Prática esportiva e participação nas aulas de educação física: fatores
associados em estudantes de Londrina, Paraná, Brasil
Introdução
A relação entre atividade física e saúde de crianças e adolescentes tem sido
amplamente descrita na literatura 1. Dois aspectos que contribuem para o
aumento da atividade física em jovens é a prática esportiva 2 e a participação
nas aulas de educação física 3,4. De forma geral, ambas também apresentam
relação com a saúde dos jovens, sendo que a prática esportiva está inversamente
associada ao sobrepeso 5 e positivamente à saúde mental 6, enquanto que a
participação nas aulas de educação física apresenta associação positiva com a
aptidão cardiorrespiratória 7,8 e comportamentos saudáveis 9. Além disso, a
participação nas aulas de educação física representa um importante papel na
saúde de jovens, uma vez que é inversamente associada ao sobrepeso 10 e
obesidade 11.
Apesar da prática esportiva e da participação nas aulas de educação física
estarem inter-relacionadas com a quantidade de atividade física semanal 2,3,
não devem ser tratadas como sinônimos. A prática esportiva é caracterizada como
a realização de jogos com a utilização de regras regulamentadas por uma
federação, podendo ter como objetivo a educação, o lazer, a saúde ou o
rendimento 12. Com relação à aula de educação física, esta pode ser definida
como disciplina obrigatória na rede básica de educação, tendo como objetivo o
ensino dos jogos, esportes, atividades rítmicas, ginásticas e práticas de
aptidão física em benefício da qualidade de vida 13. Por fim, a atividade
física é definida como qualquer movimento corporal realizado na escola,
trabalho, lazer, afazeres domésticos ou deslocamentos, produzido por músculos
esqueléticos que resulta em dispêndio energético acima dos níveis de repouso
14. Sendo assim, a prática esportiva e a participação nas aulas de educação
física são dois aspectos que compõem a atividade física semanal. Somadas aos
outros componentes (transporte, tarefas domésticas, no trabalho, na escola e no
tempo livre), devem resultar em no mínimo 300 minutos de atividade física
semanal em intensidade moderada a vigorosa, recomendadas para crianças e
adolescentes 15.
Do ponto de vista epidemiológico, grande atenção tem sido dada em investigar a
prevalência e os fatores associados à prática de atividade física em crianças e
adolescentes brasileiros 16,17,18,19. No entanto, há carência de informações
acerca dos fatores associados à prática esportiva e participação nas aulas de
educação física nessa faixa etária, o que impede a elaboração de programas de
intervenção que poderiam contribuir para a diminuição da alta prevalência de
jovens inativos 17. Um estudo analisou diferentes fatores sociodemográficos e
comportamentais, e as únicas variáveis que apresentaram associação com a
ausência nas aulas de educação física foram a idade (> 16 anos) e estar
trabalhando 19. Apesar dos resultados encontrados, não foram analisadas as
características das aulas, o que limita a generalização dos resultados obtidos
e impede a análise da possível interação entre as características das aulas e a
participação dos escolares. Com relação à prática esportiva, no Brasil a
literatura apresenta apenas fatores motivacionais que impulsionam a prática dos
jovens 20. Ainda não foram investigados os fatores sociodemográficos,
comportamentais e ambientais, como já descrito em outros países como Portugal,
Dinamarca e Espanha 21,22,23,24.
A prevalência de participação nas aulas de educação física é de aproximadamente
50% em jovens brasileiros 19 e, apesar de ainda não ter sido descrita a
prevalência de prática esportiva, em amostras de outros países foi descrito que
entre 30% e 70% dos jovens praticam esportes 21,23,25. Investigar os fatores
associados torna-se relevante para identificar os jovens que possam estar em
risco de serem acometidos por agravos 5,6,7,8,9,10 oriundos da não prática
esportiva e não participação nas aulas de educação física. Investigar a
temática em questão poderá fornecer informações relevantes para a elaboração de
programas de intervenção junto à escola e comunidade, além de nortear estudos
futuros com o objetivo de identificar outros fatores associados e intervenções
para a promoção da prática esportiva e participação nas aulas de educação
física. Por isso, o objetivo do presente trabalho foi analisar os fatores
associados à prática esportiva e participação nas aulas de educação física em
jovens.
Métodos
Este estudo é do tipo transversal e foi realizado na rede estadual de ensino da
cidade de Londrina, Paraná, Brasil, no período de abril a julho de 2012. Nesse
ano, Londrina tinha 55.475 escolares matriculados na rede estadual de ensino. O
método para a seleção amostral foi o probabilístico, utilizando dois
conglomerados (escola e sala de aula) e estratificado por região da cidade
(norte, sul, leste, oeste e centro) e sexo, realizado em dois estágios.
