Esboço geral e perspectivas da doença de Chagas no Nordeste do Brasil
Introdução
No contexto epidemiológico da doença de Chagas humana (DCH) no Brasil, a Região
Nordeste (NE) ocupa importância acentuada, tendo sido a segunda em número de
infectados e de índices de infestação triatomínica nos inquéritos nacionais de
prevalência e distribuição dos vetores realizados entre 1975 e 1980 (Castro
Filho & Silveira, 1984; Fiusa-Lima & Silveira, 1984; Silveira et al.,
1984a). Passados vinte anos daquelas históricas observações, a região ainda
preocupa em termos do risco de transmissão da DCH, lembrando-se, por exemplo,
que, em 1996, o Programa de Controle da Doença de Chagas (PCDCh) da Fundação
Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (FNS/MS) capturou no Brasil 290.576
triatomíneos, sendo o Nordeste a região com maior número de capturas (201.156
exemplares), ou seja, 69,2% do País. A preocupação leva em conta,
particularmente, três situações: a) a região permanece socialmente muito
deprimida e detentora dos mais altos índices de vivendas pobres apropriadas à
colonização pelo triatomíneo no País; b) a região é o epicentro de dispersão de
duas espécies de difícil controle pelos meios rotineiros da Fundação Nacional
de Saúde, o Triatoma brasiliensise o Triatoma pseudomaculata; e c) ocorrer
hoje, nessa região, um baixo nível de cobertura operativa do programa de
controle da doença de Chagas (PCDCh) pelas equipes da FNS, em razão do
progressivo enxugamento dessa instituição em todo o país (Dias, 1998).
De modo geral, a elaboração do presente suplemento dos Cadernos de Saúde
Pública procurou abordar a doença de Chagas no Nordeste do Brasil com vistas a
fazer uma revisão da situação epidemiológica e apontar algumas perspectivas de
encaminhamento e análise. No bojo da Iniciativa do Cone Sul, toda centrada na
eliminação do Triatoma infestans e da doença de Chagas transfusional, a
situação do nordeste brasileiro é bastante especial, em função da presença de
outras espécies vetoras do Trypanosoma cruzi e das características sociais,
políticas e econômicas da área, geralmente entendidas como complicadoras ao
sucesso do programa. Em particular, o presente texto acompanha as informações
gerais para o país (ver Vinhaes & Dias, neste fascículo) e discrimina e
amplia algumas situações e problemas específicos do Nordeste. Em sua
preparação, buscou-se sintetizar as informações esparsas ou pontuais que os
gerentes regionais da FNS levaram à discussão no seminário de Praia das Fontes,
Ceará, em 1998, em cotejo com os dados de rotina repassados à Gerência Técnica
de Chagas da FNS/Brasília, envolvendo, ainda, a experiência direta dos autores
na área. Dado o caráter desta publicação, o enfoque central foi pertinente ao
controle da transmissão vetorial e ao programa antitriatomínico levado a cabo
na área entre 1980 e 1999. Não obstante, dados e observações sobre a
transmissão transfusional e algumas questões de morbi-mortalidade foram
apensadas ao texto para uma melhor avaliação do peso médico e social da doença
de Chagas nessa importante e preocupante região brasileira.
Material e métodos
O Nordeste é uma região importante no Brasil, apresentando, no censo de 1991,
uma população total de 42.497.540 habitantes (28,94% da população brasileira).
Tem uma área 1.561.178 km2 (18,27% da área do país) e corresponde a nove
estados, fazendo limite com as Regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil
(Figura_1). A Tabela_1 explicita a área e a população por Unidade da Federação
(UF), com as respectivas densidades populacionais. De modo geral, o crescimento
da população nordestina tem sido menor que o da população brasileira como um
todo, representando 35% dela em 1940, 30,18% em 1970 e 28, 50% em 1996 (Tabelas
1 e 2). É também uma região de pequenas densidades populacionais, especialmente
nas áreas rurais, apresentando, em 1996, uma densidade regional de 27,2 hab/
km2, maior que a do Brasil, de modo geral (18,49 hab/km2, incluída a Amazônia);
Piauí e Maranhão mostram as menores densidades populacionais da região (10,2
hab/km2 e 14,8 hab/km2), sendo mais densos Alagoas e Sergipe (Tabela_1).
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O Nordeste é também uma das regiões mais pobres do País, ainda muito ruralizada
e apresentando, no Brasil, os maiores índices de habitações humanas de baixa
qualidade e muito próprias como abrigo de triatomíneos. Em paralelo, é uma
região que historicamente apresenta os mais altos níveis de emigração do
Brasil, especialmente em direção ao Sudeste e ao Norte (Coura, 1984; Alencar,
1987). Na Tabela_2, observam-se as evoluções da população total e rural do
Nordeste como um todo e por estado, verificando-se que naquela região o
processo de crescimento populacional e os índices de urbanização foram
progressivos desde 1940. Nota-se que um terço da população nordestina ainda
vivia em zona rural em 1996, sendo maiores as taxas para o Maranhão e o Piauí,
e a menor em Pernambuco (essa última ainda significativamente maior que a do
País como um todo).
Quanto à endemia chagásica, no inquérito nacional de 1978-1980, o Nordeste
apresentou uma prevalência geral de 3,05% da infecção chagásica (Brasil =
4,40%), com índices significativos de DCH nos Estados da Bahia, Sergipe,
Alagoas e Piauí (Fiusa-Lima & Silveira, 1984). Para o atual trabalho,
basicamente, compulsaram-se os dados secundários disponíveis na Gerência
Técnica de Doença de Chagas, do Centro Nacional de Epidemiologia/Fundação
Nacional de Saúde CENEPI/FNS, em Brasília, seguindo um roteiro de avaliação
atual (1997-1999) e prévio (linha de base em 1980-1982, quando o PCDCh foi
priorizado no Ministério da Saúde). O enfoque básico foi, naturalmente, o
conjunto de dados entomológicos e de controle, sintetizados em tabelas
comparativas por estado e por época. Igualmente, dados oficiais da Coordenação
de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde (COSAH) foram incorporados à
análise. Dados disponíveis ou pesquisados sobre a transmissão da doença e seu
impacto de morbi-mortalidade foram acrescentados ao texto, para relativizar o
panorama entomológico. A metodologia de pesquisa e os indicadores triatomínico-
tripanossômicos e operacionais utilizados são aqueles tradicionais da FNS,
referendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (SUCAM, 1980; WHO, 1991).
A determinação seletiva da importância das espécies foi determinada conforme os
critérios de Silveira et al. (1984b). Complementarmente, supervisões e visitas
de campo efetuadas em 1999 por dois dos autores foram de muita ajuda para
verificar dados locais e colher impressões diretas sobre o desempenho do PCDCh
e a evolução da endemia chagásica na área. Uma série de trabalhos pioneiros
sobre a doença de Chagas no Nordeste foram consultados, sendo os principais
referidos na bibliografia deste texto, o mesmo ocorrendo para alguns aspectos
clínicos e de morbi-mortalidade. Com o intuito de homogeneizar-se o material,
sempre que possível, foram trabalhados os dados por estado, em tabelas
comparativas com a situação do Brasil e de suas macrorregiões, utilizando-se os
índices preconizados pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1991).
Antecedentes mais remotos
A primeira referência à existência da endemia no Nordeste deve-se a Carlos
Chagas, numa entrevista em 1911, quando a relata "no sul da Bahia",
além de presente em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e, talvez, São Paulo (A
Imprensa, 1911). A seguir, a DCH foi detectada no Nordeste, especialmente a
partir do relato de triatomíneos domiciliados em vastas extensões da Bahia, de
Pernambuco, de Sergipe e do Ceará (Pirajá-da-Silva, 1913; Lutz & Machado,
1915; Lucena, 1952; Alencar, 1987; Carcavallo et al., 1997; Dias &
Schofield, 1998, entre outros).
