utilizadas siglas de identificação dos depoimentos com abreviação das
funções principais - Nurse Practitioner (NP), Practice Nurse (PN), enfermeiro
representante de associação profissional (RCN) e professor (PROF) -, seguido do
número de ordem das entrevistas (por exemplo, PN1, NP2 e assim sucessivamente).
RESULTADOS
Em relação à caracterização dos sujeitos do estudo, predominou a graduação em
enfermagem, pois como esta é recente no nível de graduação, alguns
profissionais atuando há mais tempo eram técnicos na área e cursaram outras
graduações após a mudança na legislação, como psicologia, antropologia ou
obstetrícia, cuja formação é separada da enfermagem. Suas funções incluíram a
prática como enfermeiras generalistas, enfermeiras clínicas, enfermeira
avançada, professora e consultora em atenção primária. Percebeu-se enfoque na
continuidade da formação, pois todas profissionais cursaram especialização e/ou
mestrado na área de atuação da atenção primária. O tempo após a formação foi
de, em média, 30 anos. Evidenciou-se, ainda, longa permanência na mesma unidade
de atenção primária, variando de 5 a 15 anos.
Atividades do enfermeiro na atenção primária no Serviço Nacional de Saúde
Inglês
Na Inglaterra, a formação profissional do enfermeiro ocorre na graduação, com
duração de, no mínimo, três anos ou 4.600 horas, em quatro principais áreas:
Adulto, Crianças, Saúde Mental e Dificuldades de Aprendizagem. Após a
graduação, é preciso registrar-se no conselho específico da categoria, o
Nursing and Midwifery Council (NMC)(2,11).
Neste artigo, o enfoque é nas carreiras e atividades do enfermeiro na atenção
primária. Nestas, os enfermeiros graduam-se na área do adulto, diferenciando-se
por formações complementares em cursos de curta duração, na área de manejo
clínico de diversas doenças crônicas e para prescrição de medicamentos.
Ressalta-se que a atuação em funções clínicas e terapêuticas ocorre somente
após a formação específica para cada caso e registro no NMC e no NHS.
Carreiras e funções do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde
Especificamente na atenção primária à saúde, as enfermeiras com diferentes
funções são denominadas nurse practitioner, practice nurse, health visitor e
district nurse. Exercem variadas atividades clínicas e não clínicas, com
competências profissionais ampliadas e ênfase no manejo de casos clínicos,
principalmente de condições crônicas e prescrição de medicamentos. Suas funções
são sintetizadas no Quadro_1.
Quadro 1 Funções do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde em General Practices
ou Community Health Services, no National Health Service (NHS) inglês
Depoimentos
Funções dos
Enfermeiros
General Practice Nurseou Practice Nurse - Enfermeira Generalista
Seeing people
for routine,
minor things
like health
checks,
dressings,
syringing,
check-ups on
minor or long
term
conditions,
diabetes,
respiratory
problems,
acute things.
So triaging on
minor illness,
access to GPs.
So that'll be
probably the
Procedimentos de prática clínica (hemograma, eletrocardiograma, cuidado de first line of
feridas); Imunização infantil e adulta; Planejamento familiar; Saúde da contact for
mulher e do homem; Saúde sexual; Clínica de manejo do tabagismo; Supervisouter people
de assistentes de saúde; Orientações de saúde para viagens como vacinação ein some
cuidados gerais. Local de Atuação: GP practice surgeries. So
it could be
very basic
stuff, just
doing dressing
and maybe
health checks,
to really
follow more of
a long term
care . (RCN6)
[...] in some
GP surgeries,
a health care
assistant can
do some of
these, in some
GP practices,
the practice
nurse will do
it. (NP2)
(Advanced) Nurse Practitioner*- Enfermeira Clínica
What really
defines a
nurse
practitioner
is that they
are
prescribers .
so they'll be
able to
prescribe
within a
competence,
but from the
entire, the
same as the GP
Exame físico; Escolha e implantação de tratamento clínico/medicamentoso; ?ould, so we
Referência a especialista; Hipótese diagnóstica e diagnóstico final (clínicodon't have any
Plano multiprofissional de cuidados contínuo, considerando necessidades sociais e limitations on
uso de visitas domiciliares (e retorno); Liderança da equipe clínica e adequaçwhat you can
das práticas de cuidados individualizadas. Local de Atuação:GP practice prescribe. So
prescribing is
something that
defines it and
they would
usually see,
as other big
thing [...].