Inicialmente, uma escola de grande porte de cada região da cidade foi sorteada
aleatoriamente, e em cada uma foi avaliada a quantidade proporcional ao número
de alunos da região. Foram utilizadas salas de aulas completas, que tinham
entre 20 e 35 alunos.
O cálculo do tamanho amostral necessário teve como parâmetros a população de
55.475 escolares, prevalência de participação nas aulas de educação física e
prática esportiva de 50%, intervalo de 95% de confiança (IC95%), erro amostral
de 5%. Um número mínimo de 382 estudantes seria necessário, no entanto, devido
à utilização de conglomerados na amostragem, foi adicionado o efeito de
delineamento de 2 e perda amostral de 20%. Foram avaliados 965 escolares, porém
a amostra final foi constituída por 827 participantes (15% de perda amostral),
uma vez que foram analisados apenas os dados dos indivíduos que preencheram
todas as questões.
Todos os procedimentos foram realizados na escola onde os alunos estavam
matriculados, em um único dia, por cinco pesquisadores treinados e
supervisionados pelo coordenador do trabalho. Os alunos responderam a um
questionário em sala de aula, com o objetivo de estimar as variáveis
dependentes (prática esportiva e participação nas aulas de educação física) e
as variáveis independentes (sexo, idade, número de irmãos, o responsável com
quem mora, condição socioeconômica, escolaridades paterna e materna, atividade
física semanal, percepção de atividade física, transporte ativo, comportamento
sedentário, necessidade de muita movimentação nas aulas de educação física,
local de realização destas aulas, cansaço após as aulas de educação física,
número de amigos no bairro, prática esportiva com os amigos, local adequado
para prática esportiva, frequência de utilização dos locais, e locais
utilizados caso não haja um espaço adequado). O tempo necessário para o
preenchimento do questionário variou de 30 minutos para os escolares com idades
acima de 13 anos a 50 minutos para os demais.
As variáveis dependentes do estudo foram obtidas por meio de duas questões: (1)
sobre a prática esportiva: “Nas atividades de lazer e de ocupação do tempo
livre você pratica esportes?”, com as opções de resposta “nunca; raramente;
algumas vezes; frequentemente e sempre”; e (2) participação na aula de educação
física: “Neste semestre, você participou das aulas de educação física?”, com as
opções de resposta “sim; não”.
O participante informou o sexo e a data de nascimento no questionário, a qual
foi conferida consultando-se a lista de cadastro do aluno no IV Núcleo Regional
de Ensino. A condição socioeconômica foi estimada por meio do Critério de
Classificação Econômica Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa.
http://www.abep.org, acessado em 12/Abr/2013), que estabelece classificações
para o nível socioeconômico de acordo com a estimativa de renda média familiar:
A1 (R$ 11.480), A2 (R$ 8.295), B1 (R$ 4.754), B2 (R$ 2.656), C1 (R$ 1.459), C2
(R$ 962), D (R$ 680) e E (R$ 415).
As escolaridades paterna e materna foram analisadas utilizando-se a questão:
“Coloque o grau de instrução de seu pai e sua mãe.”, com as opções de resposta
“analfabeto/até 3a série fundamental; 4a série fundamental; fundamental
completo (8a série); médio completo (3o colegial) e superior completo”.
O número de irmãos foi estimado por meio da questão de tipo aberta: “Quantos
irmãos(ãs) você possui?” Para analisar com qual responsável o participante
morava foi utilizada a questão: “Com quem você mora?”, tendo como opções de
resposta: “com meu pai e minha mãe; apenas com minha mãe; apenas com meu pai; e
nenhum”.
Para estimar a atividade física habitual foi utilizado o Baecke Questionnaire
of Habitual Physical Activity (BQHPA) 26. No estudo foram usadas as seguintes
informações: atividade física semanal, estimada por meio do cálculo do número
de horas semanais em intensidade moderada a vigorosa, de atividades esportivas
e/ou programas de exercícios físicos. O transporte ativo foi analisado
utilizando-se a questão: “Durante quanto tempo por dia você caminha e/ou anda
de bicicleta para ir ao trabalho, à escola e às compras?”, com as opções de
resposta “< 5 minutos; 5-15 minutos; 15-30 minutos; 30-45 minutos e > 45
minutos”. A percepção de atividade física foi estimada por intermédio da
questão: “Em comparação com outras pessoas de mesma idade, você acredita que as
atividades que realiza durante seu tempo livre são fisicamente”, com as opções
de resposta “muito elevadas; elevadas; iguais; baixas e muito baixas”.
