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BrBRCVHe0047-20852006000100004

BrBRCVHe0047-20852006000100004

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0047-2085
ano2006
Issue0001
Article number00004

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Prevalência e fatores associados à sintomatologia depressiva em idosos residentes no Nordeste do Brasil

Introdução Entre as várias alterações neuropsiquiátricas que acometem os idosos, a depressão assume papel de destaque pelo forte impacto no sistema de saúde e sua alta prevalência nessa população (Spear, 2002; Barcia e Alcântara, 2000).

Embora isso também seja verídico em outras faixas etárias adultas, a depressão permanece um problema significativo encontrado por profissionais que trabalham com o idoso (Guccione, 2002). Sobre a prevalência desses quadros em meio aos idosos, diversos estudos apontam para valores entre 15% e 30%, de acordo com local de moradia, situação socioeconômica e escala utilizada para a detecção dos casos (Chattat et al., 2001; Barbosa et al., 2005).

A presença desse quadro em idosos desperta um especial interesse por sua transcendência para a saúde, capacidade funcional e os distintos aspectos psicossociais dessa população. Existe, nos estudos atuais, uma grande controvérsia sobre o desenvolvimento da depressão em populações idosas, pois a apresentação de seus sinais e sintomas nesse tipo de coletivo resulta na dificuldade em diferenciar o que podemos considerar envelhecimento normaldos processos patológicos. Confundir os sintomas de depressão com enfermidades somáticas e ansiedade é comum em qualquer grupo de idade, mas parece ser um problema especial em idosos, principalmente nos mais frágeis (Steffens, 2005).

Alguns autores afirmam que a aparente associação entre avanço da idade e aumento do risco de desenvolvimento da demência e da depressão está relacionada às mudanças na estrutura do córtex cerebral (Rozenthal et al., 2004). Na atualidade, a etiologia da depressão é vista de forma ampla e integrada, dentro de um contexto de inter-relação de numerosos problemas psicológicos, sociais e físicos que muitas vezes mascaram o diagnóstico e dificultam o tratamento (Snowdon, 2002; Steffens, 2005).

Além disso, os transtornos depressivos levam a uma importante repercussão sobre a qualidade de vida dos idosos, razão pela qual sua detecção e seu tratamento precoce podem contribuir favoravelmente para melhorar suas atitudes diante da enfermidade e, principalmente, melhorar seu bem-estar (Barbosa et al., 2005).

Em virtude dos fatos, o conhecimento dessa condição e dos fatores a ela associados constitui um passo essencial no processo de planejamento das ações de saúde, pois pode contribuir para diminuição de internações hospitalares e uso de medicamentos, melhora do estado funcional e, por fim, redução dos gastos sanitários.

Sendo assim, este estudo objetiva analisar que variáveis associam-se à presença de depressão em idosos que vivem na comunidade, contribuindo, portanto, para o seu entendimento e favorecendo o planejamento de condutas eficazes para esses indivíduos.

Métodos Foi realizado um estudo transversal na cidade de Santa Cruz, localizada a 120km de Natal, capital do Rio Grande do Norte, Região Nordeste do Brasil, no período de julho a novembro de 2002. Enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa local, o trabalho foi submetido a avaliação e aprovado, de acordo com o parecer 84/02.

Essa aprovação garantiu o respeito à dignidade humana e o desenvolvimento da pesquisa dentro dos padrões éticos. Além disso, todos os sujeitos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, onde constavam todas as informações relevantes sobre sua participação no estudo.

A amostra foi composta por 310 idosos com 60 anos ou mais, residentes em domicílios na zona urbana de Santa Cruz e cadastrados no Sistema de Informações da Atenção Básica (SIAB), em dezembro de 2001, escolhidos de forma probabilística aleatória sistemática. Aquele valor correspondeu a 10,09% da população inicial de 3.070 idosos.

Levando em consideração a heterogeneidade do município e buscando a representatividade da amostra, foram sorteados os bairros Paraíso, Conjunto Cônego Monte (CCM) e Centro, que representaram o pior, o intermediário e o melhor estrato socioeconômico. Por buscar a prevalência de idosos com depressão, todos os indivíduos selecionados aleatoriamente foram avaliados, independentemente de sua condição física ou mental. Todas as entrevistas foram conduzidas nos domicílios dos idosos.