Em 1911, Arthur Neiva (Neiva, 1911) descreveu o Triatoma brasiliensis, espécie
nova do Ceará, referindo-se que daquele estado, em 1859 e 1870, Stal recebera e
descrevera Rhodnius nasutus. Não obstante, certamente, a doença humana já
ocorria endemicamente na região há pelo menos um século antes de Chagas, a
julgar por evidências clínicas e históricas. O marcador mais concreto da
presença da infecção humana em várias áreas é o megaesôfago endêmico, afecção
prevalente em vastas áreas brasileiras onde ocorre a transmissão da
esquizotripanose. A etiologia chagásica desse agravo, bastante conhecido no
Brasil desde o século passado, só foi suspeitada alguns anos depois da
descoberta de Chagas, por Ulysses Paranhos, em 1913, e pelo próprio Carlos
Chagas (Chagas, 1916), sendo a comprovação inequívoca somente realizada quatro
décadas mais tarde (Rezende, 1998).
Na sua revisão, Rezende (1998) aponta referências feitas por Spix e Martius,
entre 1820 e 1823, ao "mal de engasgo", endêmico na região de Oeiras,
Piauí. Também uma expedição de Neiva e Machado (Neiva & Pena, 1916)
assinala e descreve centenas de casos de mal de engasgo na Bahia, Pernambuco e
Goiás, também reportando, nessas regiões, casos de "avexame", que
Chagas, Dias e outros atribuíram à cardiopatia esquizotripanósica (Chagas,
1930; Dias et al., 1945). No Ceará, em 1921, Gavião Gonzaga verificou
triatomíneos infectados no Cariri e em Quixadá, sendo diagnosticados os
primeiros casos humanos, por xenodiagnóstico, somente em 1942 (Alencar, 1987).
Muitos destaques históricos pertinentes à doença de Chagas no Nordeste,
especialmente a partir dos anos 50, advêm de pesquisas sucessivas e importantes
de eminentes cientistas como Durval Lucena, Ruy João Marques, Joaquim Eduardo
Alencar, Emmanuel Dias, J. Rodrigues Coura, Aluísio Prata, Vanise Macedo,
Zilton e Sônia Andrade, Ítalo Scherlock e outros. Assinalam-se, ainda, três
fatos muito relevantes da história contemporânea da DCH e de seu controle,
marcados pelo Nordeste do Brasil: a) O programa atual de controle da DCH no
Brasil foi inaugurado pelo Ministro Waldir Arcoverde, no Piauí, em 1982; b) O
modelo de controle da DCH transfusional e de outras moléstias veiculadas por
hemoterapia foi gestado e implantado de modo pioneiro em Pernambuco, pelo
HEMOPE Hemocentro de Pernambuco (Dr. Luís Gonzaga dos Santos) na década de
60; c) Dentre os primeiros serviços regulares de atenção médica ao chagásico,
sobressaiu-se o modelar ambulatório do Hospital Oswaldo Cruz, em Recife (Dr.
Wilson Oliveira Jr. e colaboradores), em 1987.
Também, muito particular e notório é o fato de que o Triatoma infestans,
introduzido na região por transporte passivo após 1950, dispersou-se
rapidamente por vários Estados até, aproximadamente, 1983, sendo registrado em
todos os Estados nordestinos, menos no Ceará e no Rio Grande do Norte. Foi,
então, duramente combatido pela SUCAM/FNS (Superintendência de Campanhas de
Saúde Pública/Fundação Nacional de Saúde), combate esse definitivamente
priorizado pela Iniciativa do Cone Sul, em 1992.
Com isso, hoje houve uma drástica redução dos focos, com eliminação da espécie
em vários municípios e, mesmo, estados (Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Sergipe,
Alagoas e Piauí), permanecendo ainda hoje um foco significativo na Bahia.
Finalmente, em termos do controle do triatomismo domiciliário, o Nordeste é, no
País, a região endêmica com maiores problemas presentes e futuros, por ser o
centro de dispersão e maior concentração de Triatoma brasiliensis, o
"barbeiro" atualmente mais preocupante e mais difícil de controlar em
todo o País (Alencar, 1987; Dias & Coura, 1997; Silveira & Vinhaes,
1998).
Resultados
Entomologia_e_controle
Já foram identificadas no Nordeste do Brasil cerca de 27 espécies ou
subespécies de triatomíneos transmissores do Trypanosoma cruzi, correspondendo
a mais da metade daquelas detectadas no Brasil (Carcavallo et al., 1997). Na
Tabela_3, discriminam-se as espécies por Unidade da Federação do NE,
verificando-se que há grande diversidade de gêneros e espécies em várias UFs e
que a dispersão por espécie também varia.
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Chama a atenção, especialmente, a grande dispersão de Panstrongylus megistus,
T. brasiliensis, T. pseudomaculatae, mesmo, T. infestans. O T. brasiliensis eo
T. pseudomaculata são espécies nativas, com epicentro de dispersão no Nordeste
(Forattini, 1980). O gênero Rhodnius se espraia mais pelo norte da região,
sendo R. nasutus o mais disperso e Rhodnius neglectuso mais meridional.
Rhodnius pictipes, Rhodnius robustus eRhodnius brethesisão as espécies mais
setentrionais na região, sendo o Maranhão o estado nordestino com mais espécies
desse gênero, certamente, por sua condição de proximidade com a Amazônia, onde
abundam os Rhodnius (Schofield, 1994; Carcavallo et al., 1997). Nenhuma espécie
desse gênero é exclusiva da parte sul do Nordeste. Ao contrário, ao norte, são
exclusivos os achados de R. brethesi, R. pictipes e R. robustus. A Bahia, o
estado nordestino mais meridional, é o que apresenta maior variedade de
espécies, concentrando particularmente os gêneros Triatoma e Panstrongylus,
enquanto que o Maranhão, no extremo norte da região, é o segundo estado em
número de espécies detectadas. Na mesma linha, a Bahia parece ser o limite
setentrional de espécies como Panstrongylus diasi, Triatoma lentie Triatoma
vitticeps, talvez, Cavernicola pilosa e Parabelminus yurupucu, enquanto
Eratyrus mucronatus e Panstrongylus lignariussó foram detectados no Maranhão
(Tabela_3). Há que se notar, ainda, que existem referências isoladas de achados
de mais duas espécies, além daquelas listadas na Tabela_3: o Rhodnius prolixus
foi assinalado no Ceará (Neiva, 1911; Pinto, 1925) e o Triatoma rubrovaria na
Bahia (Pinto, 1925; Neiva & Lent, 1941). Ambas não constam na Tabela_3 por
tratarem-se de menções muito esporádicas e por ter, particularmente, o R.
prolixus, na época, restrições à sua classificação, segundo o próprio Neiva
(1911). Das 11 espécies registradas do gênero Triatoma no Nordeste, todas são
assinaladas ao sul da região (Bahia), onde o gênero predomina, sendo que
nenhuma é exclusiva do norte nordestino. O T. brasiliensis e o T.
pseudomaculata se dispersam a partir do Nordeste e têm sido detectados em todos
os estados. As duas se constituem na maior preocupação do PCDCh na região, por
sua dispersão e dificuldades ao controle. No seu conjunto, o quadro conforma
uma imagem em espelho para o gênero Rhodnius, predominante setentrionalmente no
Nordeste, e Triatoma,ao sul da região (Tabela_3). Do gênero Panstrongylus são
detectadas espécies ao norte e ao sul, estando mais dispersos Panstrongylus
megistus e Panstrongylus lutzi.