O comportamento sedentário foi estimado por meio da questão: “Quantas horas, em
média, você assiste TV, joga videogame ou usa o computador?”, com as opções de
resposta “< 1 hora por dia; 1 hora por dia; 2 horas por dia; 3 horas por dia; 4
horas por dia; e 5 ou mais horas por dia”. A mesma questão foi utilizada para
estimar o comportamento sedentário durante a semana e nos finais de semana.
Foram investigadas três características das aulas de educação física. A
necessidade de movimentação foi avaliada pela questão: “Em todas as aulas de
educação física as atividades realizadas necessitaram de grande movimentação
dos alunos (correr, saltar, jogar)?”, com as opções de resposta “não; sim, em
algumas aulas e; sim, em todas as aulas”. O local onde a aula era realizada:
“Onde você realiza as aulas de educação física?”, com as opções de resposta
“duas aulas na quadra; uma aula na quadra e uma na sala e; as duas na sala”. O
cansaço após as aulas: “Após as aulas de educação física, você se sente cansado
e sem disposição para realizar outras atividades que envolvam esforço (por
exemplo, caminhar, correr, brincar ou jogar)?”, com as opções de resposta “não;
sim em apenas uma aula por semana e; sim, toda aula”.
A quantidade de pessoas da mesma idade no bairro foi estimada por meio da
questão de tipo aberta: “No seu bairro há quantas pessoas da sua idade?”. A
prática de esportes com amigos do bairro foi investigada pela questão: “Você
geralmente pratica algum esporte, jogo ou realiza atividades físicas com os
amigos do seu bairro?”, com as opções de resposta “sim; não”.
A disponibilidade de locais para a prática de atividade física próximo à
residência foi analisada usando-se a questão: “No seu bairro existe algum lugar
adequado (praça, parque, quadra, campo ou clube) para você jogar, brincar ou
praticar algum esporte?”, com as opções de resposta “não; sim, apenas um e;
sim, mais que um”. Os participantes informaram a frequência de utilização
desses lugares: “Quantas vezes por semana você utiliza esses lugares para
realizar atividades físicas, jogar ou praticar esportes?”, com as respostas
“nenhuma vez; apenas uma vez; duas a quatro vezes; mais de quatro vezes”. Se o
participante informasse que não havia lugar próximo à residência, respondeu à
questão: “Caso em seu bairro não haja praça, parque, quadra, campo ou clube,
qual lugar você utiliza para jogar, brincar, praticar esportes ou realizar
atividades físicas?”, com as opções de resposta “rua; minha casa ou dos amigos;
vou a outro bairro”.
As variáveis independentes do presente trabalho foram selecionadas de acordo
com as informações disponíveis sobre a associação dos aspectos
sociodemográficos, comportamentais e ambientais com a prática esportiva de
jovens de outros países 21,22,23,24 e com a atividade física de jovens
brasileiros 16,17,18,19. As três variáveis referentes às características aulas
de educação física foram incluídas no estudo com base na experiência
profissional dos pesquisadores.
A reprodutibilidade do questionário utilizado no presente estudo foi testada em
70 escolares, no intervalo de sete dias. Todas as questões apresentaram
reprodutibilidade aceitável, com a concordância das questões variando de 65% a
100% entre os dois momentos. Para as questões com variável numérica discreta a
reprodutibilidade foi alta, com coeficiente de correlação = 0,964 (0,926-0,983)
para o número de irmãos e 0,852 (0,656-0,937) para o número de amigos.
A análise descritiva foi realizada usando-se a frequência absoluta e relativa
das variáveis analisadas. Para testar a reprodutibilidade do questionário foi
utilizado o índice kappa para as variáveis categóricas e o coeficiente de
correlação intraclasse de um fator aleatório para as variáveis numéricas. Tanto
na análise bivariada quanto na multivariada foi utilizada a regressão logística
binária para a estimativa da razão de chance e os respectivos IC95%. As
análises foram realizadas considerando o plano amostral complexo, de acordo com
o peso amostral de cada estrato e conglomerado. Na análise multivariada foi
utilizada estrutura hierárquica 27 com quatro blocos de entrada das variáveis
no modelo, como descrito na Figura_1. Foram incluídas nos blocos hierárquicos
as variáveis que apresentaram associação de até 20% na análise bivariada,
verificadas por meio do valor de p para tendência. As variáveis que
apresentaram p ≤ 0,05 na análise multivariada foram consideradas
significativamente associadas.
Figura 1 - Estrutura hierárquica das variáveis independentes analisadas.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres
Humanos da Universidade Estadual de Londrina sob o protocolo no 312/2011, de
acordo com a Resolução no196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os
responsáveis pelos escolares que aceitaram participar do estudo assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, constando todos os procedimentos
que seriam realizados e formas de contatos para esclarecimento de possíveis
dúvidas. Ao final do estudo, os resultados foram apresentados para cada unidade
escolar por meio de um relatório individual a cada escola.
