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BrBRCVHe0102-311X2014000200318

BrBRCVHe0102-311X2014000200318

variedadeBr
ano2014
fonteScielo

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Rede de atenção à saúde bucal: organização em municípios de grande porte de Santa Catarina, Brasil

Introdução

Para a operacionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) são necessárias formas de organização que articulem os serviços existentes, considerando os princípios da regionalização e hierarquização, de forma que o processo de descentralização não sobrecarregue os municípios 1 , 2 , 3 . Para superar a fragmentação das ações e serviços de saúde, ainda persistente mesmo após representativos avanços alcançados pelo SUS, a proposta discutida atualmente diz respeito à estruturação de redes de atenção à saúde 1 .

No âmbito da saúde bucal, a estruturação de uma rede de atenção, como rede temática, surge como uma solução abrangente, no que se refere tanto à gestão, quanto ao processo de trabalho dos profissionais da Odontologia. Nesse sentido, a rede possibilita a integração e articulação dos pontos de atenção à saúde bucal de forma que possam ofertar atenção contínua e integral aos usuários, superando modelos de atenção anteriores, tradicionalmente considerados pouco resolutivos 3 , 4 , 5 .

Esforços para reorganização da atenção à saúde bucal têm sido realizados desde 2004, com a reformulação da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) 6 , a qual estabelece diretrizes e amplia a atenção nos níveis secundários e terciários. Em 2006, o Caderno de Atenção Básica 17 4 evidenciou, em seu texto, a necessidade de reorganização da atenção básica em saúde bucal e propôs um processo de trabalho integrado por meio da organização de uma rede cuidados progressivos nessa área.

Mais recentemente, em 2010, a Portaria n o 4.279 1 estabeleceu as diretrizes para a organização das redes de atenção à saúde no âmbito do SUS, definindo-as como arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integrados por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado à saúde . O estabelecimento de relações mais horizontalizadas entre os pontos de atenção, a valorização da atenção básica, a centralidade nas necessidades em saúde da população, o cuidado multiprofissional e o compartilhamento de objetivos e compromissos com resultados sanitários e econômicos são pressupostos para a conformação de redes de serviços integradas e regionalizadas. Essas características podem ser viabilizadas mediante a interação dos três elementos constitutivos das redes de atenção à saúde: População/região de saúde, Estrutura operacional e Modelo de atenção à saúde 1 , 7 , 8 .

Região de saúde e população definidas constituem elementos fundamentais para implementação das redes de atenção à saúde. Essa delimitação permite que se estruturem e organizem ações e serviços, por meio de um processo de territorialização complexo, sob responsabilidade da atenção básica. A estrutura operacional é constituída pelos pontos de atenção e pelas ligações materiais e imateriais que comunicam esses pontos. O modelo de atenção se define como paradigma que determina o que são as necessidades assistenciais, como organizar a oferta e como compreender não o processo saúde-doença, mas também suas formas de intervenção 7 , 8 .

Em face desse contexto e tomando como base o referencial teórico sobre as redes de atenção à saúde, o objetivo deste estudo foi caracterizar a organização da rede de atenção à saúde bucal em municípios com mais de 100 mil habitantes, no Estado de Santa Catarina, Brasil, identificando-se a presença dos elementos constitutivos População, Estrutura operacional e Modelo de atenção , assim como a integração entre eles nessa rede.

Método

Este é um estudo de natureza descritiva e exploratória, de base qualitativa, realizado em municípios com mais de 100 mil habitantes de Santa Catarina. O estado apresenta 293 municípios, nove macrorregiões de saúde, 21 regiões de saúde e 36 secretarias de desenvolvimento regional, responsáveis pelo planejamento e pela execução orçamentária das ações de saúde em âmbito regional. Os 12 municípios com mais de 100 mil habitantes apresentam características econômicas distintas, a maioria em região litorânea e apenas um na região oeste. Estes municípios foram escolhidos de forma intencional, por se pressupor que os de grande porte apresentem melhor definição de suas redes de atenção à saúde bucal, que possuem maiores recursos e oferecem serviços de média e alta complexidade.

Os dados primários foram coletados mediante questionário estruturado autoaplicável, entre os meses de janeiro a abril de 2012. Os questionários foram enviados, por meio de correio eletrônico, aos gestores municipais de saúde bucal, pois esses profissionais são considerados pessoas-fonte, com competências específicas para o assunto em questão 9 . Realizou-se um pré-teste do instrumento com um coordenador de saúde bucal de um município não participante da pesquisa, para definir a necessidade de ajustes nas questões. Todos os 12 municípios selecionados responderam ao questionário.

Os itens selecionados para composição das perguntas referiram-se à estruturação de redes de atenção à saúde, sendo fundamentados pela Portaria n o 4.279/2010 1 em relação aos elementos População e Modelo de atenção. No elemento Estrutura operacional, foram selecionados itens também embasados no texto da portaria, mas adaptados de acordo com conteúdos da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), PNSB e do manual de média e alta complexidade do SUS 10 , por serem documentos que orientam a organização da atenção e assistência em saúde bucal no país.

Os dados secundários foram coletados nos sistemas de informação do SUS, do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), em especial o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH), utilizando-se como referência o mês de abril de 2012. Também foram acessados documentos oficiais, como Protocolos Municipais de Saúde Bucal, quando existentes, e Planos Municipais e Estadual de Saúde, que serviram para o controle dos dados primários, quando encontrada alguma inconsistência nas respostas dos gestores.