Em termos de importância para a saúde pública, considerando-se seletivamente as
taxas de dispersão, infestação predial, colonização do intradomicílio, infecção
natural pelo T. cruzi, antropofilia e número total de capturas, as espécies
triatomínicas responsáveis pela ocorrência da DCH no Nordeste têm sido
basicamente T. brasiliensis, P. megistus, T. infestans, T. pseudomaculata e
ainda, provavelmente, R. nasutus e T. sordida(Neiva & Lent, 1941; Castro
Filho & Silveira, 1984; Silveira et al., 1984a; Alencar, 1987).
Discriminando-se cronologicamente, apresentam-se três cenários históricos do
triatomismo no NE, a saber: 1) até a década 50, antes da chegada de T.
infestansà região, é provável que o grosso da transmissão da DCH no Nordeste
ocorreu basicamente por meio de P. megistuseT. brasiliensis, em suas áreas
próprias de ocorrência; 2) entre a década de 50 e fim da década de 80, T.
infestans invadiu a região e certamente somou-se às anteriores em importância,
especialmente nos Estados da Bahia, Pernambuco, Paraíba e sul do Piauí; 3) a
partir de 1990, T. infestans perde a importância em toda a região, remanescendo
basicamente um foco relevante, na Bahia, à margem esquerda do Rio São
Francisco. Também P. megistus diminui suas densidades em praticamente todo o
Nordeste, restando como espécie mais importante o T. brasiliensis. Ao longo dos
últimos lustros, lenta e progressivamente, T. pseudomaculata vem se instalando
nos ecótopos artificiais, alcançando algum grau de antropofilia e aumentando
suas taxas de colonização em vários estados, tornando-se, assim, uma espécie em
relativa ascensão, merecedora de estudo e acompanhamento. As demais espécies
assinaladas, todas encontráveis em ecótopos naturais, não têm apresentado
tendência forte à domiciliação, nos últimos vinte ou trinta anos, carecendo até
aqui de importância epidemiológica quanto à transmissão da DCH. A Tabela_4
explicita parte dessa história, mostrando a freqüência relativa das principais
espécies (incluindo T. sordida) entre 1977 e 1997, complementando-se para a
década atual as ocorrências entre 1992 e 1997, na Tabela_5.
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De modo geral, observa-se que realmente foram T. brasiliensis e P. megistus as
espécies mais presentes no contexto do passado, ressaltando-se a progressiva
domiciliação de T. pseudomaculata em vários estados, mormente em Pernambuco e
Ceará. T. infestans apresenta uma história particular de introdução regional,
sendo espécie dominante apenas na Bahia, durante algum tempo, estando, hoje, em
vias de eliminação. Os dados da FNS mostram que ao final dos anos 80 havia sido
assinalada a espécie em 120 municípios de quatro Estados nordestinos, sendo 95
na Bahia, 15 em Pernambuco, seis no Piauí e quatro na Paraíba. Com sua
priorização no PCDCh, já em 1994, estava restrita a 48 municípios (60% de
redução) e, em 1996, restavam 25 municípios infestados (79,2% de redução),
correspondendo a vinte municípios na Bahia, três em Pernambuco e dois no Piauí.
Em 1999, ampla revisão demonstrou a eliminação da espécie também em Pernambuco
e no Piauí, segundo as regionais da FNS.
Para P. megistus, em termos gerais, os dados recentes mostram uma grande
redução em todas as áreas investigadas, remanescendo apenas focos em Pernambuco
e Alagoas (onde dominava), correspondendo apenas a 1% dos triatomíneos
capturados no Nordeste em 1997 (Tabela_6). Acha-se virtualmente eliminado de
Sergipe e Rio Grande do Norte, com resíduos mínimos ocorrendo no Ceará, na
Bahia, no Piauí, no Ceará, na Paraíba, no Maranhão e no Piauí. Grosseiramente,
as capturas desta espécie caíram em todos os estados nordestinos entre 1979 e
1997, mantendo-se cerca de zero no Rio Grande do Norte.
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Ao contrário, as capturas de T. brasiliensiseT. pseudomaculataaumentaram
proporcionalmente do inquérito de 1979 para os dados de 1997, especialmente a
última, assim como o se verifica para outras espécies (Tabelas_5 e 7). Para T.
brasiliensise T. pseudomaculata, na corrente década, observa-se uma certa
alternância de predomínio em alguns Estados, em diferentes momentos, ainda que
o número de insetos capturados tenda concretamente a decair nas áreas
trabalhadas de maneira contínua pela FNS (Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e
Sergipe), ainda que uma certa tendência à ascensão tenha se registrado na Bahia
e em Pernambuco. É particularmente importante uma avaliação da FNS/Ceará, que
acompanhou minuciosamente a evolução dos índices de infestação e infecção
natural de T. brasiliensis em Quixerê, Ceará, mantida a regularidade do
controle químico na área: de 1979 a 1994, a infestação predial reduziu-se de
18% para 4%; a densidade de insetos por vivenda examinada desceu de 1,37 para
0,16 e a taxa de infecção natural de 13,2% para 0,4% no mesmo período. Isso
mostra que a espécie responde ao controle quando este mantém a necessária
continuidade, mesmo em se tratando de uma espécie ubiqüista e com grande
presença no ambiente silvestre peridomiciliar.
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Nos dados disponíveis para 1998, já se divisa a enorme redução de T. infestans
e P. megistus em paralelo com baixa densidade de triatomíneos por casa
investigada no Nordeste, em volta de 0,18 inseto por casa pesquisada.
Excluindo-se o Rio Grande do Norte (com baixíssimo número de unidades
pesquisadas em 1998, as maiores densidades ocorreram no Ceará (0,22 inseto/
unidade investigada) e Bahia (0,20), sendo as menores densidades registradas em
Sergipe e Maranhão (0,03) e em Alagoas (0,04) (Tabela_7).
ParaT. sordida, o quadro mostra o inseto basicamente na Bahia, também
aparecendo em outros Estados, sem aparentar domiciliação importante em nenhum
deles (Tabela_5).
Registra-se, ainda, que os índices de capturas intradomiciliares no Nordeste
são discretos, segundo a FNS, exceção feita ao T. infestans na Bahia, ao T.
rubrofasciata no Maranhão (praticamente restritas a São Luís) e a algumas áreas
de T. brasiliensis no Ceará e no Piauí. Via de regra, entre cerca de 60% e 80%
das capturas nos últimos anos têm sido peridomiciliares. Já para T.
pseudomaculata e T. sordida, essa proporção é ainda maior, correspondendo a 95%
ou mais, segundo a Coordenação de Controle de Vetores/Centro Nacional de
Epidemiologia/Fundação Nacional de Saúde/Brasília (CCDTV/CENEPI/FNS).
No conjunto, a dispersão dos triatomíneos capturados pela FNS ainda apresenta
níveis médio-altos, chegando a quase 29% em 1997, consideradas as informações
de 249 municípios de quatro Estados. No todo, a infestação predial foi
relativamente baixa (4,44%) nas 579.956 unidades domiciliares pesquisadas. No
Ceará, com o PCDCh mais atuante e concentrado em áreas de maior endemicidade, a
dispersão alcançou 63,82% e a infestação domiciliar 8,84% (Tabela_8).
<formula/>
No tocante às taxas de infecção natural pelo T. cruzi,há grande variação por
espécie, época e local de captura, no geral sendo mais altas no passado, para
P. megistus e T. infestans, com um nível intermédio para T. brasiliensis e
taxas significativamente menores para T. pseudomaculata e T. sordida. Assim,
olhando-se como um todo, a taxa de infecção natural de 266.906 triatomíneos
examinados no Nordeste entre 1975 e 1982 foi de 3,37%, contra 1,47% entre
78.841 examinados em 1997/98, conforme a CCDTV/ FNS. A Tabela_9 explicita esses
dados para os Estados nordestinos com maior volume de capturas, mostrando ainda
a evolução das taxas de infecção natural dos principais triatomíneos capturados
na Bahia, Pernambuco e Ceará, os estados com PCDCh mais atuante nos últimos
anos. Observa-se uma redução da positividade natural dos triatomíneos
capturados pela FNS com relação aos dados de 1978-1980, tanto no total da
região como nos três principais Estados analisados na Tabela_8.