Para a avaliação foi elaborado um questionário multidimensional que constou dos seguintes itens: • aspectos sociodemográficos: idade, sexo, cor, escolaridade, estado civil, atividade laboral, atividade nas horas livres e tamanho da família; • aspectos de saúde física: autopercepção de saúde, patologias (diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, doenças pulmonares, fratura de quadril, reumatismo, déficits visual e auditivo e câncer), medicamentos em uso contínuo e número de internamentos no último ano; • capacidade funcional: atividades básicas da vida diária (ABVD) pelo índice de Katz (Katz et al., 1963) e atividades instrumentais da vida diária (AIVD) pelo índice de Lawton (Lawton e Brody, 1969); • aspectos de saúde mental: na avaliação da presença de sintomatologia depressiva foi utilizada a Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15) (Shah et al., 1997), com o ponto de corte padrão de cinco pontos para a presença de sintomatologia depressiva. Na avaliação da função cognitiva foi utilizada a escala Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ), de Pfeiffer (1975).

Após essa etapa, foi feito um estudo-piloto para testagem e calibração do entrevistador e, em seguida, iniciada a coleta dos dados.

Terminada a coleta, os dados foram introduzidos em um banco de dados do programa estatístico SPSS (versão 10.0). A análise foi realizada valendo-se de abordagens de estatística descritiva e outra analítica. Na abordagem descritiva foi feita a distribuição de freqüências absolutas e relativas para variáveis categóricas e médias com ± para variáveis contínuas.

Na abordagem analítica foi realizada análise bivariada utilizando o teste do qui-quadrado de Pearson (c2), para se observarem as possíveis associações existentes entre as variáveis independentes e as dependentes, com cálculo das odds ratios(OR) brutas. Em seguida foi realizada análise multivariada, por regressão logística binária, utilizando análise hierarquizada. Mediante a estratégia estabelecida de associações entre as dimensões estudadas (sociodemográficas, de saúde física, capacidade funcional e neuropsiquiátricas), foram elaborados três modelos explicativos de regressão logística binária, introduzindo as variáveis em forma de blocos, permanecendo no modelo subseqüente apenas aquelas que tiveram significância estatística (p< 0,05) no modelo anterior. O critério de saída para todas as variáveis introduzidas em cada modelo foi p< 0,1. Ao final, chegou-se a um modelo final de regressão com apenas as variáveis de maior significância estatística. O método adotado para introdução das variáveis nos modelos foi o backward stepwise. Considerou-se um nível de significância p< 0,05 e intervalo de confiança (IC) de 95%, com cálculo das OR ajustadas.

Resultados Um total de 310 idosos residentes na zona urbana do município de Santa Cruz foi avaliado, o que correspondeu a 10,09% da população de 3.070 idosos cadastrados no SIAB do Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (SUS), Ministério da Saúde (SIAB/DATASUS/MS) em dezembro de 2001, dos quais 128 (41,3%) pertenceram ao bairro Paraíso, 91 (29,4%) ao CCM e 91 (29,4%) ao Centro. A idade variou de 60 a 99 anos, com média de 73,7 ± 9,03. A distribuição das variáveis sociodemográficas, de saúde física e capacidade funcional pelas zonas estão contidas nas Tabelas_1, 2e 3, respectivamente.

Em relação à presença de sintomatologia depressiva, observou-se uma prevalência de 25,5% de idosos, sendo o bairro Paraíso o local com maior freqüência. O déficit cognitivo foi encontrado em 26,8% dos entrevistados (Tabela_4). Para a realização das análises bivariada e multivariada foram feitos reagrupamentos em algumas variáveis, com o objetivo de melhor executá-las. Isso ocorreu levando em conta a distribuição de freqüência e modelos encontrados na literatura.

Também foram retirados da análise todos os sujeitos que não responderam ao teste (n= 15), uma vez que eram, na sua maioria, pessoas com elevado grau de déficit cognitivo ou distúrbio de comunicação (auditivo ou da fala).