A Tabela 1 apresenta os itens investigados, a fonte da coleta e o referencial teórico-legal utilizado para análise dos dados.

Tabela 1 Itens investigados na rede de atenção à saúde bucal: elementos da rede de atenção à saúde, fonte de origem de dados e referência teórico-legal.

Elementos da rede de atenção à saúde Itens da rede de atenção à saúde bucal investigados Fonte de dados Referência teórico-legal PopulaçãoRegião de saúde/Território Definição de regiões de saúde Questionário e Planos Municipais de Saúde Portaria n o 4.279/2010 1; PNAB 13População adscrita Adscrição de usuários Questionário e Planos Municipais de SaúdeAnálise da situação local de saúde Levantamento das condições de saúde bucal QuestionárioIdentificação de grupos de risco Planejamento a partir de grupos prioritários Questionário Estrutura operacionalRecursos humanos Relação de cirurgiões-dentistas vinculados ao município/habitante; Cirurgião-dentista atuante na atenção básica; Cirurgião-dentista atuante na atenção básica com 40h semanais; Cirurgião-dentista com vínculo estatutário; Cirurgião-dentista atuante em média e alta complexidade; Cirurgião-dentista atuante em serviço de urgência; Profissionais especialistas; Técnico em saúde bucal e auxiliar em saúde bucal; Proporção de profissional auxiliar/cirurgião-dentista Questionário (exceto alta complexidade: informações extraídas do CNES e SIH) Portaria n o 4.279/2010 1; Portaria n o 673/2003 23; PNSB 6Pontos de atenção    Atenção básica Unidades básicas de saúde com atendimento em saúde bucal; Realização de prótese na atenção básica Questionário e CNES PNSB 6    Atenção secundária Centro de Especialidades Odontológicas Questionário Portaria n o 1.570/2004 25; Portaria n o 1.032/2010 26; Assistência de média e alta complexidade no SUS 10    Atenção terciária Unidades hospitalares próprias ou de referência que ofereçam serviços de odontologia em alta complexidade SIH Portaria n o 1.032/2010 26; Assistência de média e alta complexidade no SUS 10    Sistemas de apoio Serviços de radiologia odontológica; Serviços de patologia bucal; Laboratório regional de prótese dentária; Assistência farmacêutica Questionário PNSB 6    Sistemas logísticos Protocolos de atenção à saúde bucal; Sistemas de regulação para os serviços odontológicos; Fluxogramas de atendimento para média e alta complexidade; Formulários específicos para referência e contrarreferência em média e alta complexidade; Realização de referência formal dos serviços de urgência para atenção básica; Prontuário clínico eletrônico; Transporte para os usuários Questionário Portaria n o 4.279/2010 1Sistemas de governança Plano Municipal de Saúde que aborde a organização da atenção à saúde bucal; Assuntos referentes à organização da rede de atenção à saúde bucal em pautas da CIB Questionário Portaria n o 4.279/2010 1 Modelo de atençãoRedes de atenção à saúde baseada na atenção primária à saúde Relação de equipes de saúde bucal inseridas na ESF; Relação entre equipes de saúde da família/equipes de saúde bucal inseridas na ESF; Cobertura populacional das equipes de saúde bucal inseridas na ESF e das equipes básicas de saúde bucal; Ações a populações estratégicas e às prioridades do Pacto pela Saúde; Atividades de educação permanente em parceria com instituição de ensino; Plano de cargos, carreira e salários Questionário e planos municipais de saúde Portaria n o 4.279/2010 1

CIB: Comissão Intergestora Bipartite; CNES: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde; ESF: Estratégia Saúde da Família; PNAB: Política Nacional de Atenção Básica; PNSB: Política Nacional de Saúde Bucal; SIH: Sistema de Informações Hospitalares.

Os dados obtidos foram organizados em planilhas do programa Microsoft Excel (Microsoft Corp., Estados Unidos) e analisados de forma descritiva. Desenhou-se uma matriz para compilar os resultados encontrados e propiciar melhor visualização e compreensão das situações em cada um dos três elementos constitutivos das redes de atenção à saúde População, Estrutura operacional e Modelo de atenção. Estabeleceu-se comparação entre a situação considerada ideal para as redes de atenção à saúde bucal, de acordo com o referencial teórico utilizado, e as limitações encontradas para sua consolidação nos municípios estudados.

Os aspectos éticos foram respeitados ao longo do processo investigativo, segundo Resolução n o 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. O presente estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, protocolo n o 27856/2012. Os participantes concordaram voluntariamente em integrar a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, livres de quaisquer ônus.

Resultados e discussão

Após análise dos dados coletados, pode-se verificar uma diversidade nos estágios de implantação e organização das redes de atenção à saúde bucal nos municípios incluídos no estudo. Alguns apresentam pouca integração entre os serviços de saúde bucal, atuando de forma bastante desarticulada; outros oferecem serviços de saúde bucal organizados, de modo a seguir os pressupostos de uma rede regionalizada com a atenção básica pautada pela Estratégia Saúde da Família (ESF) e com possibilidades de coordenar a atenção à saúde.

Todos os municípios disponibilizam ações e serviços em saúde bucal nos três níveis de atenção e esboçam um mínimo de integração entre estes. Foram identificadas algumas ações para consolidação das redes de atenção à saúde bucal, como a disponibilização de profissionais em todos os níveis de atenção, a inserção de ferramentas para integração entre atenção básica e os serviços especializados (protocolos, formulários de referência e contrarreferência) e adoção de medidas para garantir manutenção de vínculo e a longitudinalidade da atenção, as quais são representadas pelo estabelecimento de parcerias com instituições de ensino e realização de atividades de educação permanente.

