Qualidade da dieta e fatores associados entre idosos: estudo de base
populacional em Campinas, São Paulo, Brasil
Introdução
A população idosa brasileira apresenta elevadas prevalências de excesso de peso
(58,4%) e obesidade (19,4%) 1. O processo fisiológico do envelhecimento provoca
alterações na composição corporal decorrentes do aumento da massa gorda em
detrimento da massa magra, modificações estas, relacionadas ao declínio da
atividade física e queda na taxa de metabolismo basal. Mas, além do sobrepeso,
parcela significativa dos idosos é acometida por carências nutricionais e mesmo
por desnutrição. No idoso, ocorrem alterações na ingestão alimentar provocadas
por perda de apetite, diminuição da capacidade gustativa e olfativa, distúrbios
de deglutição, o que conduz a menor absorção de vitaminas, minerais e outros
nutrientes 2. Entre os fatores que podem resultar em menor ingestão alimentar,
destacam-se ainda o isolamento social, a depressão, a viuvez e as incapacidades
3. Em decorrência do reduzido consumo de alimentos ou da adoção de uma dieta
monótona, o idoso pode apresentar depleção de nutrientes essenciais para a
manutenção da saúde e controle das doenças 2.
Dados recentemente publicados, referentes ao Inquérito Nacional de Alimentação
2008-2009, evidenciam inadequação na dieta dos idosos brasileiros. Foram
analisados 4.322 indivíduos com 60 anos ou mais, sendo observadas prevalências
elevadas de ingestão inadequada para as vitaminas A, C, D, E, tiamina e
piridoxina e para os minerais cálcio, magnésio, zinco e cobre. O consumo
habitual de sódio foi excessivo para 80% dos homens e 61% das mulheres 4.
Em face do acelerado envelhecimento populacional e consequente crescimento da
carga de doenças crônicas, incapacidades e demanda por serviços de saúde, bem
como dos efeitos da inadequada alimentação dos idosos no estado geral de saúde
e na incidência de comorbidades, identificar os padrões dietéticos e monitorar
a magnitude das mudanças tornam-se tarefas indispensáveis. O Healthy Eating
Index (HEI) 5 é um instrumento que viabiliza essas aplicações e permite avaliar
a qualidade da dieta em consonância com os avanços científicos no campo da
nutrição, que vão sendo incorporados nos guias dietéticos. Com a publicação do
Dietary Guidelines for Americans (2005) 6, o HEI foi revisado, passando a ter
12 componentes, que avaliam o grau de atendimento às recomendações de consumo
de alimentos e nutrientes 7. No Brasil, o HEI foi adaptado por Fisberg et al.
8, originando o Índice de Qualidade da Dieta (IQD). Considerando o lançamento
das primeiras recomendações oficiais sobre alimentação, dispostas no Guia
Alimentar para a População Brasileira 9, o IQD foi atualizado e designado de
Índice de Qualidade da Dieta Revisado (IQD-R) 10.
Levando em conta o cenário de crescimento da população idosa e a relevância de
diagnosticar e monitorar os padrões de comportamento alimentar deste segmento
etário, o presente estudo teve por objetivo avaliar a qualidade global da dieta
de idosos de 60 anos e mais, residentes no Município de Campinas, São Paulo,
Brasil, segundo variáveis sociodemográficas, de comportamentos de saúde e
morbidades.
Métodos
Trata-se de estudo transversal de base populacional, que utilizou dados
provenientes do Inquérito de Saúde no Município de Campinas (ISA-Camp 2008),
realizado pelo Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde do
Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade
Estadual de Campinas (FCM/Unicamp). O período de coleta de dados ocorreu entre
os meses de fevereiro de 2008 a abril de 2009.
A amostra do inquérito foi selecionada por procedimentos de amostragem
probabilística, por conglomerado e em dois estágios: setor censitário e
domicílio. No primeiro estágio, foram sorteados cinquenta setores censitários
com probabilidade proporcional ao tamanho (número de domicílios). Foram
utilizados os setores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE.
http://www.ibge.gov.br), definidos para o Censo Demográfico de 2000;
considerando o tempo decorrido, foi feito o arrolamento dos domicílios dos
setores selecionados para a obtenção de uma listagem atualizada de endereços.
No segundo estágio, procedeu-se o sorteio dos domicílios.
O tamanho da amostra foi calculado valendo-se da estimativa de uma prevalência
de 50% (que corresponde à variabilidade máxima), com nível de 95% de confiança,
erro de amostragem entre 4 e 5 pontos percentuais e um efeito de delineamento
de 2, totalizando mil pessoas no estrato de 60 anos e mais. Esperando 80% de
taxa de resposta, o tamanho da amostra foi ampliado para 1.250. Para obter o
tamanho desejado, foi definido o número de domicílios que deveriam ser
sorteados; com base na razão população idosa/domicilio, foram sorteados 3.900
domicílios para entrevistas com idosos.
As entrevistas foram feitas diretamente com os moradores de 60 anos e mais, de
ambos os sexos, não institucionalizados, residentes na área urbana do Município
de Campinas.
As informações foram coletadas por meio de um questionário estruturado em 14
blocos temáticos, testado em estudo-piloto e aplicado por entrevistadores
treinados e supervisionados. O bloco temático sobre consumo alimentar incluiu o
recordatório de 24 horas (R24h), método que consiste no levantamento e
quantificação de todos os alimentos e bebidas ingeridos nas 24 horas
precedentes à entrevista. O R24h foi aplicado por entrevistadores treinados a
orientar o relato dos participantes, com o cuidado de não interrompê-los, e a
evitar induzir respostas. As entrevistas foram conduzidas nos diferentes dias
da semana e meses do ano para captar a variabilidade interindividual do padrão
de consumo alimentar 11.
