Infecções virais e depressão
Introdução
É antiga a hipótese de que existe associação entre infecções virais e depressão
(BMJ, 1976; White, 1999). Há vários relatos na literatura sobre a ocorrência de
episódios depressivos após viroses (Kraepelin, 1890, apudHotopf e Wessely,
1994; Caravati, 1944; Isaacs, 1948; Hendler e Leahy, 1978; White e Lewis,
1987). O objetivo deste artigo é fazer uma revisão crítica dos estudos
existentes sobre a relação entre infecções virais e depressão. Serão abordados
os trabalhos que tratam da associação entre depressão e os seguintes vírus:
vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus da hepatite C (HCV), vírus
Epstein-Barr (EBV), vírus influenza, vírus herpes simples (HSV), vírus da
hepatite B (HBV), vírus da hepatite A (HAV), vírus da doença de Borna (BDV) e
vírus linfotrópico humano de células T (HTLV).
Métodos
Foi realizada uma pesquisa eletrônica na base de dados MEDLINE e na Literatura
Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), considerando
artigos em línguas portuguesa, inglesa e espanhola de 1966 a agosto de 2005. Na
MEDLINE, os termos de busca empregados inicialmente foram depressione viruses.
Posteriormente, a expressão depressionfoi associada a cada um dos seguintes
vírus: influenza, EBV, HSV, HAV, HBV, HCV, BDV, HIVe HTLV. Na base de dados
LILACS, os descritores utilizados inicialmente foram depressãoe viroses. O
termo depressãofoi em seguida associado a cada um dos vírus citados
anteriormente. A partir dos resultados obtidos foram selecionados os artigos de
interesse para o tema em questão. Para complementar a pesquisa bibliográfica,
as referências dos artigos selecionados foram pesquisadas para buscar possíveis
artigos não encontrados através da busca eletrônica inicial.
Resultados
Vírus da imunodeficiência humana
Entre os transtornos psiquiátricos mais comumente observados em indivíduos HIV-
positivos, a depressão é o mais prevalente (Malbergier e Schöffel, 2001;
Chandra et al., 2005). A depressão maior em indivíduos infectados pelo HIV
parece estar associada a fatores como estigma da doença, efeitos diretos do
vírus e infecções oportunistas no sistema nervoso central (SNC), além do
desencadeamento de episódio depressivo em populações vulneráveis como usuários
de drogas injetáveis (UDIs) e homossexuais (Malbergier e Schöffel, 2001;
Chandra et al., 2005).
Prevalência de depressão em indivíduos infectados pelo HIV
Os estudos sobre a prevalência de depressão em indivíduos HIV-positivos
apresentaram resultados muito variados (0% a 45%). Isso se deve a alguns
fatores como população estudada (homossexuais masculinos, mulheres e UDIs),
instrumento de avaliação utilizado (entrevista diagnóstica padronizada e
escalas de auto-avaliação), local de realização da pesquisa (comunidade e
serviços médicos) e estágio da doença (Penzak et al., 2000; Fulk et al., 2004;
Chandra et al., 2005). Além disso, o diagnóstico de depressão em indivíduos
infectados pelo HIV pode ser dificultado devido: à tendência dos profissionais
de saúde em considerar a depressão reação normalao diagnóstico da infecção; à
presença de sintomas somáticos que complicam o diagnóstico diferencial; ao
receio de alguns pacientes em expressarem seus sentimentos e aos efeitos
colaterais psiquiátricos de alguns anti-retrovirais (Penzak et al., 2000; Fulk
et al., 2004; Chandra et al., 2005).
Dois trabalhos avaliaram a prevalência de depressão em indivíduos HIV-positivos
de ambos os sexos (Maj et al., 1994; McDaniel et al., 1995) (Tabela_1). O
primeiro, de Maj et al. (1994), foi um estudo multicêntrico e controlado que
incluiu 955 indivíduos (602 HIV-positivos e 353 controles) de cinco países
(Brasil, Tailândia, Zaire, Alemanha e Quênia). A prevalência média de depressão
foi 7% (variação de 0% a 21%) no grupo infectado e 2% (variação de 0% a 8%) no
grupo controle (Ciesla e Roberts, 2001). A diferença entre os grupos não foi
significativa. O segundo, um estudo não-controlado, mostrou prevalência de
depressão de 29% nos homens infectados pelo HIV e 35% nas mulheres
soropositivas (McDaniel et al., 1995). Ambos os trabalhos, entretanto,
incluíram indivíduos de populações variadas (heterossexuais, homossexuais e
usuários de drogas, entre outros) e que se encontravam em diferentes estágios
da infecção pelo vírus.