O processo de gestão das redes de atenção à saúde bucal é uma preocupação dos municípios em estudo. No texto dos Planos Municipais de Saúde, está incluída a atenção à saúde bucal prestada à população, com identificação de dificuldades e estabelecimento de objetivos e metas a atingir. Uma dessas metas, frequentemente reconhecida nos planos como necessária, é reorganizar a saúde bucal na atenção básica, por intermédio da ESF; outro objetivo é oferecer serviços odontológicos especializados à população, ampliando a possibilidade do cuidado à saúde bucal mais integral e resolutivo. No entanto, muitas limitações foram encontradas nos municípios, as quais podem influenciar o desempenho de todos os níveis de atenção à saúde, permeando os três elementos constitutivos da rede: População, Estrutura operacional e Modelos de atenção.

A Tabela 2 apresenta os critérios considerados para a definição da população de uma rede de atenção à saúde bucal, a situação ideal, segundo referencial adotado, o quantitativo de municípios que atenderam ao esperado e as limitações encontradas nestes municípios. O resultado encontrado para este elemento constitutivo mostrou-se um tanto incongruente, pois, mesmo que a maior parte dos municípios tenha relatado operar com delimitação de regiões de saúde e adscrição de clientela, muitos não realizam levantamento das condições de saúde bucal. Ademais, restringem suas ações a grupos prioritários, definidos segundo os parâmetros indicados pelo Ministério da Saúde, sem utilização de critérios epidemiológicos adequados à realidade local.

Tabela 2 Caracterização do elemento População, número de municípios que atenderam os itens e limitações encontradas.

Itens analisados Situação ideal Número de municípios que atenderam os itens Limitações Definição de regiões de saúde Definição de regiões de saúde com estabelecimento de serviços e ações a ofertar à população 9 Levantamento epidemiológico das condições de saúde bucal para o planejamento das ações não constituem prática corrente na maioria dos municípios Adscrição de usuários Promover adscrição da clientela a unidades básicas de saúde para que se possa interagir com a população do território, criar vínculo e conhecer as necessidades dessa população 12 Dificuldade em definir grupos prioritários, limitando as ações aos parâmetros indicados pelo Ministério da Saúde Levantamento das condições de saúde bucal Realizar levantamento das condições de saúde bucal da população, determinar indivíduos expostos a maiores riscos, realizar planejamento das ações e definir grupos prioritários 5 Planejamento a partir de grupos prioritários Planejar as ações mediante grupos prioritários, promovendo o princípio de equidade 10

Assim, a definição da população para a rede de atenção à saúde bucal encontra-se prejudicada em alguns municípios. O diagnóstico das condições de saúde bucal para o planejamento das ações e serviços não é ampla e rotineiramente praticado por não serem realizados levantamentos epidemiológicos; por conseguinte, surgem limitações no planejamento de base territorial. Essa dificuldade foi apontada nos últimos Planos Estaduais de Saúde de Santa Catarina (2007-2010 e 2012-2015) e considerada uma influência negativa para a organização da rede de atenção à saúde bucal no estado 11 , 12 .

A adoção de critérios de priorização sem justificativa epidemiológica e/ou social dificulta a mudança de práticas e distanciam os serviços de saúde bucal de um atendimento voltado à vigilância à saúde e ao princípio da equidade. Resultado semelhante foi encontrado por Pimentel et al. 5 , ao analisarem o processo de trabalho das equipes de saúde bucal no Estado de Pernambuco. Os autores constataram que muitas equipes de saúde bucal planejam as ações de saúde sem o conhecimento prévio da realidade local e, consequentemente, realizam atividades que não levam em consideração esses princípios. No entanto, de acordo com a PNAB 13 , participar do processo de territorialização/adscrição da clientela, identificar grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos e vulnerabilidades, como também realizar diagnóstico com a finalidade de obter perfil epidemiológico para planejamento e programação em saúde, são atribuições dos membros das equipes de atenção básica, e, dessa forma, atribuições da equipe de saúde bucal.

A caracterização do elemento constitutivo Estrutura operacional foi realizada por meio da verificação da existência de profissionais e pontos de atenção à saúde bucal em todos os níveis de atenção à saúde, disponibilização de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico e a estruturação de sistemas logísticos e de governança 8 . Observou-se que as estruturas operacionais ( Tabela 3 ) das redes de atenção à saúde bucal nos municípios estudados apresentam fragilidades na organização de todos os pontos de atenção, as quais são influenciadas também pela dificuldade de se estabelecer as necessidades em saúde da população. As limitações encontradas afetam-se reciprocamente, prejudicando o estabelecimento de vínculo com o usuário, a longitudinalidade do cuidado e a integralidade da atenção. A esse respeito, foram identificados problemas tanto no contingente de recursos humanos (quantitativo de cirurgiões-dentistas 40 horas semanais e de profissionais auxiliares insuficiente para exercer a longitudinalidade da atenção), quanto no estabelecimento e ampliação dos serviços odontológicos na atenção básica. A atenção à saúde bucal é indissociável dos demais serviços de saúde ofertados pelos municípios, no entanto, constatou-se existência de profissionais da saúde bucal não integrados às equipes de saúde.