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Na Tabela_10, relativa ao ano de 1996, observa-se a variação das taxas de
infecção natural entre os Estados do Nordeste e entre as grandes regiões do
Brasil, como um todo, conforme os dados da FNS, ressaltando-se a maior
proporção de capturas no Nordeste e seu índice global de infecção natural mais
alto que o do País, apenas inferior ao da Região Sul. Nota-se que o discrepante
índice de 35,81% no Maranhão corresponde basicamente a T. rubrofasciata. Em
particular, os dados para T. brasiliensis, T. pseudomaculataeT. infestans são
mostrados na Tabela_11 para 1997, indicando maior positividade para T.
infestansem comparação às outras duas, além da franca tendência à redução da
positividade desses triatomíneos em relação ao inquérito realizado entre 1975 e
1983. Relativamente ao T. infestans, cujas capturas no Nordeste corresponderam
a 64% das capturas do país em 1997, sua taxa de infecção natural naquele ano
foi menor no Nordeste (2,17%) que para o Brasil (2,90%) É de se registrar ainda
que essa taxa no País decresceu progressivamente de 8,7% em 1979 para 3,41 em
1993, 2,16% em 1995 e 3,78 em 1996, finalmente alcançando os 2,90% em 1997
(dados da Gerência Técnica de Chagas, FNS, Brasília).
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Com relação ao grau de cobertura do PCDCh na região nordestina, de modo geral,
tem havido, como no resto do País, uma evidente redução da força do programa,
mercê de uma progressiva diminuição da força de trabalho na FNS, em particular
ao longo da década de 90. A Tabela_12 explicita o número de unidades
domiciliares pesquisadas pela FNS em cada estado e na região, entre 1993 e
1997, observando-se a redução global do trabalho e sua relativa estabilidade em
alguns estados, como a Bahia (onde a prioridade tem sido mantida, a duras
penas, no combate ao T. infestans). No entanto, de modo geral, a atividade tem
decrescido, sendo mais sacrificadas aquelas áreas passadas à vigilância
epidemiológica, segundo os informes dos estados à Gerência de Doença de Chagas
da FNS em Brasília.
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Um outro aspecto importante no Nordeste refere-se à detecção de focos
periurbanos de triatomíneos, em várias cidades do Ceará (Crateús, Sobral,
Independência), do Piauí (Picos, São Raimundo Nonato), de Pernambuco (Sertânia,
Floresta), na Bahia (Bom Jesus da Lapa, Barreiras), etc., geralmente nas
periferias urbanas, priorizando os peridomicílios e apresentando baixas
densidades de infestação.
Infecção_humana
No inquérito nacional de 1978-1980, a então SUCAM detectou 3,05% de prevalência
da infecção chagásica na população geral rural do Nordeste, sendo as maiores
cifras para a Bahia (7,40%) e as menores para o Maranhão (0,20%). Com o avanço
do PCDCh, um inquérito sorológico entre 122.027 escolares do Nordeste mostrou
uma prevalência de apenas 0,08% da esquizotripanose, sem dúvida, espelhando
significativa redução em relação aos dados de vinte anos passados (Tabela_13).
Em particular, uma visão atual da curva de prevalência por grupos de idade foi
dada por Diotaiuti et al. (1998), ao analisar 2.450 pessoas da população geral
de Independência, Ceará, área de infestação ainda importante por T.
brasiliensis e T. pseudomaculata. Da prevalência geral de 5,7% de infecção
chagásica, apenas 0,8% ocorre nos indivíduos menores de dez anos, crescendo a
prevalência até a faixa dos cinqüenta anos ou mais, com 12,6% (Tabela_14). De
forma similar, uma tendência à evolução regressiva nos índices de doadores
chagásicos nos bancos de sangue nordestinos reforçam o dados acima, conforme a
Tabela_15, de espelhando uma tendência geral do País (Dias & Schofield,
1998).
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<formula/>
<formula/>
Morbidade_e_mortalidade
Como sabido, na região nordestina, ocorrem todas as principais formas clínicas
da DCH, especialmente a cardiopatia e a esofagopatia crônicas, aparentemente
com variações regionais de impacto médico-social. De maneira sumária e com as
devidas restrições, o histórico do Departamento de Informática do SUS
DATASUS/MS (Tabela_16) mostra a evolução numérica das internações anuais por
DCH nos estados nordestinos e no Brasil, apresentando-se uma tendência
regressiva e maior impacto em estados como a Bahia e Alagoas. No entanto, os
mesmos dados mostram que, no Nordeste, registraram-se apenas 4,40% das
internações por DCH do país, apresentando uma taxa de internação de apenas
0,063/100.000 habitantes, em comparação à de 5,763/100.000 habitantes do
Brasil, no ano de 1997. Já em termos do registro de mortalidade, igualmente,
dados de 1997 refletem um menor impacto aparente no Nordeste (1,82 óbitos/DCH/
100.000 habitantes) em relação a 3,38/100.000 para o Brasil. A Tabela_17
explicita esses dados por estados nordestinos apontando, grosso modo, maior
impacto aparente também para a Bahia (índice de 4,26 óbitos por DCH/100.000
habitantes) e os menores para Sergipe e Maranhão, próximos a zero.
<formula/>
<formula/>
É importante notar que, apesar de ser, atualmente, a região com maior número de
capturas de triatomíneos no Brasil, o Nordeste registra apenas 0,37% de seus
óbitos por DCH, o que equivale a somente 14,27% das mortes registradas pela
doença no País. Para cotejar os dados de mortalidade e da assistência médica,
em geral, a mesma tabela mostra que o Nordeste registra 23,11% das mortes por
doenças infecciosas e parasitárias do país, apenas 14,05% das mortes por
neoplasias e, praticamente, a metade dos óbitos ocorre sem assistência médica.
Discussão
No Nordeste, o grande número de espécies chama a atenção, indicando diversidade
ambiental e ação antrópica. Nessa parte do País, estão assinaladas diferentes
regiões fisiográficas que comportam espécies bem diferentes entre si, assim
como floresta tropical e subtropical (albergando T. sordida, T. vitticeps, P.
diasi, P. lutzi, P. megistus), savanas (cerrados e caatingas, albergando P.
tertius, T. infestans, T. rubrofasciata, T. sordida), florestas secas,
tropicais e subtropicais (albergando P. tertius, T. costalimai, T.
pseudomaculata, T. sordida, P. megistuse P. geniculatus) e florestas
xerofíticas (com T. brasiliensis, T. costalimai, T. infestans, T. sordida, P.
diasie P. geniculatus) (Forattini, 1980; Schofield, 1994; Carcavallo et al.,
1997).
As 27 (ou 29) espécies assinaladas no Nordeste correspondem a mais de 50% das
registradas no Brasil, seja nas capturas intradomiciliares da SUCAM/FNS, seja
nos trabalhos de pesquisa acadêmica (Lent & Wigodzinsky, 1979; Carcavallo
et al., 1997; Silveira & Vinhaes, 1998). Há que se considerar, nesses
dados, que a imensa maioria dos insetos procede da SUCAM/FNS, correspondendo,
portanto, a capturas e/ou notificações de âmbito domiciliar (intra ou
peridomicílio).