Com relação aos estudos controlados que focalizaram a prevalência de depressão
na população masculina infectada pelo HIV (Atkinson et al., 1988; Williams et
al., 1991; Chuang et al., 1992; Rosenberger et al., 1993; Perkins et al., 1994;
Lyketsos et al., 1996a; Rabkin et al., 1997a; Fukunishi et al., 1997; Kelly et
al., 1998), nenhum deles mostrou prevalência significativamente maior desse
transtorno nos indivíduos soropositivos comparados aos controles, embora na
maioria dos trabalhos observe-se tendência a maior prevalência no grupo
infectado (Tabela_2). No único estudo que encontrou 0% de prevalência de
depressão em ambos os grupos, os pacientes HIV-positivos apresentaram
pontuações significativamente maiores no item depressão de uma escala de auto-
avaliação (Fukunishi et al., 1997). Dos nove trabalhos analisados, seis
incluíram somente homossexuais ou bissexuais (Williams et al., 1991;
Rosenberger et al., 1993; Perkins et al., 1994; Lyketsos et al., 1996a; Rabkin
et al., 1997a; Kelly et al., 1998).
Quanto aos nove trabalhos sobre a prevalência de depressão em mulheres HIV-
positivas (James, 1988; Brown e Rundell, 1990; Pergami et al., 1993; Lovisi e
Morgado, 1996; Goggin et al., 1998; Ickovics et al., 2001; Morrison et al.,
2002; Evans et al., 2002; Tostes et al., 2004), apenas três são controlados
(Pergami et al., 1993; Morrison et al., 2002; Evans et al., 2002) (Tabela_3).
Desses, somente um mostrou prevalência de depressão significativamente maior
nas mulheres infectadas pelo HIV comparadas às soronegativas (Morrison et al.,
2002). Nos estudos não-controlados que não investigaram populações especiais de
mulheres portadoras do HIV (Lovisi e Morgado, 1996; Goggin et al., 1998;
Ickovics et al., 2001; Tostes et al., 2004), como grávidas e militares, a maior
prevalência (acima de 40%) foi observada em trabalho que incluiu pacientes com
história de abuso de substâncias no último ano (Ickovics et al., 2001). Um
levantamento em mulheres grávidas portadoras do HIV relatou prevalência de
depressão de 7% (James, 1988). Nesse trabalho as pacientes foram avaliadas
assim que souberam do diagnóstico da infecção, e nenhum instrumento de
avaliação foi utilizado. No único estudo que pesquisou a prevalência de
depressão em mulheres militares soropositivas, a taxa encontrada foi de 0%
(Brown e Rundell, 1990).
Nos estudos de revisão que compararam a prevalência de depressão em indivíduos
soropositivos de ambos os sexos, a prevalência nas mulheres pareceu ser
superior àquela encontrada nos homens (Penzak et al., 2000; Chandra et al.,
2005). Entretanto, a prevalência de depressão é mais elevada em mulheres do que
em homens na população geral, independentemente do statussorológico para o HIV
(Penzak et al., 2000).
Com relação à prevalência de depressão em UDIs infectados pelo HIV, existem
três estudos controlados (Lipsitz et al., 1994; Malbergier eAndrade, 1999;
Turrina et al., 2001) (Tabela_4). Desses, dois abordaram usuários de heroína
injetável (Lipsitz et al., 1994; Turrina et al., 2001). O primeiro deles
constatou que a prevalência de depressão nesse grupo (11%-27%) foi superior
àquela encontrada na população geral, independentemente da sorologia para o HIV
(Lipsitz et al., 1994). No entanto, o segundo mostrou uma prevalência de
depressão significativamente maior nos indivíduos infectados pelo HIV
comparados aos soronegativos (36% versus16%; p< 0,05) (Turrina et al., 2001). A
maioria dos pacientes soropositivos (56%), porém, preenchia critérios para pré-
síndrome de imunodeficiência adquirida (pré-AIDS) ou AIDS clínica.