Resultados
As características dos participantes do estudo são: 54,4% eram do sexo
feminino, 34,7% tinham entre 10-13 anos, 33% de 14 a 16 anos, 53,1% eram de
condição socioeconômica média, 62,7% tinham mãe com o Ensino Médio completo,
62,4% tinham pais com o Ensino Médio completo. A maioria dos participantes
morava com ambos os pais, 70,7% e 35,4% tinham apenas um irmão. Cinquenta e
nove vírgula quatro por cento realizavam entre 0-2 horas de atividade física,
28,3% entre 3-6 horas e 30,7% tinham percepção de atividade física elevada. O
transporte ativo entre 6-30 minutos era realizado por 51,5% dos jovens, 32,4%
praticavam esportes frequentemente/sempre, 72,9% participavam das aulas de
educação física, 78,6 tinham comportamento sedentário ≥ 2 horas durante a
semana e 75,6% no fim de semana. Quarenta e quatro vírgula sete por cento
relataram necessitar de muita movimentação durante todas as aulas de educação
física, 55% realizavam as duas aulas na quadra e 62,3% não se sentiam cansados
após as aulas. Setenta e um por cento tinham entre 1-9 amigos no bairro, 53,7%
relataram praticar esportes com amigos do bairro, 40% tinham mais do que um
lugar para a prática esportiva no bairro, 37,1% frequentavam os lugares mais de
uma vez na semana, e dentre os que não tinham lugar, 43,9% utilizavam as suas
casas, 40,7% as ruas e 15,4% se deslocavam a outros bairros para praticar
esportes.
Na Tabela_1 estão descritos os resultados da associação bivariada entre as
variáveis independentes analisadas e a prática esportiva e participação nas
aulas de educação física. Foram encontradas proporções significativamente
menores de prática esportiva e participação na aula de educação física em
escolares do sexo feminino e nos que tinham entre 14 e 20 anos.
Tabela 1 - Associação entre as variáveis independentes com a prática esportiva
e participação nas aulas de educação física: regressão logística bivariada.
Prática esportiva Participação nas aulas de educação
Variáveis física
PrevalênciaOR (IC95%) PrevalênciaOR (IC95%)
Sexo p < 0,001 p < 0,001
Masculino 47,7 1,00 78,4 1,00
Feminino 19,6 0,25 (0,18- 65,7 0,50 (0,36-0,68)
0,34)
Idade (anos) p < 0,001 p < 0,001
10-13 44,6 1,00 83,6 1,00
14-16 32,2 0,62 (0,43- 68,9 0,43 (0,29-0,64)
0,87)
17-20 19,5 0,32 (0,22- 65,5 0,42 (0,28-0,63)
0,47)
Com quem mora? p = 0,058 p = 0,619
Pai e mãe 33,7 1,00 72,8 1,00
Apenas com o 13,6 0,46 (0,14- 72,3 1,12 (0,77-1,62)
pai 1,52)
Apenas com a 31,6 0,85 (0,59- 73,8 1,82 (0,69-4,81)
mãe 1,21)
Nenhum 27,3 0,54 (0,25- 65,9 0,57 (0,28-1,15)
1,18)
Número de amigos no bairro p = 0,001
0 26,8 1,00 - -
≤ 9 33,2 1,23 (0,76- - -
1,97)
≥ 10 48,0 2,24 (1,22- - -
4,10)
Condição socioeconômica p = 0,001 p = 0,590
Baixa (C1, C2, 30,1 1,00 75,1 1,00
D e E)
Média (B1 e B2) 32,7 0,79 (0,56- 71,6 0,80 (0,56-1,15)
1,11)
Alta (A1 e A2) 18,8 0,36 (0,20- 71,9 1,06 (0,60-1,85)
0,65)
Escolaridade materna p = 0,001 p = 0,706
Fundamental 21,3 1,00 72,3 1,00
incompleto
Ensino Médio 33,3 1,55 (1,02- 73,7 1,05 (0,70-1,57)
completo 2,36)
Superior 41,4 2,10 (1,27- 70,0 0,94 (0,56-1,56)
completo 3,50)
Escolaridade paterna p = 0,019 p = 0,451
Fundamental 23,9 1,00 73,0 1,00
incompleto
Ensino Médio 33,7 1,43 (0,94- 73,6 1,25 (0,83-1,87)
completo 1,15)
Superior 38,8 1,63 (0,97- 69,0 0,80 (0,48-1,34)
completo 2,71)
Atividade física semanal (horas) p < 0,001 p < 0,001
0-2 17,3 1,00 66,6 1,00
3-6 49,1 4,89 (3,43 – 79,9 1,88 (1,30-2,73)
6,97)
≥ 7 66,7 9,12 (5,62- 87,3 2,71 (1,55-4,74)
14,79)
Percepção de atividade física * p < 0,001 p < 0,001