And seeing
patients under
differentiate
illnesses,
treatments,
formulating
plans, doing
the follow up.
(NP3)
Health Visitor -Visitador de Saúde
[...] The
health
visitors will
do the
developmental
checks on
children up to
the age of 5.
(PN8) So,
health
visiting tends
to be more
around safe
guarding,
child
protection
issues, that's
one of their
biggest roles
really. And
Promoção comunitária de saúde; Acompanhamento do desenvolvimento infantil they also do
(nascimento até cinco anos de idade); Cuidados de saúde da família e agravos some routine
menores; Orientações de amamentação, desmame e puerpério; Promoção de Schecks on
Bucal; Prevenção à violência e negligência infantil; Encaminhamento de cachildren, so
negligência ou abandono familiar a serviços especializados. Local de Atuação: they'll be the
Community Health Centre e domicílio ones who's see
them at 6-
weeks, and
measure their
heads
circumference,
and length and
weight, review
if the parents
have a concern
about feeding,
or weaning, or
sleeping, or
behavioral
issues,
anything along
those lines
tend to be the
health
visitors.
(NP3)
District Nurses - Enfermeiras Distritais
So district
nurses visit
patients in
their home. So
if the patient
is not able to
come outside
their home,
district
nurses go to
Visitas Domiciliares (no lar ou instituições de saúde e lares de idosos/ their house.
ancionatos); Suporte à família de idosos ou portadores de condições crônicasAnd they'll do
agravadas; Promoção do autocuidado individual; Objetivo de evitar múltiplaswound care,
hospitalizações ou reinternações evitáveis. Local de Atuação:Community Healthcatheter care,
Centre, Nursing Homes e domicílio it's usually a
task. So, they
don't nurse
the patient at
their home,
they go and do
a task, so
maybe go and
do wound care
and then come
out. (NP7)
Fonte: adaptado de NHS(11).
Nota: *O título advanced é dado a enfermeiros com mestrado clínico.
Atuação do enfermeiro no manejo e gestão de casos em condições crônicas
A prática do enfermeiro na gestão de casos na APS inglesa é guiada pelo uso de
protocolos de cuidado baseados em evidências diagnósticas, procedimentos,
tratamento medicamentoso, orientações para mudanças no estilo de vida e
monitoramento individual. Define-se case management (gestão de caso clínico)
como a abordagem efetiva e eficiente de adultos com doenças crônicas ou
complexas necessidades de cuidado em saúde(12).
A gestão de caso, além da clínica, amplia o cuidado às demandas sociais do
paciente. Manter a pessoa com condição crônica fora do hospital, seguro e em
seu domicílio, exige parceria com o serviço social e outros membros da equipe,
avaliação constante das condições de saúde, higiene, alimentação e capacidade
para o autocuidado.
[...] theyd be looking at both health and social needs of the
patient. So, to try to keep the patient out of the hospital, so theyd
be working close to the social services, social worker, and be
looking at other needs that somebody might have in their own home,
and keep them safe and keep them well at home if they can't come to
the clinic. [...] So, there's basic living: good wash, bath, eating
food and all the rest of it, so they could be supported in their own
home. [...] That's a very simplified of what case management is.
(NP2)
A gestão de casos não é uma habilidade específica da profissão, mas uma
resposta às necessidades de saúde pessoais complexas, percebidas a partir da
consulta do enfermeiro. Tal liderança clínica usualmente não é formalizada,
porém, encontra terreno fértil a partir da fragmentação do processo de cuidado
e do contato mais frequente do enfermeiro com a comunidade, em relação aos
outros membros da equipe de saúde:
So, case management is not taught as a specific skill but when you
have a relationship with the patient and that patient has complex
needs and you are the one who sees him more often and has the best
knowledge of his condition and needs, you by default will become the
case manager. And it's not always very formal. (PN1)
O cuidado de pessoas com condições crônicas prevalentes como asma, diabetes,
doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertensão, problemas cardíacos, é guiado
por protocolos clínicos, elaborados pelo National Institute for Health and Care
Excellence (NICE), e por metas estabelecidas no Quality Outcomes Framework
(QOF).