Em usuários de cocaína injetável, Malbergier e Andrade (1999), em nosso meio,
concluíram que a sorologia positiva para o HIV não foi fator associado à maior
prevalência de depressão. Em termos comparativos, a prevalência de depressão
nos UDIs infectados pelo HIV (18%-36%) pareceu ser mais elevada que nos
homossexuais masculinos soropositivos (0%-18%).
Alguns trabalhos compararam a prevalência de depressão nos diferentes estágios
da infecção pelo HIV (Atkinson et al., 1988; Chuang et al., 1992; Rosenberger
et al., 1993; Maj et al., 1994, Rabkin et al., 1997a; Rabkin et al., 1997b;
Kelly et al., 1998). Estudos transversais não encontraram prevalências de
depressão significativamente maiores nos pacientes HIV-positivos sintomáticos
comparados aos assintomáticos (Atkinson et al., 1988; Chuang et al., 1992;
Rosenberger et al., 1993; Maj et al., 1994; Rabkin et al., 1997a; Kelly et al.,
1998). Em uma coorte que acompanhou homossexuais masculinos soropositivos
durante quatro anos não foi observado aumento significativo na prevalência de
depressão ao longo do período, apesar da progressão da doença (Rabkin et al.,
1997b). Com relação à presença de sintomas depressivos, mas não necessariamente
depressão, um estudo prospectivo que acompanhou homossexuais masculinos HIV-
positivos durante sete anos mostrou aumento significativo desses sintomas nos
últimos estágios da infecção pelo vírus (Lyketsos et al., 1996b). Nesse
trabalho, entretanto, não foram utilizados instrumentos padronizados de
diagnóstico em psiquiatria, não sendo possível fazer estimativas de
prevalência.
Como a maior parte dos trabalhos sobre a prevalência de depressão em portadores
do HIV incluiu número pequeno de indivíduos, estudos de metanálise são úteis na
detecção de associações não observadas em trabalhos isolados. Uma dessas
metanálises (Ciesla e Roberts, 2001) incluiu dez estudos, num total de 2.596
participantes (Atkinson et al., 1988; Williams et al., 1991; Chuang et al.,
1992; Rosenberger et al., 1993; Lipsitz et al., 1994; Maj et al., 1994; Perkins
et al., 1994; Fukunishi et al., 1997; Rabkin et al., 1997a; Kelly et al.,
1998). Entre os trabalhos selecionados, seis incluíram apenas homossexuais
masculinos no grupo soro positivo (Atkinson et al., 1988; Williams et al.,
1991; Rosenberger et al., 1993; Perkins et al., 1994; Rabkin et al., 1997a;
Kelly et al., 1998); um incluiu somente UDIs (Lipsitz et al., 1994) e os
restantes incluíram indivíduos de várias populações (Chuang et al., 1992; Maj
et al., 1994; Fukunishi et al., 1997). Apesar de nenhum estudo individualmente
ter demonstrado maior prevalência de depressão em indivíduos HIV-positivos
comparados a soronegativos, a conclusão da metanálise foi que indivíduos
infectados pelo HIV apresentaram prevalência de depressão duas vezes maior que
a encontrada nos HIV-negativos (Ciesla e Roberts, 2001). Em relação à
orientação sexual, não foi constatado maior risco de depressão em homossexuais
masculinos e bissexuais HIV-positivos comparados aos heterossexuais
soropositivos. Também não houve diferença significativa nas taxas de depressão
nos grupos com doença avançada comparados aos portadores assintomáticos do
vírus. Apesar da maior prevalência de depressão nos soropositivos, apenas um em
cada dez indivíduos apresentou episódio depressivo maior atual. Tais dados
sugeriram que a infecção não estaria diretamente associada à depressão.