Baixa/Muito 12,2 1,00 61,2 1,00
baixa
Igual 32,6 3,73 (2,37- 75,8 2,08 (1,44-2,99)
5,85)
Elevada/Muito 53,1 8,46 (5,40- 81,5 2,87 (1,92-4,28)
elevada 13,27)
Transporte ativo (minutos) p < 0,001 p = 0,018
< 5 25,0 1,00 68,3 1,00
6-30 28,6 1,15 (0,49- 72,3 1,23 (0,87-1,90)
1,75)
> 30 44,3 2,04 (1,45- 77,2 1,37 (0,94-2,00)
2,87)
Participação em aulas de educação física p < 0,001
Não 17,9 1,00 - -
Sim 37,8 2,93 (2,01- - -
4,28)
Prática esportiva p < 0,001
Nunca/
Raramente/ - - 65,5 1,00
Algumas vezes
Frequentemente/ - - 84,4 2,93 (2,01-4,28)
Sempre
Comportamento sedentário semana (horas) p = 0,001 p = 0,286
≥ 2 29,6 1,00 71,5 1,00
< 2 38,7 1,32 (0,92- 73,2 1,07 (0,71-1,39)
1,89)
Necessidade de muita movimentação durante as aulas de educação física? p < 0,001
Não - - 33,3 1,00
Sim, algumas - - 67,7 4,72 (2,40-9,27)
aulas
Sim, todas as - - 83,2 10,09 (5,04-20,20)
aulas
Local da aula de educação física p < 0,001
As duas na sala - - 40,6 1,00
Uma na quadra e - - 72,6 4,65 (2,31-9,35)
uma na sala
As duas aulas - - 75,4 4,84 (2,43-9,64)
na quadra
Prática de esportes com amigos do bairro p < 0,001
Não 20,2 1,00 - -
Sim 44,3 4,76 (3,40- - -
6,66)
Local adequado para prática esportiva no bairro p < 0,001
Não 26,0 1,00 - -
Apenas 1 28,7 1,17 (0,77- - -
1,79)
Mais que 1 39,3 2,11 (1,39- - -
3,19)
Quantas vezes por semana utiliza os lugares para prática esportiva? ** p < 0,001
Nenhuma vez 18,4 1,00 - -
Apenas uma vez 34,0 3,68 (2,24- - -
6,05)
Mais de uma vez 55,8 8,36 (5,29- - -
13,22)
Caso não tenha disponibilidade no bairro, qual lugar utiliza para prática p < 0,001
esportiva? ***
Casa 29,3 1,00 - -
Rua 33,0 1,82 (0,76- - -
4,38)
Desloca-se a 54,9 5,29 (1,76- - -
outro bairro 15,89)
Maiores proporções de prática esportiva foram encontradas entre os estudantes
que tinham ≥ 10 amigos, mãe com os ensinos Médio e Superior completos,
realizavam atividade física > 3 horas/semana, tinham percepção igual ou
superior às pessoas da mesma idade, realizavam transporte ativo > 30 minutos/
semana, participantes das aulas de educação física, praticavam esporte com
amigos do bairro, tinham mais de um local adequado à prática esportiva no
bairro, utilizavam o local ≥ 1 vez/semana e, entre os que não tinham local
adequado, deslocavam-se a outros bairros. Para a participação nas aulas de
educação física foram encontradas maiores proporções de participação nos
escolares que realizavam atividade física semanal > 3 horas, tinham percepção
de atividade física igual ou superior às pessoas da mesma idade, praticantes de
esporte, que necessitavam realizar muita movimentação em algumas ou todas as
aulas e nos que realizavam uma ou duas aulas na quadra. As variáveis número de
irmãos, comportamento sedentário no fim de semana e cansaço após as aulas de
educação física não foram descritas na Tabela_1 por não apresentarem associação
com os desfechos na análise bivariada (p > 0,20).
A análise multivariada da associação entre as variáveis independentes com a
prática esportiva e participação nas aulas de educação física são apresentados
na Tabela_2. O sexo feminino e idades entre 17 e 20 anos permaneceram
inversamente associados à prática esportiva e participação nas aulas de
educação física. Ter entre 14 e 17 anos apresentou associação apenas com a
participação nas aulas de educação física.
Tabela 2 - Associação multivariada entre as variáveis independentes com a
prática esportiva e participação nas aulas de educação física: regressão
logística utilizando modelo hierárquico (Figura_1).