Tabela 3 Caracterização do elemento Estrutura operacional, número de municípios que atenderam os itens e limitações encontradas.

Itens analisados Situação ideal Número de municípios que atenderam os itens Limitações Recursos humanos 2 Quantidade restrita de cirurgião-dentista na atenção básica perfazendo uma carga horária de 40h semanaisRelação de cirurgião-dentista vinculado ao município/habitante Cirurgião-dentista em quantidade compatível com as diretrizes ministeriais, sendo, preferencialmente, um cirurgião-dentista para cada 3.000 habitantes (máximo 4.000 habitantes) atuando na atenção básica e perfazendo 40h semanais com contrato de trabalho estável 12 Quantidade restrita de cirurgião-dentista atuando em serviços de urgência e emergênciaCirurgião-dentista atuante na atenção básica Existência de cirurgião-dentista atuando nas especialidades mínimas exigidas para manutenção do centro de referência em atenção secundária 6 Carência de profissionais especializados em diagnóstico bucal ou estomatologiaCirurgião-dentista atuante na atenção básica com 40h semanais Cirurgião-dentista atuando em serviços de urgência: atenção às afecções agudas de saúde bucal na rede de urgência e emergência 11 Quantidade de profissionais auxiliares inferior ao número de cirurgiões-dentistas, dificultando a formação de equipes de saúde bucalCirurgião-dentista com vínculo estatutário Existência de cirurgião-dentista em serviços de alta complexidade, em nível hospitalar, garantindo a integralidade da atenção 1Cirurgião-dentista atuante em média e alta complexidade Equiparação entre quantidade de cirurgião-dentista e auxiliaresCirurgião-dentista atuante em serviço de urgênciaRelação de profissionais nas especialidades: endodontia, periodontia, cirurgia, necessidades especiais e estomatologiaProfissionais auxiliares (técnico e auxiliar em saúde bucal)Proporção de profissional auxiliar/cirurgião-dentista Pontos de atençãoAtenção básica    Quantidade de unidades básicas de saúde com atendimento em saúde bucal Atenção à saúde bucal disponível em todas as UBS garantindo o acesso da população a este serviço 3 Saúde bucal dissociada da saúde como um todo, em quantidade considerável de municípios, decorrente da existência de UBS que não disponibilizam serviços odontológicos    Realização de prótese na atenção básica Ampliação e qualificação da atenção básica em saúde bucal mediante a oferta de procedimentos reabilitadores 1 Dificuldade de ampliação de procedimentos odontológicos. na atenção básica, como os reabilitadores Pontos de atençãoAtenção secundária    Requisitos para caracterização de um centro de especialidade odontológica: Possuir cadastro no CNES; Oferta de serviços de odontologia especializados na atenção secundária nos centros de especialidades odontológicas, de acordo com a necessidade da população, cumprindo os requisitos mínimos para a manutenção do centro 12 Carência de profissionais na especialidade de estomatologia/diagnóstico bucal    Ofertar as especialidades mínimas; Ser referência para município ou região; Possuir mínimo de equipamentos exigidos, de acordo com o tipo De acordo com porte populacional e plano de regionalização, esses municípios também precisam atender às necessidades de suas regiões de saúde 8 * Dúvidas em relação ao suprimento da demanda dos centros de especialidades odontológicas, pois, em sua maioria, são responsáveis por atender a população da sua região de saúde e apresentam dificuldades em dimensionar os serviços conforme as necessidades da populaçãoAtenção terciária    Existência de unidades hospitalares próprias ou de referência que ofereçam serviços de odontologia em alta complexidade Ser referência para serviços odontológicos em alta complexidade, em unidades hospitalares 12 Atendimento de odontologia hospitalar restrito a procedimentos de traumatologia e cirurgia bucomaxilofacial Fragilidade na oferta de serviços na atenção terciária para pacientes com necessidades especiais (são serviços regionalizados, apresentam dificuldade de integração e não são planejados por meio de critérios epidemiológicos) Sistemas de apoioOferta de serviços de radiologia odontológica Oferta de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico através de laboratórios próprios ou conveniados de patologia bucal, radiologia odontológica e prótese dentária, articulados com a rede 3 Implantação incipiente de serviços de referência em patologia bucal e de laboratórios de prótese dentária, próprios ou nãoOferta de serviços de referência em patologia bucalExistência de laboratório regional de prótese dentáriaAssistência farmacêutica Existência de apoio farmacêutico que contemple a atenção farmacêutica de acordo com a necessidade em saúde bucal 12 Sistemas logísticosExistência de protocolos de atenção a saúde bucal Integração de todos os níveis de atenção por meio de sistema de regulação que oriente os fluxos determinados por protocolos ou de diretrizes que orientem os serviços e ações em saúde bucal 5 ** Ausência de protocolos de atenção à saúde bucal em alguns municípiosExistência de sistemas de regulação para os serviços odontológicos Falta de regulação dos serviços odontológicos por meio de um sistema de regulaçãoExistência de fluxogramas de atendimento para média e alta complexidade Utilização de prontuário clínico eletrônico como forma de otimizar a articulação entre os pontos Implementação de prontuário clínico eletrônico em estágio inicialExistência de formulários específicos para referência e contrarreferência em média e alta complexidade Disponibilização de transporte aos usuários, possibilitando acesso a todos os pontos de atenção Desarticulação dos serviços de alta complexidade e de urgência e emergência por não possuírem referência ou contrarreferência formal para a atenção básicaRealização de referência formal dos serviços de urgência para atenção básicaUtilização de prontuário clínico eletrônico 3Disponibilidade de transporte em saúde aos usuários 11 Sistemas de governançaExistência de plano municipal de saúde que aborde a organização da atenção à saúde bucal Contar com sistema de governança, visando à construção de consensos para a organização da rede de atenção à saúde bucal. Existência de assuntos referentes à organização da rede de atenção à saúde bucal em planos municipais de saúde e pautas da CIB 8 Fragilidade no sistema de governança pela dificuldade em se estabelecer integração entre todos os níveis de atenção e cooperação entre gestores e técnicos, mesmo havendo, em todos os municípios, planos municipais de saúde que contemplem a organização da rede de atenção à saúde bucal e, na maioria dos municípios, pautas na CIB que tratem desse assuntoPresença de assuntos referentes à organização da rede de atenção à saúde bucal em pautas de reuniões da Comissão Intergestores Bipartite