Entretanto, devido às diferentes populações incluídas nos estudos, não se pode
concluir definitivamente sobre a questão.
Repercussões da depressão na progressão da infecção pelo HIV
Alguns autores estudaram a relação entre depressão e evolução da infecção pelo
HIV (Leserman et al., 1999; Ickovics et al., 2001; Evans et al., 2002; Bouhnik
et al., 2005) (Tabela_5). Apesar de os estudos serem baseados em populações
variadas, em todos foi mostrado que a depressão está associada a pior
prognóstico da infecção.
Vírus da hepatite C
A associação entre HCV e depressão começou a ser estudada na década de 1990,
logo após a disponibilização de testes sorológicos para o vírus. Duas linhas de
evidências dão suporte a essa relação. Uma delas é o fato de pacientes
portadores de transtornos psiquiátricos apresentarem maior prevalência de
infecção pelo HCV que a população geral. A outra é a maior prevalência de
transtornos psiquiátricos em indivíduos infectados pelo HCV, sendo a depressão
o distúrbio mais freqüente e clinicamente importante (Zdilar et al., 2000).
Assim como na infecção pelo HIV, os estudos sobre a prevalência de depressão em
indivíduos HCV-positivos apresentaram resultados variados. Os motivos de tal
variação foram os mesmos relatados previamente nos trabalhos com HIV,
ressaltando-se os efeitos colaterais psiquiátricos da terapia antiviral à base
de interferon (Zdilar et al., 2000; Wessely e Pariante, 2002).
Dos sete trabalhos sobre a prevalência de depressão em indivíduos infectados
pelo HCV (Taruschio et al., 1996; Lee et al., 1997; Pariante et al., 1999;
Sherman et al., 1999; Dwight et al., 2000; Goulding et al., 2001; Koskinas et
al., 2002), quatro são controlados (Pariante et al., 1999; Sherman et al.,
1999; Goulding et al., 2001; Koskinas et al., 2002) (Tabela_6). O único estudo
controlado que utilizou um instrumento diagnóstico padronizado mostrou maior
prevalência de depressão em indivíduos HCV-positivos comparados a portadores do
HBV (Pariante et al., 1999). Em outros dois trabalhos com grupo controle, a
prevalência de depressão nos pacientes infectados pelo HCV foi superior à
encontrada nos soronegativos (Sherman et al., 1999; Goulding et al., 2001). O
estudo que apresentou a maior prevalência, entretanto, incluiu UDIs (Goulding
et al., 2001). No estudo controlado mais recente, contudo, não foi constatada
diferença significativa na prevalência de depressão em indivíduos infectados
por HCV ou HBV comparados a controles sem infecção (Koskinas et al., 2002).
Com relação aos estudos não-controlados (Taruschio et al., 1996; Lee et al.,
1997; Dwight et al., 2000), a menor prevalência foi relatada em trabalho em que
igual número de pacientes preencheu critérios diagnósticos para transtorno
misto ansioso e depressivo (Taruschio et al., 1996). Nos levantamentos de
pacientes procedentes de serviços terciários, as prevalências variaram entre
24% e 28% (Lee et al., 1997; Dwight et al., 2000). Um desses trabalhos também
mostrou que os pacientes HCVpositivos deprimidos apresentavam número
significativamente maior de sintomas somáticos comparados aos não-deprimidos
(Dwight et al., 2000).
Alguns autores estudaram a prevalência de depressão em populações especiais de
portadores do HCV, como usuários de drogas, pacientes terminais e militares
(Singh et al., 1997; Johnson et al., 1998; Singh et al., 1999; Muir e
Provenzale, 2002; El-Serag et al., 2002; Lehman e Cheung, 2002; Fireman et al.,
2005) (Tabela_7). Um estudo controlado em usuários de drogas infectados pelo
HCV no qual os indivíduos desconheciam o statussorológico para o vírus
constatou prevalências elevadas de depressão, tanto no grupo soropositivo
quanto nos controles (57,5% versus48,2%; p= 0,09) (Johnson et al., 1998).