Variáveis do estudo
A variável dependente foi derivada do IQD-R, adaptado do HEI-2005 por
Previdelli et al. 10. O IQD-R é constituído por 12 componentes: nove relativos
a grupos de alimentos (frutas totais; frutas integrais; vegetais totais;
vegetais verdes-escuros e alaranjados e leguminosas; cereais totais; cereais
integrais; leite e derivados; carnes, ovos e leguminosas; óleos), dois
referentes a nutrientes (sódio e gordura saturada) e um que avalia o percentual
energético proveniente das gorduras, saturada e trans, álcool e açúcar de
adição (Gord_AA).
Os componentes recebem pontuações específicas que variam de 0 (mínima) a 5, a
10 ou a 20 (máximas), dependendo do componente (Tabela_1). A pontuação mínima é
atribuída ao consumo nulo (componentes 1 a 9) ou ao consumo acima do limite
preconizado (componentes 10 a 12), enquanto a pontuação máxima de cada
componente é estabelecida atingindo ou ultrapassando o valor recomendado de
ingestão. Escores para os valores intermediários de ingestão, compreendidos no
intervalo entre os critérios de pontuação mínima e máxima, são atribuídos de
forma proporcional. Os componentes de 1 a 9 avaliam a adequação e os
componentes de 10 a 12, a moderação, o que confere sentidos opostos ao
significado das pontuações, ou seja, o aumento do consumo reflete positivamente
na pontuação dos grupos 1 a 9 e negativamente nos grupos de 10 a 12. O IQD-
R total é representado pela soma dos componentes, podendo atingir o máximo de
100 pontos.
Tabela 1 Critérios de pontuação dos componentes do Índice de Qualidade da Dieta
Revisado (IQD-R).
Componentes do PontuaçãoPontuação máxiCritérios de pontuação
IQD-R mínima
1. Frutas 0 5 0: não consumo
totais * 5: 1,0 porção/1.000kcal
2. Frutas 0 5 0: não consumo
integrais 5: 0,5 porção/1.000kcal
3. Vegetais 0 5 0: não consumo
totais 5: 1,0 porção/1.000kcal
4. Vegetais 0: não consumo
verdes escuros 0 5
e alaranjados e 5: 0,5 porção/1.000kcal
leguminosas
5. Cereais 0 5 0: não consumo
totais 5: 2,0 porções/1.000kcal
6. Cereais 0 5 0: não consumo
integrais 5: 1,0 porção/1.000kcal
7. Leite e 0 10 0: não consumo
derivados 10: 1,5 porção/1.000kcal
8. Carnes, ovos 0 10 0: não consumo
e leguminosas 10: 1,0 porção/1.000kcal
9. Óleos ** 0 10 0: não consumo
10: 0,5 porção/1.000kcal
0: ≥ 15% do valor energético
10. Gordura 0 10 total
saturada 10: ≤ 7% do valor energético
total
11. Sódio 0 10 0: ≥ 2,0g/1.000 kcal
10: ≤ 0,75g/1.000 kcal
0: ≥ 35% do valor energético
12. Gord_AA 0 20 total
20: ≤ 10% do valor energético
total
IQD-R total 0 100
Gord_AA: percentual energético proveniente das gorduras, saturada e trans,
álcool e açúcar de adição.
* Representam o consumo de frutas na forma de suco natural;
** Incluem as gorduras das oleaginosas e dos peixes.
Fonte: Previdelli et al. 10.
O cálculo do IQD-R baseou-se nas informações obtidas pela aplicação de um R24h.
Durante o trabalho de campo, o conteúdo dos recordatórios era verificado
minuciosamente pela autora principal deste estudo para identificar e solucionar
falhas no preenchimento. Foi realizada a quantificação dos R24h com o propósito
de transformar em gramas ou mililitros as quantidades de alimentos e
preparações referidas em medidas caseiras. Para isso, foram utilizadas
informações disponíveis em tabelas de medidas caseiras 12,13, rótulos de
alimentos e serviços de atendimento ao consumidor. O valor nutritivo dos
alimentos consumidos foi calculado por meio do software Nutrition Data System
for Research, versão 2007 (NCC Food and Nutrient Database, University of
Minnesota, Estados Unidos). Foi efetuada a análise de consistência dos dados
por meio da checagem dos R24h que totalizavam energia inferior a 800kcal e
superior a 3.500kcal.
As variáveis independentes analisadas neste estudo foram:
* Demográficas e socioeconômicas: sexo, idade, raça/cor da pele
autorreferida, religião, estado conjugal, número de moradores no
domicílio, escolaridade (em anos de estudo), renda familiar mensal per
capita (em salários mínimos) e atividade ocupacional.
* Comportamentos relacionados à saúde: atividade física em contexto de
lazer avaliada pelo Questionário Internacional de Atividade Física
(IPAQ), versão longa 14, categorizada em – ativos (idosos que praticam ao
menos 150 minutos por semana, distribuídos, no mínimo, por três dias),
insuficientemente ativos (os que praticam menos de 150 minutos por semana
ou mais, porém em menos de três dias na semana) e sedentários (os que não
praticam qualquer tipo de atividade física de lazer em nenhum dia da
semana) 15; tabagismo e disposição de regras no domicílio sobre o
tabagismo; frequência de consumo de bebida alcoólica e relato da bebida
de preferência.
* Morbidades: presença de hipertensão, diabetes, número de doenças crônicas
entre as incluídas em checklist, transtorno mental comum (TMC) avaliado
pelo Self-reporting Questionnarie (SRQ-20), considerando apresentar o
problema os indivíduos com escore ≥ 5 pontos para homens e mulheres 16,
autoavaliação da saúde e número de medicamentos utilizados nos três dias
anteriores à pesquisa; índice de massa corporal (IMC) calculado por meio
de informações autorreferidas de peso e altura. Foram usados os pontos de
corte recomendados para idosos 17 com as seguintes classificações: baixo
peso (< 22kg/m2), eutrofia (22-27kg/m2) e excesso de peso (> 27kg/m2).