Sobre a detecção eventual de R. prolixusna região, a identificação exata da
espécie nunca ficou bem definida, cabendo ao próprio Neiva (1944) advertir que
o assunto deveria ficar em suspenso, pois a sistemática do gênero era
complicada e as possibilidades de confusão com outras espécies (notadamente R.
nasutus) era concreta. Não obstante, R. prolixus foi detectado posteriormente
em peridomicílios e palmeiras de Tocantins (Diotaiuti et al., 1984), assim como
assinalado por Carcavallo & Tonn (1984) nos Estados do Amazonas e do Pará,
sendo perfeitamente possível, portanto, que a espécie já tenha aparecido ou
venha a aparecer no Nordeste, em princípio em focos de palmeiras.
Já para o T. rubrovariana Bahia, o registro é único e esporádico, com certeza,
em virtude do transporte passivo de algum exemplar proveniente de migrações
gaúchas, como, de regra, se registra para Rondônia, não significando sequer a
introdução da espécie, muito menos sua colonização. As diferenças fundamentais
de comportamento e distribuição das espécies de triatomíneos no Nordeste
brasileiro se explicam pela ecologia de cada microregião, pelo tipo e
intensidade da ação antrópica e pela capacidade de domiciliação e colonização
de cada espécie, o que resulta, finalmente, na definição de sua importância
epidemiológica em relação à DCH.
Assim, embora com um número elevado de espécies registrado ao longo da
história, aquelas mais importantes do Nordeste são, na prática, muito poucas,
restringindo-se ao T. brasiliensis, P. megistuse T. infestans (espécies
básicas), sendo imediatamente secundárias T. pseudomaculataeR. nasutus.T.
sordida é uma espécie muito capturada na Bahia, mas sempre em situações
peridomiciliares e com taxas de infecção natural que nunca excedem 0,8%, sem
tendência aparente a subir, nos últimos vinte anos (Silveira & Vinhaes,
1998). Aliás, mesmo se mantendo há anos como a espécie mais capturada pelo
PCDCh no Brasil, T. sordida segue tendo características de pouca periculosidade
quanto à transmissão da DCH, tanto por seu comportamento basicamente
peridomiciliar como por sua marcada ornitofilia e baixos índices de infecção
natural pelo T. cruzi. Tem-se visto que, nas regiões onde predomina essa
espécie, os índices de prevalência da infecção chagásica entre humanos é mínima
ou ausente, fato verificável na Bahia, Goiás, Minas Gerais e São Paulo
(Diotaiuti et al., 1993; Rocha-e-Silva et al., 1998; Silveira & Vinhaes,
1998).
Das três espécies básicas, a T. brasiliensisé muito mais dispersa e abundante,
justamente por suas características de espécie euritrópica, pouco higrófila e
capaz de suportar temperaturas muito elevadas, portanto, aclimatada à grande
extensão das terras nordestinas (Alencar, 1987). P. megistus, ao contrário,
espécie estenotópica, higrófila e estenotérmica, restringe-se a microregiões e
microambientes umbrosos e mais úmidos, mais raros e esparsos no Nordeste (mais
ligados às zonas de mata, de onde se faz sua dispersão para ecótopos
artificiais, havendo indícios de ter sido introduzida na região há muitas
décadas (Forattini, 1980; Pirajá-da-Silva, 1913). A evolução de P. megistusno
Nordeste é aquela esperada para espécies introduzidas, basicamente domésticas
e/ou restritas a ambientes em progressiva deterioração (ecótopos umbrosos e
úmidos, em progressiva devastação no NE), refletindo ainda, como T. infestans,
a intensidade e a cobertura do programa de controle (Forattini, 1980; Alencar,
1987; Schofield & Dias, 1998). Assim, P. megistus está virtualmente
desaparecendo do Nordeste brasileiro, haja vista a sua drástica redução
absoluta e relativa em Estados onde já foi importante transmissora da DCH, como
Bahia, Alagoas, Pernambuco e Ceará, o que se aquilata pelos dados apresentados
e pelos registros da literatura (Castro Filho & Silveira, 1984; Alencar,
1987; Silveira & Vinhaes, 1998).
Um bom exemplo dessa eliminação foi documentado por Macedo (1976), que
trabalhou em São Felipe, Bahia, onde P. megistus era abundante e infestava
cerca de 23% das 2.522 casas pesquisadas, basicamente no intradomicilio,
correspondendo a uma prevalência de 45% de doença de Chagas na população geral.
Deflagrado o controle químico, pela então SUCAM, em 1985, já se reduzia a
infestação a 9,3%, com uma prevalência de 2,8% de DCH entre escolares.
Atualmente, conforme a FNS/Bahia, a infestação em São Felipe é ausente, e a
sorologia escolar apresenta-se totalmente negativa, atestando-se o sucesso do
controle realizado.
Por seu turno, T. infestans foi uma espécie introduzida, que chegou
passivamente ao Nordeste por volta dos anos 50 e se dispersou com grande
rapidez e intensidade entre casarios pobres a partir do sul, via Bahia, onde os
maiores focos foram e continuam sendo detectados nos últimos vinte anos (Castro
Filho & Silveira, 1984; Silveira et al., 1984; Schofield & Dias, 1998).
Dado o seu peso epidemiológico, a relevância de T. infestansfoi muito grande em
vários Estados, mas seu combate intensificado desde os anos 80 resultou em
sua virtual eliminação em vastas áreas, como se esperaria de uma espécie
introduzida e exclusivamente domiciliar. A espécie está virtualmente eliminada
do Nordeste, exceção aos focos do oeste da Bahia. Mesmo ali, os dados
disponíveis na FNS indicam que as capturas estão se confinando e restringindo a
duas dezenas de municípios, refletindo focos residuais que poderão se extinguir
a curto ou médio prazo, se as ações de controle tiverem a necessária cobertura
e continuidade (Schofield & Dias, 1998; Silveira & Vinhaes, 1998). Ao
revés, e considerando-se o contexto presente, as possibilidades de um
recrudescimento do T. infestansna região existem e fazem pressupor acurada
vigilância epidemiológica, tendo em vista não somente o seu poder de dispersão
a partir de focos residuais como também, especialmente, a manutenção da pobreza
regional e o previsível desmonte da Fundação Nacional de Saúde no País, sem a
devida absorção de suas atividades por Estados e municípios (Dias, 1991; Dias
& Coura, 1997; Schofield & Dias, 1998).
No tocante aos índices de infecção natural dos triatomíneos capturados na
região pelo T. cruzi, observa-se uma importante diversidade por espécie de
triatomíneo e uma tendência à sua redução paulatina ao longo dos últimos vinte
anos e em paralelo com a progressão do PCDCh, principalmente de T. infestans..
Esses fatos correspondem, em geral, ao potencial vetorial e comportamento das
espécies, de um lado, e à dinâmica de transmissão do parasito, de outro,
lembrando-se da clássica assertiva de Emmanuel Dias, de que representa este
índice um verdadeiro "xenodiagnóstico natural" para uma determinada
área num momento específico (Dias, 1936). Assim, pode-se estimar que a
circulação do parasito no âmbito domiciliar do Nordeste, onde são capturados os
triatomíneos pela FNS, tem paulatinamente se reduzido, conseqüentemente se
reduzindo, também, os riscos de transmissão vetorial do T. cruziao homem
(Alencar, 1987; Dias & Coura, 1997; Schofield & Dias, 1998).