Um estudo de pacientes com doença hepática terminal mostrou maior prevalência
de depressão nos infectados pelo HCV comparados aos demais (Singh et al.,
1997). Foi observado também que os portadores do HCV apresentavam mais sintomas
somáticos e dor que os outros pacientes. Os mesmos autores acompanharam um
grupo de pacientes submetidos a transplante de fígado e constataram maior
prevalência de depressão naqueles com hepatite C recorrente comparados aos
soronegativos (Singh et al., 1999). Quanto aos quatro trabalhos sobre a
prevalência de depressão em militares infectados pelo HCV (Muir e Provenzale,
2002; El-Serag et al., 2002; Lehman e Cheung, 2002; Fireman et al., 2005),
somente um é controlado (El-Serag et al., 2002). Esse estudo mostrou maior
prevalência de depressão em militares HCV-positivos comparados a soronegativos
(49,5% versus39,1%; p< 0,0001). Dos três trabalhos não-controlados (Muir e
Provenzale, 2002; Lehman e Cheung, 2002; Fireman et al., 2005), apenas um
encontrou taxa inferior a 40% (Muir e Provenzale, 2002). Tais estudos, no
entanto, não utilizaram instrumentos padronizados de diagnóstico e incluíram
predominantemente indivíduos do sexo masculino com história de abuso de
substância.
Em resumo, os estudos existentes sobre a prevalência de depressão em indivíduos
infectados pelo HCV sugerem que essa seja superior à encontrada na população
geral. Esses dados reforçam a hipótese de que existe associação entre HCV e
depressão.
Vírus Epstein-Barr
A associação entre EBV e depressão foi descrita na literatura há mais de 50
anos. No estudo pioneiro, um grupo de pacientes com mononucleose infecciosa
(MI), mais comumente causada pelo EBV, foi acompanhado por mais de três meses,
e a presença de sintomas depressivos foi observada naqueles com infecção
prolongada (Isaacs, 1948). Outros trabalhos relataram episódios depressivos
após MI (Prick e De Sonaville, 1953, apudWhite, 1999; Du Bois et al., 1984)
incluindo casos graves com ideação suicida (Hendler e Leahy, 1978) e sintomas
psicóticos (White e Lewis, 1987). Um estudo mostrou aumento significativo da
prevalência de depressão em mulheres que tiveram MI no ano anterior, mas não em
homens (Cadie et al., 1976). Outro trabalho em estudantes canadenses encontrou
maior prevalência de depressão naqueles que tiveram MI comparados aos que
tiveram outras infecções de vias aéreas superiores (IVAS) (Lambore et al.,
1991).
Os estudos prospectivos sobre o tema apresentaram resultados conflitantes
(Bruce-Jones et al., 1994; White et al., 1998; Katon et al., 1999). No único
estudo não-controlado, a prevalência de depressão em pacientes com MI (4,9%)
foi similar àquela encontrada na população geral (Katon et al., 1999). Em outro
trabalho, pacientes portadores de MI, amigdalite nãocausada por EBV ou IVAS
foram acompanhados durante seis meses, sendo constatado que as infecções virais
em geral foram importantes desencadeadoras de depressão na fase aguda da
infecção (Bruce-Jones et al., 1994). Entretanto, outro estudo encontrou
prevalência de depressão significativamente maior nos indivíduos com MI
comparados aos portadores de amigdalite não-causada por EBV ou IVAS (White et
al., 1998). A duração média dos episódios depressivos, contudo, foi de apenas
três semanas (White et al., 1998).
Assim como nos estudos longitudinais, os trabalhos que investigaram a relação
entre depressão e evidência sorológica de infecção pelo EBV apresentaram
resultados controversos (Amsterdam et al., 1986; Cooke et al., 1991).
Vírus influenza
A associação entre vírus influenza e depressão foi descrita há mais de cem
anos. Kraepelin (1890, apudHotopf e Wessely, 1994) relatou 11 casos de
depressão pós-influenza no início da epidemia de 1890. Trabalhos posteriores
ressaltaram que os episódios depressivos pós-influenza eram leves e
transitórios na maioria dos casos (Espagnol, 1895, apudMenninger, 1921). Um
estudo da década de 1950 também relatou casos de depressão após essa virose. Em
nenhum deles, porém, a influenza foi confirmada por testes sorológicos (Pillay,
1959, apudSinanan e Hillary, 1981). Apesar da fraca evidência científica, um
editorial do British Medical Journal(1971) afirmou que surtos de influenza
poderiam ser seguidos por depressão intratável.