Prática Participação nas aulas de educação
Variáveis esportiva física
OR OR (IC95%)
(IC95%)
Bloco
1
Sexo
Masculino 1,00 1,00
0,27
Feminino (0,18- 0,53 (0,38-0,72)
0,40)
Idade (anos)
10-13 1,00 1,00
0,74
14-16 (0,49- 0,45 (0,30-0,68)
1,12)
0,34
17-20 (0,22- 0,44 (0,30-0,67)
0,53)
Número de amigos no bairro
0 1,00 -
1,34
≤ 9 (0,80- -
2,24)
2,30
≥ 10 (1,19- -
4,46)
Bloco
3
Atividade física seminal (horas)
0-2 1,00 1,00
2,51
3-6 (1,55- 1,11 (0,71-1,71)
4,07)
3,56
≥ 7 (1,85- 1,57 (0,81-3,03)
6,82)
Percepção de atividade física *
Baixa/Muito 1,00 1,00
baixa
2,03
Igual (1,11- 1,66 (1,11-2,48)
3,70)
Elevada/Muito 3,75
elevada (2,02- 1,70 (1,07-2,70)
6,95)
Prática esportiva
Nunca/
Raramente/ - 1,00
Algumas vezes
Frequentemente/ - 1,88 (1,21-2,91)
Sempre
Participação em aulas de educação física
Não 1,00 -
1,81
Sim (1,08- -
3,04)
Quantas vezes por semana utiliza os lugares para prática esportiva?
**
Nenhuma vez 1,00 -
2,94
Apenas uma vez (1,60- -
5,42)
3,70
Mais de uma vez (2,01- -
6,84)
Prática de esportes com amigos do bairro
Não 1,00 -
2,41
Sim (1,48- -
3,92)
Bloco
4
Necessidade de muita movimentação durante as aulas de educação
física?
Não - 1,00
Sim, algumas - 3,42 (1,63-7,19)
aulas
Sim, todas as - 8,17 (3,71-17,97)
aulas
Local da aula de educação física
As duas na sala - 1,00
Uma na quadra e - 2,17 (1,08-4,35)
uma na sala
As duas aulas - 2,38 (1,21-4,68)
na quadra
Maiores razões de chances para prática esportiva, que variaram de 1,81 a 3,75
vezes, foram encontradas entre os estudantes que tinham ≥ 10 amigos no bairro,
realizavam atividade física ≥ 7 horas/semana, tinham percepção de atividade
física igual ou superior às pessoas da mesma idade, participantes das aulas de
educação física, praticavam esporte com os amigos e utilizavam os locais para
prática esportiva em seu bairro ≥ 1 vez/semana. Da mesma forma, as razões de
chances de participar das aulas de educação física variaram de 1,66 a 8,17
vezes superiores entre os escolares que tinham percepção de atividade física
igual ou superior às pessoas da mesma idade, praticavam esporte, que
necessitavam realizar muita movimentação em algumas ou todas as aulas de
educação física e nos que realizavam uma ou duas aulas na quadra.
As variáveis com quem mora (bloco 1), condição socioeconômica, escolaridades
materna e paterna (bloco 2), transporte ativo e comportamento sedentário (bloco
3), local adequado para a prática esportiva no bairro e em que lugar realiza a
prática caso não tenha disponibilidade no bairro (bloco 4) não foram descritas
na Tabela_2 por não se manterem associadas aos desfechos na análise
multivariada.
Discussão
A prevalência de jovens dos sexos masculino e feminino que praticam esportes
foi de 47,7% e 19,6%, e nos que participam das aulas de educação física de
78,4% e 65,7% respectivamente. A prevalência de prática esportiva foi inferior
a encontrada em estudos com jovens portugueses (62%-72% no sexo masculino
2,21,23, 34%-44% no feminino 2,23) e 60% em jovens americanos de ambos os sexos
25. Com relação à participação nas aulas de educação física, no presente estudo
foram encontradas prevalências superiores as encontradas no Brasil (50%) 19 e
Estados Unidos (60%) 28,29.
A menor proporção de jovens do sexo feminino comparada ao sexo masculino que
praticavam esporte e participavam das aulas de educação física corroboram com
outros resultados já descritos na literatura 18,22,30. A diferença entre os
sexos na prevalência de prática esportiva pode estar associada às experiências
constrangedoras na presença do sexo oposto e imagem corporal em meninas,
fazendo com as jovens optem por atividades como corrida e ginástica de academia
29. Os mesmos aspectos 29 podem estar influenciando a participação nas aulas de
educação física, haja vista que as aulas no Brasil são realizadas em turmas
mistas. Além disso, já foi descrito que jovens do sexo feminino relatam não
gostar dessas aulas, provavelmente devido à menor competência atlética
percebida 31, o que reduz a participação quando comparadas aos jovens do sexo
masculino 32. Da mesma forma, outros fatores como a maior facilidade ao acesso
para prática, incentivo dos amigos e prazer em realizar a atividade física
podem explicar a maior prevalência de prática esportiva e participação nas
aulas de educação física em jovens do sexo masculino, fatores que estão
associados apenas aos rapazes 33.