Ashtma, Diabetes, COPD [Chronic Obstructive Pulmonary Disease], Heart
Problems, Cardiac Problems, post MI [Miocardic Infart]. [...]
National Institute for Health and Care Excellence has guidelines,
which recommend, and then we've got things called Quality Outcomes
Framework, which all the GPs practices in England have to work
towards and that's how we get our income. (NP2)
Atuação do enfermeiro como prescritor de medicamentos
No Reino Unido, desde 1992, o enfermeiro com formação específica prescreve
medicamentos. Em 2006, a atribuição foi legalmente ampliada, buscando aumentar
a eficiência dos serviços ofertados a partir da flexibilização da divisão de
trabalho entre médicos e enfermeiros(13). No quadro_3 sintetiza-se a progressão
legal na função do enfermeiro prescritor de medicamentos no Reino Unido.
Quadro 2 Autorização legal e mecanismos do National Health Service (NHS) para
enfermeiros prescreverem medicamentos no Reino Unido a partir de 1992
Ano Atribuição da função pela legislação Legislação
Great
Britain.
Medicinal
products:
Prescription
O enfermeiro (specialist qualified community nurses) passou a prescrever by Nurses
1992 medicamentos a partir de uma lista limitada. etc Act
(C.28).
London: Her
Majesty's
Stationary
Office;
1992.
Great
Britain.
Medicinal
products:
Prescription
Criou-se um formulário limitado para prescrição de enfermeiros, destinado a by Nurses
1996 district nurses e health visitors, que incluiu medicamentos para curativos, etc Act
problemas de pele e manuseio de cateteres. 1992: (C.1).
London: Her
Majesty's
Stationary
Office;
1996.
National
Health
Service
Executive:
Nurse
prescribing:
imple-
mentation
the scheme
O NHS ampliou a lista de medicamentos, criando o Nurse Pre-scribers' Formulary, across
1998 para district nurses e health visitors, com qualificação adicional para England.
prescrever. Health
Service
Circular
1998/233.
Leeds:
National
Health
Service
Executive,
1998.
Great
Britain. The
health and
Ampliou o escopo de enfermeiros autorizados a prescrever para todos os social care
2001 enfermeiros, parteiras e health visitors, com qualificação adicional, Act 2001,
nominando-os prescritores independentes e suplementares. Section 63.
London: The
Stationary
Office;
2001.
Department
of Health:
Extending
independent
nurse
prescribing
within the
O NHS introduz o Nurse Prescribers Extended Formulary (NPEF), incluindo 140 NHS in
2002 medicamentos que anteriormente eram prescritos apenas por médicos, para o uso England: A
do enfermeiro. guide for
implemen-
tation.
Edition 1.
London: The
Stationery
Office;
2002.
DH/
Medicines,
Pharmacy
&
Industry/
clinical
& Cost
Effec-
tiveness:
improving
patients'
Legislação para nurse independent prescriber prescrever todos os medicamentos,access to
2006 inclusive medicamentos controlados, para qualquer condição médica dentro de smedicines: a
área de competência clínica. guide to
implementing
nurse and
pharmacist
independent
prescribing
within the
NHS in
England.
London:
Department
of Health;
2006.
Fonte: traduzido(13) e adaptado pelo autor.
Quadro 3 Síntese dos resultados da ampliação das funções do enfermeiro na
atenção primária no National Health Service (NHS) em inglês
Mudanças para os pacientes
Aspectos Favoráveis
- Melhora no acesso aos serviços de saúde (redução de barreiras organizacionaiAspectos Desfavoráveis
- Aumento na qualidade da relação profissional-paciente(17); - Redução da liberdade do paciente em escolher o profissional que o atenderá,
- Melhor comunicação entre o paciente e o enfermeiro(20); pois o primeiro contato passa a ser responsabilidade do enfermeiro(20);
- Tempo de duração da consulta maior*17; - Insegurança do paciente em seguir a prescrição do enfermeiro(20).
- Melhor adesão ao tratamento(22);
- Melhor seguimento/acompanhamento do paciente(16-24).