Para as análises deste estudo, foram estimadas as médias e intervalos de 95% de
confiança (IC95%) do IQD-R total e de cada componente, bem como o percentual
das médias dos componentes em relação ao escore máximo. Os valores médios do
IQD-R total segundo as categorias das variáveis independentes foram
determinados pelo uso de regressão linear simples, com nível de significância
de 5%. Foi desenvolvido modelo de regressão linear múltipla em duas etapas. Na
primeira, foram inseridas as variáveis demográficas e socioeconômicas com
alguma categoria apresentando nível de significância inferior a 0,20 na análise
bivariada, tendo permanecido no modelo aquelas com p < 0,05. Na segunda etapa,
foram acrescentadas ao modelo as variáveis de comportamentos relacionados à
saúde e morbidades que tiveram alguma categoria com p < 0,20 na análise
bivariada, mantendo-se as que permaneceram com nível de 5% de significância.
Todas as etapas do modelo foram ajustadas pela energia total da dieta 18.
As entrevistas foram digitadas em banco de dados elaborado com o uso do Epidata
3.1 (Epidata Association, Odense, Dinamarca), e as análises estatísticas foram
feitas no módulo svy do programa Stata 11.0 (Stata Corp., College Station,
Estados Unidos), que permite a análise de dados de amostras complexas.
O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/
Unicamp, em adendo ao parecer no 079/2007.
Resultados
Entre os domicílios sorteados para a amostra de idosos, houve 6,5% de perda por
dificuldade de encontrar um residente na moradia. Dos 1.558 idosos
identificados para a realização da pesquisa, 2,5% recusaram-se a participar,
obtendo-se, ao final, um total de 1.519 entrevistas. Destas, dez foram
excluídas devido ao não preenchimento do R24h. Portanto, foram analisadas as
informações de 1.509 idosos, com idade média de 69,9 anos (IC95%: 69,3-70,6).
A definição do tamanho da amostra não se baseou em testes de associação, mas o
total de 1.509 idosos seria suficiente para detectar diferenças de, ao menos,
1,6 entre as médias dos escores do IQD-R, considerando um erro tipo I de 5%, um
erro beta de 20%, deff de 2 e um tamanho amostral de pelo menos 110 pessoas nas
categorias analisadas.
A população estudada é composta por maior proporção de mulheres (57%), de
pessoas com idades entre 60 e 69 anos (53,8%), de cor branca (78,1%) e de
religião católica (66,6%); 39,9% tinham entre quatro e oito anos de
escolaridade; 39,1% tinham menos de um salário mínimo de renda familiar mensal
per capita e 51,3% eram aposentados. Idosos sedentários em contexto de lazer
representaram 67,7%; 11,5% eram fumantes; 9,9% ingeriam álcool numa frequência
maior ou igual a duas vezes por semana e 21,7% eram diabéticos.
A média estimada de pontos do IQD-R foi de 62,4 (IC95%: 61,7-63,1), sendo 61,8
(IC95%: 60,0-63,6) para os homens e 62,2 (IC95%: 61,5-63,7) para as mulheres.
Os componentes do IQD-R com piores pontuações foram os cereais integrais,
sódio, leite e derivados, frutas totais e frutas integrais (Tabela_2).
Tabela 2 Médias da pontuação dos componentes do Índice de Qualidade da Dieta
Revisado (IQD-R) e percentual de atendimento ao escore máximo na população de
60 anos e mais. Inquérito de Saúde de Campinas (ISA-Camp 2008).
Componentes PontuaçãoMédia da pontuação Percentual em relação ao escore
do IQD-R máxima (IC95%) máximo
Frutas 5 2,6 (2,4-2,8) 52,0
totais
Frutas 5 2,9 (2,7-3,0) 58,0
integrais
Vegetais 5 4,5 (4,4-4,6) 90,0
totais
Vegetais
verdes
escuros e 5 3,9 (3,8-4,0) 78,0
alaranjados
e
leguminosas
Cereais 5 4,7 (4,6-4,7) 94,0
totais
Cereais 5 0,4 (0,3-0,4) 8,0
integrais
Leite e 10 4,9 (4,5-5,2) 49,0
derivados
Carnes, ovos
e 10 8,7 (8,5-8,8) 87,0
leguminosas
Óleos 10 8,7 (8,5-8,9) 87,0
Gordura 10 6,5 (6,3-6,8) 65,0
saturada
Sódio 10 2,1 (1,9-2,2) 21,0
Gord_AA 20 12,5 (12,0-12,9) 62,5
IQD-R total 100 62,4 (61,7-63,1) 100,0
Gord_AA: percentual energético proveniente das gorduras, saturada e trans,
álcool e açúcar de adição.
Os escores médios do IQD-R foram superiores nos indivíduos com 80 anos e mais,
nos adeptos da religião evangélica, no segmento de renda per capita igual ou
superior a quatro salários mínimos e nas donas de casa. Por outro lado, escore
inferior foi verificado em idosos que residiam em domicílios com três ou mais
moradores, comparados aos que relataram morar sozinhos ou com apenas um outro
morador (Tabela_3).
Tabela 3 Médias do Índice de Qualidade da Dieta Revisado (IQD-R), segundo
variáveis sociodemográficas na população de 60 anos e mais. Inquérito de Saúde
de Campinas (ISA-Camp 2008).