Um levantamento inglês posterior a esse editorial, entretanto, não encontrou
maior número de internações psiquiátricas devido à depressão após epidemias de
influenza (Flewett, 1976). Adicionalmente, em trabalho que comparou a
prevalência de anticorpos antiinfluenza em pacientes deprimidos e em portadores
de outros transtornos psiquiátricos, não foi observada diferença significativa
entre os grupos (Sinanan e Hillary, 1981). Uma pesquisa realizada durante
epidemia de influenza num hospital geral também não demonstrou maior
prevalência de sintomas depressivos nos pacientes com essa virose específica
comparados aos que apresentavam outras infecções de vias aéreas superiores
(Hashimoto et al., 1987). Contudo, um estudo em adolescentes que apresentavam
títulos elevados de anticorpos antiinfluenza mostrou prevalência de sintomas
depressivos significativamente maior naqueles que tiveram infecção sintomática
nos últimos seis meses comparados ao grupo assintomático (Meijer et al., 1988).
As possíveis explicações para esse achado são a conhecida tendência de títulos
elevados de anticorpos antiinfluenza persistirem por mais de uma estação e a
possibilidade de alguns indivíduos assintomáticos terem infecção subclínica.
Em síntese, existem poucos estudos sobre a associação entre vírus influenza e
depressão, e os resultados encontrados foram conflitantes.
Vírus herpes simples
A associação entre HSV e depressão foi descrita na literatura nas décadas de
1960 e 1970, não existindo estudos recentes sobre o tema. A única metodologia
utilizada nos trabalhos foi a pesquisa de evidências de infecção pelo HSV em
pacientes deprimidos.
O primeiro estudo, realizado em 1969, mostrou uma prevalência de anticorpos
anti-HSV significativamente maior nos pacientes com depressão psicótica
comparados a portadores de outros transtornos psiquiátricos e a controles
(Rimon e Halonen, 1969). Um outro trabalho comparou a prevalência de anticorpos
anti-HSV em deprimidos psicóticos, controles e indivíduos com infecção aguda
pelo HSV. Os pacientes deprimidos psicóticos apresentaram prevalência
significativamente maior de anticorpos anti-HSV comparados aos controles. Já os
indivíduos com infecção viral aguda apresentaram maior prevalência de
anticorpos anti-HSV que os pacientes deprimidos psicóticos, porém a prevalência
decaiu seis a oito semanas após a infecção (Cappel et al., 1978).
Em outro trabalho, entretanto, não foi encontrada diferença significativa na
prevalência de anticorpos anti-HSV em pacientes deprimidos comparados a
portadores de outros transtornos psiquiátricos e controles (Pokorny et al.,
1973). Adicionalmente, outro estudo mostrou maior prevalência de anticorpos
anti-HSV em pacientes psiquiátricos em geral comparados a controles (Halonen et
al., 1974). Outro trabalho também constatou prevalências mais elevadas de
anticorpos anti-HSV tanto em pacientes deprimidos psicóticos quanto em
portadores de demência comparados a controles (Lycke et al., 1974).
Em resumo, existem poucos estudos sobre a associação entre HSV e depressão, e
os resultados encontrados foram controversos.
Vírus da hepatite B
A associação entre HBV e depressão foi pouco estudada até o momento. Conforme
mencionado no tópico Vírus da hepatite C, em estudo que comparou a prevalência
de depressão em indivíduos infectados por HBV ou HCV foi encontrada maior
prevalência nos HCV-positivos (Pariante et al., 1999). Em outro trabalho, a
prevalência de depressão foi estudada em indivíduos com hepatite viral (B ou C)
e em controles saudáveis, não sendo constatada diferença significativa entre os
grupos (Koskinas et al., 2002).