CIB: Comissão Intergestores Bipartite; CNES: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde; UBS: unidades básicas de saúde.

* Municípios que ofertam o serviço para a sua população e para a população de outros. Entretanto, a capacidade de oferta de procedimentos ainda está aquém das necessidades da população;

** Municípios que contam com Sistema de Regulação e Protocolo de Saúde Bucal. Contudo, esses mecanismos de integração nem sempre incluem os serviços de alta complexidade.

Uma equipe de saúde bucal composta por profissionais auxiliares e cirurgiões-dentistas, sob o regime de 40 horas semanais, apresenta maiores chances de promover vínculo com os usuários e, assim, exercer o cuidado de forma longitudinal 1 , 13 . Igualmente, um dos requisitos para a reorientação do modelo de atenção em saúde bucal é garantir a oferta desses serviços de forma articulada com toda a rede de serviços de saúde 6 .

Colussi & Calvo 14 , ao apresentarem um modelo de avaliação da qualidade da atenção em saúde bucal, aplicado em municípios catarinenses de diferentes portes, constataram relação desfavorável entre o número de profissionais auxiliares e cirurgiões-dentista. Essa relação dificulta tanto a adoção de práticas de sistemas de trabalho de alta cobertura, quanto a simplificação e racionalização do trabalho odontológico. Os autores observaram, também, que, dos 293 municípios estudados, 165 municípios não ofertavam serviços odontológicos em todas as suas unidades básicas de saúde, indicando a dificuldade na efetivação do princípio da integralidade da atenção.

A oferta de serviços de prótese dentária pela atenção básica pode oportunizar um maior acesso da população a procedimentos de reabilitação e, desse modo, possibilitar a integralidade da atenção em saúde bucal. É uma opção para redução do déficit de tratamento ainda encontrado em adultos e idosos, conforme apontado pelos resultados do Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal (SBBrasil 2010) 15 . Nesse sentido, Mallmann et al. 16 , em estudo conduzido entre residentes de Porto Alegre, estimaram a necessidade de prótese dentária em indivíduos de 50-74 anos de idade, verificando que a realização desse tipo de procedimento apenas no âmbito dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) é insuficiente para suprir as necessidades apresentadas pela população. Esses achados corroboram não os resultados encontrados pelo presente estudo, como também a necessidade de ampliação de equipes de saúde bucal capazes de responder às demandas de saúde da população, sem dissociá-las da equipe de saúde da família, que opera na promoção do vínculo e procura garantir o cuidado de forma longitudinal.

Apesar de todos os municípios apresentarem cirurgiões-dentistas atuando nos níveis de atenção secundário e terciário, ou possuírem ao menos um ponto de atenção como referência para estes serviços, a atenção terciária está basicamente limitada a procedimentos na especialidade cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial 12 . Por sua vez, a atenção secundária carece de profissionais da área de estomatologia; para esta especialidade, a limitação da oferta dos serviços pode ter como justificativas a escassez de profissionais disponíveis em Santa Catarina e, consequentemente, a dificuldade de contratação pelo SUS, além da possibilidade de os procedimentos estomatológicos serem realizados por dentistas de outras especialidades 3 .

Os serviços especializados em odontologia abordados por este estudo, em especial a atenção terciária e o atendimento a pacientes portadores de necessidades especiais em nível hospitalar, ainda produzem dúvidas quanto ao suprimento da demanda por serem regionalizados, de acordo com os conceitos de escala e escopo 1 . Tais serviços se responsabilizam por uma população maior que a delimitada pelos municípios e apresentam, além de dificuldade de integração e articulação com outros pontos da rede, escassez de dados epidemiológicos que embasem o planejamento e a programação de ações, inclusive o dimensionamento dos serviços. Esses óbices foram apontados no Plano Estadual de Saúde de Santa Catarina 2012-2015 12 .

Outro serviço de saúde, considerado de complexidade intermediária entre as Unidades Básicas de Saúde/Saúde da Família e a Rede Hospitalar, diz respeito aos serviços de urgência e emergência odontológica, os quais podem ser ofertados por Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e integrarem uma rede de atenção às urgências 3 . Entre os municípios estudados, uma minoria possui esse tipo de estrutura para atendimento às urgências e emergências odontológicas. Embora todos o ofereçam de forma desarticulada da atenção básica, por não apresentarem mecanismos formais de referência, fica a cargo do paciente a procura pela continuidade e conclusão do tratamento.