Variáveis n % Médias brutas Valor de p
(IC95%)
Sexo
Masculino * 611 43,0 61,8 (60,0-63,6)
Feminino 898 57,0 62,2 (61,5-63,7) 0,476
Faixa etária (anos)
60-69 * 812 53,8 61,8 (60,9-62,7)
70-79 498 32,9 62,7 (60,4-64,9) 0,222
80 e + 199 13,3 64,3 (61,3-67,3) 0,020 **
Raça/Cor da pele ***
Branca * 1.147 78,1 62,4 (61,6-63,2)
Preta 108 7,2 60,7 (56,9-61,1) 0,104
Parda 223 14,7 63,2 (62,4-65,7) 0,315
Religião
Católica * 1.001 66,6 61,8 (60,9-62,7)
Evangélica 333 21,6 63,4 (61,3-65,5) 0,011 **
Outras 83 5,7 64,1 (59,5-68,8) 0,230
Sem religião 89 6,1 63,4 (60,2-66,7) 0,178
Estado conjugal
Com cônjuge * 837 56,4 62,3 (61,4-63,2)
Separado 120 7,9 62,0 (59,4-64,0) 0,800
Viúvo 452 29,1 63,0 (62,3-65,0) 0,323
Solteiro 100 6,6 61,7 (58,3-63,9) 0,656
Número de pessoas no domicílio
1-2 * 820 54,6 63,3 (62,3-64,3)
3 e + 689 45,4 61,4 (57,9-61,0) 0,015 **
Escolaridade (anos)
0-3 * 545 35,0 63,0 (61,7-64,3)
4-8 608 39,9 61,9 (59,1-62,3) 0,157
9 e + 355 25,1 62,5 (60,0-63,9) 0,589
Renda per capita (salários mínimos)
< 1 * 602 39,1 61,8 (60,8-62,8)
≥ 1 a < 2,5 569 37,3 62,8 (60,5-65,1) 0,143
≥ 2,5 a < 4 163 11,1 61,8 (58,4-65,2) 0,996
≥ 4 175 12,5 63,7 (60,8-66,5) 0,054 **
Atividade ocupacional
Em atividade (inclusive aposentados) 313 21,8 61,4 (60,1-62,7)
Aposentado 749 51,3 62,6 (62,2-65,4) 0,145
Dona de casa 414 26,9 63,2 (63,2-66,7) 0,048 **
* Categoria de referência utilizada para comparação;
** Valor de p < 0,05;
*** Excluídos os idosos que se declararam amarelos (n = 25) e indígenas (n =
4).
Os indivíduos classificados como ativos ou insuficientemente ativos no lazer
tiveram pontuações médias do IQD-R significativamente maiores quando comparados
aos sedentários. Escores significativamente inferiores foram detectados entre
os fumantes e os que viviam em residências onde o tabagismo era permitido
livremente. Entre os que ingeriam bebidas alcoólicas, foi observado gradiente
de piora dos escores com o aumento da frequência de consumo. Os idosos que
relataram preferência por refrigerantes e por bebidas alcoólicas apresentaram
médias menores em relação aos que relataram água ou chá como a bebida de
preferência (Tabela_4).
Tabela 4 Médias do Índice de Qualidade da Dieta Revisado (IQD-R), segundo
variáveis de comportamentos relacionados à saúde na população de 60 anos e
mais. Inquérito de Saúde de Campinas (ISA-Camp 2008).
Variáveis n % Médias brutas Valor
(IC95%) de p
Atividade física em contexto de lazer (IPAQ)
Sedentário * 996 65,4 61,4 (60,5-
62,3)
Insuficientemente ativo 188 12,5 65,2 (62,4- 0,000
67,9) **
Ativo 325 22,1 63,9 (61,2- 0,007
66,6) **
Tabagismo
Nunca fumou * 1.031 67,7 62,8 (61,9-
63,7)
Ex-fumante 305 20,8 63,0 (61,4- 0,831
65,0)
Fumante 172 11,5 59,2 (53,7- 0,000
57,5) **
Regras do domicílio quanto ao tabagismo
Não é permitido fumar em nenhum lugar * 607 40,2 63,3 (62,3-
64,4)
É permitido fumar em alguns lugares ou horários 298 19,8 62,4 (59,8- 0,245
63,1)
É permitido fumar em qualquer lugar/Não existem regras sobre 600 40,0 61,5 (58,1- 0,016
isso 61,1) **
Frequência de consumo de álcool
Não bebe * 1.055 69,1 63,1 (62,4-
63,9)
1-4 vezes no mês 308 21,0 61,4 (58,1- 0,032
61,3) **
2 ou + vezes por semana 141 9,9 59,5 (53,9- 0,001
57,9) **
Bebida de preferência
Água/Chá * 453 30,8 63,4 (62,2-
64,6)
Refrigerantes (todos os tipos) 338 22,6 60,6 (56,0- 0,003
59,6) **
Leite/Iogurte/Vitaminas 51 3,4 63,6 (59,6- 0,918
68,0)
Café/Bebidas com café 99 6,5 62,7 (59,3- 0,576
64,6)
Suco natural (inclusive água de coco) 332 22,1 64,3 (63,8- 0,206
66,7)
Refrescos 44 2,9 62,4 (57,2- 0,650
65,7)
Bebidas alcoólicas 169 11,7 59,6 (53,8- 0,000
57,8) **
IPAQ: Questionário Internacional de Atividade Física.
* Categoria de referência utilizada para comparação;
** Valor de p < 0,05.
Dietas de melhor qualidade foram constatadas entre os idosos que referiram o
diagnóstico de diabetes, a presença de três ou mais doenças crônicas e o uso de
três ou mais medicamentos nos três dias prévios à entrevista (Tabela_5).
Tabela 5 Médias do Índice de Qualidade da Dieta Revisado (IQD-R), segundo
morbidades, estado de saúde, índice de massa corporal (IMC) e uso de
medicamentos em idosos de 60 anos e mais. Inquérito de Saúde de Campinas (ISA-
Camp 2008).