Vírus da hepatite A
A associação entre HAV e depressão foi descrita na literatura, porém os
trabalhos existentes são antigos, datando o último de 1974 (Caravati, 1944;
Sherlock e Walshe, 1946; Martini e Strohmeyer, 1974). Além de escassos, os
estudos apresentaram resultados conflitantes. Caravati (1944) relatou casos de
soldados que apresentavam síndrome pós-hepatitecaracterizada por instabilidade
emocional, fadiga, desconforto no quadrante superior direito do abdome,
intolerância à gordura e desnutrição após hepatite A. Quanto à instabilidade
emocionalespecificamente, 83% dos indivíduos apresentavam evidências de
depressão e ansiedade. Achados similares foram encontrados por outros autores
(Martini e Strohmeyer, 1974). Entretanto, um estudo não constatou a presença de
sintomas psiquiátricos em soldados com síndrome pós-hepatite(Sherlock e Walshe,
1946). Uma deficiência metodológica comum a todos os trabalhos é a ausência de
confirmação sorológica da infecção pelo HAV.
Dessa forma, pode-se concluir que a associação entre HAV e depressão foi pouco
estudada até o momento.
Vírus da doença de Borna
O BDV é um vírus neurotrópico pertencente à família Bornaviridae(Bode e Ludwig,
2003). O agente causa um tipo raro de meningoencefalite em cavalos e ovelhas e
é endêmico há mais de 150 anos em certas regiões da Alemanha e da Suíça. Após
inoculação experimental do BDV em animais de laboratório, foi observada uma
síndrome neurocomportamental específica, semelhante ao transtorno afetivo
bipolar em humanos (Amsterdam et al., 1985). Embora não existam relatos de
doenças humanas causadas pelo BDV (Kim et al., 1999), a associação entre esse
vírus e depressão é estudada há aproximadamente 20 anos.
Os trabalhos existentes se basearam na pesquisa de evidências de infecção pelo
BDV em pacientes deprimidos, e os resultados encontrados foram conflitantes
(Carbone, 2001; Bode e Ludwig, 2003).
Vírus linfotrópico humano de células T
A associação entre HTLV e depressão foi pouco estudada até o momento. Em 2000,
Proietti relatou a presença de sintomas depressivos em indivíduos infectados
pelo HTLV-1, acompanhados em estudo de coorte aberta prevalente de doadores de
sangue soropositivos em um hemocentro de Minas Gerais. Resultados preliminares
de um estudo recente em indivíduos da coorte citada sugeriram maior prevalência
de depressão nos portadores do HTLV-1 comparados a doadores de sangue
soronegativos (45,5% versus18,8%; p= 0,0543) (Stumpf et al., 2005). Tais
achados foram confirmados posteriormente (comunicação pessoal).
Discussão
Os resultados dos trabalhos publicados na literatura mostraram que as
associações mais bem fundamentadas foram aquelas entre depressão e os vírus HIV
e HCV. A relação entre as demais viroses estudadas e depressão tem mínima
evidência científica.
Quatro principais estratégias metodológicas foram utilizadas no estudo dessa
associação. A primeira delas consistiu em estudos descritivos, ou seja, relatos
de depressão em pacientes com determinada virose (por exemplo: Pillay, 1959,
apudSinanan e Hillary, 1981; Hendler e Leahy, 1978). Essa metodologia apresenta
várias limitações que comprometem a interpretação dos resultados. Entre elas
destacam-se: (a) a maioria dos trabalhos inclui um número reduzido de
indivíduos e tende a selecionar os casos mais graves, nos quais qualquer
associação detectada será exagerada; (b) todos os participantes sabem do
diagnóstico da infecção viral; (c) poucos estudos utilizam instrumentos
padronizados de diagnóstico em psiquiatria e (d) a ausência de um grupo
controle.
A segunda estratégia empregada, estudos transversais controlados (por exemplo:
Maj et al., 1994; Rabkin et al., 1997a; Pariante et al., 1999), apresenta
vantagens em relação à primeira. A principal delas é a presença de um grupo de
comparação. Entretanto nesses trabalhos não é possível estabelecer relação de
causa e efeito, isto é, não se sabe se a depressão é anterior ou posterior à
infecção virótica.