Entre as variáveis sociodemográficas, apenas a escolaridade (p= 0,038) e a ocorrência de atividades nas horas livres (p= 0,003) tiveram significância estatística com a presença de sintomatologia depressiva. Em relação às variáveis de saúde física, encontrou-se associação com presença de sintomatologia depressiva, percepção de saúde atual (p< 0,0001), ABVD (p< 0,0001), AIVD (p< 0) e número de internações no último ano (p= 0,025).

Especificamente por patologias, foi encontrada associação com o acidente vascular cerebral (AVC) (p= 0,031) e as doenças pulmonares (p= 0,021). Por fim, a função cognitiva (p= 0,001) também teve significância.

Na análise multivariada, entraram no modelo de regressão apenas as variáveis que tiveram p< 0,05, e permaneceram com significância estatística as variáveis idade acima de 75 anos (p= 0,046), analfabetismo (p= 0,037), percepção de saúde (p< 0,01) e dependência para as AIVD (p= 0,001) (Tabela_5).

Discussão A alta prevalência de sintomatologia depressiva de 25,5% encontrada no presente estudo foi similar à referida em outros trabalhos (Vea et al., 1999; Gazalle et al., 2004) quando considerados os idosos residentes na comunidade, porém um pouco maior que um recente estudo realizado no Brasil (Barbosa et al., 2005).

Um fato que pode favorecer essa alta prevalência diz respeito ao local de realização do estudo, uma vez que o município de Santa Cruz caracteriza-se por ser uma cidade de recursos sociais escassos. Nesse contexto, a depressão pode resultar da incapacidade de uma pessoa lidar com determinados níveis de tensão ambiental. Os fatores externos, como rendimentos, suporte social ou recursos sociais, afetam a capacidade da pessoa em se adaptar aos diversos fatores tensiogênicos (Rautio et al., 2001).

Esse quadro foi muito bem representado com os idosos residentes no bairro Paraíso, que apresentaram os piores resultados (32%), demonstrando o importante impacto do ambiente na apresentação dessa enfermidade, uma vez que essa zona compreende a área de menor suporte médico e social, com elevados índices de morbimortalidade, analfabetismo e desemprego. A própria estrutura física do bairro, com ruas não-pavimentadas, esgotos a céu aberto e casas de taipa contribui para a formação de um cenário, por si , deprimente. Apesar da pequena diferença para as demais regiões da cidade, podemos considerá-lo suficientemente estruturado para mostrar piores indicadores de saúde e qualidade de vida (Costa et al., 2005).

Como resultado, a escassez de uma cobertura social estreita a relação com o envelhecimento acompanhado de doenças, de limitações para o desempenho de atividades cotidianas e de incapacidades definitivas, além de reduzir a oferta de programas de educação em saúde (Feliciano et al., 2004; Kawamoto et al., 2004). Da mesma forma, a baixa renda per capitados idosos, associada a um suporte médico ineficiente priva-os de uma adequada assistência de saúde, da compra dos medicamentos ou do pagamento da mensalidade do plano de saúde, com reflexos diretos no aumento da chance de surgimento de quadro depressivo, uma vez que a renda é um dos elementos essenciais para a preservação da autonomia e para a manutenção ou a recuperação da saúde (Costa et al., 2001). Na grande maioria, são idosos cadastrados nos programas de transferência de renda do governo federal, cuja média de benefícios é de um salário mínimo.

As variáveis idade acima de 75 anos, analfabetismo, percepção de saúde e dependência para AIVD foram as que permaneceram no modelo de regressão logística, com associação independente para a presença de sintomatologia depressiva. Esse fato indica a presença de variáveis dos três blocos de fatores de exposição analisados, o que reforça a íntima dependência da depressão com as dimensões sociodemográfica, de saúde física e capacidade funcional.

O impacto da idade na ocorrência de depressão pode ser compreendido pela própria característica do processo de envelhecimento, pois diminuição na qualidade e na quantidade de informações necessárias para um controle emocional eficiente (erosão afetiva). Além disso, com o passar dos anos, eventos relacionados a perdas, como comprometimento da saúde, morte de familiares, perda das relações sociais, do trabalho e do prestígio social, diminuição do sono, perda do prazer nas atividades habituais e sexuais, favorecem o surgimento daquela patologia (Mehta et al., 2002).