Variáveis n % Médias brutas Valor
(IC95%) de p
Hipertensão arterial
Não * 695 46,7 61,9 (60,9-
62,9)
Sim 814 53,3 62,9 (62,8- 0,066
65,0)
Diabetes melitus
Não * 1.176 78,3 61,7 (60,9-
62,4)
Sim 331 21,7 65,2 (67,4- 0,000
69,9) **
Número de doenças crônicas
0 * 284 19,4 61,6 (60,2-
62,9)
1-2 703 47,5 61,6 (60,1- 0,945
63,2)
3 e + 500 33,1 64,0 (64,8- 0,003
67,9) **
Transtorno mental comum
Não * 1.030 69,0 62,3 (61,4-
63,2)
Sim 477 31,0 62,7 (60,4- 0,592
64,9)
Autoavaliação da saúde
Excelente/Muito boa 357 24,3 63,2 (61,9-
64,4)
Boa 966 63,6 62,0 (59,2- 0,161
62,5)
Ruim/Muito ruim 186 12,1 63,2 (61,1- 0,973
65,3)
IMC (kg/m2)
< 22 251 16,5 62,2 (60,2- 0,590
63,3)
22-27 * 681 45,6 62,6 (61,7-
63,4)
> 27 577 37,9 62,5 (61,0- 0,823
63,7)
Número de medicamentos utilizados nos últimos três
dias
0 * 289 19,5 61,4 (60,1 -
62,6)
1-2 554 36,9 61,8 (60,9- 0,499
63,6)
3-5 480 31,6 63,0 (63,2- 0,030
66,0) **
6 ou + 182 12,0 64,5 (65,4- 0,006
69,8) **
* Categoria de referência utilizada para comparação;
** Valor de p < 0,05.
Os resultados da análise de regressão linear múltipla (Tabela_6) mostram médias
de pontos significativamente superiores entre os indivíduos de 80 anos e mais,
evangélicos, que praticavam algum nível de atividade física no lazer e aqueles
com diabetes. Idosos fumantes, os que compartilhavam a residência com três ou
mais pessoas e que tinham os refrigerantes e as bebidas alcoólicas como
preferências apresentaram escores médios significativamente menores.
Tabela 6 Modelos de regressão linear múltipla: variáveis associadas às médias
globais do Índice de Qualidade da Dieta Revisado (IQD-R) em idosos de 60 anos e
mais. Inquérito de Saúde de Campinas (ISA-Camp 2008).
Primeira etapa * Segunda etapa **
Variáveis Média Valor de p Média Valor de p
(IC95%) (IC95%)
65,1 65,4
Energia (kcal) (62,0- (61,8-
68,1) 69,1)
Sexo
65,1 65,4
Masculino *** (62,0- (61,8-
68,1) 69,1)
64,8 64,6
Feminino (60,7- 0,664 (59,6- 0,218
68,9) 69,5)
Faixa etária (anos)
65,1 65,4
60-69 *** (62,0- (61,8-
68,1) 69,1)
65,7 65,6
70-79 (61,4- 0,311 (60,7- 0,858
70,1) 70,5)
67,3 67,7
80 e + (62,3- 0,031 (62,1- 0,028
72,4) 73,3)
Religião
65,1 65,4
Católica *** (62,0- (61,8-
68,1) 69,1)
66,9 67,2
Evangélica (62,7- 0,002 (62,5- 0,002
71,0) 71,9)
67,2 67,0
Outras (60,5- 0,250 (60,0- 0,357
73,9) 74,1)
66,9 66,6
Sem religião (61,4- 0,140 (60,4- 0,364
72,3) 72,7)
Número de pessoas no domicílio
65,1 65,4
1-2 *** (62,0- (61,8-
68,1) 69,1)
63,3 63,8
3 e + (58,7- 0,020 (58,7- 0,021
67,8) 68,9)
Atividade física em contexto de lazer
(IPAQ)
65,4
Sedentário *** (61,8-
69,1)
69,1
Insuficientemente ativo (63,5- 0,000
74,7)
68,2
Ativo (62,8- 0,002
74,0)
Tabagismo
65,4
Nunca fumou *** (61,8-
69,1)
65,8
Ex-fumante (60,0- 0,781
71,5)
63,4
Fumante (57,9- 0,022
68,8)
Bebida de preferência
65,4
Água/Chá *** (61,8-
69,1)
62,9
Refrigerantes (todos os tipos) (57,4- 0,005
68,3)
65,3
Leite/Iogurte/Vitaminas (57,6- 0,946
72,9)
64,9
Café/Bebidas com café (58,6- 0,613
71,0)
66,3
Suco natural (inclusive água de coco (61,1- 0,250
71,5)
64,4
Refrescos (56,7- 0,625
72,2)
61,7
Bebidas alcoólicas (56,0- 0,001
67,4)
Diabetes
65,4
Não *** (61,8-
69,1)
69,1
Sim (64,3- 0,000
73,9)
IPAQ: Questionário Internacional de Atividade Física.
* Ajustada por energia e pelas variáveis demográficas e socioeconômicas;
** Ajustada por energia e por todas as variáveis da tabela;
*** Categoria de referência utilizada para comparação;
Valor de p < 0,05.
Discussão
Os principais achados deste estudo apontam para melhor padrão de qualidade da
dieta em determinados segmentos da população, como nos idosos com 80 anos ou
mais, evangélicos, diabéticos e nos que praticam atividade física em contexto
de lazer; por outro lado, os resultados verificam pior qualidade alimentar
entre os idosos que residem em domicílios com três ou mais pessoas, tabagistas
e os que relatam predileção por refrigerantes e bebidas alcoólicas. Observou-
se, também, que os componentes do IQD-R que apresentaram as piores pontuações,
indicando um consumo inadequado, foram os relativos a cereais integrais, sódio,
leite e derivados e frutas.