Mudanças para os Profissionais
Aspectos Desfavoráveis
- Sobrecarga de trabalho, pois o enfermeiro continua a exercer suas atividades
Aspectos Favoráveis rotineiras tradicionais somadas às práticas clínicas adicionais(20,24);
- Melhor reconhecimento profissional do enfermeiro por parte dos pacientes e dos - Aumento de trabalho não corresponde a aumento salarial equivalente(13);
demais profissionais(13); - Conflitos de trabalho com médicos que resistem em reconhecer a prática clínica
- Aumento do poder técnico(25); do enfermeiro no local de trabalho(13);
- Aumento do corpo de conhecimento profissional(22); - Conflitos de trabalho com outros profissionais de enfermagem sem qualificação
- Maior satisfação no trabalho, emfunção do aumento da resolutividade da sua para a atuação ampliada(18);
prática(24). - Relutância dos enfermeiros para delegação de funções para os healthcare
assistants(18);
- Enfermeiros mal preparados para assumir as funções ampliadas(24).
Resultados para o NHS
- Redução do custo dos cuidados devido a menor remuneração do enfermeiro em comparação ao médico(17);
- Redução de custos com a prescrição de medicamentos, que é mais custo-efetivo quando o enfermeiro prescreve(20);
- Maior adesão do enfermeiro às diretrizes clínicas de uso racional de medicamentos(20,22);
- Melhor efetividade do acompanhamento de condições crônicas, evitando hospitalizações(16);
- Maior adesão às orientações para mudanças no estilo de vida, com redução de gastos do governo com cuidados sociais(18).
Os enfermeiros representam 43% dos profissionais com qualificação para
prescrever, registrados no NHS(13). Um estudo na base nacional de dados de
prescrições da APS no período de 2006 a 2010 e na base nacional de dados da
força de trabalho do NHS, em 2010, indicou que o número de enfermeiros
prescrevendo mais de uma vez anualmente na APS aumentou 18% no período, de
13.391 em 2006 para 15.841 em 2010(13).
So I prescribe ... if I have a diabetic patient, who needs
medication, or is already on some medication, but needs to go on to
insulin, I'll prescribe that. Someone wants to stop smoking, I'll
prescribe nicotine replacement therapy or tablets to help them to
stop smoking. Contraception, any of the contraceptives. Blood
pressure tablets and cholesterol tablets. [.] So I prescribe for
things that I am very familiar with, it's not that there's any legal
restriction on my prescribing or other things, but professionally
it's up to me to make sure that I am completely familiar with what I
do prescribe. (PN8)
Legalmente, o enfermeiro é registrado no conselho da categoria como prescritor
e também no NHS e, assim como os profissionais médicos, tem sua prática
amparada por seguro.
So, once you've done your university course, your exams, your
portfolio past, you have to wait a while until you are on the NMC
registered and you sign in there as a prescriber, so it's like a
supplementary extended role and most practices would wait until that
is all in place before asking you to prescribe. I waited until it's
all done, so it's not that you need that once you pass your exam than
you have to be accepted for the NHS as a prescriber. And then you
have to have your insurance and your things in place. (NP9)
No depoimento a seguir, percebe-se que o enfermeiro atua clinicamente,
prescrevendo medicamentos para o cuidado do paciente, tal como faria o médico
generalista.
[...] so they'll be able to prescribe within a competence, but from
the entire, the same as the GP could, so we don't have any
limitations on what you can prescribe [...]. (NP3)
Aspectos favoráveis e desfavoráveis da ampliação de funções do enfermeiro
Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma visão positiva em relação à
ampliação das funções na APS, convergente com os resultados da revisão de
literatura, sobre a realidade de trabalho do enfermeiro. Com maiores funções
clínicas, esses profissionais realizam consultas para diagnóstico e terapêutica
medicamentosa de portadores de condições crônicas. O seguimento desses casos na
unidade faz com que o enfermeiro assuma funções que antes eram exclusivamente
médicas, como a prescrição de medicamentos, a solicitação e interpretação de
exames, o manejo de casos, numa prática guiada por protocolos de cuidado e
amparada pela equipe.