Em relação aos sistemas de apoio, mesmo que grande parte dos municípios disponibilize serviços de radiologia odontológica e assistência farmacêutica, considerou-se a implantação deste sistema em estágio incipiente, pelo quantitativo na oferta de serviços de prótese dentária e patologia bucal. Alguns municípios, embora possam contratá-los na iniciativa privada, ainda não os têm disponíveis. A ausência da oferta de procedimentos é preocupante, pois tanto a detecção precoce de neoplasias, por meio da confirmação por laudo histopatológico, quanto a confecção de próteses, em laboratórios próprios ou contratados, são essenciais para a integralidade da atenção na perspectiva da rede de atenção à saúde bucal. Segundo Borges et al. 17 , no Brasil, o câncer de boca representa o quinto tipo de câncer em incidência entre os homens e o sétimo entre as mulheres. De acordo com os resultados do SBBrasil 2010, a necessidade de reabilitação protética em adultos e idosos ainda se mostra bastante elevada 15 , 18 .

Os sistemas logísticos, aqui descritos como protocolos de atenção à saúde bucal, presença de central de regulação, formulários, fluxogramas, prontuários eletrônicos e transporte de usuários, apresentam grandes limitações, visto que, em muitos municípios, observaram-se contradições em relação às ferramentas utilizadas para integração dos serviços. Existem municípios que apresentam central de regulação e/ou fluxogramas, ou, ainda, utilizam apenas formulários para encaminhamentos, sem possuir, entretanto, um protocolo de atenção à saúde definido. Os protocolos têm por objetivo e função organizar e padronizar os recursos existentes e o funcionamento dos serviços; orientar as decisões de prevenção, promoção e assistência à saúde; e, também, viabilizar a comunicação entre equipes e serviços 1 .

Pode-se considerar que, em geral, mesmo havendo esforços para integrar os serviços de saúde, as ferramentas logísticas estudadas encontram-se em fase de implantação, o que leva à caracterização de um sistema logístico fragilizado. Sua atuação está, basicamente, fundamentada em formulários de referência e contrarreferência e em manuscritos, os quais muitas vezes não conseguem efetivar a integração entre os pontos. Essa fragilidade também foi apontada no texto do Plano Estadual de Saúde 2012-2015 12 .

Para o estabelecimento de sistemas logísticos que possam garantir a integração e articulação entre os pontos de atenção da melhor forma possível, é necessário incluir gestores, profissionais da saúde e saúde bucal, assegurando, ainda, a participação da sociedade civil nos espaços decisórios constituídos. O objetivo é possibilitar a negociação, pactuação e geração de consensos capazes de viabilizar a conduta mais adequada e coerente para a resolução dos problemas e a conformação de todos os serviços em rede 8 , 19 .

No presente estudo, as ferramentas de gestão analisadas foram os planos municipais de saúde e as reuniões da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) instância estadual permanente de negociação e pactuação, com papel deliberativo e responsável pela operacionalização da saúde no estado 20 . Ambas constituem ferramentas importantes para os sistemas de governança, mas necessitam da cooperação de diversos participantes da rede de atenção à saúde bucal, sem hierarquia preestabelecida, por intermédio da análise situacional e objetivos coincidentes. Vale destacar que os sistemas de governança, em conjunto com os sistemas logísticos, são considerados, pela literatura, elementos críticos, por dependerem de diversos atores sociais e necessitarem de comprometimento de todas as partes, para que o objetivo teorizado possa ser alcançado 8 , 20 , 21 .

Constatou-se que os municípios estudados não negligenciam o processo de gestão da rede de atenção à saúde bucal. Em sua maioria, apresentam projetos municipais de saúde que abordam não o planejamento e a organização dos serviços de saúde bucal, como também assuntos referentes à organização dessa rede de atenção em pautas da CIB. Contudo, essas ações têm sua concretude prejudicada, pois metas e objetivos ainda não alcançados ou não implantados.

Os sistemas logísticos e de governança, devido à sua relação de interdependência, demonstram as maiores dificuldades de consolidação na rede de atenção à saúde bucal. Mesmo os municípios que apresentam planos municipais de saúde que contemplam a organização das redes de atenção à saúde bucal, discussões em reuniões da CIB sobre este assunto e ao menos um dos itens logísticos considerados por este estudo, enfrentam problemas para estabelecer integração entre os pontos de atenção terciária e a atenção básica ou secundária, assim como para realizar a referência dos serviços de urgência e emergência odontológica, quando disponíveis, para a atenção básica.

Esses sistemas da rede de atenção à saúde bucal, nos municípios estudados, e também em outras redes temáticas, são processos complexos, pois necessitam da cooperação de diversos atores 19 ; em adição, são diretamente influenciados pelo adequado diagnóstico da situação de saúde da população e reconhecimento do potencial dos pontos de atenção na prestação de serviços. Sem o levantamento dessas informações, entraves para gerir o sistema, distribuir os serviços e organizar os fluxos entre os diversos pontos. De acordo com Mello et al. 3 , que identificaram dificuldades e avanços no processo de implementação da rede de atenção à saúde bucal na região de saúde da Grande Florianópolis, o estabelecimento de fluxos de usuários e informações dos serviços de atenção básica, especializada e hospitalar é imprescindível para a prática da atenção integral. Para tanto, os gestores mais proximamente responsáveis pela rede temática necessitam mapear a rede de serviços, desde o nível ambulatorial até o hospitalar, a fim de poder traçar essa integração e os critérios clínico-epidemiológicos necessários para ordenamento do acesso e priorização.