A terceira estratégia utilizada foi baseada em tentativas de demonstração de
evidências de infecção viral em pacientes deprimidos (por exemplo: Cappel et
al., 1978; Amsterdam et al., 1986; Bode e Ludwig, 2003). Os resultados desses
estudos devem ser analisados com cautela, uma vez que tanto a supressão da
ativação linfocitária pode tornar a pessoa deprimida mais suscetível à infecção
viral quanto a ativação imune decorrente da depressão pode levar a um aumento
inespecífico dos títulos de anticorpos, o que poderia ser interpretado como
evidência de que a virose seria a causa da depressão (Hotopf e Wessely, 1994).
A quarta estratégia consistiu em estudos prospectivos de pacientes com
infecções virais específicas (por exemplo: Rabkin et al., 1997b; White et al.,
1998; Singh et al., 1999). Tais trabalhos, apesar da superioridade em relação
aos anteriores, também devem ser analisados com cuidado. Sabe-se que os
indivíduos deprimidos tendem a procurar os serviços médicos com maior
freqüência que os não-deprimidos (Katon e Schulberg, 1992). Isso pode fazer com
que eles constituam a maior parte das coortes de pacientes com infecções virais
provenientes dos serviços primários de atenção à saúde.Além disso, pacientes
acompanhados em coortes conhecem seu diagnóstico, sendo impossível separar o
impacto psicológico do mesmo dos efeitos diretos do vírus.
Um complicador no estudo da relação entre infecções virais e depressão é o fato
de que tanto a depressão quanto os eventos de vida estressantes também provocam
alterações no sistema imune. Os trabalhos sobre os efeitos da depressão no
sistema imune evidenciaram decréscimos em todas as medidas de função
linfocitária (Herbert e Cohen, 1993; Hotopf e Wessely, 1994). Além disso, a
atividade das células destruidoras naturais (células NK) também se encontra
significativamente reduzida (Weisse, 1992; Herbert e Cohen, 1993; Hotopf e
Wessely, 1994). A depressão também está associada à elevação do número de
leucócitos circulantes, principalmente neutrófilos e monócitos (Herbert e
Cohen, 1993). Uma possível explicação para tais achados é o fato de a depressão
estar relacionada à ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e ao sistema
nervoso simpático, o que resultaria em níveis séricos elevados de cortisol e
catecolaminas (Weisse, 1992; Herbert e Cohen, 1993; Hotopf e Wessely, 1994).
Como as células do sistema imunológico possuem receptores para esses hormônios,
suspeita-se que elas exerçam papel na modulação do mesmo. Entretanto, não
existem estudos demonstrando ligação entre depressão, cortisol e imunidade. Uma
outra hipótese envolve a associação entre depressão e comportamentos
específicos que influenciam a resposta imune. Pessoas deprimidas podem
apresentar alterações da imunidade devido à insônia, ao sedentarismo, à
diminuição do apetite e ao uso de álcool e de outras drogas (Weisse, 1992;
Herbert e Cohen, 1993; Hotopf e Wessely, 1994). Os eventos de vida estressantes
também parecem estar relacionados com a diminuição da função imune (Weisse,
1992; Hotopf e Wessely, 1994).
De maneira geral, para se estudar a associação entre vírus e depressão, dois
tipos de trabalhos são recomendados. O primeiro, mais limitado, são os estudos
transversais controlados em que o diagnóstico da virose e a presença de
sintomas depressivos são avaliados simultaneamente. Na tentativa de diminuir os
fatores de confusão, recomenda-se que sejam utilizadas amostras randomizadas da
população geral ou de populações específicas, como doadores de sangue. A melhor
abordagem são os estudos realizados com indivíduos participantes de coortes de
casos incidentes de determinada infecção viral.
Conclusão
As associações mais bem fundamentadas foram aquelas entre depressão e os vírus
HIV e HCV. A relação entre as demais viroses e depressão tem mínima evidência
científica, e estudos com delineamento adequado se fazem necessários.