So, the introduction of that really led to the biggest expansion of
practice nursing, because it made it economically viable, so let's
say appealing for practices to employ more nurses. And then over time
[some practices] having introduced this networking, and what we call
the care packages, so that was to produce enhanced care packages with
patients, who have long term conditions. So, was very much based
around nurses working with patients, probably increasing in nurses
locally. (ANP3)
No, I mean it's totally good model, clearly there's a nurse, and you
could see that it's up to the person to extend role to the advance
practice. So here, I'm a clinical leader, so I've got to some leading
practice, for the GPs to work and manager so, it was the role
reversal, but it's given me the opportunity to work in an advanced
standard role, which, so yeah it's good. (NP2)
I think it makes it more interesting jobs for nurse, because you can,
as well as nurse, assessment and realistic assessment, in your
medication review, you can look up at, you have the time to look up
at how's someone been taking the medication, whether they understand
it, you have more time and can bring them back. [...] As a bad thing,
that would pressure on salaries, that would bring more opportunities,
so good things and bad things really. The regulatedpay is now
starting to break up into, so the practice nurses don't have the same
terms and regulations as the NHS nurses. (PN9)
DISCUSSÃO
Atividades do enfermeiro na atenção primária no Serviço Nacional de Saúde
Inglês
Os enfermeiros na Inglaterra têm sofrido pressão oriunda tanto de políticas
governamentais formuladas para a atenção primária, quanto de seus empregadores,
nas unidades de atenção primária, para aumentar sua área de atuação, ampliando
suas funções, com a finalidade de contribuir de forma mais efetiva no cuidado
aos pacientes, principalmente aqueles com condições crônicas. Os estudos
analisados(12-27) referem-se à ampliação das funções do enfermeiro ao assumir a
prescrição de medicamentos, em substituição do médico em consultas a pacientes
com condições crônicas, sendo responsável pela gestão de casos nas condições
crônicas, assim como relatado nos depoimentos dos sujeitos deste estudo.
Carreiras e funções do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde
A realidade dos profissionais da saúde aqui focalizados nem sempre foi como a
retratada no parágrafo anterior, pois a formação acadêmica do enfermeiro na
Inglaterra é bastante recente, remontando aos anos 1990. Antes desse período, a
formação ocorria em espaços de prática, geralmente hospitais, na modalidade de
aprendizagem direta com um supervisor mais experiente e uma certificação
fornecida pelo próprio hospital. O primeiro curso de graduação em enfermagem
iniciou-se em setembro de 1989, com um currículo que mesclava atividades
teóricas e práticas, com ênfase na promoção de saúde e prevenção de doenças,
saindo um pouco do foco do hospital(27).
Existe uma nova concepção da profissão, com um status de curso superior, nos
últimos vinte anos. Entretanto, discute-se que uma profissão, que era
eminentemente prática, hoje tenha uma formação predominantemente teórica, cuja
graduação não corresponderia às necessidades dos serviços de saúde(14,28).
Ademais, ao analisar o trabalho do enfermeiro na atenção primária inglesa a
partir das reformulações no sistema de saúde, ocorridas em 2012, chama-se
atenção para o fato de que, com as mudanças na organização dos serviços, houve
alteração na forma de contratação desses profissionais, dificultando
inicialmente sua inserção nas unidades de saúde. Por outro lado, com a
consideração dos determinantes de saúde na atenção, a demanda por esse
profissional, que usualmente tem o preparo para lidar com a atenção integral ao
paciente, tem aumentado, convergindo com a realidade social daquele país(27).
Atuação do enfermeiro no manejo e gestão de casos em condições crônicas
A partir da ampliação de funções demandada pela conjuntura social e de saúde,
os enfermeiros estão se tornando referência para o manejo de doenças crônicas
na equipe de APS na Inglaterra, com o auxílio de protocolos para o julgamento
clínico, levando a decisões específicas para cada caso, de acordo ao relatado
pelos enfermeiros entrevistados neste estudo(16).
Resultados de estudo(16) sobre o trabalho do enfermeiro como gestor de caso em
três condições crônicas mais frequentes na Inglaterra mostraram forte evidência
da efetividade do cuidado por enfermeiros como gestores dos casos clínicos, uma
vez que intensificaram-se a responsividade ao tratamento e o entendimento do
paciente acerca de sua condição. Ademais, os enfermeiros percebem-se com maior
autonomia profissional, pois examinam, avaliam e decidem qual o melhor cuidado
ao paciente(16).