Para a idade, com o aumento dos anos ocorreu a diminuição da participação nas
aulas de educação física, fato que corrobora com um estudo realizado com jovens
brasileiros e que pode ser explicado pelo início do trabalho remunerado no
contraturno 19. Outras informações disponíveis dizem respeito apenas aos
fatores que permeiam a diminuição da atividade física ao longo da idade e,
apesar disto, ainda não existem resultados conclusivos sobre o tema. Um estudo
longitudinal recente investigou 19 possíveis preditores da diminuição da
atividade física em jovens aos 10 e 16 anos 34. Os resultados demonstraram que
nos jovens do sexo masculino apenas a atividade física moderada a vigorosa aos
10 anos e a autoeficácia estiveram associadas à atividade física, enquanto que
para as jovens a atividade física moderada a vigorosa aos 10 anos e a percepção
de barreiras para a prática foram associadas à atividade física 34. Outro fator
que pode estar associado à diminuição da prática esportiva ao longo da
adolescência é que nesta fase começam a trabalhar e os estudos são
intensificados, ocupando o tempo livre dos jovens 35,36.
Tem sido relatado na literatura que a prática esportiva está positivamente
associada à condição socioeconômica e escolaridade dos pais, sendo que este
fato ocorre possivelmente devido ao suporte que crianças expostas a esta
condição têm em relação a lugares e equipamentos adequados para a prática
esportiva 23. Isso já foi descrito tanto para prática esportiva quanto para
atividade física vigorosa 37. No presente trabalho os resultados são contrários
à literatura, indicando que a condição socioeconômica não está associada à
prática esportiva. Uma possível explicação é a não associação encontrada entre
prática esportiva e disponibilidade de locais adequados para a prática. Tais
resultados corroboram um estudo recente que demonstrou não haver associação
entre prática esportiva e disponibilidade de locais e equipamentos adequa- dos
21. Esses dados permitem afirmar que possuir locais adequados não garante a
prática esportiva de jovens. O que irá determinar a prática é a frequência do
jovem nesses lugares, como descrito no presente trabalho. Dessa forma,
programas de incentivo à prática esportiva devem buscar estratégias para atrair
os jovens aos lugares como praças, parques, quadras poliesportivas e clubes,
garantindo segurança e orientação especializada para a prática.
Outros resultados encontrados fornecem informações relevantes para o
entendimento da não associação verificada entre prática esportiva e
disponibilidade de locais adequados próximo à residência. Primeiro, o jovem
praticante de esporte utiliza outros lugares improvisados, como por exemplo, a
rua e as residências, ou ainda, se desloca para outros bairros onde há lugares
adequados para praticar esportes, como verificado no presente trabalho. Além
disso, quando ajustados para todas as variáveis do estudo, dois fatores,
possuir ≥ 10 amigos e praticar esportes com amigos, se mostraram positivamente
associados à prática esportiva. Os resultados corroboram aos previamente
descritos, os quais demonstraram que a prática esportiva está positivamente
associada ao incentivo dos amigos 38.
Da mesma forma como a prática esportiva, não foram encontradas associações
entre participação nas aulas de educação física e indicadores socioeconômicos,
corroborando com os resultados de um estudo realizado com jovens brasileiros
19. Nas escolas da rede estadual de ensino estão matriculados alunos de
diferentes estratos socioeconômicos, como encontrado no presente estudo. Os
alunos, independentemente da condição socioeconômica, usufruem da mesma
infraestrutura, professores e currículo, variáveis que podem ser determinantes
para a participação nas aulas de educação física quando comparadas à condição
socioeconômica.
Isso foi encontrado no presente trabalho, uma vez que realizar aulas na quadra
e aulas que necessitam de muita movimentação foram positivamente associadas à
participação. Com relação às aulas na quadra, dois aspectos podem contribuir
para maior proporção de participação nestas aulas. O aluno tem em média cinco
aulas por dia em sala de aula com duração de 50 minutos cada, sendo assim, a
aula de educação física realizada na quadra pode torná-la interessante,
principalmente para os que se sentem motivados para realizar atividades físicas
39. De forma semelhante, aulas que necessitam de muita movimentação reduzem o
tempo no qual o aluno permancece parado aguardando sua vez de executar tarefas
ou apenas sendo instruído. A falta de movimentação nas aulas de educação física
é um fator comumente relatado por alunos como sendo uma das causas da não
participação 40. Um fato que poderia justificar a realização de aulas com menor
movimentação é que a aula com muita movimentação resultaria em aumento da
intensidade da atividade, gerando percepções de desconforto durante a
realização, o que ocasionaria a desistência da tarefa realizada, como já
descrito em jovens 41. Isso não foi confirmado pelos achados do presente
estudo, haja vista que não foram encontradas associações entre se sentir
cansado após as aulas de educação física e participação nas mesmas.