A baixa escolaridade também é considerada um importante fator de risco associado à depressão (Kulaksizoglu, 2005). A educação é um dos principais critérios de avaliação do nível socioeconômico de uma população, outra importante variável, como citado anteriormente. Desta forma, a alta prevalência de analfabetos em Santa Cruz, em associação ao suporte social inadequado, tende a agravar os efeitos negativos da doença e ainda dificultar o acesso aos métodos terapêuticos, sendo um fator de limitação para a sobrevivência e para a qualidade de vida (Feliciano et al., 2004).

Apesar de sua subjetividade, a percepção de saúde de um indivíduo, ou seja, a forma como ele se em relação ao seu estado geral, incluindo as dimensões biológica, psíquica e social, associa-se intimamente aos quadros depressivos.

Uma vez que elementos como perda das funções cognitiva, sexual e laboral, diminuição das relações sociais, sentimento de invalidez, entre outros, influenciam simultaneamente tanto a percepção de saúde como o surgimento de depressão, é justificável a associação entre ambas (Costa et al., 2005). Esse indicador de saúde relaciona-se com sintomas somáticos, principalmente as enfermidades crônicas e invalidantes, que, ao se agravarem, repercutem diretamente na falta de motivação, no aparecimento de sentimentos depressivos e na limitação funcional.

Nas atividades instrumentais, por se tratar de funções que requerem maior elaboração e coordenação, maior probabilidade de qualquer alteração mínima constituir um fator para o desenvolvimento de alguma deficiência e com isso gerar um sentimento negativo, que pode levar a um episódio depressivo. O risco aumentado de depressão nas pessoas idosas com incapacidade torna essencial identificar os fatores que estão causando a limitação. Apatia, redução do prazer nas atividades sociais e retardo psicomotor diminuem a capacidade de execução das AIVD, fazendo com que tarefas aparentemente simples passem a exigir quantidades excessivas de energia, tornando-se extremamente difíceis (Steffens et al., 2005).

Dessa forma, as limitações funcionais configuram-se como os primeiros indicativos de um possível quadro de institucionalização e surgimento de síndromes geriátricas, entre outras complicações, como a depressão. Além disso, a visão de uma provável invalidez e o isolamento social podem contribuir para o surgimento e a persistência desse quadro (Menchetti et al., 2001).

Apesar de algumas limitações, principalmente pelo desenho do estudo, mas considerando a consistência das associações encontradas, é possível afirmar que aquelas variáveis são potenciais fatores associados ao aparecimento e ao agravamento dos quadros depressivos na população idosa. Existe uma ampla gama de fatores que contribuem para a saúde dos idosos ou os colocam em situações de risco. Esses determinantes raramente existem separadamente e, por isso mesmo, poucas vezes se beneficiam de soluções unidimensionais. Assim, é necessária a colaboração de múltiplos setores e parceiros para atender a fatores de risco inter-relacionados e salvaguardar aqueles que promovem o envelhecimento ativo.

Em termos de ações de combate a esse mal, as políticas de assistência ao idoso podem ser orientadas pelos achados de estudos dessa natureza. Mesmo considerando a idade uma variável imutável, a percepção de saúde, a manutenção da capacidade funcional e a melhor oferta de programas de alfabetização podem ser instituídas nas políticas de assistência ao idoso.

Conclusão As variáveis idade acima de 75 anos, analfabetismo, percepção de saúde e dependência para AIVD estiveram associadas de forma independente à presença de sintomatologia depressiva nos idosos da nossa população. Diante do exposto, a partir da metodologia empregada e dos resultados obtidos, foi possível alcançar os objetivos propostos e fazer esclarecimentos pertinentes à saúde dos idosos do município de Santa Cruz. Em virtude das limitações do estudo, merece ser considerada a hipótese de uma possível generalização dos resultados a outras comunidades de mesmo nível socioeconômico.


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