Todos os municípios apresentam, em diversos estágios de implantação, pontos de atenção estruturantes da rede de atenção à saúde bucal; todavia, em alguns deles, os serviços ainda se encontram desarticulados. Pode-se verificar, neste estudo, a existência de municípios com nenhuma ou pouca integração, enfrentando as seguintes dificuldades: definição de sua população e as necessidades desta, lidando com processos logísticos limitados a formulários (sem orientação de fluxos por meio de protocolos, regulação ou qualquer outro sistema); formação de uma equipe de saúde bucal, pois conta com pequeno quantitativo de profissionais auxiliares; existência de unidades básicas de saúde sem atendimento odontológico; problemas na oferta articulada de assistência odontológica em nível hospitalar; serviços de apoio insuficientes; e processos fragilizados de gestão e de incorporação do modelo de atenção vinculado à ESF.

Por outro lado, os municípios que apresentam maior integração são aqueles com população adscrita, os quais lançam mão de ferramentas para diagnóstico situacional como rotina, ofertam serviços odontológicos em todas as unidades básicas de saúde, propiciando maior cobertura à população, adotam o uso de prontuários eletrônicos, estruturam efetivamente a atenção básica reorientada pelos princípios da ESF, articulam a atenção básica com os demais níveis por intermédio de sistemas de regulação e demonstram preocupação das instâncias decisórias com a organização da rede de atenção à saúde bucal.

A ESF, fixada pela Portaria n o 4.279/2010 1 como o modelo prioritário para o estabelecimento de rede de atenção à saúde 4 , 6 , 13 , constitui a estratégia eleita para a reorganização da atenção básica. Assim, a caracterização desse elemento constitutivo pautou-se na análise da implantação de equipes de saúde bucal com trabalho sob a óptica da ESF ( Tabela 4 ).

Tabela 4 Caracterização do elemento Modelo de atenção, número de municípios que atenderam os itens analisados e limitações encontradas.

Itens analisados Situação ideal Número de municípios que atenderam os itens Limitações Equipes de saúde bucal inseridas na ESF Possuir equipes de saúde bucal inseridas na ESF que garantam ao menos uma cobertura populacional de 45% * às ações de saúde bucal 1 Necessidade de ampliação da quantidade de equipes de saúde bucal inseridas na ESF equiparação a quantidade de equipes de saúde da família Relação entre equipes de saúde da família e equipes de saúde bucal inseridas na ESF Equiparação entre o número de equipes de saúde bucal inseridas a ESF e o número de equipes de saúde da família 0 Cobertura populacional pelas equipes de saúde bucal inseridas na ESF aquém do esperado pela SES/SC (45%) Cobertura populacional das equipes de saúde bucal inseridas na ESF Atuação das equipes de saúde bucal, inseridas ou não a ESF, fundamentada em princípios da vigilância a saúde, atendendo populações estratégicas e as prioridades do Pacto de Saúde 8 Fragilidade nas ações de vigilância a saúde, à pop. estratégica e às prioridades do Pacto pela Saúde Cobertura populacional das equipes básicas de saúde bucal (inseridas ou não a ESF) Desenvolvimento de ações que visem o aperfeiçoamento e a manutenção dos profissionais 8 ** Desenvolvimento de ações a populações estratégicas Desenvolvimentos de ações orientadas às prioridades do Pacto pela Saúde Desenvolvimento de atividades de Educação Permanente Existência de parceria com instituições de ensino Existência de Plano de Cargos Carreira e Salários

Para Mendes 8 , o modelo de atenção à saúde pode ser o paradigma que define o que são as necessidades assistenciais, como deve ser organizada a oferta, como se compreende o processo de saúde/doença e as formas de intervenção. O autor ressalta que a alteração da configuração nos processos saúde-doença tenciona a mudança nos modelos de atenção à saúde. No Brasil, as mudanças nos perfis demográficos e epidemiológicos direcionam-se para a necessidade de um novo modelo de atenção, o qual seja coerente com a concomitância, de um lado, de condições crônicas e agudas de saúde e, de outro, daquelas decorrentes de causas externas. Essas condições, ainda que convoquem modelos de atenção à saúde distintos, são como faces de uma mesma moeda, para as quais devem estar contempladas respostas na rede de atenção à saúde 1 .

Considerando-se que grande parte das doenças e agravos bucais fazem parte do rol de doenças crônicas 22 e que a expansão das equipes de saúde da família é essencial para a abordagem resolutiva dos problemas crônicos de saúde 8 , parece lógico defender a organização da rede de atenção à saúde bucal fundamentada na substituição dos modelos anteriores, ultrapassados. Para tal, deve-se consolidar e fortalecer a atenção básica, por meio da implantação de equipes de saúde bucal vinculadas às equipes de saúde da família. A reorientação das ações de saúde bucal por meio da ESF é um requisito apontado para a composição dessa rede de atenção, que estimula a interação. A partir dessa reestruturação, traçam-se, progressivamente, os contornos dos serviços da atenção secundária e terciária, assim como a formalização dos fluxos entre os pontos de atenção 3 .