Revisão de literatura mostrou que a Practice nurse tornar-se responsável pelo
cuidado preventivo de coronariopatias em pacientes com isquemia cardíaca
clinicamente estável foi bem aceito por pacientes e enfermeiros, levando à
melhora auto relatada no estilo de vida e condições de saúde(24). Na prevenção
clínica secundária, diminuiu o número total de mortes e eventos coronários
prováveis, além do cuidado ter sido mais custo-efetivo. O mesmo ocorreu em
relação ao diabetes, cujos pacientes monitorados por enfermeiros reduziram sua
HbA1c (hemoglobina glicosilada) e nível de colesterol e aumentaram a adesão à
terapêutica, comparado aos resultados da atenção por médicos(24).
Atuação do enfermeiro como prescritor de medicamentos
O percentual de prescrições feitas pelos enfermeiros na APS na Inglaterra é
pequeno em comparação aos médicos. A prescrição do enfermeiro é usada quando
parece haver relativa vantagem para todos os interessados, principalmente em
áreas com menor número de profissionais médicos, em contextos rurais ou de
baixa renda. Outro aspecto que colabora para esse número ser pouco expressivo é
que essa prática ainda não está firmemente implantada na APS como rotina do
serviço(14). Alguns profissionais não se sentem plenamente preparados para a
função, relatam pouco tempo para estudar, necessidade de formação continuada
sobre o assunto, limitações da equipe, preocupação com a base de conhecimento
necessária para a prática(15). Há necessidade de competência profissional, com
rigorosa formação clínica para salvaguardar a segurança do paciente, associado
ao suporte de um profissional que oriente a prática (clinical mentorship)(26).
As enfermeiras avaliam que sua prática como prescritoras oferece significativos
benefícios para o cuidado dos pacientes. Entendem que prescrever dentro de seu
escopo de competências tornou-se parte intrínseca da profissão, sendo que a
experiência prática trouxe aumento na confiança. Compreendem que para
prescrever é necessário ter experiência clínica prévia, sendo a prescrição por
enfermeiro importante para melhorar o acesso aos serviços de saúde(26).
Observa-se, todavia, ambiguidade em relação ao apoio à atividade das NP como
prescritoras. Se, por um lado, o NHS incentiva essa prática, por outro, nos
serviços de saúde, a necessidade de supervisão (mentoring) manteria o controle
da prática na categoria médica, aliada à atitude de alguns médicos que,
exercitando sua posição de poder, restringem e controlam o tempo e as
oportunidades para discussões colegiadas(19).
Aspectos favoráveis e desfavoráveis da ampliação de funções do enfermeiro
Com a ampliação das funções dos enfermeiros, observam-se melhoras na atenção e
continuidade do cuidado aos pacientes. Um estudo que avaliou 35 produções
científicas sobre os resultados da prática de consultant nurse na Inglaterra
observou impacto positivo em casos em que os enfermeiros cuidam dos pacientes,
com melhora de sintomas físicos e psicológicos, como redução da ansiedade, do
tempo de espera e na taxa de mortalidade, melhora do cuidado, melhor
entendimento de seu problema de saúde e maior confiança(23). Além disso, a
maior autonomia da practice nurse na equipe de atenção primária aumentou
sentimento do enfermeiro de satisfação no trabalho(24).
Na revisão de literatura(17), foi focalizado, no período de 1966 a 2002, para
avaliar o impacto da substituição de médicos por enfermeiros no atendimento de
pacientes na APS, em relação aos resultados, processo de cuidado, recursos e
utilização, incluindo custos, a análise de 25 artigos relacionados a 16
pesquisas. O enfermeiro tem substituído o profissional médico no cuidado em
saúde em duas modalidades, como suplementar e como substituto do trabalho do
médico. Em sete estudos, o enfermeiro assumiu a responsabilidade pelo primeiro
contato e continuidade do cuidado para os pacientes atendidos. Em cinco, o
enfermeiro assumiu a responsabilidade pelo primeiro contato para pacientes
esperando consulta urgente. Em quatro estudos, o enfermeiro assumiu a
responsabilidade pelo seguimento no manejo de pacientes com condições crônicas.