Um dos fatores que apresentou associação com a prática esportiva e participação
nas aulas de educação física foi a percepção de atividade física. Já foi
descrito que jovens superestimam a sua atividade física real 42. No entanto,
com relação à prática esportiva e participação nas aulas de educação física
isso não ocorreu. Os resultados demonstram que indivíduos que se percebem
iguais ou mais ativos fisicamente quando comparados às pessoas da mesma idade,
têm maiores chances de praticar esportes e participar das aulas de educação
física em relação aos que têm percepção de atividade física baixa ou muito
baixa.
A atividade física apresentou associação positiva com a prática esportiva, mas
o mesmo não foi encontrado para a participação nas aulas de educação física. O
instrumento utilizado permitiu quantificar a atividade física realizada por
meio de programas de exercício físico de qualquer tipo e prática esportiva em
intensidade moderada a vigorosa. Os resultados demonstram que a prática
esportiva é um aspecto importante para o acúmulo de atividade física diária
semanal dos jovens brasileiros, como já relatado previamente entre jovens 2.
Assim, a prática esportiva deve ser incentivada com o objetivo de aumentar a
proporção de jovens que atendem à recomendação de atividade física moderada a
vigorosa semanal. Com relação às aulas de educação física, apesar de já ter
sido demonstrado que elas são eficazes para aumentar a atividade física semanal
de jovens 3,4, na amostra estudada a quantidade de atividade física no tempo
livre entre os que participam destas aulas não foi superior se comparada aos
não participantes, como já demonstrado 19. Um fator que pode explicar esse
resultado é o fato de que o incentivo e a orientação à prática de atividade
física ainda não são prioridades no currículo da educação física na escola 43,
característica que deve ser reavaliada tendo em vista a promoção do estilo de
vida ativo dos escolares.
As duas variáveis dependentes analisadas no presente estudo apresentaram
associação positiva entre si. A educação física tem como um dos seus conteúdos
norteadores o esporte 13, que além de ser praticado dentro da escola também é
incentivado a ser realizado no tempo livre. Diversos são os fatores que motivam
a prática esportiva de jovens, como por exemplo, promover a aptidão física e
habilidades, prazer em competir e socialização 44, itens que podem impulsionar
a participação dos alunos durante as aulas apenas pelo fato de gostar de
praticar esporte. Devido ao delineamento transversal utilizado no trabalho, não
é possível identificar efeito causal de uma variável sobre a outra.
Apesar dos resultados encontrados, o estudo apresenta algumas limitações. Uma é
o fato de que não foi analisado se o jovem realizava trabalho remunerado,
variável que pode estar associada à prática esportiva. Além disso, não foram
identificados quais os esportes que eram praticados pelos jovens e se o esporte
era feito de forma orientada, características que podem apresentar associações
diferentes das encontradas. Com relação às aulas de educação física,
informações sobre a qualidade da infraestrutura, dos materiais, perfil do
professor, métodos e conteúdos utilizados na aula não foram analisados,
características que também podem estar associadas à participação durante estas
aulas.
Conclusão
Os resultados encontrados no presente estudo sugerem que ser do sexo masculino,
ter entre 10 e 13 anos e percepção de atividade física igual ou superior às
pessoas da mesma idade são fatores positivamente associados com a prática
esportiva e participação nas aulas de educação física. Participar dessas aulas,
realizar atividade física 7 horas/semana, conviver com 10 ou mais amigos,
frequentar lugares para a prática esportiva uma ou mais vezes na semana e
realizar atividades com amigos estiveram positivamente associados à prática
esportiva. Maiores proporções de participação nas aulas de educação física
foram encontradas entre os jovens que praticam esportes, participam de aulas
que necessitam de muita movimentação e nos que realizam aulas na quadra.
Os resultados encontrados apontam características que devem ser consideradas
por professores e pesquisadores, tanto na execução das aulas no âmbito escolar
quanto na formulação de políticas públicas para o incentivo à prática esportiva
e aumento da participação nas aulas de educação física, assim como na proposta
de estudos experimentais com o mesmo objetivo. Sugere-se que futuros trabalhos
investiguem outros fatores, tais como conteúdos ministrados em aula e o
ambiente físico e social das escolas, que também podem contribuir para o
entendimento da participação dos jovens nas aulas de educação física. Da mesma
forma, analisar fatores como barreiras ambientais, sociais e aspectos
motivacionais torna-se relevante, uma vez que são aspectos que também podem
determinar a prática esportiva de jovens.