Em geral, os municípios do presente estudo necessitam de ampliação do número de equipes de saúde bucal inseridas na ESF; precisam, também, equiparar a quantidade de equipes de saúde bucal inseridas nessa estratégia ao número de equipes de saúde da família. Dentre os municípios estudados, muitos não alcançam a proporção de 1,5 equipe de saúde da família para cada equipe de saúde bucal inserida na ESF, meta estipulada pelo governo de Santa Catarina para o ano de 2011, conforme descrita no Plano Estadual de Saúde 2012-2015 12 . A equiparação entre o número de equipes de saúde bucal e equipes de saúde da família apesar de estar determinada desde 2003 23 , além de a equipe de saúde bucal ser apresentada na PNSB 6 como uma equipe indissociável da equipe básica multiprofissional, não se faz plena realidade em Santa Catarina e no Brasil. Ao analisar informações sobre a implantação da ESF, por meio do portal do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, disponível em domínio público, pode-se perceber que essa situação se repete em todos os estados brasileiros, o que pode ser explicado pela regulamentação tardia da inserção da equipe de saúde bucal à ESF 24 .

O governo de Santa Catarina também estabeleceu como meta, para o ano 2011, cobertura populacional de 45% por parte das equipes de saúde bucal inseridas na ESF 12 . uma limitação considerável em relação à cobertura populacional nos municípios catarinenses de grande porte, visto que muitos destes não conseguiram atingir a meta determinada. Contudo, ao analisarmos a proporção de pessoas cobertas por serviços odontológicos na atenção básica, inseridos ou não à ESF, o valor aumenta consideravelmente, o que pode caracterizar melhor acesso aos procedimentos odontológicos, mesmo não representando a incorporação dos princípios da ESF, por meio de uma atuação centrada no território e em ações de vigilância à saúde bucal.

Além da baixa cobertura e falta de equiparação entre as equipes de saúde da família e equipes de saúde bucal, alguns municípios não promovem ações focadas em populações estratégicas, nas prioridades do Pacto pela Saúde e, como discutido, não realizam levantamento epidemiológico das condições de saúde bucal. Entretanto, todos reconhecem suas limitações e apontam em seus planos municipais de saúde a necessidade de adotarem a ESF como modelo orientador da atenção básica. Para superar os óbices quanto à manutenção e aperfeiçoamento de seus profissionais, alguns gestores mencionaram adotar algumas medidas, tais como parceria com instituições de ensino e realização de atividades de educação permanente. Estas são apontadas por Pimentel et al. 5 como capazes de produzir a incorporação dos pressupostos da ESF, o que possibilitaria mudanças de práticas, ampliação do acesso à população de ações de saúde, integração da rede de serviços de saúde bucal e o estabelecimento de um sistema de referência e contrarreferência que garanta resolutividade e possibilite acompanhamento dos pacientes.

Existem muitos desafios a serem superados, principalmente no que diz respeito à integração entre todos os pontos de atenção a saúde bucal, em seus três níveis, para o que se faz necessária a cooperação de um conjunto amplo de atores com responsabilidades singulares. A organização da rede atenção à saúde bucal depende não da prestação de serviços nos diversos pontos, ou da concretização das responsabilidades de cada indivíduo, mas também da cooperação e articulação entre estes.

Dentre as limitações encontradas para elaboração deste estudo, pode-se elencar a dificuldade de obtenção de dados primários que representassem a real conformação da rede de atenção à saúde bucal em alguns municípios levando em conta somente as respostas dos gestores; a necessidade de utilização de diversas fontes de informação, estas, por vezes, desencontradas ou conflitantes; a utilização, de modo complementar, de bancos de dados secundários, cujas limitações são inerentes a esse tipo de fonte; e a abrangência municipal para um estudo que se propôs a analisar uma rede temática regionalizada de atenção à saúde.

Conclusão

A caracterização dos serviços de saúde bucal disponibilizados pelos municípios catarinenses de grande porte, bem como sua integração, contribui para a organização de uma rede temática pouco discutida: a rede de atenção à saúde bucal.

As limitações identificadas pelo estudo permeiam os três elementos constitutivos da rede de atenção à saúde população, estrutura operacional e modelos de atenção e influenciam o desempenho em todos os níveis de atenção.

Os municípios estudados encontram-se em diferentes estágios de implantação e organização da rede de atenção à saúde bucal, principalmente no que diz respeito ao grau de integração entre seus pontos de atenção. Embora disponibilizem serviços de saúde bucal nos três níveis de atenção, foram identificadas graves limitações na oferta de serviços e nos fluxos para atenção terciária.

Os planos municipais de saúde e as pautas de reuniões da CIB identificam dificuldades para a estruturação da rede de atenção à saúde bucal e estabelecem objetivos a serem atingidos, porém esses mecanismos de gestão da rede ainda não repercutem no cumprimento das metas propostas.

Os avanços para consolidação da rede de atenção à saúde bucal dependem da melhora na definição e organização do elemento população, por meio do levantamento das necessidades desta, seguido de planejamento de base territorial, a fim de que se adotem critérios epidemiológicos e sociais para priorização da atenção à saúde bucal. Para tanto, destaca-se, em relação à estrutura operacional, a ampliação e redefinição da rede mediante maior e melhor dimensionamento dos recursos físicos e humanos, em todos os níveis de atenção; é, ainda, fundamental a qualificação dos sistemas logísticos e de governança, promovendo a interligação entre os pontos de atenção e dos sistemas, de um lado, e toda a gestão da rede de atenção à saúde bucal, de outro. Ressalta-se, também, a efetivação de um modelo de atenção à saúde coerente com a situação de saúde da população, fundamentando-o em princípios de vigilância à saúde.

Todas essas ações contribuem para a garantia de vínculo com a população, longitudinalidade e integralidade do cuidado, possibilitando, por consequência, a consolidação da rede de atenção à saúde bucal.


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