O potencial vetorial dos triatomíneos em termos da transmissão da DCH depende
de vários fatores, sendo principais o grau de domiciliação e colonização, o
grau de antropofilia e os índices de infecção natural pelo T. cruzi(Neiva &
Lent, 1941; Forattini, 1980; Alencar, 1987; Schofield, 1994; Silveira &
Rezende, 1994; Dias & Coura, 1997). Como bom exemplo, Alencar (1987) anota
um gradiente desses fatores comparando P. megistus, T. brasiliensise T.
pseudomaculata de microregiões homogêneas do Ceará, encontrando maior
prevalência da DCH para a área de P. megistus (mais domiciliado, maior
antropofilia e 10,3% de infecção natural), prevalência um pouco menor para
áreas dominadas por T. brasiliensis(menor colonização intradomiciliar e menor
antropofilia, infecção natural de 13,7%) e prevalência mínima na área de T.
pseudomaculata (antropofilia e colonização intradomiciliar mínimas, infecção
natural de 3,0%). Dados semelhantes, para outras espécies, se encontram em
outras regiões, como na América Central, onde a prevalência da DCH é
significativamente maior nas áreas de R. prolixus(exclusivamente
intradomiciliar, mais antropofílico e mais parasitado) que nas de T. dimidiata
(intra ou peridomiciliar, menos antropofílico, menor infecção natural)
(Schofield, 1994). A alternância histórica de espécies dominantes (Tabela_5)
por Estado mostra um panorama dinâmico, com predominância de T. brasiliensis e
T. pseudomaculata, em função das microregiões trabalhadas, assim como da ação
antrópica ali ocorrida e da intensidade e continuidade do trabalho profilático
realizado. Isso já fora assinalado por Alencar (1987), por Dias (1991) e por
Forattini (1980), o que ratifica ainda mais a necessidade de vigilância (Dias,
1991).
Em particular, no caso de regiões onde existia em grande intensidade e foi
combatido o T. infestans (no Nordeste, basicamente na Bahia) sua virtual
eliminação vem dando margem ao aparecimento de outras espécies como T. sordida,
como vem acontecendo no Sudeste (aumento relativo de P. megistuse T. sordida)
ou no Sul do Brasil, com sua substituição por T. rubrovaria(Dias, 1991; Rocha-
e-Silva et al., 1998, Schofield, 1994).
Já sobre a capacidade operacional do PCDCh na região, lamentavelmente, não cabe
dúvida quanto à sua progressiva deterioração, o que compromete os resultados já
alcançados e, principalmente, a sustentabilidade da vigilância epidemiológica
(Dias, 1991, 1998; Schmunis & Dias, neste mesmo fascículo). Por sinal, é
preciso assinalar que a perda de fôlego da FNS quanto à luta antichagásica
ocorre, ainda, por causa de outro fator de complicação desde o final da década
passada, qual seja o crescimento da dengue e da cólera no Nordeste, resultando
em desvios de pessoal e outros recursos para essas campanhas emergenciais
(Dias, 1998; Silveira & Vinhaes, 1998).
Os estudos de afinidade genética e comportamental entre as espécies auxiliam a
compreender a distribuição das diferentes espécies na região, também podendo
indicar, grosso modo, as perspectivas gerais de cada espécie numa área
(Schofield, 1994; Dujardin et al., 1999). As pressões ecológicas e,
particularmente, a ação antrópica explicam as alternâncias de espécies na
região nordestina, ou mesmo a diversidade intra-específica que se observa há
tempos com o próprio T. brasiliensis(Costa, 1999). Assim, no Maranhão, Estado
com grande número de espécies detectadas, a DCH é a de menor importância na
região, havendo poucas probabilidades de que venha agravar-se a endemia
chagásica a curto ou médio prazo. Já na Bahia, caso não se eliminem
definitivamente os focos residuais de T. infestanse P. megistus domiciliado, em
paralelo com o funcionamento regular de vigilância epidemiológica, o risco de
recrudescimento da DCH é bastante real.
Por outro lado, se a tendência historicamente observada de que T. sordida não
representa maior perigo quanto à transmissão da doença de Chagas ao homem, esse
risco para T. pseudomaculata e, especialmente, T. brasiliensis no Nordeste é
mais palpável. Os dados indicam uma continuada e lenta expansão de T.
pseudomaculata na região, desde os anos 70, mas sempre com menor domiciliação
que T. brasiliensis, que tem mostrado padrões variáveis de infestação, até
mesmo de redução da infestação domiciliar em alguns Estados, o que se vê na
Tabela_7 e na literatura disponível (Castro Filho & Silveira, 1984;
Alencar, 1987; Silveira & Vinhaes, 1998). Essas duas espécies (com exceção
da área baiana onde remanesce T. infestans) representam o principal risco de
transmissão vetorial da DCH no Nordeste atualmente e apresentam problemas
práticos em seu controle. No conjunto, significam mais de 72% das capturas na
região, seguidas por T. sordida, cujas capturas praticamente se restringem à
Bahia (Tabela_6). De forma geral, seus focos são primordialmente
peridomiciliares, com maior potencial invasivo para T. brasiliensis.
É oportuno referir que, no Ceará, estudos de Alencar (1987), entre 1978 e 1985,
mostraram muito bem que o grau de antropofilia de T. pseudomaculataera de
apenas 0,2% (espécie nitidamente ornitofílica, 78,4%, praticamente restrita a
cercas e galinheiros), sendo de 4,6% para T. brasiliensis(ornitofilia de 69,8%,
predominando no peridomicílio, mas encontrável no intradomicílio) e de 44,4%
para P. megistus (ornitofilia de 53,9%, capturada em intra e peridomicílio).
Já em relação à T. rubrofasciata, espécie doméstica por excelência, o principal
foco remanesce na Ilha de São Luís, Maranhão, em densidades variáveis e com
alta infecção natural, não parecendo boa transmissora da DCH, haja vista a
ausência de infecção humana nas áreas de captura. Há dificuldades em seu
controle por tratar-se de área urbana muito dispersa e com ecótopos de alta
complexidade. No entanto, a espécie pode ser eliminada, se houver necessidade e
desejo político para tal (Schofield, 1994). O estudo do peridomicílio e da
dinâmica triatomínica no seu âmbito tem sido um desafio para os pesquisadores,
havendo neste mesmo suplemento um artigo que aborda o assunto (Oliveira-Lima et
al.). Na maioria das vezes, os ecótopos peridomiciliares mais adequados à
invasão e colonização dos triatomíneos são aqueles onde abrigo e alimento estão
disponíveis, sempre predominando os galinheiros na maioria dos trabalhos
disponíveis (Forattini, 1980; Alencar, 1987; Dias, 1991; Diotaiuti et al.,
1993).
O manejo desses focos é difícil pela discreta atividade dos inseticidas nos
mesmos e pela falta de prioridade à limpeza e higiene que lhes deveria dedicar
a pobre população campesina (Dias, 1991, 1998). Por outro lado, há regiões onde
a aridez é tanta e a disponibilidade de água e animais é tão escassa que os
peridomicílios ficam pobres e a densidade triatomínica é menor, como foi
verificado para focos peridomiciliares de T. sordida em Minas Gerais (Diotaiuti
et al., 1993).
No caso do Nordeste, se no Ceará o trabalho contínuo da FNS tem ajudado a
evitar a expansão de T. brasiliensis, no Piauí, onde a FNS praticamente só tem
fôlego para operar os poucos municípios onde ocorreu T. infestans, as baixas
prevalências da infecção humana em áreas de T. brasiliensise T. pseudomaculata
podem explicar-se pelo comportamento peridomiciliar e as densidades
relativamente menores dessas espécies nas áreas socialmente mais deprimidas.
Já sobre o potencial vetorial e de colonização das demais espécies detectadas
no nordeste, o acompanhamento dos dados e da literatura indicam baixa
periculosidade, exceção, talvez, de R. nasutus, que tem aparecido com certa
freqüência nos domicílios (Silveira & Vinhaes, 1998).