Na presente pesquisa, o escore médio do IQD-R foi de 62,4 (IC95%: 61,7-63,1),
sendo um pouco inferior ao valor obtido em pesquisa norte-americana que
constatou pontuação de 63,8 no estrato de 60 anos e mais 19. No Município de
São Paulo, os idosos avaliados no ano de 2008 apresentaram 62,8 pontos, valor
que é bastante próximo ao observado em Campinas 20. A pontuação encontrada é
superior a 51, sendo as dietas com escores abaixo desse valor consideradas
inadequadas, segundo a classificação proposta por Bowman et al. 21. Contudo, a
pontuação obtida encontra-se em patamar bem inferior a 80 pontos, que delimita
a situação de dieta saudável de acordo com esse autor. O resultado sinaliza
dieta que precisa de modificação e que há muito a avançar na melhoria da
qualidade da alimentação dos idosos.
Os resultados desta pesquisa indicam piores pontuações nos componentes de
cereais integrais, sódio, leite e derivados, frutas totais e frutas integrais.
Ao analisarem idosos com 65 anos ou mais incluídos no National Health and
Nutrition Examination Survey (NHANES), Juan et al. 22 e Hiza et al. 23 também
encontraram escores baixos para grãos integrais, sódio e leite, no entanto a
pontuação de frutas totais foi bastante elevada e a de frutas integrais atingiu
o valor máximo. Dados do Vigitel 2010 (Vigilância de Fatores de Risco e
Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) mostram que a ingestão
de frutas e hortaliças tende a aumentar com a idade, mas é muito inferior ao
mínimo de 400g/dia recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 1. O
governo brasileiro definiu um conjunto de estratégias para elevar o consumo de
frutas e vegetais e diminuir o de sal, destacando-se o crescimento da produção,
oferta e queda dos preços de alimentos in natura, além de estabelecer acordos
com o setor produtivo para reduzir o teor de sal dos produtos industrializados
24. Também são necessárias ações de incentivo ao consumo de cereais integrais e
leite e derivados com baixo teor de gordura, divulgando informação sobre os
benefícios que trazem à saúde e adotando medidas fiscais que resultem no
barateamento destes alimentos.
Não foi observado, neste estudo, diferença na qualidade da dieta entre os
sexos, confirmando o achado de pesquisa desenvolvida na população norte-
americana de 65 anos e mais 23. Entretanto, estudos que analisaram amostras
constituídas por adultos e idosos encontraram pontuações significativamente
superiores nas mulheres 19,25,26. A semelhante qualidade da dieta entre homens
e mulheres idosos poderia ser explicada pela situação mais comum nessa etapa da
vida, com a de estarem aposentados e fazerem, com maior frequência, as
refeições no próprio domicílio. Por outro lado, o aumento de doenças
paralelamente ao avanço da idade em ambos os sexos tende a modificar e melhorar
a qualidade da alimentação.
Ao analisar os escores do IQD-R por faixa etária, verificou-se média
significativamente superior no subgrupo dos muito idosos (80 anos e mais). Hiza
et al. 23 encontraram média mais elevada no escore total do HEI-2005 e nos
componentes fruta total, grãos integrais, leite e energia obtida das gorduras
sólidas, álcool e açúcar de adição entre idosos com 75 anos, quando comparados
aos de 65 a 74 anos. No estudo de Ervin 19, os indivíduos com 60 anos e mais
alcançaram média de pontos superior comparados aos adultos, em virtude do maior
consumo dos componentes fruta total, fruta integral, vegetais totais, vegetais
verdes escuros e alaranjados e leguminosas, grãos integrais e, também, da menor
ingestão de gorduras sólidas, álcool e açúcar de adição. No Brasil, resultados
do inquérito Vigitel 2010 mostraram menor exposição a fatores de risco, tais
como a ingestão de refrigerantes, de carnes com gordura aparente e do uso
abusivo de bebidas alcoólicas; em relação aos fatores de proteção, maior
prevalência de consumo recomendado de frutas e hortaliças nas pessoas com 65
anos e mais comparadas às de 18 a 24 anos 1. Em estudo de base populacional,
conduzido na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Lima-Costa
27 observou que a ingestão diária de cinco ou mais porções de frutas, verduras
e legumes foi 54% maior nos sujeitos com 60 anos e mais, quando comparados aos
de 20 a 29 anos. A melhor qualidade da dieta dos idosos, especialmente do
segmento mais velho, pode ser resultante do impacto das doenças crônicas e das
comorbidades no estado de saúde, forçando o indivíduo a aderir a um tratamento
em que a alimentação saudável é um constituinte fundamental.
Nesta pesquisa, os seguidores da religião evangélica apresentaram pontuação
significativamente superior em relação aos católicos. O levantamento de
informações referentes ao perfil religioso da população brasileira, obtidas
desde 1872 pelos censos demográficos, mostra que, até a década de 1970, mais de
90% da população seguiam a doutrina católica, mas, atualmente, os católicos
somam 64,6% e os evangélicos, 22,2% do contingente populacional 28. Sarri et
al. 29 encontraram diferenças importantes entre as práticas alimentares de
grupos religiosos (muçulmano, adventista do sétimo dia, cristão ortodoxo,
judeu, budista e outras que incluem católicos, testemunha de Jeová e amish). Os
autores concluem que a religião é um fator que influencia, além do
comportamento alimentar, o relativo ao uso do tabaco, álcool e outras drogas.
Não foi encontrado nenhum estudo que tenha analisado a qualidade da dieta nas
diferentes categorias religiosas, o que sinaliza a necessidade de investigação
deste tema em futuras pesquisas.