Em todos, os resultados mostraram igual qualidade na atenção, sem diferenças
significativas no cuidado entre médicos ou enfermeiros. Ademais, a satisfação
dos pacientes foi maior para os cuidados do enfermeiro, relacionada a consultas
de maior duração, mais informações e retorno dos pacientes com maior frequência
(17). Os autores concluem que "appropriately trained nurses can produce as high
quality care as primary care doctors and achieve as good health outcomes for
patients". Entretanto, apontam a necessidade de considerar os resultados com
cautela, visto que somente um estudo afirmou com segurança a equivalência do
cuidado entre médicos e enfermeiros(17).
Outro estudo(20) tipificou os benefícios e limitações do enfermeiro assumir
funções clínicas na atenção primária em três temas: impacto para os pacientes,
competência do enfermeiro e evidência para apoio da política do NHS. O impacto
para os pacientes foi positivo, pois consideraram a consulta de enfermagem mais
demorada e abrangente. Quanto à competência do enfermeiro, muitos não se sentem
habilitados e preferem referir o paciente ao médico. No apoio da política do
NHS, percebeu-se necessidade de aprimorar a capacitação dos enfermeiros sobre o
diagnóstico e a terapêutica para a ampliação de sua prática.
O aumento das funções dos enfermeiros nas GP practices está relacionado ao fato
de assumirem a possível sobrecarga de trabalho dos médicos. A expansão das
funções do enfermeiro pode aumentar a qualidade do cuidado de atenção primária,
mas isso só é possível a partir da intensificação do trabalho da equipe de
enfermagem(24,29). Essas políticas de ampliação são consideradas como uma
estratégia econômica de redução de custos já que, ao assumir parte do trabalho
médico, o enfermeiro não necessariamente é pago de acordo com tal
responsabilidade(14). No quadro 4, elaborou-se a síntese dos aspectos
favoráveis e desfavoráveis da ampliação das funções do enfermeiro no NHS
inglês.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo identificou e analisou as funções do enfermeiro na APS no NHS inglês,
abordando suas contribuições para a qualidade do serviço prestado, destacando
as funções do enfermeiro como membro da equipe de saúde, descrevendo as
atividades rotineiramente realizadas pelos enfermeiros nas diferentes funções e
relacionando as dificuldades e facilidades inerentes à prática do enfermeiro
nessas diferentes funções.
Destaca-se como limitação do estudo a concentração em artigos de revisão e
ensaios, com poucas publicações resultantes de pesquisas sobre os impactos da
ampliação das funções do enfermeiro na APS do NHS inglês. O recorte adotado no
estudo de caso é o do ponto de vista dos enfermeiros, sugerindo-se, assim,
pesquisas também com os demais profissionais da equipe da APS e com os usuários
desse serviço, tendo em vista a avaliação ampliada do trabalho dos enfermeiros,
abrangendo todos os envolvidos.
Para os pacientes, a ampliação da prática clínica dos enfermeiros resultou em
melhor acesso aos serviços, em consultas com maior tempo de duração, na
comunicação mais eficiente e na melhora na adesão ao tratamento. Para os
enfermeiros, há a conquista de um status profissional de maior respeito, com
ampliação do corpo de conhecimentos da profissão. Para o NHS, traduziu-se em
economia de custos, por ser mais vantajoso no âmbito do custo efetivo, somado
ao fato de que, socialmente, o trabalho do enfermeiro tem remuneração menor. Ao
mesmo tempo, ampliou-se o atendimento, o que é um objetivo em época de
orçamentos mais contingenciados como vivenciados atualmente.
Espera-se que os aportes do presente artigo possam contribuir para o debate
sobre a ampliação do escopo de trabalho do enfermeiro de prática avançada na
realidade brasileira. Esse pode ser um caminho para a cobertura e o acesso
universal à APS, assumindo a atenção integral ao usuário por profissionais de
saúde qualificados, capacitados a acompanhá-lo continuamente na prevenção,
promoção, tratamento e reabilitação, fornecendo sentido à relação dos serviços
de saúde com os indivíduos da comunidade.
Como citar este artigo:
Toso BRGO, Filippon J, Giovanella L. Nurses' performance on primary care in the
National Health Service in England. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69(1):169-
77.