Quanto aos focos periurbanos, estes têm sido detectados há décadas e resultam
tanto da contínua migração ruralurbana na região como da pobreza e do aspecto
semi-rural dos bairros periféricos de muitas cidades nordestinas, a exemplo do
que ocorre em outros países, passando a constituir-se, progressivamente, em
preocupação médico-sanitária (Alencar, 1987; Dias, 1991; Schofield, 1994; Dias
& Coura, 1997).
Finalmente, quanto ao fôlego do PCDCh na região, os dados e informações indicam
que o progressivo esvaziamento da FNS, principalmente quanto à disponibilidade
de recursos humanos, tem se feito sentir numa diminuição flagrante de
cobertura, em particular ao longo da última década. Esse assunto é abordado em
outro artigo do presente fascículo (Schmunis & Dias) e na literatura (Dias,
1991, 1998; Schofield & Dias, 1998; Silveira & Vinhaes, 1998),
refletindo uma grande preocupação dos técnicos e analistas quanto à necessária
continuidade dos trabalhos que a região requer, para que não recrudesça a
endemia chagásica na região. Trata-se de uma questão basicamente política e
administrativa que envolve a descentralização e a tendência globalizante
moderna, que privilegia o modelo econômico no "enxugamento" do
Estado, conferindo responsabilidades e encargos às administrações locais e
periféricas que na maioria das vezes não estão capacitadas, motivadas ou
aparelhadas para fazê-lo (Dias, 1998).
Sobre a transmissão e a prevalência da DCH no Nordeste, os dados indicam uma
situação de transição, com tendência à redução na região como um todo (Tabela
13). Observa-se, também, como já evidenciado no inquérito nacional de 1980, que
a distribuição da DCH na região não é necessariamente linear e homogênea, mas
segue padrões de bolsões microregionais, num aspecto de mosaico, especialmente
definidos por elementos biológicos, ecológicos, climáticos e sociais
(Forattini, 1980; Fiusa-Lima & Silveira, 1984; Dias & Coura, 1997).
A sorologia entre crianças escolares mostra, de modo consistente, que nas
regiões trabalhadas a transmissão vetorial se encontra virtualmente
interrompida, restando alguns raríssimos infectados que podem simplesmente
espelhar transmissão congênita. Recentemente, essa hipótese ficou reforçada com
um levantamento da FNS/Bahia na região do Recôncavo, que encontrou apenas
quatro crianças soropositivas numa amostra de cerca de 12 mil examinadas, sendo
aquelas quatro interpretadas como casos congênitos (Vanize O. Macedo,
comunicação pessoal). A curva de prevalência por idades de Independência, Ceará
(Tabela_14) reflete transmissão mínima, num padrão de médio-baixa endemicidade,
característica de regiões endêmicas após controle vetorial, remanescendo
indivíduos soropositivos basicamente nas idades adultas (Dias & Coura,
1997). É relevante que a curva seja comparada também com dados antigos do
Ceará, onde Alencar (1987) detectou em cinco municípios prevalências entre 1,5%
e 2,1% para escolares e entre 7% e 19,4% para indivíduos acima de 29 anos.
Nesse importante trabalho, o autor verifica que os maiores índices da infecção
humana no nordeste se encontram nas áreas de predomínio de P. megistus e T.
infestans, sendo menores nas microregiões onde predomina T. brasiliensise muito
menores nas áreas de T. pseudomaculata (Alencar, 1987). Isso se confirma
razoavelmente pelo cotejamento das prevalências do inquérito nacional da SUCAM
com os levantamentos triatomínico-tripanosômicos da mesma instituição no
princípio dos anos 80, quando a maior prevalência do nordeste foi na Bahia, com
7,4% (predomínio de P. megistuseT. infestans), seguindo-se Alagoas, com 5,1%
(basicamente P. megistus) e Sergipe, com 4,6% (também P. megistus). Estados com
infestação exclusiva por T. brasiliensis e/ouT. pseudomaculata mostraram taxas
de prevalência significativamente menores, como Ceará (1,3%) e Rio Grande do
Norte (1,2%), aparecendo em graus intermediários Estados com infestação mista
(Piauí, Pernambuco e Paraíba), com taxas entre 3,1% e 2,1% (Fiusa-Lima &
Silveira, 1984; Silveira et al., 1984a).
As curvas de prevalência por idade também mostram que outras formas de
transmissão da DCH idade-dependentes, como a transfusional (maioria dos
doadores entre 18 e 50 anos) e a congênita (mulheres férteis entre os 15 e os
40 anos), sob o controle vetorial e com o tempo tendem a diminuir seu impacto
(Dias & Coura, 1997; Dias & Schofield, 1998).
Nos bancos de sangue nordestinos, um resíduo de infecção chagásica ainda
aparece, no seu total, mostrando-se uma prevalência semelhante ou inferior à
média brasileira (Tabela_15). A prevalência da DCH nos bancos de sangue tem se
mostrado bastante útil através dos tempos e regiões, como indicador da
endemicidade chagásica numa região ou período (Schmunis, 1997). É importante
assinalar que a hemoterapia no nordeste evoluiu significativamente em qualidade
e graus de cobertura, principalmente em alguns Estados, como Pernambuco, onde a
proporção de municípios que a praticavam era pouco mais de 52% em 1989 (Moraes-
Souza et al., 1994). Dados históricos desse Estado mostravam uma prevalência da
infecção chagásica entre 3,7% e 4,6% nos anos 70 (Dias, 1979), reduzida para
cifras em volta de 0,22% em 1988 e 0,14% em 1994, segundo a COSAH Coordenação
de Sangue e Hemoderivados/Ministério da Saúde. Esses dados indicam, de um lado,
uma tendência à redução da incidência da DCH nas populações mais jovens, mercê
do controle progressivo dos triatomíneos domiciliados. Por outro, significa
também um aperfeiçoamento no sistema hemoterápico e o paulatino afastamento de
doadores soropositivos (Dias & Coura, 1997; Schmunis, 1997).
Como exercício, considerando-se a ocorrência de 350.000 transfusões na região
em anos recentes, para uma prevalência da DCH de 0,36% entre doadores,
considerando-se a cobertura mínima de 80% para sorologia de descarte e o risco
máximo de 25% de transmissão do T. cruzi em sangue infectado e não descartado,
poder-se-ia esperar uma ocorrência entre 60 e 80 casos novos/ano (Dias, 1979;
Dias & Schofield, 1998; Schmunis, 1997).
Não há dados ou pesquisa de fôlego sobre a incidência da DCH congênita no
nordeste, mas, a se julgar pelo restante do País e pelos dados de sorologia em
baixa idade já disponíveis, provavelmente, o seu significado é baixo na região
nordestina. Os dados mais consistentes são de Bittencourt (1999), que detectou
0,9% de transmissão congênita em estudo prospectivo de gestantes chagásicas na
Bahia, um dado muito próximo a uma pesquisa entre 18.900 recém nascidos em
Minas Gerais, na mesma época (Gontijo et al., 1998). Esses dados são plenamente
reforçados pelo estudo referido por Macedo (Vanize O. Macedo, comunicação
pessoal) no Recôncavo. Para uma população próxima a 51 milhões de habitantes no
Nordeste, em 1999, poder-se-ia esperar a existência de 6.375.000 mulheres em
idade fértil e o nascimento de 1.275.000 crianças anualmente na região.
Aplicando-se o risco de transmissão congênita (0,9%), calculado por Bittencourt
(1999) para um cenário de 2% e 4% de gestantes infectadas, resultariam entre
230 e 460 novos casos de DCH pela via congênita anualmente.
No campo da morbi-mortalidade, pode-se também afirmar que a DCH representou e
ainda representa impacto significativo no Nordeste brasileiro, estando
assinaladas principalmente as formas clínicas da fase crônica, segundo os
trabalhos disponíveis. As formas agudas sempre foram raras, segundo Alencar
(1987), situação típica de áreas de baixa-média transmissão (Macedo, 1976; Dias
& Coura, 1997). Não obstante, um episódio excepcional ocorreu na Paraíba,
em 1988, observando-se um surto de DCH aguda em 26 pessoas, com provável
contaminação oral (Shikanai-Yassuda et al., 1991).