Foi encontrado escore significativamente inferior entre os idosos que residem
com três ou mais pessoas, comparativamente aos que viviam sozinhos ou com
apenas um outro morador. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, dos
domicílios particulares habitados somente por idosos, 46,6% eram compostos por
uma ou duas pessoas e 53,4%, por três ou mais 30. Em Campinas, a distribuição
do número de moradores na residência segundo a renda familiar per capita,
revelou que as famílias mais numerosas tendem a ter menor renda, o que poderia
explicar a pior qualidade alimentar. Não foi encontrado um estudo que tenha
relacionado qualidade da dieta com o arranjo familiar, todavia alguns autores
detectaram que idosos que moram sozinhos apresentam melhor autoavaliação da
saúde 31,32. É possível que estes idosos tenham melhores condições físicas 32,
melhor situação financeira, maior autonomia para escolher e preparar os
alimentos que desejam, enquanto os indivíduos que moram junto a outros
familiares poderiam não ter as mesmas opções.
Em relação aos sedentários, os idosos que praticavam algum nível de atividade
física em contexto de lazer tiveram escores mais elevados do IQD-R. Evidências
indicam que os idosos fisicamente ativos apresentam menores taxas de
mortalidade por todas as causas de óbito, têm níveis mais elevados de saúde
funcional, melhor função cognitiva e menor risco de queda 15. Em pesquisa que
avaliou a qualidade global da dieta e o desempenho físico de indivíduos com 60
anos e mais, participantes do NHANES 1999-2002 33, foi constatada associação
entre pontuações globais mais elevadas do HEI-2005 com maior velocidade de
marcha e maior força extensora do joelho. No Brasil, resultados do Vigitel 2010
mostram que a prevalência de atividade física no lazer em indivíduos com 65
anos e mais é de 12,2% (IC95%: 10,7-13,8), com diferencial significativo entre
homens (16,6%; IC95%: 13,7-19,6) e mulheres (9,4%; IC95%: 7,7-11,1) 1. Aumentar
a prevalência de atividade física no lazer é uma das metas nacionais
contempladas no Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças
Crônicas Não Transmissíveis (2011-2022), e, para isso, o governo se apoia em
ações como o Programa Academia da Saúde, Programa Saúde na Escola, na
construção e reativação de espaços urbanos destinados à realização de atividade
física, entre outras 24.
Confrontados aos idosos que nunca fumaram, os tabagistas apresentaram pior
qualidade da dieta. O tabagismo é amplamente reconhecido como fator de risco
para doenças respiratórias, cardiovasculares, neoplasias, tuberculose e outras
34. O uso e a exposição ao tabaco respondem por aproximadamente seis milhões de
óbitos/ano no mundo e estima-se que em 2020 representem 10% de todas as causas
de morte 34. Em pouco mais de duas décadas, o Brasil conquistou reduções
substanciais na prevalência do tabagismo, resultante de medidas regulatórias,
educativas e legislativas, adesão ao Tratado Convenção-Quadro para o Controle
do Tabaco, entre outras 24,35. A prevalência de fumantes com 18 anos e mais
declinou de 35% em 1989 para 16% em 2006 36, e um recente estudo publicado com
dados do Vigitel 2010 1 apresenta um valor de 15,1%. Na pesquisa de Xu et al.
33, comparativamente aos que nunca fumaram, os idosos fumantes tiveram
pontuação significativamente inferior do HEI-2005. McClernon et al. 37
investigaram as alterações produzidas por alimentos e bebidas na palatabilidade
do cigarro, numa amostra de 209 adultos fumantes. Frutas e vegetais, leite,
produtos lácteos e bebidas não cafeinadas (inclusive água) foram relacionados à
piora do sabor do cigarro; por outro lado, as carnes e as bebidas cafeinadas e
alcoólicas realçaram as qualidades sensoriais do tabaco. Outros pesquisadores
38 avaliaram a relação entre o consumo de frutas e vegetais, medido em quartil,
com indicadores de dependência e abstinência de nicotina. Foi verificado que o
maior grau de dependência, avaliado por fumar vinte ou mais cigarros por dia,
fumar nos primeiros trinta minutos após acordar e obter pontuação ≥ 9 na Escala
de Síndrome de Dependência de Nicotina, esteve atrelado ao menor consumo de
frutas e vegetais. Entre os indicadores de abstinência, a não utilização de
produtos contendo tabaco, por ao menos trinta dias, foi três vezes superior
naqueles que ingeriam mais frutas e vegetais. Estes achados sinalizam que as
estratégias de cessação do tabagismo poderiam agregar recomendações sobre a
dieta, estimulando o consumo de frutas, vegetais e leite, bem como a redução do
consumo de carne e álcool.
Nossos resultados apontam piores escores de qualidade da dieta entre os idosos
que relataram preferência por refrigerantes e bebidas alcoólicas, em relação
aos que disseram gostar mais de água ou chá. Refrigerantes integram a categoria
de alimentos ultraprocessados, de “natureza intrinsecamente não saudável” por
sua elevada concentração de açúcar e adição de conservantes, corantes e
flavorizantes 39. Resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-
2009 mostram quedas nas prevalências e no consumo médio per capita de
refrigerantes com o avançar da idade 40. Entretanto, no estudo de Bueno et al.
41, foi constatado que, seguido do açúcar de mesa, os refrigerantes
representaram a maior fonte de açúcar de adição da dieta de idosos. Thomson et
al. 42 simularam os efeitos de 25%, 50% e 100% de substituição de bebidas
açucaradas por água na qualidade da dieta e na ingestão energética total de
adultos norte-americanos. O maior nível de substituição resultaria, por um
lado, em acréscimos de 3,8 pontos no escore total do HEI-2005 e 4,4 pontos no
componente composto por gorduras sólidas, bebidas alcoólicas e açúcar de
adição, e em uma redução de 11% na média de energia diária consumida pela
população.