Em São Felipe, Bahia, num longo estudo longitudinal e sob observação direta na
área, foram diagnosticados apenas 27 casos agudos de transmissão vetorial
(Macedo, 1976). De modo geral, entre os pacientes crônicos do Nordeste se
descrevem a cardiopatia e as formas digestivas, especialmente a disperistalse
esofágica. No Ceará, Alencar (1987) encontrou a cardiopatia em 30,8% dos
soropositivos examinados e alterações digestivas em 11,3%, observando que o
gradiente de alterações eletrocardiográficas entre pares de indivíduos
chagásicos e não chagásicos era significativamente maior nas áreas de
prevalência de P. megistus (26,3%) que nas de T. brasiliensis (3,3%). No
Recôncavo Baiano, Macedo (1976) detectou 31,3% de cardiopatia entre 840
chagásicos, com 9,7% de disperistalse esofágica e 0,7% de megacólon. Nessa
área, muito infestada por P. megistus, detectou-se 56% dos chagásicos na forma
crônica indeterminada entre a população geral. Aparentemente, e com as devidas
ressalvas metodológicas, os dados acima indicam maior grau de morbidade na
Bahia que no Ceará, o que também irá aparecer na Tabela_16 do presente
trabalho, onde a taxa de internação por DCH entre 100.000 habitantes foi de
0,110 para a Bahia e de 0,063 para o Ceará. Entre chagásicos observados no Rio
de Janeiro, a prevalência de cardiopatia crônica foi de 66,6% para 149 casos
provenientes da Bahia, com 20,1% de megas (3/4 de esôfago e 1/4 de cólon),
sendo respectivamente 65,7% e 15,0% para 53 casos de Pernambuco e 50,9% e 0,0%
para trinta casos da Paraíba (Coura, 1984). Já em estudos em áreas da Paraíba e
do Piauí, o mesmo grupo encontrou um gradiente de global de alterações
eletrocardiográficas de 18,3% entre soropositivos e soronegativos do Piauí e
4,8% na Paraíba. Esses valores foram significativamente menores que aqueles
encontrados pelos mesmos pesquisadores em Minas Gerais, na mesma época.
Encontraram também manifestações digestivas nas áreas nordestinas,
especialmente a disfagia, com gradientes de 5,8% na Paraíba e de 5,5% no Piauí
(Coura et al., 1984). Ao longo dos anos parece observar-se, no Nordeste, uma
tendência à progressiva diminuição da morbidade da DCH nas áreas em que a
densidade tratomínico-tripanosômica vai paulatinamente se reduzindo, mercê do
combate aos triatomíneos e a outros fatores como melhoramento social,
migrações, etc. Fato como esse foi primeiramente apontado por Emmanuel Dias em
Minas Gerais (Dias, 1962) e, posteriormente, reiterado por Macedo (1976), na
Bahia, e por Alencar (1987), no Ceará, estando aparentemente de acordo com o
que mostra a Tabela_16 do presente trabalho. Ainda em apuração, um inquérito
nacional de eletrocardiografia entre pares de indivíduos chagásicos e não
chagásicos está em curso pela Universidade de Brasília, podendo aportar
importantes conhecimentos sobre a aparente diversidade do dano da
esquizotripanose entre estados e regiões do Brasil.
De certa forma, os dados de mortalidade apresentados na Tabela_17 também
mostram diversidade no impacto da DCH entre os vários estados nordestinos: mais
uma vez, a taxa de mortalidade em virtude da DCH por 100.000 habitantes é maior
na Bahia (4,26) que em Pernambuco (1,68) e no Ceará (0,55). Essa diversidade
reflete, decerto, a variação entre vetores e cepas locais, intensidade de
transmissão e aspectos sociais que explicam os clássicos matizes regionais da
DCH (Dias & Coura, 1997).
O Nordeste como um todo concorreu com 14,27% dos óbitos por DCH do Brasil em
1997, apresentando uma taxa por 100.000 habitantes de 1,82, significativamente
menor que a do País (3,38). Mais uma vez, reforçam-se as observações de
trabalhos anteriores, tanto sobre uma diversidade de impacto da DCH entre os
Estados e regiões nordestinas, como a respeito de um menor impacto da doença no
Nordeste em relação ao Brasil como um todo e, particularmente, em relação às
áreas endêmicas do Sudeste e de Goiás (Coura, 1984; Coura et al., 1984;
Alencar, 1997).
Conclusões
Grosso modo, o perfil esboçado mostra o Nordeste como uma macroregião onde a
DCH ocorre endemicamente, com diversidades intra-regionais explicáveis pelas
variações ecológicas e sociais, implicando especificamente diferentes vetores e
cepas de T. cruzi, intensidade de transmissão e fatores antrópicos. O Nordeste
apresenta grande variedade de espécies vetoras que, na prática de saúde
pública, definem como importantes basicamente P. megistus, T. infestans, T.
brasiliensise T. pseudomaculata. As duas primeiras, mais domiciliadas e
praticamente sem focos nativos na região, foram eliminadas de vastas áreas
nordestinas, principalmente mediante o controle químico continuado pela SUCAM/
FNS, remanescendo alguns focos residuais que pressupõem prioridade. As duas
últimas têm respondido ao programa de controle, mas de modo menos intenso e com
muito maior dificuldade operacional, por serem ubiqüistas e nativas na região.
Em todas as áreas trabalhadas houve e tem havido redução de populações
triatomínicas domiciliadas, com subseqüente redução nos níveis de transmissão e
impacto médico-social da DCH. As demais espécies registradas apresentam pouca
ou nenhuma importância epidemiológica e mesmo tendência à primeira
domiciliação, com ressalva para R. nasutusem algumas sub-regiões. O Maranhão é
o estado com menor impacto da doença, apresentando baixa infestação e ausência
dos triatomíneos causadores das maiores taxas de transmissão e morbidade (T.
infestans, P. megistus). Ao contrário, Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e
Piauí mostram os índices de doença mais significativos. No todo, a DCH ainda é
importante no Nordeste, embora seus índices de morbi-mortalidade aparentemente
sejam menores que os do Sudeste e os de Goiás. Não obstante, o Nordeste é hoje
a região do Brasil que mais deve preocupar as autoridades sanitárias,
justamente pela remanescência de espécies nativas com potencial invasivo e de
difícil controle como T. brasiliensis e T. pseudomaculata. Acresce ainda estar
nessa região (Bahia) um dos dois últimos grandes focos de T. infestans, que
tanto pode ser eliminado como servir de ponta de lança para uma re-expansão da
espécie.
Finalmente, é preocupante a visível deterioração da FNS na região, por
determinantes políticos e administrativos, com nítida diminuição de força de
trabalho e desativação de extensas áreas de vigilância epidemiológica, sem a
devida assimilação de suas atividades pelos estados e municípios, como
esperável no processo de descentralização.
Agradecimentos
Os autores expressam seus agradecimentos às gerências técnicas de doença de
Chagas da Fundação Nacional de Saúde do Maranhão, Ceará, Piauí, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia pelos aportes e
esclarecimentos apresentados tanto na reunião de 1998 (Praia das Fontes/Ceará)
como nos contatos seguintes. Agradecem também aos Drs. Hélio Morais Souza
(Coordenação Nacional de Sangue e Hemoderivados, Mato Grosso do Sul), Vanise
Macedo (Universidade de Brasília) e J. Rodrigues Coura (Instituto Oswaldo Cruz,
Fundação Oswaldo Cruz), pelas sugestões e aportes ao texto.