Os idosos que mencionaram preferência por bebidas alcoólicas tiveram 3,8 pontos
a menos no IQD-R total em relação aos que referiram água ou chá. A predileção
por bebida alcoólica não significa que o indivíduo tenha um consumo excessivo
de álcool e, na população em estudo, observou-se que menos de 10% referiram
frequência de ingestão igual ou superior a duas vezes na semana. A associação
entre o consumo de bebida alcoólica e a qualidade da alimentação, medida pelo
HEI-2005, foi testada por Breslow et al. 43 em adultos norte-americanos
participantes do NHANES 1999-2006. Com o aumento do número de doses ingeridas
por dia, os autores verificaram gradiente de piora das médias de pontos no
escore total do HEI-2005 e, também, nos componentes fruta total, fruta
integral, energia das gorduras sólidas, álcool e açúcar de adição, em ambos os
sexos. Analisando homens adultos, Herbeth et al. 44 constataram que o crescente
consumo de álcool acarretava menor ingestão de frutas, vegetais, leite, iogurte
e queijo fresco, e maior consumo de batatas, carnes e queijo. O pior escore do
IQD-R no segmento que consome mais álcool poderia ser explicado pelo elevado
conteúdo energético das bebidas alcoólicas e pelos tipos de alimentos
usualmente escolhidos para acompanhar o seu consumo 43.
Os resultados obtidos nesta pesquisa atestam a concomitância de uma dieta de má
qualidade com outros comportamentos não saudáveis, como o sedentarismo,
tabagismo e a predileção por refrigerantes e bebidas alcoólicas. Dessa forma,
ações dirigidas à promoção da saúde dos idosos não devem focar um único fator,
como, por exemplo, a alimentação saudável, mas, sim, o conjunto de fatores que
impactam no estado geral de saúde, por meio de intervenções mais amplas.
Melhor qualidade da dieta foi verificada nos idosos que relataram presença de
diabetes. Estudos demonstram o crescimento acentuado da prevalência de diabetes
no Brasil. No período de 2003 a 2008, aumentou 37% (de 2,49% para 3,59%) entre
os adultos com 18 anos e mais 45; particularmente entre os idosos, cresceu 26%
de 1998 a 2003 e 56% de 1998 a 2008 46. Chen et al. 26, estudando adultos de 20
a 65 anos, verificaram pontuação significativamente superior do HEI-2005 no
grupo dos diabéticos, havendo maior consumo de frutas e vegetais e menor
ingestão de energia.
Outros autores observaram gradiente de melhora dos escores do HEI-2005 com o
aumento do número de morbidades 25. Segundo Barros et al. 45, o reconhecimento
da doença pelo indivíduo depende do acesso aos serviços de saúde e aos testes
diagnósticos. O maior acesso aos serviços, especialmente após o diagnóstico,
ocasionaria oportunidades mais frequentes de orientações sobre as condutas de
controle das doenças, incluindo as referentes à alimentação. Por outro lado,
receber um diagnóstico de doença crônica tende a provocar nos pacientes o
reconhecimento da necessidade de mudanças no estilo de vida com a adoção de
hábitos mais saudáveis.
Uma das limitações do presente estudo decorre da aplicação de apenas um R24h, o
que não capta a ingestão usual do indivíduo, em face da variabilidade de
consumo entre os dias da semana. No entanto, quando aplicado em base
populacional e de forma a considerar os diferentes dias da semana e as estações
do ano, como ocorreu no ISA-Camp 2008, pode-se estimar uma média de ingestão
para a população- alvo 43. O estudo de corte transversal impede interpretar as
associações encontradas como resultantes de relação de causa e efeito. O achado
de melhor qualidade da dieta entre as pessoas com maior número de doenças
crônicas é provavelmente resultante de causalidade reversa, ou seja, o
surgimento das doenças levou à mudança do padrão alimentar melhorando sua
qualidade.
A utilização de informação referida de doença crônica também pode ser
considerada como uma limitação do estudo, porém pesquisas de comparação de
informação referida e obtida em prontuários médicos mostram que o grau de
acurácia varia conforme a doença pesquisada, a presença de comorbidades e as
características sociodemográficas do respondente 45. Em relação às medidas de
peso e altura coletadas por mensuração direta e por relato em inquéritos
nacionais, Conde et al. 47 apontaram elevadas concordância e correlação entre o
IMC medido e o aferido. O inquérito utilizado como fonte dos dados do presente
estudo abrange uma temática ampla, não sendo uma pesquisa específica de
nutrição, o que reduz o detalhamento do item de consumo alimentar; contudo, por
sua vez, amplia as dimensões de saúde que podem ser avaliadas em sua relação
com a dieta. O IQD-R é fundamentado no instrumento americano HEI-2005, que
contempla as recentes evidências científicas sobre os benefícios de certos
alimentos à saúde, como os grãos integrais, os vegetais verdes-escuros e
alaranjados, e óleos, incluindo os vegetais não hidrogenados e os provenientes
de peixes e oleaginosas. O consumo de frutas pode ser verificado nas formas de
suco natural e integral (constituição natural do alimento), e as recomendações
foram definidas em 1.000kcal, permitindo conceituar a dieta independentemente
da necessidade individual de energia.
A presente pesquisa traz informações de âmbito populacional sobre a qualidade
global da dieta dos idosos, identificando os componentes com piores pontuações.
Os achados apontam os subgrupos mais vulneráveis ao pior padrão alimentar e a
concomitância da má qualidade da dieta com outros comportamentos não saudáveis.
Sinaliza, assim, para a necessidade de que as estratégias direcionadas à
promoção da saúde dos idosos sejam feitas de maneira integral e não focadas em
um único fator.
Agradecimentos
Agradecimentos ao CNPq (processo no409747/2006-8) pelo financiamento da
pesquisa e pelas bolsas de produtividade de M. B. A. Barros e de R. M. Fisberg.
À Secretaria Municipal de Saúde de Campinas e à Secretaria de Vigilância em
Saúde do Ministério da Saúde, pelo apoio financeiro à pesquisa de campo do ISA-
Camp 2008. À Capes pela bolsa de doutorado concedida a D. Assumpção.